Processo nº 44/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Junho de 2012
Descritores:
- Declaração de remissão/quitação
SUMÁRIO:
I- A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida.
II- A quitação (ou recibo, no caso de obrigação pecuniária) é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação.
III- O reconhecimento negativo de dívida é o negócio pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
IV- O reconhecimento negativo da dívida pode ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas.
V- A remissão ou quitação de créditos do contrato de trabalho é possível após a extinção das relações laborais.
Proc. Nº 44/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$331.512,00, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início ao termo da relação laboral entre ambos.
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Na sua contestação, a ré STDM suscitou a excepção de prescrição e, além da matéria impugnativa, deduziu igualmente reconvenção, que, neste caso, manifestou através do pedido de devolução das gorjetas que entregou à autora ao longo da relação laboral, no pressuposto de que elas não eram devidas nos termos do contrato entre ambos celebrado e no de que elas haviam sido oferecidas livre e espontaneamente pelos jogadores sem que fizessem, portanto, parte do salário. A ser assim, considera estar perante um enriquecimento indevido por parte do trabalhador, circunstância que a leva a pedir a sua devolução.
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No despacho saneador, o tribunal “a quo” não admitiu o pedido reconvencional e, sobre a prescrição, julgou prescritos todos os créditos anteriores a 26/05/1990.
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Desse despacho saneador, na parte referente à decisão sobre a reconvenção, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
2. Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 238º e seguintes da Contestação e Reconvenção.
3. Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho Saneador que, a fls. 177 e seguintes que considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, quer quanto à existência de falta de compensação, falta de existência de um pedido do réu que emerja do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção e falta de acessoriedade ou, falta de complementaridade ou, falta de dependência entre o pedido do réu e o da Autora,
4. Assim indeferindo a possibilidade de procedência e mesmo, antes, do conhecimento da mesma Reconvenção por não preenchimento dos requisitos substanciais/objectivos/materiais e os requisitos processuais da mesma,
5. Com as custas a cargo da Ré, Reconvinte e ora Recorrente.
6. Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
7. Nem - também - inexiste acessoriedade, ou complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial ínsito na douta P. I.,
8. E o pedido reconvencional apresentado nos artigos 238º e seguintes da Contestação e Reconvenção,
9. Pois ambos estão interligados, conexos ou relacionados, senão, vejamos:
10. O pedido deduzido na P. I. ascende a MOP 331.512,00 (trezentas e trinta e uma mil e quinhentas e doze patacas),
11. Quando acontece que, o salário diário da A., Reconvinda e aqui Recorrida foi sempre estável e no valor pecuniário de HKD$ 10,00 (dez dólares de Hong Kong) e, depois, de HK$ 15,00 (quinze dólares de Hong Kong), sempre em função do trabalho prestado, do labor efectivamente produzido nos casinos da Recorrente e, também, da sua comparência ao serviço nos mesmos casinos até 31 de Março de 2002.
12. Ora o pedido ascende a quantias altamente superiores ao que a A., ora Recorrida, poderia calcular com base na sua retribuição diária.
13. O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis falta de períodos de descanso ou de repouso semanal, anual e feriados obrigatórios.
14. Com base nesse pedido, deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
15. Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002.
16. A acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional (parágrafo § 3º) do número I do artigo 17º do CPT está encontrado:
17. Primeiro, a Ré, Reconvinte e aqui Recorrente procurou a validade do seu contrato e das suas cláusulas de trabalho contínuo, mesmo em dias de repouso, o que foi sempre aceite pela ora Recorrida (vide, os artigos 262º a 269º da Reconvenção);
18. Segundo, mesmo que, porventura, tal contrato não fosse nem seja legal, o que não se considera mas equaciona por mera hipótese académica e à cautela,
19. Então, nesse caso, deve a A. e ora Recorrida devolver o montante altíssimo de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pela Ré e provenientes dos clientes dos casinos,
20. Quantias pecuniárias estas, que a Reconvinda e Recorrida só auferiu em troco do trabalho contínuo nos casinos da Ré e Recorrente,
21. Nos termos, designadamente, do artigo 12º do RJRT de 1989 (diploma laboral hoje revogado).
22. Apenas se aplicava o RJRT de 1989 à relação jurídica e material controvertida, bem como os Usos e Costumes do Sector do Jogo e Aposta em Casino e outros jogos de azar, em vigor à data dos factos.
23. Portanto, a conexão e acessoriedade entre o pedido da P. I. e o pedido da reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo curial nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada: as tais gratificações ou as gorjetas dos clientes.
24. Pelo que o pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa da ora Recorrida à custa da Recorrente.
25. Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção (que ascende a MOP 1.270.860,20).
26. Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
27. Sem conceder, deverá a contra-acção que é a Reconvenção proceder, condenando-se a A./Recorrida a devolver a quantia ilegitimamente obtida à custa das liberalidades prestadas pelos clientes e redistribuídas pela Ré a todos os seus ex-colaboradores, ex-prestadores de serviço, ex-empregados ou ex-trabalhadores, até 31 de Março de 2002.
28. Ou seja, a quantia de MOP 1.270.860,20 é o montante pecuniário que deve ser devolvido pela A./Recorrida à aqui Reconvinte e Recorrente, a título das referidas gratificações, luvas ou gorjetas que injusta e sem causa o primeiro vem agora, a Juízo, novamente reclamar e peticionar,
29. Bem como, fica provado esse nexo entre as duas acções, com o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pela Autora e aqui Recorrida a quantia de MOP 331.512,00 (trezentas e trinta e uma mil e quinhentas e doze patacas), acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos a contar da data da data do termo da relação contratual e laboral.
30. Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
31. Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pela Autora e Recorrida dos clientes dos casinos que a Ré explorou até final de Março de 2002,
32. Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, para requerer a V. Exas do douto Tribunal ad quem que revoguem o douto Despacho recorrido posto aqui em crise pelo recurso, desde logo, na parte em que absolveu a Recorrida da instância por alegada falta de qualquer dos 3 (três) requisitos previstos nos 3 (três) §§ parágrafos do número 1 do artigo 17º do CPT, como ficou expresso no referido e douto Despacho Saneador que aqui se recorre interlocutoriamente.
33. Sobre o pedido Reconvencional, o locupletamento sem causa da A. e ora Reconvinda à custa da Ré e Recorrente, em MOP 1.270.860,20, tal quantia monetária traduz o valor das luvas, gratificações, prémios irregulares ou gorjetas que a A. e aqui Recorrida recebeu e que,
34. De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar uma quantia pecuniária por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
35. Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionário ou empregado da Ré e Recorrente,
36. Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos clientes e distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
37. O douto Tribunal a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa,
38. Por falta de requisitos materiais-objectivos e requisitos processuais.
39. Acontece que, por outro lado, houve nesta acção, uma revelia operante da A. e ora Recorrida, pois, notificada para responder, contestar, impugnar a Reconvenção em sede de resposta à Contestação, manteve o silêncio.
40. Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, i. e., consideram-se reconhecidos os factos articulados pela Autora e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
41. Em consequência todos os factos alegados nos artigos 238º e seguintes da Contestação e Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
42. O douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
43. A A. e ora Recorrida deveria ter sido condenada de preceito no pedido reconvencional.
44. A causa para o enriquecimento da ora Recorrida e o consequente empobrecimento da Recorrente assentava na renúncia expressa daquela primeira à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
45. Apenas por ter aceite não ser remunerado durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu à A., ora Recorrida, participar no esquema das gorjetas entregues pelos Clientes da Recorrente.
46. Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, a A./Reconvinda/Recorrida a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
47. Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerada nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que a ora Recorrida enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
48. Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, mas, e também, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
49. Em conclusão, requer-se a V. Exas o conhecimento da Reconvenção e dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo e, assim, fazendo sempre a costumada e habitual Justiça.
Termos em que se requer a procedência da Reconvenção deduzida na Contestação e o seu conhecimento pelo douto Tribunal a quo, revogando-se o douto Despacho Saneador que indeferiu a mesma Reconvenção, prosseguindo-se deste modo os autos com o conhecimento do mérito da mesma, fazendo V. Exas, assim, a habitual e costumada JUSTIÇA!».
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Não houve contra-alegações.
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Prosseguiram os autos os seus normais trâmites, vindo a seu tempo a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção em virtude da procedência daquilo a que chamou excepção peremptória e que juridicamente integrou no instituto de quitação ou remissão.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pela autora da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. Nos termos do 33º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, o trabalhador não pode ceder créditos laborais, excepto quando seja em seu próprio benefício.
II. A Autora ao passar um recibo de quitação em favor da STDM (a fls.27), meramente declarou que recebeu doze mil patacas, não podendo consubstanciar um contrato de remissão de créditos porquanto, ao tempo, as partes desconheciam o quantum indemn izatório.
III. Nos termos gerais do direito, só há contrato em havendo vontade livre e esclarecida o que, patentemente, inexistia no que à parte cognoscitiva diz respeito: Pois que tanto para a A., como para a Ré, o quantum indemnizatório era completamente desconhecido.
IV. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, considerando improcedente a acção por considerar que a A. cedera os seus créditos à STDM, violou 33º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
V. Pois que, salvo o devido respeito, tal entendimento é incorrecto, e a interpretação justa do 33º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril é, pura e simplesmente, a literal, ou seja:
O trabalhador não pode ceder a qualquer título um crédito laboral exceptuando quando o faça em seu benefício, ou seja, quando o faça em favor do Fundo do qual irá beneficiar no futuro.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, se requer a V. Excelências se dignem considera procedente o presente recurso e, assim, substituir a sentença recorrida por outra onde se condene a Recorrida a pagar a quantia peticionada fazendo, assim, a habitual JUSTIÇA!».
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A STDM apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«1. No entender da aqui Recorrida, a declaração assinada pela Autora não configura uma cessão ou cedência de eventuais créditos;
2. Da análise do Acórdão do TUI supra mencionado também não resulta que a declaração seja subsumível à figura da cessão ou cedência de créditos. Aliás, no âmbito da cessão de créditos, o crédito continua a existir, não se extingue, apenas operando-se mudanças quanto à sua titularidade. No caso dos autos e da declaração em concreto, discute-se a extinção do crédito;
3. Nestes termos, por não ser verdade que o Tribunal a quo tenha considerado a declaração como um instrumento de cessão ou cedência de créditos, deverá o presente recurso ser considerado, sem mais, como totalmente improcedente;
4. São as conclusões das alegações de recurso que delimitam o seu objecto, nesse sentido vai a jurisprudência deste douto Tribunal de recurso;
5. Assim, a questão de direito aqui colocada e delimitada pela Recorrente é a de se saber se a Autora cedeu, ou não, créditos, e, caso tenha cedido, se essa cessão é válida nos termos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
6. Salvo o mais douto entendimento deste Tribunal, entende a Recorrida que a segunda questão fica desde logo prejudicada pela resposta negativa à primeira, ou seja, a declaração assinada pela Autora não é, nem nunca poderá configurar uma cessão de créditos;
7. Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão recorrida.
Assim não se entendendo, o que meramente se equaciona em nome do bom patrocínio, sempre se dirá que:
8. Entende a Recorrida que o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não tem aplicabilidade no caso dos presentes autos, porquanto o preceito refere-se a valores resultantes de créditos ao salário e não a valores resultantes de eventuais compensações por trabalho prestado em dias de descanso;
9. Esta posição da Recorrida tem, inclusivamente, acolhimento neste douto Tribunal de recurso, mormente no recente Acórdão proferido no Processo n.º 1003/2010, de 30 de Junho de 2011, no âmbito do qual se julgou uma situação de todo idêntica, envolvendo uma declaração nos mesmos e precisos termos, assinada por um outro ex-trabalhador da Ré;
10. Nestes termos, porque o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril não tem aplicabilidade no caso dos autos, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se na totalidade a douta Decisão recorrida;
Assim não se entendendo, o que meramente se equaciona em nome do bom patrocínio, sempre se dirá que:
11. Andou bem a douta Sentença recorrida na consideração da declaração como extintiva dos eventuais créditos da Autora sobre a Ré, decorrentes da relação laboral mantida entre ambas e já cessada;
12. O Tribunal a quo aderiu, assim, ao entendimento do TUI no que toca a esta matéria, mormente ao expresso no Acórdão n.º 46/2007, de 27 de Fevereiro de 2008, no âmbito do qual se declara que “A remissão de créditos do contrato de trabalho é possível após a extinção das relações laborais”;
13. Mais invoca o Acórdão do TUI n.º 27/2008, de 30 de Julho de 2007, no âmbito do qual a Alta Instância qualifica a declaração como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo da dívida, não obstante também afirmar que tratando-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a Ré;
14. Tal como entendeu o Tribunal a quo, Autora e Ré chegaram a um acordo quanto às eventuais compensações decorrentes da prestação de trabalho em dias de descanso. Tal acordo, mediado pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, consubstanciou-se na assinatura da declaração aqui em causa;
15. A Autora sabia e estava consciente do que assinava, aliás nada em contrário resulta da prova constante dos autos, ou seja, estava plenamente consciente de que se encontrava a dispor de eventuais direitos que eram disponíveis, porquanto a relação laboral com a Ré já tinha cessado;
16. Por outro lado, este entendimento é também perfilhado por este douto Tribunal de recurso, tal como decidido no Acórdão n.º 1003/2010, de 30 de Junho de 2011 já supra citado, no âmbito do qual se julgou uma situação de todo idêntica, envolvendo uma declaração nos mesmos e precisos termos assinada por um outro ex-trabalhador da Ré;
17. No tocante à questão fundamental da validade da declaração remissiva e a sua consequência jurídica, sabe-se que também é entendimento deste douto Tribunal de Recurso que a mesma é válida e extintiva de toda e qualquer compensação emergente da relação laboral, mormente no Acórdão do TUI, de 24 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 491/2007;
18. Trata-se de uma remissão que se traduz numa causa de extinção das obrigações e na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte, revestindo, por isso, a forma de “contrato”, como claramente se preceitua no artigo 854.º, n.º 1 do Código Civil, onde consta que o credor por remitir a dívida por contrato com o devedor, ou, tal como entende o Alto Tribunal de Última Instância, de uma questão de “quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida” que se prevê no disposto no artigo 776.º do Código Civil e, de uns direitos disponíveis;
19. Seja qual for a qualificação, visa a mesma Declaração a produção dos efeitos de fazer extinguir a dívida do devedor e o reconhecimento definitivo da inexistência da prestação devida ao credor;
20. No caso dos presentes autos, encontrando-se a Declaração assinada, e cessada que estava a relação laboral entre as aqui Ré e Autora, nada mais deve aquela a esta;
21. Nestes termos, também porque a declaração produz efeitos extintivos sobre a eventual dívida resultante das compensações por trabalho prestado em dias de descanso, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, na íntegra, o doutamente decidido em Primeira Instância.
Em face de todo o exposto, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser considerado improcedente porque infundado e, consequentemente, ser mantida em conformidade a douta Sentença recorrida, na parte em que absolveu a aqui Recorrida, fazendo-se desta maneira e mais uma vez a devida Justiça».
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«A A. iniciou a relação contratual com a R. 14 de Junho de 1990. (A)
A A. recebeu de dez em dez dias da entidade patronal, como contrapartida da sua actividade laboral, desde o início da relação contratual até à sua cessação, duas quantias, uma fixa, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casino vulgarmente designado por gorjetas. (B)
A A. prestou serviços conforme os horários fixados pela entidade patronal, ora R.. (C)
As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo da R., e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (D)
Factos provados através da audiência:
A A. cessou a relação contratual com a R. em 22 de Março de 2000. (1º)
A A. recebeu no período compreendido entre 1990 e 2000 o seguinte: (3º)
Ano de 1990 - MOP$ 32.199,00;
Ano de 1991 - MOP$ 89.982,00;
Ano de 1992 - MOP$ 114.619,00;
Ano de 1993 - MOP$ 126.992,00;
Ano de 1994 - MOP$ 158.915,00;
Ano de 1995 - MOP$ 168.234,00;
Ano de 1996 - MOP$ 160.338,00;
Ano de 1997 - MOP$ 158.034,00;
Ano de 1998 - MOP$ 136.309,00;
Ano de 1999 - MOP$ 137.001,00;
Ano de 2000 - MOP$ 39.793,00.
A quantia fixa diária auferida pela A. e aludido em B foi de HKD$ 10,00/dia, desde 14 de Junho de 1990 e 30 de Abril de 1995, e de HKD$ 15,00/dia entre 1 de Maio de 1995 até ao fim do seu contrato, em 22 de Março de 2000. (4º)
A A. e a R. tinham consciência que as tais gratificações faziam parte do rendimento daquela. (5º)
As gratificações acima descritas sempre integravam o orçamento normal da A.. (6º)
A A. sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade e periodicidade. (7º)
Durante a vigência da relação contratual, a A. não gozou dias de descanso por cada semana de serviço prestado, excepto os dias de descansos constantes do quesito n.º 21. (8º)
Durante a vigência da relação contratual, a A. nunca gozou dias de descanso por cada ano de serviço prestado. (9º)
Durante a vigência da relação contratual, a A. prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro de 1990; 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1991 a 1995; 3 dias do Ano Novo Chinês e 1 de Outubro do ano 1996; 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1997; e 1 de Janeiro e 1 de Outubro do ano 1998; 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1999; 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 2000. (10º)
Apesar de ter prestado serviço nos períodos acima referidos, nunca a R. pagou à A. qualquer acréscimo pecuniário. (11º)
Provado o teor constante da declaração assinada pla A. a fls. 27. (12º e 14º)
A A. recebeu e a R. pagou, após a assinatura da referida declaração, a quantia de MOP$ 12.009,24. (13º)
Antes da entrada da A. ao serviço da R., era do seu conhecimento que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu benefício exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviços. (15º)
E tal fora-lhe expressamente esclarecida aquando da sua contratação. (16º)
Os trabalhadores, incluindo à A., eram livres de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendessem, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R.. (17º)
Aquando da contratação da A., como com todos os trabalhadores da R., a R. informava os trabalhadores de que a quota parte das gorjetas doadas pelos clientes da R., era variável e incerta. (18º)
O A. gozou 32 dias de descanso em 1993, 30 dias em 1995, 64 dias em 1996,84 dias em 1997, 112 dias em 1998, 80 dias em 1999. (21º)
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador interposto pela STDM
A STDM insurge-se contra o saneador na parte em que nele foi decidido não admitir a reconvenção nos termos do art. 17º do CPT.
Ora, como repetidamente temos dito, este artigo estabelece os requisitos substantivos e adjectivos de admissibilidade da reconvenção no âmbito dos processos laborais. Vejamos os substantivos.
Será admissível quando:
1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
2- O réu se propõe obter a compensação;
3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.
Todavia, e tal como o despacho sob censura asseverou, não estamos perante nenhum dos requisitos ali previstos. Em primeiro lugar, o pedido da ré reconvinte não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção. Efectivamente, a acção decorre alegadamente da omissão de obrigações legais aplicáveis a uma relação contratual, enquanto o pedido reconvencional assenta num alegado enriquecimento ilícito por parte da autora. Planos jurídicos distintos e diferentes bases fundamentativas, portanto.
Claramente também não podemos dizer que a ré pretende obter a compensação, uma vez que esta figura tem por pressuposto um cruzamento/reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos creditícios com um saldo favorável a uma das partes. Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra o autor-credor, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu o autor foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).
Razão para não se fazer qualquer censura ao saneador, e concluir pela improcedência do recurso (neste mesmo sentido, v.g., Ac. deste TSI de 28/07/2011, Proc. nº 537/2010; também de 9/02/2012, Proc. nº 138/2011, de 22/03/2012, Proc. nº 340/2011).
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2- Recurso da sentença
A sentença extraiu do documento assinado a fls. 27 dos autos - em que a autora declarou ter recebido da ré a quantia de Mop$ 12.009,24 referente à compensação de direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios e eventual licença de maternidade – o valor de declaração de quitação ou, então, de remissão.
A autora recorrente defende que este entendimento viola o art. 33º do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, que proíbe que o trabalhador ceda a qualquer título os créditos do seu trabalho.
O problema foi já objecto de debate tanto no TSI, como no TUI. Sirvamo-nos, com a devida vénia, do texto de um acórdão do TUI lavrado no Processo nº 27/2008, em 30/07/2008, com o qual concordamos e que, por essa razão, aqui fazemos nosso, transcrevendo-o:
“A remissão é o contrato pelo qual o credor, “com a aquiescência do devedor”, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse”1.
E acrescenta ANTUNES VARELA, “o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente.
A obrigação extingue-se sem haver lugar a prestação2”.
A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida3.
Aliás, remitir significa perdoar.
Ora, não parece ter sido isto que sucedeu, em face da declaração da autora.
A autora declarou que recebeu a prestação, que quantificou. E reconheceu mais nada ser devido em relação à relação laboral que já se tinha extinguido.
Mas não quis perdoar a totalidade ou mesmo parte da dívida, ou pelo menos não é isso que resulta da declaração, nem foi alegado ter sido essa a sua intenção.
Parece, portanto, tratar-se de quitação ou recibo, que é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação, prevista no art. 776.º do Código Civil.
Explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA4 que a “quitação é muitas vezes, como Carbonnier (Droit civil, 4, 1982, n.º 129, pág. 538) justamente observa, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o solvens já nada deve ao accipiens, seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título (quittance pour solde de tout compte)”.
Poderá, desta maneira, a quitação, ser acompanhada de reconhecimento negativo de dívida, que é, na lição de ANTUNES VARELA5, o negócio “pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
...
O reconhecimento negativo de dívida, assente sobre a convicção (declarada) da inexistência da obrigação, não se confunde com a remissão, que é a perda voluntária dum direito de crédito existente”.
Claro que o reconhecimento negativo da dívida pode dissimular uma remissão, mas para isso há que alegar e provar o facto, o que não aconteceu.
Explica VAZ SERRA6 nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, que “o reconhecimento negativo propriamente dito distingue-se da remissão, pois, ao passo que, nesta, existe apenas a vontade de remitir (isto é, de abandonar o crédito), naquele, a vontade é a de pôr termo a um estado de incerteza acerca da existência do crédito”.
E, como ensina o mesmo autor, noutra obra dos mesmos trabalhos preparatórios, a remissão não é de presumir, “dado que, em regra, a quitação não é passada com essa finalidade”7.
O reconhecimento negativo da dívida pode, de outra banda, “ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas”8 9.
Mas a transacção preventiva ou extrajudicial não dispensa “uma controvérsia entre as partes, como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la”10.
Mas nem da declaração escrita, nem das alegações das partes no processo, resulta tal controvérsia.
Em conclusão, afigura-se-nos mais preciso qualificar a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que, como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré.
4. Insusceptibilidade de cessão de crédito de salário. Impossibilidade de renúncia a salário. Vícios da vontade
Nas alegações de recurso para o TSI, a autora veio defender que o art. 33.º do RJRL não permite a cedência de créditos, por força do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador. E os trabalhadores estiveram sempre sob alçada económica e disciplinar da ré, já que a B controla a C, pelo que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinaram as declarações.
Mas a declaração de quitação não constitui qualquer cedência de créditos (a quem?).
Acresce que a cedência de créditos só está vedada enquanto durar a relação de trabalho e esta já se tinha extinguido quando foi emitida a quitação.
Por outro lado, ainda que tivesse havido renúncia a créditos, ou seja remissão, ela seria possível porque efectuada após extinção da relação de trabalho.
É o que defende a generalidade da doutrina. Escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ11:
“Relacionada com a irredutibilidade12 encontra-se a impossibilidade de renúncia, de cessão, de compensação e de penhora da retribuição. Estas limitações, excepção feita à penhora, só têm sentido na pendência da relação laboral; cessando a subordinação jurídica, o trabalhador deixa de estar numa situação de dependência, que justifica a tutela por via destas limitações”.
Quanto à alegação de que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinou a declaração, a mesma é irrelevante nesta fase, já que a autora não alegou no momento próprio factos integradores de vícios da vontade.
5. Normas convencionais e declarações negociais. O princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador
O Acórdão recorrido considerou que o art. 6.º do RJRL não permitia o acordo das partes pelo qual a autora, trabalhadora, declarasse remitir a dívida para com a ré, tendo esta declaração violado o princípio de tratamento mais favorável dos trabalhadores.
E acrescentou o mesmo Acórdão, referindo-se ao princípio de tratamento mais favorável, ele “deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir”.
Na feliz síntese de BERNARDO LOBO XAVIER13 “o princípio do tratamento mais favorável, no plano da hierarquia das normas, significa que as normas de mais alto grau valem como estabelecendo mínimos, podendo ser derrogadas por outras subalternas, desde que mais favoráveis para o trabalhador. No plano da interpretação, na dúvida sobre o sentido da lei, deverá eleger-se aquele que seja mais benéfico para o trabalhador. Na aplicação no tempo, aplicar-se-ão imediatamente todas as regras do trabalho, no pressuposto de que, havendo um constante progresso social, as novas normas são mais favoráveis para o trabalhador, conservando este, ainda, as regalias adquiridas à sombra de anterior legislação”.
O art. 6.º do RJRL dispõe o seguinte:
“Artigo 6.º
Prevalência de regimes convencionais São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”.
Esta norma prevê que as normas convencionais, estipuladas entre empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos, podem afastar o regime das normas legais desde que o regime convencional não seja menos favorável para os trabalhadores do que o regime legal.
Assim, e em primeiro lugar, as normas convencionais de que fala o preceito são normas relativas ao regime do trabalho, para vigorarem enquanto durar a relação laboral.
O acordo dos autos entre a autora e a antiga entidade patronal não é integrado por normas, isto é, não constituem nenhuma regulamentação normativa atinente às condições de trabalho. São antes declarações negociais, pelas quais a autora declara ter recebido as quantias devidas pela relação laboral já extinta e nada mais ter a receber da antiga entidade patronal.
Parece, portanto, que o art. 6.º do RJRL nada tem que ver com a matéria em apreço.
Por outro lado, o art. 6.º do RJRL prescreve, na verdade, o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, no que respeita à prevalência dos acordos sobre a lei, ao plano da hierarquia das normas.
Mas, no caso dos autos, embora exista um acordo entre partes (entre um ex-trabalhador e uma ex-entidade patronal) não existe nenhuma lei mais favorável ou menos favorável aos trabalhadores ou a ex-trabalhadores, pelo que não se vislumbra, qualquer aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, na vertente que o art. 6.º do RJRL consagra, que é o da prevalência dos acordos sobre a lei.
Há, é certo, outras vertentes do mesmo princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, por exemplo, no art. 5.º, n.º 1 do RJRL, que é o da manutenção das regalias adquiridas sobre o regime constante do RJRL.
Mas, no caso em apreço não está em causa nenhuma alteração de regime convencional para um regime legal, pelo que a vertente do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, constante do art. 5.º, n.º 1 do RJRL, não aproveitaria à autora.
O Acórdão recorrido invoca, ainda, em abono da sua tese o art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, que institui o regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Tal preceito, no seu n.º 2 fere com a nulidade os actos e os contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos naquele diploma. Ora, nem nos autos está em causa qualquer acidente de trabalho ou doença profissional, nem a quitação operou qualquer renúncia a direitos da autora.
O art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M é, pois, inaplicável.
Em suma, a autora não tem o direito que invocou, pelo que a acção estava condenada ao insucesso”.
Por esta autorizada posição se vê que a referida declaração, mais consentânea com uma quitação, tal como se pode ler no aresto, implica que o credor nada mais tenha a exigir do devedor, seja qual for a for de composição do salário (questão que haveria de discutir-se no recurso do então autor), sem que isso represente qualquer cedência do crédito do seu salário.
Trata-se, de resto, de uma posição que noutras ocasiões temos já subscrito em recursos de cujos arestos o aqui relator foi adjunto. Veja-se, por exemplo, e por mais recentes, os Acs. do TSI lavrados nos Processos nºs., 318/2010 e 316/2010, ambos de 28/07/2011; 317/2010, de 6/10/2011. Ainda os arestos de 12/2011, Proc. nº 1014/2010; 9/02/2012, Proc. nº 124/2011 e de 19/04/2012, Proc. nº 192/2011.
Quer isto dizer, pois, que a posição da autora no recurso não merece o nosso acolhimento.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso interposto do saneador pela STDM;
Custas do recurso pela recorrente.
b) Negar provimento ao recurso da sentença interposto pela autora da acção A.
Custas do recurso pela recorrente.
TSI, 07 / 06 / 2012
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
Vencido nos termos de declaração de voto
Processo nº 44/2012
Declaração de voto de vencido
Vencido por razões expostas na declaração de voto de vencido que juntei aos Acórdãos tirados nos processos nºs 68/2010, 476/2010, 1009/2010 e 330/2011.
RAEM, aos 07JUN2012
O juiz adjunto
Lai Kin Hong