Processo n.º 776/2011
(Revisão e Confirmação de Decisão do Exterior)
Data: 7/Junho/2012
Assuntos :
- Revisão de divórcio celebrado no Exterior, celebrado perante autoridade administrativa
- Requisitos formais necessários para a confirmação
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau
- Compatibilidade com a ordem pública
SUMÁRIO :
1. É passível de revisão a decisão administrativa que enquadra um divórcio por mútuo consentimento, registado na China, em Heshan, junto da autoridade competente, ainda que não consubstanciado numa decisão judicial.
2. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão proferida satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
3. É de confirmar a decisão proferida por autoridade administrativa do Interior da China que reconheceu um divórcio por mútuo conhecimento e regulou o poder paternal, não se vislumbrando qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à revisão dessa decisão.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 776/2011
(Revisão e Confirmação de Decisão do Exterior)
Data: 7/Junho/2012
Requerente: A
Requerida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, vem propor
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR ÁRBITROS DO EXTERIOR DE MACAU
Contra B, ambos mais bem identificados nos autos,
nos termos e com os seguintes fundamentos:
“1º
O Autor contraíu casamento com a Ré no dia 4 de Dezembro de 2003, na Província de XX - República Popular da China. (Doc. 1).
2º
Desse casamento, existe um filho menor, de seu nome C nascido em XX de XX de 20XX (Doc. 1).
3º
Em 20 de Dezembro de 2010, o Autor e a Ré requereram o divórcio por mútuo consentimento junto do Departamento de Administração Civil de Hanshan, República Popular da China (中華人民共和國鶴山市民政局) (Doc. 1).
4º
O divórcio entre ambos foi decretado e registado em 20 de Dezembro de 2010, tendo sido homologados os acordos, por mediação entre as partes, nos termos seguintes:
a) Não existem bens comuns (cfr. Doc. 1);
b) Não existem dívidas comuns contraídas na constância do matrimónio (cfr. Doc. 1);
c) O filho menor, C fica à guarda e custódia do Requerente A, (cfr. Docs. 1 e 2);
d) A Requerente B pode visitar o filho sempre que quiser (cfr. Doc. 1).
5º
Tal decisão foi objecto de registo no Marriage Registry of Henshan City Civil Affairs Bureau, na mesma data - 20 de Dezembro de 2010, (cfr. Doc. 2) - que por corresponder ao trânsito em julgado da mesma, determinou a emissão do certificado do divórcio (cfr. Doc. 2).
6º
Não existem dúvidas sobre a autenticidade dos documentos nem tão-pouco sobre a inteligibilidade da decisão.
7º
A referida decisão tornou-se imediatamente eficaz, após o seu trânsito em julgado em 20 de Dezembro de 2010, porquanto arbitra, em absoluto, a vontade válida e expressamente manifestada pelas partes interessadas no aludido processo de divórcio.
8º
Acresce que a decisão não versa, nos termos do artigo 202 do Código de Processo Civil de Macau, sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau.
9º
Contra a decisão, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal de Macau.
10º
Mais ainda, a decisão que homologou o divórcio e os respectivos acordos sobre a partilha de bens e a regulação do poder paternal mostra-se em inteira conformidade com os princípios de ordem pública de Macau.
11º
o presente pedido de revisão e confirmação da decisão proferida pela Entidade Pública da República Popular da China - Departamento de Administração Civil de Hanshan visa a sua plena eficácia na ordem jurídica da Região Administrativa Especial de Macau.
12º
A necessidade de obter a revisão e confirmação da decisão surge pela necessidade do Autor poder torná-la eficaz na RAEM, após a revisão, e, em caso de incumprimento dos acordos, poder executar essa mesma decisão junto das instâncias judiciais.
13º
Verificam-se, pois, todos os pressupostos para que a decisão proferida pela Entidade Pública da República Popular da China - Departamento Cívico do Registo de Casamentos da cidade Zhong Shan seja revista e confirmada, o que se requer, ao abrigo do art.º 1199.º e seguintes do CPC.
Termos em que,
Deve ser revista e confirmada a decisão arbitral proferida pelo Departamento de Administração Civil de Hanshan da República Popular da China (中山市民政局婚姻登記處), que decretou o divórcio entre o Autor e a Ré, a partilha de bens e a regulação do poder paternal do filho menor, de forma a poder ter eficácia na RAEM.”
Foi oportunamente citada a requerida que não deduziu qualquer oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Relativamente ao processo de divórcio que correu seus termos no departamento respectivo da cidade de Heshan da província de XX da República Popular da China, certifica-se o seguinte:
离婚协议书
男方: A, 19XX年XX月XX日出生,广东省XX人,职业,XX,住址: 广东省XX市XX镇XX村民委员会XX村XX队XX号,身份证号码: XXXXX。
女方: B,19XX年XX月XX日出生,广东省XX市XX镇人,职业: XX,住址:广东省XX市XX镇XX村民委员会XX村XX队XX号,身份证号码: XXXXX。
双方于2003年12月4日在广东省鹤山市人民政府登记结婚,由于双方婚后性格不合,导致感情破裂,现双方自愿并同意离婚,并对子女抚养,财产、债权、债务等事项己达成一致协议如下:
一、 双方婚后生育一名儿子,名叫C (20XX年XX月XX日出生) 儿子抚养权归男方并与男方同住,儿子的抚养费由男方负责,直到儿子参加工作为止女方无需负责,女方对儿子有探视权,离婚时女方无怀孕。
二、 夫妻婚后没有共同财产。
三、 夫妻婚后没有共同的债权、债务,如有各自名下各自享有与承担。
四、 男方所在村分给男方的土地使用权及分红归男方所有,女方所在村分给女方的土地使用权及分红归女方所有。 儿子所在村分给儿子的土地使用权及分红归儿子所有。
五、 本协议书为双方自愿签订,对男女双方具有法律约束力,违约方应负法律责任。协议自双方取得《离婚证》之日起生效。
我们双方自愿离婚,双方均具有完全民事行为能力,完全同意本协议的各项安排,亦无其他不同意见。
协议人 : A B
2010年12月20日
与原件相符
2011/07/15
Mais se certifica :
***
中华人民共和国
离婚证
中华人民共和国民政部
***
离婚申请,符合«中华人民共和国婚姻法»规定,予以登记,发给此证。
登记机关
鹤山市民政局
婚姻登记专用章
婚姻登记员
***
持证人 : A
登记日期 : 2010年12月20日
离婚证字号 : L440784-2010-000541
备注 : 双方生育一名儿子,抚养权归男方。
姓名 : A 性别 : 男
国籍 : 中国 出生日期 : 19XX年XX月XX日
身份证件号 : XXXXX
姓名 : B 性别 : 女
国籍 : 中国 出生日期 : 19XX年XX月XX日
身份证件号 : XXXXX
***
婚姻法规定,男女双方自愿离婚的,淮予离婚。婚姻登记机关查明双方确实是自愿并对子女和财产问题已有适当处理时,发给离婚证。
1“Cartório Notarial da Cidade de He Shan da Província Guang Dong República Popular da China
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção - revisão da decisão do divórcio que ocorreu no Cartório Notarial da Cidade de Heshan da Província de XX, da República popular da China, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade2, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão relativa a uma autorização de um registo de um divórcio por mútuo consentimento proferida pelo departamento respectivo da República Popular da China, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita aos efeitos jurídicos da dissolução do casamento, sendo certo que são estes que devem relevar.3
É certo que não se trata de uma sentença proferida por um Tribunal do Exterior, mas não deixamos de estar perante uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que não deixa de produzir os mesmos efeitos, adoptando-se o critério que já tem seguido pelos Tribunais de Macau4 para confirmação de divórcios ocorridos perante autoridades administrativas ou até em termos de Jurisprudência Comparada.5
Sob pena até de os interessados se verem na impossibilidade de reconhecimento na ordem interna relativamente ao seu próprio estado civil.
Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal ou autoridade do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior6, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam7.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.8
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio acordado por ambos os cônjuges e regulação do filho do casal.
3. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”9E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a decisão em que se autorizou o registo do divórcio, reconhecendo tais efeitos como extintivos da relação matrimonial em causa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública. Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, igualmente por mútuo consentimento, por mera manifestação de vontade de ambos os cônjuges nesse sentido, preenchidos os respectivos requisitos.
Temos presente ainda a regulação do poder paternal que se operou por vontade dos progenitores, não ferindo igualmente a regulação operada os princípios do nosso ordenamento, sendo a criança entregue à guarda e cuidados do pai, com garantia da visita por parte da mãe, que o pode fazer sem limitações, regulação essa bem podia aqui acontecer igualmente.
À luz das leis da RPC mostra-se comprovada a dissolução do casamento, o que não fere os princípio do nosso ordenamento.
O pedido de confirmação do divórcio ocorrido na RPC não deixará, pois, de ser procedente, confirmação essa que não se estende ao acordo de partilha, situação que se aparta daqueles casos em que a partilha é homologada judicialmente.
V – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar o divórcio entre A, e B, bem como a regulação do poder paternal em relação ao filho desse casal, C, registado pelo Departamento da Cidade de Heshan da Província de Guangdong da República Popular da China, em 20 de Dezembro de 2010, no sentido de poder produzir eficácia na RAEM, nos seus exactos termos constantes daos documentos juntos aos autos.
Custas pelo requerente.
Macau, 7 de Junho de 2012,
_________________________
Choi Mou Pan
(Relator)
(Vencido nos termos da declaração que se segue)
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo Especial nº 776/2011
Declaração de Voto
Vencido nos seguintes termos
A admissão do pedido da revisão e confirmação da decisão em questão pressupõe necessariamente a obtenção da resposta positiva das seguintes questões:
1. Pode o Tribunal da Região, nalguns casos, confirmar uma decisão tomada pela autoridade administrativa do exterior?
2. A decisão in casu carece da revisão e confirmação do Tribunal da região?
O que nos parece é que não podemos ter a resposta positiva. É desta premissa grande que partimos.
Não está em causa o incurso na apreciação à organização judiciária do exterior da RAEM, ao contrário, por isso mesmo, estamos perante um obstáculo à revisão e confirmação que consiste na decisão proferida por uma autoridade administrativa, em conformidade com a lei do local. Esta a firmação é diferente de que se afirma: trata-se de um obstáculo à revisão que a decisão não tenha sido proferida pelo Tribunal do local – esta que obviamente não está convergente com nossa. Pois nunca podemos exigir que a decisão de divórcio por mútuo consentimento, a tomar no exterior da Região, devia ser decretada também por Tribunal, como em Macau, para o efeito de ser revista e confirmada.
A nossa lei é muito clara, o artigo 1199º do Código de Processo Civil define o âmbito e o objecto do pedido de revisão e confirmação, que deve ser uma decisão de um Tribunal (mesmo com lato sensu, incluindo v.g. a decisão arbitral) sobre direito privado.
Aqui há duas delimitações:
Uma é delimitação subjectiva, deve o Tribunal ser o autor da decisão o objecto de revisão e confirmação;
Outra é delimitação objectiva, ou seja, o objecto de revisão e confirmação deve ser uma decisão sobre o direito privado.
Daí, a lei põe ênfase na “decisão do tribunal” e a letra a lei, de modo algum, permite fazer uma interpretação extensiva no sentido de considerar que é sujeita à revisão e confirmação uma decisão de autoridade administrativa.
Pois, na interpretação da lei, não se pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 8º nº 2 do Código Civil.
Dispõe o artigo 1200º do CPC que “[p]ara que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos: ....”.
Dispõe também o artigo 680º (Exequibilidade de decisões e outros títulos do exterior de Macau):
“1. Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau ou de acordo no domínio da cooperação judiciária, as decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo competente tribunal de Macau.
2. Não carecem de revisão nem de confirmação pelos tribunais de Macau para ser exequíveis quaisquer outros títulos exarados fora de Macau.”
Como se sabe, os Tribunais do exterior de Macau estão nos ordenamentos jurídicos distintos e autónomos, e as suas decisões não podem ter eficácias noutro ordenamento sem estarem vigorados os acordos bilaterais entre os dois ordenamentos jurídicos ou são membros de acordos multilaterais sobre o reconhecimento da decisão sobre direito privado, razão por que a lei estabelece o mecanismo de revisão e confirmação da decisão dos Tribunais do exterior de Macau para evitar que a sua decisão impunha nesta Região, e vica-versa.
Mas isto não implica de maneira alguma que a lei pretende também competir o Tribunal o poder de rever e confirmar um acto, seja qual for a natureza, praticado pelo órgão administrativo do exterior de Macau.
Na obra do Prof. Alberto dos Reis, 《Processos Especiais》(vol II pp. 139 a 204) referia-se sempre à decisão do Tribunal sujeita à revisão, considerando que “o artigo 1100º (artigo 1094º do Código de 1961 e actualmente artigo 1199º nº 1 – acrescentado nosso) declara que, sem prejuízo do que se achar estabelecido em tratados e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, terá eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.
Sendo também certo que os Acórdãos do então T.S.J.M. de 29.01.97, Proc. nº 536, de 19.11.97 e do Plenário daquele mesmo Tribunal de 25.02.98, estes, do Proc. nº 786, firmaram que “a decisão de uma autoridade administrativa que decreta o divórcio por mútuo consentimento no exercício de competência que a lei local lhe confere é equiparada a decisão judicial, para efeitos de revisão e confirmação, cabendo na letra do nº 1 do artigo 1094º do CPC”, e nos Acórdãos deste TSI de 4 de Abril de 2001 do processo nº 33/2001, de 10 de Outubro de 2002 do processo nº 105/2002 e de 11 de Julho de 2002 do processo nº 76/2002 subscreveram esse entendimento, não podemos concordar, salvo o muito respeito, com estes entendimentos, pois quanto a nós, estes acórdão omitiram-se a justificar carecem da revisão e confirmação a respectiva decisão de uma organização administrativa sobre direito privado, ou seja, partiram esta premissa efectuaram a respectiva revisão e confirmação não devida.
Mesmo no caso de divórcio decretado pelo Tribunal do exterior de Macau, se a decisão for invocada apenas como mera prova do estado civil perante os respectivos serviços da Região, não é necessária a revisão – artigo 6º nº 2 do Código do Registo Civil aprovado pelo D.L. nº 59/99/M
Isto significa que, para admitir o presente pedido de revisão e confirmação, devemos de confirmar que carece revisão e confirmação da decisão, ou seja para a revisão e confirmação da decisão em causa deve obter uma resposta positiva daquela segunda questão.
Como se sabe, em Macau, o facto de divórcio, tal como os factos de nascimento, de casamento, de óbito, de filiação etc., está sujeito ao registo nos termos do artigo 1º do Código do Registo Civil, isto, porém, só vale para os factos ocorridos em Macau.
E os actos de registo lavrados fora da Região pelas entidades competentes, respeitantes a indivíduos com residência habitual na Região podem ingressar no registo civil em face dos documentos que os comprovem, em conformidade com a lei do local onde foram emitidos e desde que não haja manifesta incompatibilidade com a ordem pública. – no 1 do artigo 5º do Código do Registo Civil.
Se os actos respeitarem a indivíduos não abrangidos pelo número anterior, o seu ingresso no registo apenas será permitido quando o requerente mostre legítimo interesse na transcrição. – nº 2 deste artigo citado.
E o artigo 6º nº 1 dispõe sobre a decisão de tribunal do exterior de Macau, prevendo que “as decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau relativas ao estado e à capacidade civil, depois de revistas e confirmadas, são directamente registadas por meio de averbamento aos assentos a que respeitam”.
Trata-se o documento apresentado de um certificado do acto que decretou o divórcio por mútuo consentimento na Conservatória em Portugal, deve ser apenas sujeito aos dispostos no Código do Registo Civil, já não à competente revisão e confirmação do Tribunal da Região.
Não carece, pois, a revisão e confirmação do Tribunal, ainda por cima, a próprio conservador na RAEM já foi conferido o poder de decretar o divórcio por consentimento – artigo 1634° do Código Civil, tendo os mesmos efeitos das sentenças judiciais.
Se afirmássemos que, por natureza da questão em causa, há lugar à revisão e confirmação da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento, não interessando o facto de ser proferido por um órgão administrativo, estaríamos a introduzir nosso juízo de valor sobre a decisão administrativa do exterior de Macau ou indevida apreciação sobre a organização administrativa do exterior de Macau.
Pelo que, é de considerar não ter este Tribunal a jurisdição para a revisão e confirmação do documento juntado, e, em consequência, indeferir-se o pedido.
Eis a declaração.
R.A.E. de Macau, aos 7 de Junho de 2012
1 Acordo de Divórcio
Marido: A, nascido em XX de XX de 19XX, da naturalidade da Província XX(廣東省XX市XX鎮), da profissão de tripulação, residente na Província de XX(廣東省XX市XX鎮XX村民委員會XX村XX隊XX號), titular do cartão de identidade n.º 440784198009250916.
Mulher: B, nascida em XX de XX de 19XX, da naturalidade da Província XX(廣東省XX市XX鎮), desempregada, residente na Província de XX(廣東省XX市XX鎮XX村民委員會XX村XX隊XX號), titular do cartão de identidade n.º XXXXX.
As partes contraíram casamento em 4 de Dezembro de 2003 no Governo Popular da Cidade de He Shan da Província de Guang Dong. Actualmente, estão rompidas as relações conjugais por causa da incompatibilidade dos caracteres pessoais, em consequência, as partes consentem voluntariamente em divorciar-se e chegam ao acordo seguinte em termos da prestação de alimentos ao filho, bens, créditos e obrigações, etc:
1. Deste casamento existe um filho, C (nascido em XX de XX de 20XX), que será entregue aos cuidados do marido e vai viver com ele, sendo este próprio responsável por contribuir alimentos até que o filho se encontre empregado. Conceder-se-á à mulher o direito de visita e não está grávida ao divorciar-se.
2. Deste casamento não existe nenhum património comum.
3. Deste casamento não existe nenhum crédito ou obrigação comum e as partes fruirão e assumirão respectivamente os seus próprios créditos e obrigações se haver.
4. Pertencerão ao marido o direito do uso de solo e os lucros atribuídos pela Aldeia em que ele reside. Pertencerão à mulher o direito do uso de solo e os lucros atribuídos pela Aldeia em que ela reside. Pertencerão ao filho o direito do uso de solo e os lucros atribuídos pela Aldeia em que ele reside.
5. Este acordo celebrado com a vontade comum pelas duas partes é vinculativo para ambas e entrará em vigor ao adquirirem o Certificado de Divórcio. O inadimplente assumirá as responsabilidades legais consequentes.
Nós, com a plena capacidade jurídica civil, consentimos voluntariamente em divorciar-nos e concordamos totalmente nas disposições deste acordo, sem outra opinião diferente.
Contraentes: B (Ass. Vide o original) [com impressão digital]
A (Ass. Vide o original) [com impressão digital]
20 de Dezembro de 2010
É fiel ao original.
(selo do Ministério de Administração Civil da Cidade de He Shan)
15/07/2011”
Mais se certifica:
“República Popular da China
Certificado de Divórcio
Ministério de Administração Civil do Republica Popular da China
O requerimento de divórcio respeita os dispostos na Lei de Matrimónio da República Popular da China, deste modo, autoriza-se o registo e concede-se este documento.
Emitido por: Selo especializado para Registo de Matrimónio da Cidade de He Shan
Escriturário: Ass. Vide o original
Titular: A
Data de Registo: 20 de Dezembro de 2010
N.º do Certificado de Divórcio: L440784-2010-000541
Observações: Deste casamento existe um filho, ao qual o marido será responsável por contribuir alimentos.
Nome: A
Sexo: Masculino
Data de nascimento: XX de XX de 19XX
Nacionalidade: chinesa
N.º do cartão de identidade: XXXXX
Nome: B
Sexo: Feminino
Data de nascimento: XX de XX de 19XX
Nacionalidade: chinesa
N.º do cartão de identidade: XXXXX
Dispõe a Lei de Matrimónio que se autoriza o divórcio no caso de as partes consentirem voluntariamente em divorciar-se e se concede este Certificado de Divórcio quando se apurar pelos Serviços de Registo de Matrimónio a vontade voluntária das partes e que haver medidas adequadas em termos de cuidar dos filhos e de tratar os patrimónios.”
2 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
3 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
4 - AC. TSJ de Macau, de 29/1/97, proc. 536 e 19/11/97, proc. 632; TSI, de 11/7/02, proc. 76/2002, CJTSI, 2002, II, 1285; Acs. do TSI, proc. 121/09, de 4/6/09; proc.79/09, de 14/5/09
5 - Acs da RL, de 15/1/82, proc. 14857, BMJ 322, 369; RP, de 12/7/83, CJ 83, 4º, 221
6 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
7 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
8 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
9 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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776/2011 1/22