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Processo n.º 758/2011
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Data : 14 de Junho de 2012

ASSUNTOS:
    - Recorribilidade do acto
    - Acto administrativo definitivo
- Recurso hierárquico necessário
- IACM; Impugnação de actos praticados com subdelegação de poderes por parte do Vice-Presidente
- Notificação do acto; falta ou irregularidade

SUMÁRIO:
    1. A recorribilidade do acto prende-se com a sua definitividade em termos de estabelecimento da definição de uma situação jurídica, isto é, quando constitua uma resolução final da Administração definindo a sua situação jurídica ou a de pessoas que com ela estão, ou pretendem estar, em relação jurídica.
    2. Pelo que o acto administrativo definitivo há-de ser um acto pela qual a Administração define a sua esfera jurídica ou a esfera de outros sujeitos de direito que com ela estão ou pretendiam estar em relação jurídica, em termos de uma resolução final, no sentido de que com ela se põe termo a um processo gracioso ou a um seu incidente autónomo e de que é a resolução dum órgão de cujos actos não cabe recurso hierárquico necessário.
    3. O recurso hierárquico necessário é o meio de que o destinatário de um acto administrativo definitivo por sua natureza se deve servir para provocar a decisão do órgão a quem cabe proferir, em sede administrativa, a última decisão sobre aquele caso.
    4. E para saber se o acto administrativo é ou não susceptível de recurso hierárquico necessário, deve-se atentar no estatuto da entidade recorrida.
    5. Resultando do Estatuto Orgânico e regime do IACM (RA 32/2001), do seu artigo 15º, n.º 1, que das decisões tomadas ao abrigo das delegações e subdelegações de poderes cabe recurso para o Conselho da Administração, sem prejuízo do recurso contencioso, daí decorre que o recurso hierárquico assume natureza facultativa, não dispensando o recurso contencioso.
    6. A falta de notificação de um acto não faz dele um acto enfermo de vício de forma e muito menos de vício de violação de lei. Mesmo admitindo que dada notificação não tenha sido recebida pela parte interessada e/ou concluindo-se que a mesma não obedeceu aos requisitos legais do CPA, sempre a consequência dessa omissão não será a anulabilidade do acto, mas antes a inoponibilidade do acto ao seu destinatário.
    
                Relator,

(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 758/2011
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Data : 14 de Junho de 2012

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Vice-Presidente do Conselho de Administração do IACM
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A, mais bem identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida no Tribunal Administrativo que considerou irrecorrível o acto praticado pelo Exmo Senhor Vice Presidente do CA do IACM, que lhe indeferiu a renovação de licenças de um dado número de máquinas de diversão, vem interpor recurso, alegando, em síntese conclusiva:
    I. À Recorrente foi concedida pelo IACM a Licença Administrativa n.º 2/2005, para explorar no seu estabelecimento B, sito na Travessa do Conselheiro Borja n.º 52 -58, Lojas Y e Z e Avenida de Artur Tamagnini Barbosa, 100 máquinas de diversão;
    II. Atempadamente, em 30/04/2008, a Recorrente apresentou o requerimento da renovação da mesma Licença Administrativa n.º 2/2005 sobre as mesmas 100 máquinas de diversão;
    III. O IACM entendeu renovar a licença de 46 e indeferir a renovação da licença a 56 máquinas.
    IV. As máquinas cuja licença não foi renovada não pagam prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro e desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusivamente ou fundamentalmente da perícia do jogador;
    V. Em 22/03/2010 a Recorrente solicitou ao IACM qual o critério técnico para o indeferimento da renovação da licença.
    VI. O IACM, no despacho de que se recorre de 07/04/2010, e não no despacho de 05/03/2010, respondeu com uma tabela que parece indicar os tipos de máquinas que aprovam e os que não aprovam.
    VII. Estas informações fazem parte do acto, nos termos do Art. 115.º do C.P.A, e o despacho exarado na informação n.º 839/DLA/SAL/2010 não lhes fazia qualquer referência.
    VIII. Assim, nunca foi integralmente notificado à Recorrente, pelo que a decisão de 5 de Março de 2010, não era uma decisão definitiva, vertical e final, sendo objecto de recurso contencioso.
    IX. A notificação da informação n.º 839/DLA/SAL/2010, não incluía o texto integral do acto administrativo, como impõe o Art. 70.º al. a) do C.P.A.
    X. Mas esse critério, ou escolha dos diversos tipos de máquinas, avançada como fundamentação, somente, em 15/04/2010, nada tem a ver com o critério legal do Art. 32.º n.º 1 do D-L n.º 47/98/M.
    XI. O Art. 32.º n.º 1 do D-L n.º 47/98/M não fala, nem de idade (fala no n.º 2 al. b) do mesmo artigo, e muito menos fala do que é bom ou mau para os jovens.
    XII. A fundamentação do acto é, assim, obscura e insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação, nos termos do disposto no Art. 115.º do C.P.A.
    XIII. A empresa tem tido, pelo menos desde 2008, as mesmas 100 máquinas licenciadas;
    XIV. O presente pedido visava simplesmente a renovação dessa licença n.º 2/2005;
    XV. A deliberação recorrida violou os Art. 3.º, 9.º n.º 1 al. a), 70.º al. a) e 115.º do C.P.A. e Art. 32.º n.º 1 do DL n.º 47/98/M.
    TERMOS EM QUE
    entende, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a sentença proferida alterando-a por forma a acolher as conclusões e argumentos acima expostas, desse modo deferindo o pedido para a renovação da licença n.º 2/2005 abrangendo as 100 máquinas electrónicas, conforme tinha sido formulado.
    
Este recurso não foi contra alegado.

     O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Afoba-se a recorrente, além do mais, em esgrimir com matéria atinente à pretensa ocorrência de vícios vários que vê afectarem o acto que contenciosamente impugnou.
    Toma-se, porém, evidente a inocuidade dessa esgrima na presente fase, uma vez que a douta sentença em escrutínio não sentiu necessidade do escrutínio de tal matéria, dada a rejeição do recurso, por irrecorribilidade do acto.
    Neste concreto, sustenta a recorrente que, após a sua notificação do despacho de 5/3/10 da entidade aqui recorrida, que indeferiu a instalação das 54 máquinas de diversão e, em resposta à sua solicitação sobre o critério técnico para o indeferimento da renovação da licença em causa, o IACM, através da notificação do acto de que pretende recorrer, de 7/4/10 apresentou "uma tabela que parece indicar os tipos de máquinas que aprovam e os que não aprovam", sendo que "esta tabela nunca tinha sido fornecida antes pela recorrida", daí partindo para a conclusão de que o tribunal "a quo" terá errado ao entender que "a decisão de 5 de Março de 2010 era uma decisão definitiva, vertical e final ... ".
    Do que apreendemos, assenta a recorrente o seu inconformismo a este nível no facto de as informações constantes da notificação do acto que agora pretende impugnar, designadamente a tabela que indicará os tipos de máquinas aprovadas e não aprovadas, alegadamente correspondente aos critérios técnicos sustentadores do indeferimento da renovação da licença relativa a algumas delas, nunca lhe ter sido comunicada, a não ser pela notificação do acto de que agora pretende escrutínio judicial.
    Pois bem:
    Atento o alegado, cremos não ser posto em questão o dado fundamental de que o acto de 5/3/10 foi praticado por entidade – vice-presidente do conselho e administração do IACM - com competência delegada para proferir decisão final administrativa sobre o assunto, a tal anuindo, aliás, a própria recorrente, ao interpor recurso contencioso sobre a matéria sobre decisão do mesmo órgão.
    A questão que a recorrente coloca - a de não lhe ter sido, aquando da notificação do acto de 5/3/10, fornecida a tabela justificativa do critério para o indeferimento registado - não pode passar dessa mesma base, ou seja, de eventual falha na notificação operada, sendo certo que, como se sabe, tal falha nunca poderá colidir com a validade do acto, mas tão só, quando muito, com a eficácia respectiva.
    O que equivale por dizer que, a ter existido, porventura, qualquer falha na notificação do despacho de 5/3/10, a mesma não poderá ter qualquer repercussão na validade desse acto, do mesmo passo que, nenhuma influência poderá deter na consideração sobre a definitividade, designadamente vertical desse mesmo acto, pelo que, tratando-se, como se trata, da última palavra da Administração sobre o assunto e inexistindo impugnação atempada do mesmo, haverá que considerar-se o consignado em tal despacho como "caso decidido" ou "caso resolvido".
    E, a verdade é que, não se alcançando que a "tabela" em que a recorrente se refugia não fizesse já parte integrante do "substracto" (embora, porventura, não notificado) do despacho proferido a 5/3/10, nunca se poderia argumentar assistirmos, por essa via, a um "novo" acto porventura impugnável contenciosamente, mas tão só à mera confirmação daquele despacho.
    Daí que se nos afigure não merecer reparo o decidido.
    
Foram colhidos os vistos legais.
    
II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:
  
   Em 4 de Dezembro de 2009, o vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais concordou com a proposta n.º 5048/DLA/SAL/2009 e enviou uma carta, em relação às 61 máquinas de diversão no Estabelecimento de Diversão B que implicam, possivelmente, jogos de fortuna ou azar, para a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos para consulta (vd. fls. 26 a 27 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   No mesmo dia, o IACM requereu, através do ofício n.º 21345/2906/O/DLA/SAL/2009, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos que emitisse, no prazo de 15 dias úteis, o parecer sobre o teor da proposta (vd. fls. 34 a 35 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 11 de Fevereiro de 2010, o vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais concordou com a proposta n.º 659/DLA/SAL/2010 e indeferiu a instalação no estabelecimento em causa das 54 máquinas de diversão que implicam jogos de fortuna ou azar. Segundo o vice-presidente, a recorrente pôde apresentar audiência escrita quanto à apreciação da instalação das respectivas máquinas (vd. fls. 31 a 33 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 19 de Fevereiro de 2010, o IACM notificou a recorrente da decisão acima referida através do ofício n.º 02442/377-0/DLA/SAL/2010 (vd. fls. 28 a 30 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 23 de Fevereiro de 2010, a recorrente apresentou a audiência escrita ao IACM. (vd. fls. 27 dos anexos).
   Em 5 de Março de 2010, o vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais proferiu despacho que concordou com a proposta n.º 839/DLA/SAL/2010, rejeitou a audiência escrita e indeferiu a instalação no estabelecimento em causa das 54 máquinas de diversão que implicam jogos de fortuna ou azar (vd. fls. 24 a 26 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 11 de Março de 2010, através do seu ofício n.º 03592/493-0/DLA/SAL/2010, o IACM indicou a decisão feita pelo vice-presidente do conselho de administração do IACM no exercício da competência subdelegada pelo despacho n.º 09/PCA/2010 proferido pelo presidente do conselho de administração do IACM em 3 de Março de 2010, e que pode a recorrente apresentar reclamação no prazo legalmente fixado ou interpor qualquer recurso para o conselho de administração do IACM ou recurso contencioso para tribunal com competência administrativa (vd. fls. 20 a 24 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 22 de Março de 2010, a recorrente deduziu reclamação para o conselho de administração do IACM (vd. fls. 17 dos anexos).
   Em 7 de Abril de 2010, o vice-presidente do conselho de administração do IACM proferiu despacho que concordou com a proposta n.º 1225/DLA/SAL/2010 e manteve a decisão na proposta n.º 839/DLA/SAL/2010, rejeitando a reclamação em causa (vd. fls. 5 a 7 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 15 de Abril de 2010, o IACM notificou a recorrente da decisão acima referida através do ofício n.º 05490/740-0/DLA/SAL/2010, em que foi referido que a mesma pode interpor, no prazo legalmente fixado, qualquer recurso para o conselho de administração do IACM, ou recurso contencioso para tribunal com competência administrativa (vd. fls. 1 a 4 dos anexos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 17 de Maio de 2010, a recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
     IV - FUNDAMENTOS
    1. Está apenas em causa a recorribilidade do acto, sendo nesta sede irrelevante a discussão sobre os fundamentos da não renovação da licença para as aludidas máquinas de diversão.
    
    2. E somos a ratificar o entendimento da Mma Juíza no enquadramento a que procedeu.

Atentemos no regime orgânico do IACM definido pelo Regulamento Administrativo n.º 32/2001, no que respeita à atribuição de competências de alguns dos seus órgãos define e alguns dos meios de garantia:

Artigo 9.º :

   “Competências em matéria de condicionamento administrativo
   Compete ao conselho de administração, relativamente às atribuições do IACM no domínio do condicionamento administrativo de actividades e eventos:
   1) Licenciar e fiscalizar feiras e mercados;
   2) Licenciar e fiscalizar, de acordo com os normativos aplicáveis, a actividade de vendilhões, artesãos e adelos na via pública e em lugares públicos;
   3) Licenciar e fiscalizar a publicidade e propaganda nas vias públicas ou com projecção para as mesmas;
   4) Licenciar a venda e a posse dos animais referidos na alínea 2) do artigo 7.º;
   5) Licenciar o exercício da medicina veterinária como actividade privada;
   6) Licenciar a exploração de estabelecimentos que se dediquem à venda de animais de estimação;
   7) Licenciar o transporte, abate e venda de animais destinados ao consumo público;
   8) Licenciar a venda em lugares e em mercados públicos dos produtos referidos na alínea 4) do artigo 7.º;
   9) Licenciar ou autorizar os demais actos, eventos e actividades e fiscalizar o respectivo cumprimento, conforme o previsto na legislação aplicável;
   10) Participar nos processos de licenciamento industrial e nos demais processos de condicionamento administrativo, conforme a legislação aplicável.”
   Artigo 14º

   “Delegação de competências e mandatários externos
   1. Salvo quanto às matérias previstas no artigo 11.º, nas alíneas 1), 2) e na primeira parte da alínea 7) do artigo 12.º e na alínea 7) do artigo 13.º, o conselho de administração delega nos respectivos membros as competências de gestão operacional que se mostrarem adequadas à observância do princípio da desburocratização e eficiência, nomeadamente em matéria de concessão de licenças e autorizações administrativas.
   2. As competências referidas nas alíneas 9) a 11) do artigo 12.º são tacitamente delegadas no presidente do conselho de administração.
   3. As competências delegadas ao abrigo do disposto no n.º 1 podem ser subdelegadas no pessoal de direcção e chefia do IACM, salvo se essa possibilidade estiver expressamente vedada no acto de delegação.
   4. O conselho de administração, sob proposta do presidente, pode atribuir aos seus membros pelouros correspondentes a uma ou mais subunidades orgânicas do IACM.
   5. A atribuição de um pelouro envolve a delegação dos poderes correspondentes à competência desse pelouro.
   6. A atribuição de um pelouro não dispensa o dever que a todos os membros do conselho de administração incumbe de acompanhar e tomar conhecimento da generalidade dos assuntos do IACM e de propor providências relativas a qualquer deles.
   7. O conselho de administração pode constituir mandatários externos ao IACM, nos termos legais.”

Artigo 15.º:
“Recurso
1. Das decisões tomadas ao abrigo das delegações e subdelegações de poderes referidas no artigo anterior cabe recurso para o conselho de administração, sem prejuízo de recurso contencioso.
2. O recurso para o conselho de administração pode ter por fundamento a ilegalidade, a inoportunidade ou a inconveniência da decisão e deve ser apreciado até à segunda reunião do órgão após a sua recepção.”

3. A partir de tais disposições a Mma Juíza desenvolveu a seguinte argumentação:

    “De acordo com os dispostos acima referidos, o conselho de administração do IACM pode delegar, nos termos do art.º 14.º, n.º 1 a n.º 3, a competência em matéria de concessão de licença e autorização administrativas do centro de máquinas de diversão no seu presidente que pode subdelegá-las no vice-presidente; nos termos do art.º 15.º, n.º 1, das decisões tomadas ao abrigo das delegações e subdelegações de poderes cabe recurso para o conselho de administração, sem prejuízo de recurso contencioso. Isto quer dizer que, as decisões tomadas ao abrigo das delegações e subdelegações têm definitividade vertical e são decisão final, podendo o interessado interpor das decisões, recurso contencioso ou para o conselho de administração, qualquer recurso.
    Por isso, neste processo, o despacho de 5 de Março de 2010 proferido pelo vice-presidente do conselho de administração do IACM ao abrigo do poder subdelegado pelo presidente do conselho no despacho n.º 09/PCA/2010 é uma decisão final e com definitividade vertical, que afecta directamente a situação jurídica da recorrente e é recorrível.
    A decisão (decisão recorrida) do vice-presidente do conselho de administração do IACM em relação à reclamação deduzida pela recorrente em 22 de Março de 2010 só manteve o despacho por ele proferido em 5 de Março de 2010, mas não danificou de forma qualquer a situação jurídica da recorrente, pelo que a decisão recorrida não é recorrível. Nos termos do art.º 46.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Administrativo, este recurso contencioso deve ser rejeitado.
    Nestes termos, não é preciso o julgamento de demais fundamentos. Basicamente, a recorrente pediu uma renovação de licença para as máquinas em referência, licença essa que foi indeferida por despacho do Senhor Vice-Presidente com poderes delegados em 5 de Março de 2010.
    Em 22 de março de 2010 o mesmo Senhor Vice-Presidente, mediante reclamação deduzida pela recorrente, manteve a decisão anterior e rejeitou a reclamação em causa.”
    
    4. A recorribilidade do acto prende-se com a sua definitividade em termos de estabelecimento da definição de uma situação jurídica, isto é, quando constitua uma resolução final da Administração definindo a sua situação jurídica ou a de pessoas que com ela estão, ou pretendem estar, em relação jurídica.
    Pelo que o acto administrativo definitivo há-de ser um acto pela qual a Administração define a sua esfera jurídica ou a esfera de outros sujeitos de direito que com ela estão ou pretendiam estar em relação jurídica, em termos de uma resolução final, no sentido de que com ela se põe termo a um processo gracioso ou a um seu incidente autónomo e de que é a resolução dum órgão de cujos actos não cabe recurso hierárquico necessário.
    
    O acto administrativo não pode ser mera e simplesmente considerado como definitivo quando se verifica a situação em que esgota a via administrativa, de modo a considerar que não são definitivos actos administrativos, por natureza, os actos preparatórios, os de execução, os confirmativos de actos definitivos anteriores, os internos (v.g. as ordens de serviço, os actos opinativos e os pareceres); por disposição de lei os actos administrativos de que cabe recurso hierárquico necessário.
    
    O recurso hierárquico necessário é, portanto, o meio de que o destinatário de um acto administrativo definitivo por sua natureza se deve servir para provocar a decisão do órgão a quem cabe proferir, em sede administrativa, a última decisão sobre aquele caso.
    
    Como dispõe o artigo 154º do CPA, o recurso hierárquico é necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso.
    E para saber se o acto administrativo é ou não susceptível de recurso hierárquico necessário, deve-se atentar no estatuto da entidade recorrida.
    
    5. Ora, resulta do Estatuto Orgânico e regime do IACM (RA 32/2001), do seu artigo 15º, n.º 1, que das decisões tomadas ao abrigo das delegações e subdelegações de poderes, como é o caso, cabe recurso para o Conselho da Administração, sem prejuízo do recurso contencioso.
    Daí decorre expressamente que o recurso hierárquico assume natureza facultativa , não dispensando o recurso contencioso.
    Assim sendo, a recorrente devia ter recorrido do primeiro acto e não do segundo, como fez.
    
    6. Mas alega que não estava em condições de tal porque da notificação do primeiro acto não constava a menção das tabelas com base nas quais se procedeu ao indeferimento e só com elas podia impugnar para aferir da desconformidade entre o decidido e os fundamentos, se não mesmo da falta de fundamentos.
    Então, aí, a interpretar-se a dita reclamação como um pedido de aclaração ou de compleição da notificação em falta, o problema coloca-se em termos de irregularidade ou falta de notificação, o que gera ineficácia da mesma, mas não a invalidade do acto, e só quando ela se completar ou se mostrar integrada contará o prazo de recurso.
    O acto foi praticado tendo em conta uma dada base factual e dados pressupostos, só que o particular interessado não foi deles inteirado.
    Mas, nesse caso, o acto definitivo praticado não deixou de ser o primeiro, devendo ser esse objecto de recurso.
    No segundo acto a entidade recorrida limita-se a manter o primeiro, indeferindo a reclamação aduzida. Aí se confirma o decidido através do primeiro acto, pelo que este assume verdadeira natureza confirmativa, já que não se aduzem novos argumentos que não tivessem sido considerados aquando da prolação do primeiro.

    7. No fundo o que está em causa é a inexistência de uma regular notificação.
    Ainda que se reconheça que este acto devia ter sido notificado com todos os seus elementos, nomeadamente as referidas tabelas, nos termos do art° 68° do CPA, enquanto teve por efeitos a diminuição de interesses legalmente protegidos da recorrente e que lhes haviam sido anteriormente concedidos, o certo é que a notificação constitui um mero requisito de eficácia ou oponibilidade do acto administrativo, não interferindo com a sua validade.
    
    A falta de notificação de um acto não faz dele um acto enfermo de vício de forma e muito menos de vício de violação de lei.
    
    Mesmo admitindo que tal notificação não tenha sido recebida pela recorrente e/ou concluindo-se que a mesma não obedeceu aos requisitos legais do CPA, sempre a consequência dessa omissão não seria a anulabilidade do acto, mas antes tendo por consequência, por se tratar de um elemento exterior ao acto, a inoponibilidade do acto ao seu destinatário (e não a sua invalidade), ou seja, trata-se de um mero requisito de eficácia do acto que não tem a virtualidade de alterar a natureza ou as características desse mesmo acto, apenas podendo relevar para efeitos de contagem dos prazos de impugnação ou operar no plano da responsabilidade civil extracontratual da Administração.
    
    A este respeito, atentemos na voz autorizada de Mário Esteves de Oliveira1: "Consequência da falta de notificação do acto administrativo a ela sujeito, é a da sua ineficácia.
    Se lhe falta, porém, algum elemento não essencial, a consequência em relação a ela, será a da sua mera inoponibilidade - o que pode redundar, por exemplo, caso a notificação seja defeituosa ou omissa no que se refere à indicação do órgão competente para conhecer do recurso administrativo necessário, na inexistência do dever de sua impugnação (da que for devida) ou na supribilidade de uma impugnação mal deduzida.
    Pouco importante é, ainda distinguir a ilegalidade da notificação da ilegalidade do acto notificado. Aquela gera "apenas" a ineficácia ou inoponibilidade só havendo invalidade do acto no caso de se tratar de ilegalidade que o afecte a ele mesmo - mesmo que tal ilegalidade também venha revelada ou tenha repercussão na própria notificação."
    
    Ineficácia ou inoponibilidade (subjectiva) são as consequências irremediáveis da falta de notificação do acto administrativo, de qualquer acto administrativo, desfavorável ou favorável que deva ser notificado.2 Daqui resulta que a insuficiência da notificação do primeiro acto não o invalidou, dele devendo a recorrente ter interposto, oportunamente, o competente recurso.
    Ao fazê-lo em relação ao segundo, o que se observa é que não foi este acto que definiu a situação jurídica que a recorrente pretendia ver definida.
    
    Nem sequer a notificação errada de que poderia interpor recurso daquele acto tem a virtualidade de modificar a natureza dos actos e de conformar o regime jurídico que dimana directamente da lei. A errada informação, se prejuízos acarretou à parte, só noutra sede pode ser dirimida.
    Donde, sem necessidade de outros desenvolvimentos sermos a ratificar a decisão recorrida.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso.
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
               Macau, 14 de Junho de 2012,
               João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vitor Coelho José Cândido de Pinho
1 - Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, em anotação ao art.º 68°

2 - Esteves de Oliveira e outros, CPA Anotado, 2ª ed. 349

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