Processo nº 109/2012-I Data: 14.06.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : “Omissão de pronúncia”.
SUMÁRIO
1. A nulidade por “omissão de pronúncia” prevista no art. 571°, n°1, al. d), do C.P.C., só se verifica quando o Tribunal ignora, pura e simplesmente, qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 109/2012-I
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), arguido com os sinais dos autos, vem arguir a nulidade do acórdão por este T.S.I. proferido em 24.05.2012.
*
Alega o que segue:
“1- É nulo o acórdão que “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
É, salvo o devido respeito, a situação do acórdão em apreço, facto que o recorrente, não obstante lamentar, não pode deixar de referir.
De facto,
2- O recorrente afirmou na sua motivação de recurso que a substituição da pena de prisão não superior a 6 meses por igual número de dias multa não é uma faculdade do tribunal mas uma imposição ao tribunal.
3- Mais referiu que – baseando a sua afirmação na doutrina que usualmente é recebida pelos tribunais da R.A.E.M. – a pena de prisão só poderá não ser substituída por uma pena de multa “em virtude de razões imperiosas de prevenção (prevenção geral, uma vez que as finalidades de prevenção especias são sempre contrariadas pela aplicação de uma pena curta de prisão)”.
4- Como igualmente se referiu, a sentença recorrida, fundamentando a sua decisão de desvio do regime-regra, limitou-se a referir que o arguido “praticou este crime uma outra vez e que a pena anteriormente aplicada não teve o esperado efeito educativo”.
Ora,
5- O acórdão em apreço não tomou posição sobre esta questão de fulcral interesse, referindo no entanto que “… não se pode igualmente perder de vista que a sinistralidade rodoviária tem registado um considerável aumento em Macau, sabido sendo que tem muitas das vezes como uma das suas causas a condução em estado de embriaguez, o que torna também premente a necessidade de prevenção geral deste tipo de crime”.
Isto é,
6- O acórdão em apreço diz aquilo que o acórdão recorrido não diz; e não toma posição sobre a questão suscitada pelo recorrente, aquela que, em sua opinião, é violadora do disposto no art.° 44° do C.P.: a substituição da pena de prisão por pena de multa é ou não uma imposição ao tribunal só contrariada por razões imperiosas de prevenção geral?
7- É que, o Tribunal “ad quem” não pode, salvo o devido respeito, referir aquilo que o Tribunal “a quo não referiu, procurando de certo modo “emendar” o acórdão recorrido.
De facto,
8- O acórdão recorrido, como se disse, expressamente declarou que a não opção pelo disposto no art.° 44° do C.P. se deveu a razões de prevenção especial (“o arguido praticou este crime uma outra vez e que a pena anteriormente aplicada não teve o esperado efeito educativo”).
9- Aqui chagados, o acórdão em apreço poderia decidir se o acórdão recorrido andou bem ou mal na apreciação desta concreta questão.
10- “Se andou bem”, deveria referi-lo expressamente, o que, salvo o devido respeito, não fez.
“Se andou mal”, só poderia julgar procedente o recurso.
Por esta omissão de pronúncia é, pois, o acórdão em apreço NULO, o que se argui com as consequências legais”; (cfr., fls. 102 a 105).
*
Sobre tal pretensão emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“O Magistrado do M.P. junto deste Tribunal vem, por esta forma, pronunciar-se sobre a arguição de nulidade do douto acórdão, por parte do recorrente:
Não é verdade que o douto aresto questionado tenha deixado de se pronunciar sobre qualquer questão pertinente aduzida em sede do presente recurso, designadamente de apreciação sobre a não substituição da pena de prisão por multa e pretendida imposição legal da mesma, face ao preceituado no n° 1 do art° 44°, CPM.
Aliás, excepcionando aquele normativo tal substituição “…se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”, o próprio tribunal “a quo” não deixara de justificar a medida, face à “… necessidade de prevenção criminal”, nota que o douto aresto apenas veio confirmar.
Donde, não assistir qualquer razão, no específico, ao recorrente, devendo, pois, improceder o pretendido, por não ocorrência da nulidade assacada”; (cfr., fls. 107).
*
Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Vem o arguido A arguir a nulidade do acórdão por este T.S.I. proferido nos presentes autos.
Sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não lhe assiste razão.
Vejamos.
No acórdão ora em crise consignou-se (nomeadamente) o que segue:
“3. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez” p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão e na inibição de condução por um período de 1 ano e 6 meses.
Pede a substituição da pena principal (de prisão) por uma pena de multa ou a suspensão da sua execução.
Vejamos se tem razão.
Nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.
Perante tal moldura penal – “pena de prisão até 1 ano”, e certo sendo que o limite mínimo é de 1 mês (cfr., art. 41° do C.P.M.) – fixou o Mmo Juiz a quo a pena de 4 meses de prisão.
E, seguidamente, tendo em consideração que o ora recorrente em Agosto de 2009 já tinha sido condenado por idêntico crime numa pena de prisão, substituída por multa, entendeu que justa e adequada era uma pena privativa da liberdade.
Considera porém o arguido que excessiva é tal pena, rogando pela sua substituição por uma pena de multa ou que lhe seja suspensa a sua execução.
Pois bem, nos termos do art. 44° do C.P.M.:
“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º”.
E, no caso, face à anterior condenação do ora recorrente, poder-se-á ainda assim concluir que adequada é a pretendida substituição?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
De facto, ao ora recorrente já foi atribuída uma oportunidade na anterior condenação, onde se procedeu à dita substituição.
E, não obstante isto, verifica-se que, num espaço de tempo relativamente curto, voltou a delinquir, fazendo descaso absoluto da anterior condenação.
É também verdade que em audiência confessou os factos que lhe eram imputados.
Contudo, não se pode olvidar que tal confissão tem pouco valor atenuativo, pois que foi o recorrente detido em flagrante delito.
Assim, tendo em conta o que se expôs, e fortes sendo as necessidades de prevenção especial, não se vê pois possibilidades de se acolher a pretensão apresentada.
Por sua vez, não se pode igualmente perder de vista que a sinistralidade rodoviária tem registado um considerável aumento em Macau, sabido sendo que tem muitas das vezes como uma das suas causas a condução em estado de embriaguez, o que torna também premente a necessidade de prevenção geral deste tipo de crime.
Dest’arte, há pois que confirmar a decisão recorrida, pois que verificados também não estão os pressupostos para uma suspensão de execução da pena ao abrigo do art. 48° do C.P.M., já que a simples censura do facto e ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Reconhece-se que se devem evitar penas de prisão de curta duração; (cfr., v.g., o Ac. de 09.02.2012, Proc. n.° 10/2012).
Todavia, e como se tentou deixar exposto, no caso, outra solução não há”; (cfr., fls. 97-v a 100).
E, perante isto, poder-se-á dizer que este T.S.I. omitiu pronúncia sobre questão pelo recorrente colocada no seu recurso?
Ora, por nós, é manifesto que não.
De facto, o arguido pedia a “substituição” ou “suspensão” da pena de 4 meses de prisão que o T.J.B. lhe tinha aplicado.
E, ainda que sem grandes elaborações ou desenvolvimentos, não deixou este T.S.I. de apreciar tais “pretensões”, como de uma mera leitura ao que se deixou transcrito se pode constatar, inexistindo assim a assacada “omissão de pronúncia”.
Com efeito, e como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar:
“Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”; (cfr., v.g., Ac. de 30.05.2002, Proc. n.° 84/2002 e 22.07.2004, Proc. n.° 170/2004, e, mais recentemente, de 01.03.2012, Proc. n.° 867/2010, onde se consignou também que “a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 571°, n° 1, al. d), do CPC só se verifica quando o tribunal ignora, pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes”).
Outra questão será a da eventual discordância do arguido com as razões por este T.S.I. expostas na apreciação das suas pretensões.
Porém, e como sem esforço se mostra de concluir, tal não constitui “omissão de pronúncia”, pelo que, ociosas sendo outras considerações, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam julgar improcedente o pedido deduzido.
Pagará o requerente 3 UCs de taxa de justiça.
Macau, aos 14 de Junho de 2012
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 109/2012-I Pág. 14
Proc. 109/2012-I Pág. 1