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Processo n.º 76/2012 Data do acórdão: 2012-6-14 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– suspensão da pena
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
– uso de documento alheio
– delinquente não primário
S U M Á R I O

1. Como a suspensão da execução da pena de prisão então decretada no outro processo penal anterior do recorrente pelo crime de detenção de arma proibida já não conseguiu evitar a prática, por ele, e ainda dentro desse período de suspensão da pena, do crime doloso de uso de documento alheio nesta vez, é realmente impensável formar no presente processo qualquer juízo de prognose favorável em sede do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, ainda que ele tenha confessado integralmente e sem reservas os factos deste crime na fase do inquérito e mesmo que isto tenha representado o já sincero arrependimento dele.
2. A circunstância de a sua anterior pena de prisão suspensa na execução já ter sido declarada extinta antes do julgamento do crime de uso de documento alheio nesta vez, nunca pode implicar que ele possa ser considerado outra vez como um delinquente primário aquando da perpetração deste delito.

O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 76/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 58 a 60v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-11-0346-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, à revelia consentida por si próprio, como autor material de um crime consumado de uso de documento alheio, p. e p. pelo art.o 20.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de seis meses de prisão efectiva, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando concreta e materialmente a essa decisão condenatória a violação do art.o 48.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), para rogar que passasse a ser decretada a suspensão da execução da sua pena de prisão, atendendo sobretudo que ele confessou integralmente e sem reservas os factos imputados quando foi ouvido pelo Ministério Público na fase do inquérito, o que demonstrou o seu já sincero arrependimento, sendo que a sua condenação anterior num outro processo penal com pena de prisão suspensa na execução mas entretanto já declarada extinta não podia constituir obstáculo à almejada suspensão da pena de prisão nesta vez (cfr. a motivação de fls. 64 a 68 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 73 a 75) no sentido materialmente de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 86 a 87), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser rejeitado em conferência por manifestamente improcedente) e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada no texto da sentença recorrida (concretamente, desde os últimos dois parágrafos de fl. 58v até ao primeiro parágrafo de fl. 59v), é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do actual Código de Processo Penal (CPP), segundo a qual, e, em síntese:
– o recorrente entrou em Macau em 10 de Junho de 2000, através do seu salvo-conduto emitido pelas Autoridades do Interior da China;
– o recorrente exibiu à Polícia de Segurança Pública de Macau num acto de investigação levado a cabo por esta em via pública em 28 de Março de 2009, um bilhete de identidade de residente de Macau alheio, por ele apanhado em meados de 2008 e guardado desde então para ser mostrado à Polícia sempre que fosse mandado parar para investigação;
– o recorrente agiu livre, consciente e voluntariamente, sabendo que ao deter e usar tal documento de identificação alheio com o intuito de enganar as Autoridades de Segurança Pública de Macau para poder permanecer ilegalmente em Macau, estava a violar a lei e como tal era punível;
– em 17 de Novembro de 2006, o recorrente chegou a ser condenado no âmbito do Processo Comum Colectivo n.o CR3-05-0104-PCC como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto mormente no art.o 262.o, n.o 1, do CP, praticado em 2 de Junho de 2000, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pena essa que já se encontrou declarada extinta;
– o arguido tem por habilitações literárias o 2.o ano do ensino secundário, é desempregado e não tem pessoa a cargo.
Outrossim, do teor da acta da audiência em julgamento em primeira instância (lavrada a fls. 56 a 57), resulta que o Tribunal a quo procedeu, a pedido outrora formulado pelo recorrente, à leitura das suas declarações prestadas ao Ministério Público na fase do inqúerito (e constantes de fl. 17), após o que acabou por considerar que o recorrente já confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de conhecer agora da unicamente levantada questão de violação, pelo Tribunal a quo, do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
A este respeito, e ante todos os elementos fácticos pertinentes já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, é patente que não se pode concordar com a tese do recorrente segundo a qual nesta vez, a simples censura dos factos e a ameaça da pena de prisão também já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição do crime por que vinha condenado na sentença recorrida, ainda que ele tenha confessado integralmente e sem reservas os factos na fase do inquérito e mesmo que isto tenha representado o já sincero arrependimento dele na prática do crime de uso de documento alheio.
Na verdade, se a suspensão da execução, pelo período de três anos, da pena de dois anos e nove meses de prisão então decretada no outro processo penal anterior (com o n.o CR3-05-0104-PCC) do recorrente (pelo crime de detenção de arma proibida), já não conseguiu evitar a prática, por ele, e ainda dentro desse período de suspensão da pena, do crime doloso de uso de documento alheio agora em questão (concretamente cometido em 28 de Março de 2009), é realmente impensável formar no presente processo qualquer juízo de prognose favorável em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
De facto, dadas as elevadas exigências da prevenção geral do crime de uso de documento alheio, e também as inegáveis exigências de prevenção especial desse tipo de crime em relação ao próprio recorrente (por razões supra referidas), naufraga claramente o recurso, sendo de frisar que, ao contrário do defendido pelo recorrente, a circunstância de a sua anterior pena de prisão suspensa na execução (pelo crime de detenção de arma proibida) já ter sido declarada extinta antes do julgamento do crime de uso de documento alheio nesta vez, nunca pode implicar que ele possa ser considerado outra vez como um delinquente primário aquando da perpetração deste crime.
Dest’arte, é de rejeitar o recurso em conferência, nos termos dos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária, e mil e trezentas patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção e condução contra o arguido, para efeitos de cumprimento da sua pena de seis meses de prisão.
Macau, 14 de Junho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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