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Processo nº 691/2011
Data do Acórdão: 31MAIO2012


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 691/2011


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção e deduziu excepção de prescrição e pedido reconvencional.

Proferido o despacho saneador, pelo qual não foi admitido o pedido reconvencional e foi julgada improcedente a invocada excepção da prescrição.

Não se conformando com o mesmo segmento do despacho saneador que não admitiu o pedido reconvencional, dele interpôs o recurso interlocutório a Ré, defendendo em síntese que se deve admitir o pedido reconvencional por se terem verificados todos os requisitos previstos no artº 17º do CPT, isto é, a acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional.

Ao que não respondeu o Autor.

Admitido o recurso interlocutório e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$473.492,10, acrescida de juros moratórios a contar da data da sentença.

Inconformados com a decisão final, recorreu a Ré alegando em sintese:

* Não foi demonstrado o comportamento ilícito por parte da Ré para sustentar a condenação, uma vez que o Autor optou por trabalhar voluntariamente nos dias de descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios para ganhar mais, ou seja, a correspondente retribuição em singelo;

* A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria forçosamente de ser considerada válida, por se tratar de uma disposição contratual válida e eficaz por força do princípio liberdade contratual consagrado no RJRT;

* Vigorou o regime de salário diário entre o Autor e a Ré e não o de salário mensal como assim entendeu o Tribunal a quo; e

* As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.

O Autor não respondeu ao recurso interposto pela Ré.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

- A R. tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação (alínea A) dos factos assentes).
- A R. foi a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, até 31 de Março de 2002 (alínea B) dos factos assentes).
- O horário de trabalho da A. foi sempre fixado pela R., em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alternadas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia (alínea C) dos factos assentes).
- A parte variável era constituída por gorjetas dadas pelos clientes da R. (alínea D) dos factos assentes).
- As gorjetas eram distribuídas pela R. (alínea E) dos factos assentes).
***
Da Base Instrutória:
- O Autor manteve uma a relação com a Ré, sob direcção efectiva, fiscalização desde Outubro de 1979 a qual cessou em 31 de Outubro de 1996 (resposta ao quesito da 1° da base instrutória),
- Dessa relação, o A. recebia um rendimento composto por um parte fixa e outra parte variável (resposta ao quesito da 2° da base instrutória),
- A parte fixa era inicialmente de MOP$1,70 por dia, e depois de HKD$10,00 por dia (resposta ao quesito da 3º a base instrutória),
- As gorjetas eram cobradas por ordens da R. e por si reunidas e contabilizadas pela R. (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
- As gorjetas eram distribuídas pela R. de acordo com regras e critérios desconhecidos pelos trabalhadores da R. e estabelecidas por esta (resposta ao quesito da 5° da base instrutória),
- O rendimento fixo somado do rendimento variável nos 1989 a 1996, era de (resposta ao quesito da 6º da base instrutória);
• MOP$167.053,00 em 1989
• MOP$179.055,00 em 1990;
• MOP$169.139,00 em 1991;
• MOP$177.562,00 em 1992;
• MOP$190.582,00 em 1993;
• MOP$228.870,00 em 1994;
• MOP$222.906,00 em 1995;
• MOP$156.111,00 em 1996.
- Desde o início dessa relação e até ao seu fim, nunca o Autor gozou um dia de descanso em cada período de 7 dias, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 7º da base instrutória),
- Nunca o Autor gozou 6 dias de descanso anual, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Desde o início da relação até a data da cessação da relação, nunca o Autor descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng, tendo o Autor trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 9º da base instrutória),
- Sem que a R. tivesse proporcionada qualquer acréscimo no rendimento da Autora (resposta ao quesito da 10º da base instrutória),
- Nem compensado o A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- O Autor aceitou que o trabalho prestado nos dias de descanso semana, anual e nos feriados obrigatórios fosse pago sem qualquer compensação adicional (resposta ao quesito da 14º da base instrutória),
- Aceitou que caso pretendesse gozar de descanso, tais dias não seriam retribuídos (resposta ao quesito da 15° da base instrutória).
- A exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos obriga a funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).

II

O recurso interlocutório da Ré

Constitui objecto do recurso a seguinte decisão:

被告在答辯中向原告提出反訴,主張原告已接受被告聘用時提供的工作待遇-即薪酬並不包括小費,故此,不能希望將第三人給予的小費計入薪酬內,否則就構成不當得利。
倘若被告當初知悉作為計算年假、周假及強制假期的金錢補償的基準的底薪包括小費時,被告亦不會將小費分予其員工,因此,被告有權以不當得利為由要求原告將過往收取的澳門幣2,071,985.65元的小費退回被告。
《勞動訴訟法典》第十七條第一款規定:
“ 一、遇有下列任一情況,且案件利益值超過有關管轄法院的法定上訴利益限額時,反訴予以受理:
(一) 被告的請求是以作為訴訟依據的法律事實為基礎;
(二) 被告欲抵銷債權;
(三) 被告的請求與訴訟所依據的實體關係之間存有從屬、補充或附屬關係。”
以上述條文與一般民事訴訟法規比較,可以得知在勞動訴訟中,提出反訴的條件比較嚴苛,究其原因是立法者不希望被訴一方,通常為僱主,利用僱員針對其提起的訴訟,在超越直接防禦的範圍,以訴訟反擊工人1。
在本案中,被告完全否認原告的請求的存在,更沒有提出抵償的要求,故此,可以排除考慮此項要件,我們僅需考慮餘下兩項實質要件是否成立。
被告的請求以作為訴訟依據的法律事實為基礎:
原告主張的賠償請求產生於被告違反勞工法例,於原告在法律規定的假期工作時沒有給予原告法律規定的金錢補償。
被告提出反訴的訴因建基於原告不承認雙方之間關於小費不計入薪金的協議,原告這些年來從被告手上收取的小費並沒有任何正當依據,原告多年來獲得的小費應該退還被告,被告主張的賠償請求的訴因則為不當得利。
很明顯,被告的反訴請求並不是以原告提出的訴訟依據的法律事實為基礎,兩者的訴因並不相同,被告的反訴請求不符合此一要件。
我們餘下考慮被告的請求與訴訟所依據的實體關係之間存有從屬、補充及附屬關係。
對於如何理解從屬、補充及附屬關係,我們可以參考葡萄牙司法見解中關於相類似條文的見解。
“附屬關係與從屬關係均設定有一個主請求(主關係)。無論附屬請求或是從屬請求均依附於主請求。
兩者的分別只是依附的紐結的緊密程度,在附屬關係中,附屬請求沒有自主性,不可獨立於主請求存在。
補充關係則設定反訴請求為原告的請求的補充,兩者之間沒有從屬關係,但有相連關係。反訴請求補充了爭議的法律關係不足"(見葡萄牙最高法院2006年11月23日的判決,原文載於www.dgsi.pt網站)。
在本案中,被告以不當得利為依據提出的反訴請求與原告要求被告賠償假期工作的補償的請求,兩者之間沒有任何依附關係,相互之間是獨立存在的,故此,兩者之間不可能為附屬或從屬關係。
被告的反訴請求與原告的請求亦互不相關,彼此之間沒有關連,也不可能是補充的關係。
總括而言,被告的反訴請求並不符合《勞動訴訟法典》第十七條要求的實體要件。
基於此,本院不接納被告的反訴請求。

Às doutas e sensatas considerações tecidas nessa decisão, aderimos integralmente.

Assim, nos termos permitidos pelo artº 631º/5 do CPC dando aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos invocados na decisão ora impugnada, negamos provimento ao recurso.

III

O recurso da sentença final

Perante as volumosas conclusões na motivação dos recursos, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente STDM levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseiro na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto da presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador o direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$1,70 e HKD$10,00), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, pagar-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, (MOP$1,70 e HKD$10,00 por dia), esta quantia ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é a única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias do descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que, à excepção do multiplicador para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal (multiplicador X 3, que todavia foi reduzida para 2/3 por limite do pedido) os outros factores de multiplicação adoptados na sentença ora recorrida ficam aquém dos aqui por nós enunciados, todavia são de manter o decidido na sentença de primeira instância, pura e simplesmente por não terem sido impugnados pelo Autor por via de recurso.

III

Pelo exposto, acordam em:

* julgar improcedente o recurso interlocutório da Ré;
* julgar improcedente o recurso interposto pela Ré da sentença final;
.

Custas em ambas as instâncias pelas partes, na proporção do decaimento.

RAEM, 31MAIO2012

Lai Kin Hong

Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em disconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)

João A. G. Gil de Oliveira

1見Leite Ferreira,《勞動訴訟法典注譯》,第四版,第167頁。
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