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Processo nº 658/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
A, devidamente identificada nos autos, propôs contra B, acção declarativa de condenação, registada sob o nº CV3-09-0098-CAO, na qual peticiou que:

1. Ser reconhecida e declarada a resolução contratual dos dois contratos de licença de utilização identifcados naqueles autos, com efeito a partir de 04NOV2009;

2. Ser a Ré condenada a restituir à Autora os Edifícios sitos na Doca dos Pescadores, composto por r/c e 1º andar dos Blocos I e II do Edifício XXX;

3. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de HKD$20.659.030,10, equivalente a MOP$21.278.801,00 correspondente às retribuições mensais devidas e não pagas pela utilização dos referidos espaços comerciais e outras despesas comuns de ar condicionado, promoção, administração, telefone, água e electricidade; e

4. Ser a Ré condenada a pagar os juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa convencional sobre os montantes em dívida contados desde a data do vencimento e até efectivo e integral pagamento.

Posteriormente em sede de réplica, veio a Autora ampliar o seu pedido para a quantia de MOP$72.735.863,70.

Na pendência dessa acção declarativa de condenação, foi requerida a presente providência cautelar, pedindo a restituição dos imóveis, devidamente identificados nos autos, com fundamento, em síntese, na alegada resolução dos contratos e no perigo da lesão grave e dificilmente reparável do direito da propriedade, da disponibilidade económica e do seu direito enquanto proprietária ao uso e fruição dos imóveis.

Veio a final nesse procedimento cautelar a ser proferida a sentença indeferindo a requerida providência cautelar – cf. fls. 221 e s.s. dos presentes autos.

Não se conformando com essa sentença, veio a requerente A interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância.

No âmbito desse recurso, registado sob nº 658/2011, o Tribunal de Segunda Instância julgou, mediante o Acórdão datado de 03NOV2011, procedente o recurso interposto pela A revogando a sentença na parte que considerou inverificado o periculum in mora e a decisão que indeferiu a requerida restituição, e em substituição julgando procedente o presente procedimento cautelar e ordenando a imediata restituição dos Edifícios sitos na Doca dos Pescadores, composto por rés-do-chão e 1º andar dos Blocos I e II do Edifício XXX, objecto dos contratos de Licença e Uso celebrados entre a requerente e a requerida.

Inconformada com o assim decido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, a requerida B recorreu dele para o Venerando Tribunal de Última Instância.

O Venerando Tribunal de Última Instância decidiu, por Acórdão datado de 28MAR2012, negar provimento ao recurso no que se refere à não demonstração do perigo de insatisfação do direito e julgar procedente o recurso na restante parte, ordenando a remessa do processo ao Tribunal de Segunda Instância a fim de conhecer da questão respeitante à omissão de pronúncia suscitada pela recorrente.

Baixados os autos a esta instância, e em cumprimento do ordenado no Douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, passemos a debruçar-nos sobre a questão cuja apreciação foi omitida.

Nas contra-alegações apresentadas ao recurso interposto pela requerente para o Tribunal de Segunda Instância, a requerida suscitou o seguinte:

DD. Por outro lado, entre a providência cautelar e a acção principal tem, pois, que haver coincidência de causa de pedir. O que, "in casu" não acontece.
EE. E não acontece porque o direito que a Recorrente pretende acautelar nos artigos 104.° a 122.° do presente procedimento cautelar não é o direito à resolução dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal, com a consequente restituição dos Blocos I e II do Edifício "XXX " , nem o direito ao recebimento das remunerações mensais em dívida até 4/11/2009, mas sim o direito à indemnização pelos proventos futuros de natureza eventual que, na sua perspectiva, poderia obter, se idêntico contrato àquele que foi celebrado com a ora Rcorrida a fls. 27 a 58 tivesse prosseguido normalmente com terceiro(s) desde 4/11/2009 em diante.
FF. Ora, os factos constitutivos do direito aos hipotéticos proventos que a Recorrente pretende acautelar com o actual pedido de restituição imediata das lojas e os espaços objecto dos contratos de fls. de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal formulado no presente procedimento cautelar comum, não integram a causa de pedir da acção principal, nem correspondem a nenhum dos pedidos que a Recorrente pretende lhe sejam reconhecidos na acção principal.
GG. E, não existindo identidade quanto à causa de pedir formulada nos artigos 104.° a 122.° da providência cautelar (factos relativos ao direito aos proventos futuros de natureza eventual) e a causa de pedir da acção principal (factos relativos ao direito à resolução dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal a partir de 4/11/2009 e à exigibilidade das remunerações mensais "vencidas" até essa data), afigura-se que aquela não se destina a acautelar qualquer dos pedidos que constituem objecto desta.
HH. Vidé, a propósito, e em sentido coincidente com o defendido, Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, III Vol., Almedina, 2004, págs. 144/147"; Lebre de Freitas, in "Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora 2001, págs. 16/17"; Miguel Teixeira de Sousa, in "Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 246"; bem como a jurisprudência referida no parágrafo 107 destas contra-alegações
II. E daí que, perante a impossibilidade processual de obter na sentença que vier a ser proferida na acção principal, a confirmação do direito aos hipotéticos proventos que a Recorrente ora pretende acautelar no presente procedimento cautelar comum, se entenda ser de indeferir a presente providência, por falta do requisito da instrumentalidade ou dependência da acção previsto no artigo 328.°, n.º 1 do CPCM.
JJ. Por último, a Recorrente não pede ao Tribunal que sejam tomadas medidas que visem acautelar o efeito útil da acção proposta, i.é., que visem garantir que a situação não se altere na pendência da acção principal, de modo a que a sentença, que, se for caso disso, condene definitivamente a aqui Recorrida a restituir as lojas e os espaços objecto dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal, não perca a sua eficácia.
KK. Ou seja, com a medida peticionada no presente procedimento cautelar, a Recorrente não pretende prevenir o efeito útil da acção, mas desde logo, obter a condenação (antecipada) da Recorrida, o que é bem diferente!
LL. Há, assim, clara desconformidade entre o fim que se visa alcançar na providência cautelar inominada e o que nela foi peticionado, não assistindo por isso razão à Recorrente, mesmo na hipótese de procederem as questões por ela suscitadas nas alegações do recurso a que ora se responde.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.

As questões suscitadas pela requerida B são as seguintes:

1. da falta de relação entre o procedimento cautelar e a acção principal; e
2. da desconformidade entre o fim da providência e o que nela foi peticionado.

Tratam-se de questões que já foram suscitadas pela requerida B na oposição deduzida ao requerimento inicial da providência cautelar – cf. artºs 8º e s.s. da oposição.

Questões essas já foram objecto da decisão na sentença da primeira instância na parte que ora se transcreve a seguir:
   As providências cautelares podem ser conservatórias – manutenção do statu quo de modo a garantir a reintegração – ou antecipatórias – antecipação da realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido -.
   O efeito que a Requerente pretende com esta providência – que lhe seja restituída a coisa cuja restituição é igualmente pedida na acção principal por força da resolução dos contratos de que é objecto - é antecipatório.
   É manifesta a falta de razão da requerida quando invoca a falta de relação entre o procedimento cautelar e a acção principal e a desconformidade entre a providência e o que nela foi peticionado, uma vez que a Requerente aqui apenas pretende antecipar, cautelarmente, um dos pedidos formulados na acção principal.
Pelas sensatas, embora sucintas, razões expostas neste segmento da sentença da primeira instância que subscrevemos integralmente, é de entender que deve ser confirmada a sentença nesta parte.

Assim sendo, não se nos afigura outra solução melhor do que a de remeter, nos termos permitidos pelo disposto no artº 631º/5 do CPC, para os fundamentos expostos na sentença da primeira instância, louvando a sentença nesta parte que entendeu ser manifesta a falta de razão da requerida na invocação dessas duas questões.

Tudo visto, resta decidir

III

Nos termos permitidos pelo disposto no artº 631º/5 do CPC, remetendo para os fundamentos expostos no segmento da sentença da primeira acima transcrito, acordam julgar improcedentes os fundamentos em que a requerida B decaiu na primeira instância e cujo conhecimento requereu nas contra-alegações nos termos do disposto no artº 590º/1 do CPC.

Custas pela requerida.

Notifique.

RAEM, 31MAIO2012


Lai Kin Hong

Choi Mou Pan

João A. G. Gil de Oliveira
Ac. 658/2011-1