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Processo n.º 648/2011 Data do acórdão: 2012-6-14 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– ofensa à integridade física
– julgamento dos factos
– livre convicção do julgador
S U M Á R I O
1. Aos olhos de qualquer homem médio que consiga ler o texto da decisão condenatória recorrida, poderá ter acontecido, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, que na sequência do acto concreto de o arguido, no meio da altercação provada nos autos, ter agarrado no pescoço do ofendido e pressionado o pescoço do ofendido sobre o pilar dum parquímetro da rua, o ofendido sofreu contusões no tecido mole da sua cabeça, do peito e dos dois antebraços.
2. Não pode, pois, o arguido aproveitar a sede de recurso para fazer sindicar subjectivamente a livre convicção a que chegou o tribunal a quo no julgamento dos factos.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 648/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 110 a 113 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-09-0020-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), em sessenta dias de multa, à taxa diária de cem patacas, i.e., no total de seis mil patacas de multa, convertível em quarenta dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), apontando a essa decisão condenatória os vícios de contradição insanável da fundamentação e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a fim de rogar a sua absolvição ou o reenvio do processo para novo julgamento quanto ao crime por que vinha condenado, porquanto no seu entender, e, em síntese, se fosse verdadeiro ter ele agarrado no pescoço do ofendido e pressionado o pescoço deste sobre o pilar dum parquímetro da rua, então de certeza haveria hematoma e vestígios de estrangulamento no pescoço do ofendido, o que, porém, não foi descrito no relatório de exame directo médico do ofendido nem no ulterior relatório médico-legal dos autos (cfr. a motivação de fls. 126 a 130 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 132 a 133) no sentido materialmente de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 145 a 146), pugnando pela manifesta improcedência do recurso.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser decidido em conferência) e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ficou materialmente descrito como provado no acórdão ora recorrido o seguinte, na sua essência e na parte que interessa à solução do recurso:
– em 23 de Abril de 2007, cerca da zero hora e quarenta e cinco minutos, o ofendido B voltou à sua residência e descobriu que a sua namorada (que habitava com ele) e o arguido Aestavam aí sós (cfr. o primeiro parágrafo da fundamentação fáctica da decisão ora recorrida);
– por causa disso, o ofendido travou altercação com o arguido, no meio da qual o ofendido disse que era necessário participar à Polícia para tratar do caso, o que foi impedido pelo arguido, tendo os dois mantido a altercação desde a residência do ofendido até à rua, tendo o arguido agarrado no pescoço do ofendido e pressionado o pescoço deste sobre o pilar de um parquímetro na rua (cfr. o segundo parágrafo da fundamentação fáctica da mesma decisão);
– a conduta acima referida do arguido causou directa e necessariamente ao ofendido contusões no tecido mole da cabeça, do peito e dos dois antebraços, que demandaram dois dias para convalescença (cfr. o terceiro parágrafo da mesma fundamentação fáctica);
– o arguido, de modo livre, voluntário e consciente, agrediu o ofendido, com a intenção de ofender o corpo deste (cfr. o quarto parágrafo da fundamentação fáctica);
– o arguido sabia claramente que a conduta acima referida era violadora da lei e era punível (cfr. o quinto parágrafo da mesma fundamentação).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
In casu, o arguido apontou à decisão condenatória recorrida o vício de contradição insanável da fundamentação e o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Contudo, atentos os termos concretos da sua argumentação para rogar a sua absolvição do crime de ofensa à integridade física ou o reenvio do processo para novo julgamento deste crime, vê-se que ele não chegou a alegar nada em concreto no tangente ao vício aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do vigente Código de Processo Penal (CPP), pelo que só cabe ao presente Tribunal ad quem conhecer propriamente do vício referido na alínea b) do mesmo n.o 2.
No fundo, ao imputar à decisão condenatória recorrida a contradição insanável da fundamentação, insurge-se o arguido contra a alegada incompatibilidade entre o acto concreto de agressão dele como tal considerado provado no texto do acórdão impugnado e as lesões corporais do ofendido aí descritas como provadas.
Entretanto, realiza este Tribunal ad quem que é patente que não há nenhuma contradição logicamente irredutível na fundamentação fáctica da decisão condenatória em questão, porquanto aos olhos de qualquer homem médio que consiga ler o texto do acórdão recorrido, poderá ter acontecido, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, que na sequência do acto concreto de o arguido, no meio daquela altercação provada, ter agarrado no pescoço do ofendido e pressionado o pescoço do ofendido sobre o pilar dum parquímetro da rua, o ofendido sofreu contusões no tecido mole da sua cabeça, do peito e dos dois antebraços. Nota-se que foi dado por provado que o arguido agarrou no pescoço do ofendido e não que o arguido tenha estrangulado o pescoço do ofendido, o que já dá para explicar por quê é que o pescoço do ofendido, na tese do arguido, “não ficou com vestígios de estrangulamento”. E quanto aos falados hipotéticos “hematomas” no pescoço do ofendido, a sua existência ou não já dependeria da força com que o arguido pressionou o pescoço do ofendido sobre o pilar do parquímetro em questão.
Não pode, pois, o arguido aproveitar a presente sede de recurso para fazer sindicar subjectivamente, a pretexto daquela alegada contradição insanável da fundamentação, a livre convicção a que chegou o Colectivo a quo no julgamento dos factos nos termos permitidos pelo art.o 114.o do CPP.
Dest’arte, é de rejeitar o recurso em conferência, nos termos dos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP, por o mesmo se mostrar manifestamente improcedente.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 14 de Junho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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