Processo nº 291/2012 Data: 21.06.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Recurso penal.
Natureza da infracção.
Infracção administrativa.
Contravenção.
Competência.
SUMÁRIO
A “infracção” por falta de “pagamento (tempestivo) das indemnizações por incapacidade temporária”, p. e p. pelos art. 52° e 66°, n.° 1, al. d) do D.L. n.° 40/95/M, (Regime jurídico da reparação dos danos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais), tem natureza contravencional, sendo o Tribunal Judicial de Base o competente para o seu julgamento.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 291/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida nos autos aí registados com a referência CR3-11-0046-LCT, decidiu-se condenar a “SOCIEDADE DE ENGENHARIA A LDA” como autora de uma infracção p. e p. pelos art°s 52°, 66°, n.° 1, al. d) e 47°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 40/95/M na multa de MOP$3.000,00 assim como no pagamento de MOP$49.939.50 a favor de XXX (XXX); (cfr., fls. 264 a 267 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, veio o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer para, em síntese, afirmar que a infracção p. e p. pelos art°s 52°, 66°, n.° 1, al. d) e 47°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 40/95/M tem a natureza de uma “infracção administrativa”, sendo assim o Tribunal Judicial de Base incompetente para sobre ela se pronunciar; (cfr., fls. 271 a 274-v).
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Após resposta da mencionada “SOCIEDADE DE ENGENHARIA A LDA”, (cfr., fls. 279 a 281), e, admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede e vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação (fll.271 a 274 verso dos autos), a Exma. Colega concluiu que o Tribunal a quo devia declarar a sua incompetência, por se constituirem infracção administrativa, e não contravenção laboral, os factos ilícitos imputados à «Sociedade de Engenharia A, Lda.» (A工程有限公司).
Com efeito, todas as razões invocadas na Motivação mostram que no caso sub judice, a única questão de fundo consiste em saber qual é a natureza jurídica das infracções ao D.L. n.°40/95/M - infracção administrativa ou contravenção?
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Sob epígrafe de «Noção de infracção administrativa», o art.2° do D.L. n.o40/95/M dispõe: 1. Constitui infracção administrativa o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para o qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada multa. 2. O facto ilícito denominado infracção administrativa é considerado crime ou contravenção, conforme os casos, quando lhe corresponda pena de prisão ou pena de multa convertível em prisão.
Comparando-o com o n.° 1 do art.123° do CP (Constitui contravenção o facto ilícito que unicamente consiste na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos), podemos extrair três ideias:
1ª- Em termos do direito substantivo, não há diferença substancial ou essencial entre a infracção administrativa e a contravenção: consistindo ambas apenas na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, embora esta absolva aquela, no caso de concurso de infracções (art.8° do D.L. n.°52/99/M);
2ª- A frase “que não tenha a natureza de contravenção” no n.°1 do citado art.2° revela o carácter residual da infracção administrativa: integram nesta categoria «infracção administrativa» todos os factos ilícitos que satisfaçam à noção legal definida no n.°1 , desde que não estejam declarados pelo legislador como contravenção.
3ª- Do apontado “carácter residual” advém necessariamente que a contravenção é excepcional no sentido de depender indispensavelmente da declaração expressa do legislador. Quer isto dizer que a contravenção pressupõe forçosamente da consagração legal expressa.
Ponderada, parece-nos que tal declaração expressa do legislador representa, no fundo, a exigência mais reforçada do princípio da legalidade para a contravenção do que para a infracção administrativa.
Reflectindo o ordenamento jurídico de Macau, avistamos que para manifestar a vontade de qualificar determinados factos ilícitos na figura de contravenção, o legislador adopta três técnicas legislativas:
A primeira traduz-se na declaração directa. O legislador declara directamente a natureza contravencional de certos factos ilícitos. Servem-se de bons exemplos o epígrafe do art.85° da Lei n.° 7/2008, e o título da Secção IV do Capítulo VI da Lei n.°3/2007.
Em segundo lugar, mediante atribuir, para contravenção, ao órgão judicial, não à Administração, a competência para cobrar coercivamente as multas aplicadas se não houver o pagamento voluntário. Eis a regra sem excepção.
De modo diverso, segue o processo da execução fiscal, incumbido à REF como subunidade a DSF, a cobrança forçada de multas impostas a quem tenha praticado a infracção administrativa (art.142° n.°1 do CPA). O que constitui a manifestação do privilégio da execução administrativa.
A terceira consiste em consagrar a convertibilidade da multa na prisão de limite máximo não superior a 6 meses (n.°2 do citado art.2° e n.2 do art.125° do CP). Pelo contrário, as sanções da infracção administrativa nunca podem privar ou restringir a liberdade pessoal (art.6° n.°l do D.L. n.°52/99/M).
Contudo, importa realçar que nos termos do art.125° do CP, a regra geral consiste na inconvertibilidade da multa na pena de prisão, e a convertibilidade existe apenas nos casos expressamente declarados.
Assim, enquanto a previsão legal explícita da convertibilidade da multa na prisão revela, de forma suficiente e incontestável, a natureza contravencional de certos factos ilícitos abrangidos, a proibição legal da convertibilidade já não é segura para excluir tal natureza.
Por isso, não nos parece seguro extrair-se que o disposto no n.°2 do art.66° do D.L. n.°40/95/M confere a natureza jurídica de infracção administrativa às ilicitudes elencadas no n.°1 deste normativo legal.
Ora, no D.L. n.°40/95/M, o n.°2 do art.67° menciona ao “pagamento voluntário das multas em juízo”, o n.°3 do art.71° fixa, como início do prazo de prescrição das multas, o trânsito em julgado da sentença condenatória, e não o trânsito em definitividade da decisão administrativa.
Devida à remissão consignada no n.°2 do art.69°, o processo respeitante às infracções e à aplicação de multas rege-se pelo actual RIT, aprovado actualmente pelo Regulamento Administrativo n.°26/2008, o n.°3 do seu art.8° prevê propositadamente a remessa ao órgão judicial.
Tudo isto insinua a mens legis de que o legislador atribui ao órgão judicial, não à Administração, a competência para proceder à cobrança coerciva das multas previstas no n.°1 do art.66° do D.L. n.°40/95/M, nos casos de não haver o pagamento voluntário.
A ferida mens legis faz-nos inclinar à natureza contravencional dos factos ilícitos contemplados no n.°1do art.66° do D.L. n.°40/95/M, e opinar que o TJB é, de todo em todo lado, competente para julgar e sancionar estes factos.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 290 a 291-v).
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Passa-se a conhecer.
Fundamentação
2. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da sentença pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida nos presentes autos e com a qual se condenou a aludida “SOCIEDADE DE ENGENHARIA A LDA” como autora de uma infracção p. e p. pelos art°s 52°, 66°, n.° 1, al. d) e 47°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 40/95/M na multa de MOP$3.000,00 assim como no pagamento de MOP$49.939.50 a favor de XXX, alegando, em síntese, que era o Tribunal a quo incompetente para tal decisão, por ser aquela infracção uma “infracção administrativa”.
Perante isto, uma observação nos ocorre desde já.
É a seguinte:
Então os presentes autos não foram remetidos ao Mmo Juiz do T.J.B. para julgamento por iniciativa do Ministério Público?
É que foi o Exmo. Magistrado ora Recorrente, após diligência que entendeu encetar, a proferir o despacho a converter o auto de notícia em acusação, e a requerer a designação de data para o julgamento, (cf., 216), vindo depois a ser notificado do despacho proferido pelo Mmo Juiz, no qual, o mesmo, para além de declarar, expressamente, o T.J.B. o competente, designou a data para o julgamento, (cfr., fls. 217 a 224).
E se assim foi, (como se confirma, cfr., fls. 216) – certo sendo igualmente que nada fez ou disse aquando da notificação do despacho do Mmo Juiz a quo, (mais de 3 meses depois de tal notificação, e após a audiência de julgamento, na qual teve intervenção) –poderá agora o mesmo Ministério Público recorrer da decisão (condenatória) pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida, alegando que é o Mmo Juiz incompetente?
–– Sobre tal “questão prévia” suscitada em sede de audiência do presente recurso emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“O magistrado do Ministério Público junto do Venerando TSI, em cumprimento do douto despacho constante da ACTA DE AUDIÊNCIA de fls. 297 a 298 dos autos do Processo referido em epígrafe, vem apresentar a seguinte Resposta.
Com efeito, no douto despacho de fls. 217 dos autos, a Mesma. Juiz a quo declarou a sua competência para julgar o Processo n.° CR3-11-0046-LCT (本法院對此案有管轄權).
Apesar disso, sem prejuízo do elevado respeito pelo entendimento diferente, e ao abrigo do preceito no n.° 1 do art. 31° do CPC, parece-nos que aquele douto despacho de fls. 217 não obsta ao prosseguimento do presente recurso.
Pois bem, ainda não transitou em julgado a douta sentença decretada pela Mesma Juiz a quo sobre o fundo da causa no caso sub judice, e por isso, a incompetência pode ser arguida nesta estado processual de acordo com o no n.° 1 do art. 31° do CPC.
De outro lado, a perspectiva propugnada pela Exmo. Colega, ora recorrente, implica que a falta à Mesma Juiz a quo do julgamento, e a douta sentença recorrida fere do vício de usurpação de poder.
Deste modo, a declaração da Mesma. Juiz a quo no douto despacho de fls. 217 dos autos de ter competência (本法院對此案有管轄權) não podia sanar vício de usurpação de poder, nem formar caso julgado formal neste aspecto.
Tudo isto implica que o presente processo deverá prosseguir nos seus ulteriores termos”; (cfr., fls. 299 a 299-v).
Mostrando-se de acolher o doutamente entendido pelo Ilustre Procurador Adjunto quanto à interpretação do art. 31°, n.° 1 do C.P.C.M., passa-se para a questão colocada em sede do recurso.
–– E, também sobre esta questão – quanto à “competência do Mmo Juiz do T.J.B.” e “natureza da infracção” – se nos mostra de acolher o teor do Parecer do Ilustre Procurador Adjunto que atrás se deixou transcrito e que aqui se dá como reproduzido.
De facto, a infracção em questão não tem a natureza de uma “infracção administrativa”, sendo antes uma “contravenção”, pois que não se vislumbram motivos para se considerar uma “contravenção”, a “falta de pagamento da indemnização por resolução do contrato de trabalho sem justa causa por iniciativa do empregador” (cfr., art. 70°, 72°, 77° e 85° da Lei n.° 7/2008, e assim já não suceder em relação à “falta de pagamento da indemnização por despedimento do trabalhador durante a incapacidade temporária” ou, como no caso sucede, à “falta de pagamento das indemnizações por incapacidade temporária” (cfr., art°s 52° e 55° do D.L. n.° 40/95/M), “infracções” estas sancionadas pelo art. 66° do mesmo D.L. n.° 40/95/M, aqui em questão; (sobre a natureza de uma e outra, vd., v.g., os Acs. do então T.S.J. de 15.06.1999, Proc. n.° 1023, e de 03.12.1999, Proc. n.° 1247, in “Jurisprudência”, 1999, Vol. I, pág. 74 e segs. e Vol II, pág. 750 e segs.).
Por sua vez, basta aliás ver que nos termos do art. 67° do D.L. n.° 40/95/M se prescreve que:
“1. Os limites mínimos e máximos das multas previstas no artigo anterior são elevados para o dobro nos seguintes casos:
a) Sempre que o infractor use de falsificação, simulação ou outro meio fraudulento;
b) Quando haja reincidência nos termos previstos na lei penal geral.
2. O pagamento voluntário das multas em juízo é considerado para efeitos de reincidência”; (sub. nosso).
E, que nos termos do art. 6°, n.° 2 do D.L. n.° 52/99/M, que prevê o “regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento” se prescreve que:
“Quando valorada a reincidência, não podem ser previstos pressupostos e efeitos tão ou mais gravosos para o infractor que os constantes das disposições adequadas da lei penal”.
Para além disso, importa também atentar que no art. 69°, n.° 1 do D.L. n.° 40/95/M, atribui-se à então Direcção de Serviços de Trabalho e Emprego, (hoje, Direcção dos Assuntos Laborais), a competência para a fiscalização do cumprimento das suas normas, que com o n.° 2 se preceitua(va) que o processo respeitante às infracções e à aplicação das multas rege-se pelo Regulamento da Inspecção do Trabalho aprovado pelo D.L. n.° 60/89/M, diploma este, em parte já revogado pelo Regulamento Administrativo n.° 26/2008, que como o art. 71°, tratando-se da matéria da prescrição, se preceituava que o levantamento de “auto de notícia” que fosse confirmado nos termos do regulamento referido no n.° 2 do art. 69° interrompia a prescrição, e que, em conformidade com o referido Regulamento Administrativo n.° 26/2008, com uma secção para a matéria das “contravenções”, (a I), e outra para as “infracções administrativas”, (a II), deve a inspecção de trabalho elaborar “auto de notícia”, (como no caso sucedeu), quando a infracção presenciada constitua “contravenção” (art. 7°), sendo que, nos termos do seu art. 13°, verificada a prática de uma “infracção administrativa”, procede “à instrução do processo e deduz acusação”.
Dest’arte, (estatuindo o art. 71° do D.L. n.° 40/95/M que o auto de notícia interrompe a prescrição do procedimento pelas infracções aí previstas, e preceituando o art. 7° do Regulamento Administrativo n.° 26/2008 que presenciada uma infracção que constitua contravenção elabora-se auto de notícia), mostra-se pois de concluir que em causa nos presentes autos não está uma mera “infracção administrativa”, mas uma contravenção, demonstrada ficando assim a improcedência do recurso.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Sem tributação.
Macau, aos 21 de Junho de 2012
José Maria Dias Azedo [Com a declaração que segue: não obstante ter relatado o acórdão que antecede, não subscrevo o entendimento assumido em relação ao preceituado no art. 35°, n.° 1 do C.P.C.M. que prescreve, (apenas), que “a incompetência pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa”, afigurando-se-me que com o mesmo não se pretende permitir que em recurso da sentença se coloque, (ou, melhor, volte a colocar), a questão da competência do Tribunal, quando, sobre a mesma, já antes suscitada, se emitiu oportuna pronúncia que não foi objecto de tempestiva impugnação].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 291/2012 Pág. 16
Proc. 291/2012 Pág. 17