Processo n.º 391/2011 Data do acórdão: 2012-6-14 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– violação repetida da obrigação
– tratamento de toxicodependência
S U M Á R I O
Como antes da data do ora recorrido despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão, já se verificou efectivamente a violação repetida, por parte da recorrente, da sua obrigação de sujeição ao tratamento de toxicodependência, o que, conjugado com a já anterior prorrogação do prazo inicial da suspensão da pena, isto tudo fez realmente crer que as finalidades que estavam na base da suspensão jamais pudessem ser alcançadas por meio dela.
Há, pois, que confirmar o juízo revogatório da suspensão da pena formado pelo Tribunal a quo nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 391/2011
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido a fls. 239 a 240 dos autos de Processo Sumário n.o CR2-06-0008-PSM do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou a suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão outrora decretada nesses mesmos autos pela prática de um crime de traficante-consumidor, veio a arguida condenada A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a revogação da mesma decisão, com fundamento nuclear na alegada violação, cometida pela M.ma Juíza autora desse despacho, do disposto no art.o 40.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP) (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 297 a 300 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Representante do Ministério Público junto do Tribunal recorrido no sentido de provimento do recurso, com consequentemente promovida determinação de prorrogação do período de suspensão da execução da pena, com sujeição da arguida ao acompanhamento pelos serviços de reinserção social, por entender que os documentos juntos pela arguida à sua motivação de recurso mostram que ela esteve internada no Interior da China a efectuar tratamento de desintoxicação, por determinação das Autoridades competentes, que lhe impuseram tal tratamento, em isolamento coercivo por dois anos a ser cumprido de 29 de Maio de 2009 a 28 de Maio de 2011, tendo esse período de tratamento terminado concretamente em 28 de Março de 2011, o que significa que a arguida esteve fisicamente impedida de cumprir, em Macau, o tratamento de desintoxicação que lhe havia sido imposto (cfr. o teor da resposta de fls. 327 a 330).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 340 a 342), pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença constante da acta de audiência de julgamento de 10 de Janeiro de 2006, com trânsito em julgado em 20 de Janeiro de 2006, do Processo Sumário n.o CR2-06-0008-PSM do 2.o Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, a arguida ora recorrente A foi condenada como autora material, na forma consumada, de um crime, praticado em 8 a 9 de Janeiro de 2006, de traficante-consumidor, p. e p. pelo art.o 11.o do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, sob a condição de sujeição ao tratamento de toxicodependência, bem como na multa de três mil patacas, convertível em vinte dias de prisão no caso de não ser paga nem substituída por trabalho (cfr. o teor da sentença de fls. 29v a 30v dos presentes autos correspondentes);
– Por despacho judicial de 24 de Fevereiro de 2006, foi decidido, a pedido da arguida, substituir tal multa por cento e sessenta horas de trabalho (cfr. o teor de fls. 51v a 52);
– Por despacho judicial de 25 de Setembro de 2007, proferido após a audição nesse mesmo dia da própria pessoa da arguida que prometeu perante a M.ma Juíza titular do processo que ia cumprir a obrigação de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência e prestar trabalho para substituir a multa, foi decidido prorrogar o prazo inicial de suspensão da prisão, estendendo-o ao período total de três anos e seis meses, sob condição de a arguida ter que continuar a sujeitar-se ao acompanhamento do seu tratamento de toxicodependência, não poder vir a consumir a droga outra vez ou praticar, inclusivamente no Interior da China, actos relativos ao tráfico de droga, sendo, por outro lado, mantida a substituição da multa pela prestação de trabalho (cfr. o auto de interrogatório da arguida de fls. 150 a 152);
– Por despacho judicial de 29 de Janeiro de 2008, foi decidido, a pedido da arguida, autorizar o pagamento da acima referida multa e das custas do processo em prestações mensais de trezentas patacas, com advertência de que a falta de cumprimento de pagamento em prestações iria importar a execução da prisão subsidiária da multa (cfr. o teor de fls. 161v a 162);
– Por despacho judicial de 13 de Janeiro de 2009, foi decidido, depois de ouvida a arguida nesse mesmo dia para efeitos de eventual revogação da suspensão da pena de prisão (cfr. o teor do despacho de designação da data de audição da arguida exarado a fl. 190 e o teor do próprio despacho de fl. 203v);
– oficiar às autoridades competentes para colher informação acerca do tratamento, ou não, de toxicodependência da arguida e do resultado desse tratamento, para o tribunal poder decidir finalmente da revogação ou não da suspensão da pena de prisão, através da análise da informação documental formal assim solicitada;
– bem como revogar a anterior autorização de pagamento em prestações, ordenando à arguida o pagamento imediato do montante remanescente da multa em dívida, em novecentas patacas;
– Em 8 de Abril de 2009, foi finalmente pago esse montante de novecentas patacas (cfr. o teor de fl. 232);
– Entrementes, em 2 de Fevereiro de 2009, foi junto aos autos um relatório do Instituto de Acção Social sobre o tratamento de toxicodependência da arguida, elaborado em 22 de Janeiro de 2009 e confirmado em 23 de Janeiro de 2009, sendo aí relatado que segundo os testes de urina feitos à arguida, esta, desde Julho de 2008, voltou a consumir substâncias estupefacientes, e a partir de 5 de Dezembro de 2008, deixou de receber o serviço de tratamento de toxicodependência (cfr. o teor de fls. 208 a 212);
– Por outro lado, em 3 de Abril de 2009, foi junto aos autos um relatório de avaliação periódica feito nesse mesmo dia pela Direcção dos Serviços de Justiça sobre a arguida, sendo aí relatado que a arguida faltou ao serviço de tratamento de toxicodependência do Instituto de Acção Social então marcado para os dias 2, 9, 16 e 30 de Março de 2009 (cfr. o teor de fls. 215 a 218);
– Em 17 de Junho de 2009, promoveu o Ministério Público a revogação da suspensão da execução da pena de prisão da arguida (cfr. o teor de fls. 233 a 233v);
– Em 28 de Julho de 2009, foi proferido despacho judicial revogatório da suspensão da execução da pena de prisão da arguida nos termos do art.o 54.o do CP, com fundamento na falta repetida de colaboração da arguida na questão de tratamento de toxicodependência (cfr. o teor de fls. 239 a 240);
– Em 31 de Março de 2011, foi a arguida notificada desse despacho revogatório (cfr. o teor de fl. 289);
– Inconformada, interpôs a arguida recurso desse despacho, tendo anexado à sua motivação dois documentos em original, passados pelas Autoridades competentes do Interior da China, segundo os quais por Decisão n.o 00182 de 14 de Maio de 2009 da Delegação no Posto Fronteiriço de Gongbei do Serviço de Segurança Pública da Cidade de Zhuhai, lhe foi aplicada a medida de isolamento coercivo para efeitos de tratamento de desintoxicação pelo período de dois anos, de 29 de Maio de 2009 a 28 de Maio de 2011 (por ela ter sido encontrada a consumir heroína num hotel em Zhuhai em Maio de 2009), tendo essa medida sido executada no período de 12 de Junho de 2009 a 28 de Março de 2011 (cfr. o teor de fls. 301 a 302).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que conforme os elementos processuais já acima coligidos dos autos, antes da emissão do ora impugnado despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão, a M.ma Juíza autora do mesmo já ouviu pessoalmente a arguida ora recorrente.
Segundo o art.o 54.o, n.o 1, do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, a pessoa condenada infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
No caso dos autos, a suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão por que vinha condenada a ora recorrente em Janeiro de 2006 foi decretada sob a condição de sujeição ao tratamento de toxicodependência, suspensão essa que em 25 de Setembro de 2007 teve o seu período inicial ulteriormente prorrogado ante a promessa feita pela própria recorrente à M.ma Juíza a quo no sentido de que ela ia cumprir a obrigação de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência.
Entretanto, a recorrente veio a não honrar a sua promessa, pois foi relatado pelos serviços competentes de Macau que desde Julho de 2008, voltou a consumir substâncias estupefacientes e a partir de 5 de Dezembro de 2008, deixou de receber o serviço de tratamento de toxicodependência, mesmo em datas marcadas em 2,9, 16 e 30 de Março de 2009.
Assim sendo, antes da data do ora sindicado despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão, já se verificou efectivamente a violação repetida, por parte da recorrente (que na altura ainda não se terá encontrado no Interior da China para efeitos de vindouro isolamento coercivo pelas Autoridades de lá), da sua obrigação de sujeição ao tratamento de toxicodependência, o que, conjugado com a já anterior prorrogação do prazo inicial da suspensão da pena, fez realmente crer que as finalidades que estavam na base da suspensão jamais pudessem ser alcançadas por meio dela.
Há, pois, que confirmar o juízo revogatório da suspensão da pena formado sensatamente pela M.ma Juíza a quo, juízo esse que não violou de forma alguma o disposto no art.o 40.o, n.o 1, do CP.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela recorrente, com duas UC de taxa de justiça, e mil e trezentas patacas de honorários ao seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção e condução contra a recorrente, para efeitos de execução da pena de cinco meses de prisão.
Comunique ao Instituto de Acção Social e à Direcção dos Serviços de Justiça.
Macau, 14 de Junho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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