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Processo n.º 818/2011 Data do acórdão: 2012-6-14 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– violação repetida da obrigação
– adverência solene
– consumo de droga
– testes de urina
– tratamento de toxicodependência
S U M Á R I O

1. Como ante todos os elementos probatórios constantes dos autos e então carreados à Juíza a quo até antes da emissão do ora impugnado despacho revogatório da suspensão da pena de prisão, não se vislumbra que a mesma Juíza tenha violado qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou qualquer norma jurídica em matéria de prova legal ou pré-tarifada, ou ainda quaisquer legis artis vigentes no julgamento da matéria de facto, ao dar por assente que o arguido, mesmo depois da advertência solene feita na última vez, voltou a consumir droga e continuou a faltar a testes de urina, há-de decair o vício de erro notório na apreciação da prova ora esgrimido pelo arguido na sua motivação de recurso.
2. Como o arguido, mesmo depois da advertência solene feita pela Juíza na última vez, voltou a consumir droga e continuou a faltar à esmagadora maioria dos testes de urina organizados pelo serviço competente para efeitos do tratamento da sua toxicodependência, postura essa sua que representou, efectivamente, violação repetida das suas obrigações impostas sobretudo naquela advertência, o que, em conjugação com a circunstância de que ele já não era delinquente primário aquando da condenação penal dos presentes autos, já fez desacreditar que as finalidades que estavam na base da suspensão ainda pudessem ser alcançadas por meio dela, pelo que bem andou a Juíza a quo ao decidir pela revogação da suspensão da pena, por isto estar conforme com o art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 818/2011
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 265 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0267-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de sete meses de prisão outrora decretada nesses mesmos autos pela prática de um crime de simulação de crime e de um crime de favorecimento pessoal, veio o arguido condenado A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação da mesma decisão com consequente manutenção da suspensão da pena, por entender, em síntese, que “a suspensão da execução da pena de prisão não deve ser revogada em virtude de não estar satisfeito o requisito substancial” e que, por outro lado, “o Tribunal não pode sequer dar como provado que o Recorrente tem consumido estupefacientes ou praticado qualquer crime”, havendo, por isso, erro notório na apreciação da prova e violação do disposto nos art.os 53.o e 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal de Macau (CP) (cfr. o teor da motivação, apresentada no seu original 285 a 297 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido materialmente no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 299 a 301v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 310 a 310v), pugnando pela improcedência manifesta do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão proferido em 14 de Dezembro de 2010 no Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0267-PCC do 4.o Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, o arguido ora recorrente A foi condenado pela autoria material, na forma consumada, em 18 de Janeiro de 2008, de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art.o 330.o, n.o 1, do CP, em quatro meses de prisão, e de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo art.o 331.o, n.o 1, do CP, também em quatro meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova, sendo certo que segundo a matéria de facto descrita como provada nesse acórdão, este arguido já não era delinquente primário (cfr. o teor do aresto de fls. 173 a 176 dos presentes autos correspondentes);
– Ulteriormente, por ter sido detectado que o arguido consumiu droga durante o período da suspensão da pena, a M.ma Juíza titular do processo em primeira instância, sob promoção do Ministério Público, ouviu o arguido em 14 de Junho de 2011, e perante a promessa feita pelo arguido de receber voluntariamente o tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento a fim de pedir ao Tribunal a concessão de uma oportunidade, decidiu não revogar a suspensão da pena, mas sim fazer uma advertência solene ao arguido, no sentido de este ter que cumprir o regime de prova, inclusivamente tendo de sujeitar-se pontualmente aos testes de urina e seguir o programa de tratamento da sua toxicodependência e não podendo voltar a consumir droga, sob pena de poder vir a ser revogada a pena suspensa (cfr. o teor de fls. 225, 226 e 235 a 236v dos autos);
– Em 27 de Julho de 2011, foi junto aos autos um relatório de avaliação periódica do regime de prova (desintoxicação) do arguido, elaborado nesse mesmo dia pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSJ), tendo-se aí relatado que até essa data, o arguido não honrou a sua promessa de receber tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento, e que dos 14 testes de urina agendados ao arguido no período de 15 de Junho de 2011 a 25 de Julho de 2011, este só compareceu um deles e faltou a todos os restantes testes, tendo-se registado, do teste assim realizado, reacção positiva quanto à substância estupefaciente vulgarmente chamada “Ice” (cfr. o teor de fls. 244 a 249);
– Perante isto, e sob promoção do Ministério Público, a mesma M.ma Juíza ouviu o arguido em 25 de Outubro de 2011, para efeitos de ponderar da necessidade de revogação da suspensão da pena, e ante as declarações de um Técnico do Departamento de Reinserção Social da DSJ, também ouvido na mesma sede (segundo as quais o arguido só exibiu postura de colaboração quanto às entrevistas periódicas, mas já tinha postura extremamente não colaboradora em matéria de testes de urina, tendo faltado à esmagadora maioria desses testes), decidiu, em concordância com a promoção do Ministério Público feita no fim dessa audição, revogar, com citação do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de sete meses de prisão do arguido, por entender que este, durante o período da suspensão, e mesmo após a advertência solene feita na última vez, voltou a consumir droga e continuou a faltar a testes de urina, representando tudo isto que ele já violou de modo repetido e evidente as suas obrigações no período da suspensão da pena e que ao mesmo tempo já deixou de ter efeito a ameaça da execução da pena de prisão (cfr. o teor de fls. 251 a 251v e o auto de interrogatório de fls. 264 a 266).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de conhecer primeiro do vício de erro notório na apreciação da prova suscitado pelo recorrente.
Pois bem, ante todos os elementos probatórios constantes dos autos (mormente o teor do relatório de avaliação periódica de 27 de Julho de 2011) e então carreados à M.ma Juíza a quo até antes da emissão do ora impugnado despacho revogatório da suspensão da pena, e já inclusivamente referidos na parte II do presente acórdão de recurso, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem que a mesma M.ma Juíza a quo tenha violado qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou qualquer norma jurídica em matéria de prova legal ou pré-tarifada, ou ainda quaisquer legis artis vigentes no julgamento da matéria de facto, ao dar por assente que o arguido, mesmo depois da advertência solene feita na última vez, voltou a consumir droga e continuou a faltar a testes de urina, pelo que há-de decair o ora esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova.
E agora quanto à própria justeza legal da decisão recorrida, cumpre fazer desde logo um reparo: vistos os fundamentos concretamente invocados pela M.ma Juíza a quo para sustentar a sua decisão revogatória da suspensão da pena, é patente que a norma jurídica para suportar essa decisão só pode ser a da alínea a) do n.o 1 do art.o 54.o do CP, e não a da alínea b) do mesmo n.o 1.
E voltando ao cerne da questão do mérito da decisão revogatória da suspensão da pena, é bom de fazer lembrar ao recorrente que na última vez, ou seja, em 14 de Junho de 2011, a mesma M.ma Juíza decidiu não revogar a suspensão da pena, mas sim lhe fazer uma advertência solene, sobretudo porque foi ele próprio quem prometeu à M.ma Juíza que recebia voluntariamente o tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento para rogar ao Tribunal a concessão de uma oportunidade.
Contudo, já se sabe, através dos elementos acima referidos na parte II do presente acórdão, que ele, mesmo depois dessa advertência solene, voltou a consumir droga e continuou a faltar à esmagadora maioria dos testes de urina organizados pelo serviço competente, postura essa sua que representou, efectivamente, violação repetida das suas obrigações impostas sobretudo no despacho de 14 de Junho de 2011, o que, em conjugação com a circunstância de que ele já não era delinquente primário aquando da condenação penal dos presentes autos, já fez desacreditar que as finalidades que estavam na base da suspensão ainda pudessem ser alcançadas por meio dela, pelo que bem andou a M.ma Juíza a quo ao decidir pela revogação da suspensão da pena, por isto estar conforme com o art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP: a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, a pessoa condenada infringir repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Naufraga, assim, a pretensão, por legalmente descabida, do recorrente respeitante à aplicação, a seu favor, do art.o 53.o do CP.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça, e mil e trezentas patacas de honorários à sua Ex.ma Defensora Oficiosa, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção e condução contra o recorrente, para efeitos de execução da sua pena única de sete meses de prisão.
Comunique à Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 14 de Junho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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