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Processo n.º 766/2011
(Recurso contencioso)

Data : 26/Julho/2012


ASSUNTOS:
    - Autorização de residência
    -Antecedentes criminais
    - Reabilitação
    - Protecção da unidade familiar
    - Princípios da igualdade, proporcionalidade e Justiça


SUMÁRIO:
    1. A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
    2. A reabilitação judicial4 - diferente da “reabilitação de direito”, em que os seus efeitos operam automaticamente uma vez decorridos os prazos estabelecidos na lei - pressupõe uma análise judicial dos pressupostos contidos no art. 25º, nº1 do citado DL nº 27/96/M, “ex vi” art. 53º, nº2 do DL nº 86/99/M. Assim sendo, ela só poderá ser decretada se o tribunal, após a análise do pedido e dos elementos instrutórios que compõem o processo, tanto oferecidos pelo interessado, como aqueles que oficiosamente o juiz deve ou pode obter, face ao art. 53º do citado DL. nº 86/99/M, concluir que está perante um cidadão que mostrou estar “readaptado à vida social” (art. 25º, nº1 cit.).
    3. Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo para efeitos de autorização de residência. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
    4. Se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
    5. O ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38.º da lei Básica, bem como nos artigos 1°, 2° e 3° da lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
                
                
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)


Processo n.º 766/2011
(Recurso Contencioso)

Data : 26 de Julho de 2012

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem recorrer contenciosamente do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança de 06/09/2011, que indeferiu o pedido de autorização de residência entregue no Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) em 30/11/2010, com fundamento nos antecedentes criminais do mesmo na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
    Para tanto alega em síntese conclusiva:
1) O acto impugnado enferma do vício de erro sobre os pressupostos de facto pois, ao não conceder ao recorrente autorização de residência em Macau requerida com base no disposto no art.º 9º da Lei 4/2003.
2) apenas tomou em consideração a condenação do recorrente em 5 de Julho de 2005 numa pena de 6 meses de prisão suspensa por 18 meses, por ter cometido o crime de declarações falsas sobre os seus elementos de identificação e,
3) olvidou, por completo, a situação real do recorrente e o facto de, por decisão proferida em 14 de Outubro de 2010, proferida no processo de reabilitação judicial que correu termos sob o nº CR4-05-0008-PCS-A pelo 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M. ter sido cancelada totalmente a decisão constante no seu registo criminal.
4) O recorrente apenas incumpriu a lei da R.A.E.M. uma vez e apenas o fez para poder estar junto da sua família.
5) Acresce que, segundo dispõe o nº 2 do artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
6) E os termos adequados e proporcionais implicam que os pressupostos do acto estejam correctos e sejam legais. Ora, o acto recorrido não considerou plena, adequada e globalmente a situação da recorrente;
7) Ao indeferir o pedido de residência o despacho impugnado violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artº 5 do Código do Procedimento Administrativo e,
8) demonstra desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
9) Não vislumbra, a recorrente, o porquê da recusa do seu pedido de autorização de residência na R.A.E.M., considerando, ao invés, que esta decisão demonstra uma total violação do direito fundamental à família, à unidade e estabilidade familiar.
10) O despacho recorrido deverá ser declarado nulo, por violação do disposto nos artigos 38º e 43º da Lei Básica da R.A.E.M. e dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 6/94/M de 1 de Agosto.
11) Ou, caso assim se não entenda, deverá ser anulado por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça;
12) Ou ainda, anulado por vício da violação de lei, por total desrazoabilidade na consequente aplicação das normas legais constantes do nº 2 do art.º 9º da Lei nº 4/2003.
    Termos em que, pede, deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se o acto recorrido NULO por violação do direito fundamental à família, à unidade e estabilidade familiar e, ainda por violação do disposto nos artigos 38º e 43º da Lei Básica da R.A.E.M. e dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 6/94/M de 1 de Agosto ou, caso assim se não entenda, ser o acto recorrido anulado por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, ou ainda por vício de violação de lei, por desrazoabilidade na consequente aplicação das normas legais constantes do nº 2 do art.º 9º da Lei nº 4/2003, tudo com todas as devidas consequências legais.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, contesta, em suma:
    A Administração, no exercício de uma quase absoluta discricionaridade, em face de um pedido de autorização de residência, ponderou os elementos indicados na norma em apreço, "in casu", a alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 - "antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei"1, face aos factos constantes do procedimento administrativo e provados em sentença proferida por Tribunal da RAEM, discritos supra art.º 4, e que levaram à condenação do recorrente em pena de prisão de 6 meses suspensa na sua execução por um período de 18 meses por Tribunal da RAEM;
    No que respeita às matérias em apreço, a jurisprudência dos Tribunais da RAEM tem sido no sentido de “( ... ) os requisitos para a concessão de autorização de residência previstos no regime de entrada, permanência e autorização de residência, a Lei n.º 4/2003, têm o seu fundamento diferente que o regime de registo criminal. Naquele relevam mais os interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM, neste preocupa com a ressocialização de delinquentes condenados criminalmente na Região através da reabilitação.
    São diferentes os interesses que se visam proteger. Por isso, não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de um regime para o outro2.”,
    Neste sentido, nada impede que o CPSP, sob a tutela da entidade recorrida, para instruir e decidir o respectivo procedimento administrativo (no âmbito dos poderes da Administração previstos no artigo 59.º «princípio do inquisitório» conjugado com o n.º 1 do artigo 86.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, adiante CPA) recorra a informações sobre a situação concreta do recorrente, como os seus antecedentes criminais, fornecidas nomeadamente pelas autoridades policiais ou judiciárias, até pelo próprio recorrente, em vez de se limitar apenas ao conteúdo transmitido pelo certificado do registo criminal.
    Destarte, verificados os elementos de facto e de direito subjacente à decisão em crise, deve improceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, imputado pelo recorrente.
    Deve improceder o vício de violação de lei alegado pelo recorrente, por inobservância dos artigos 38 e 43.º da lei Básica e dos princípios fundamentais da lei de Bases de Política Familiar.
    O poder discricionário em apreço foi conferido em vista a um determinado fim legal que condiz com o fim real prosseguido com a autorização ou a negação da residência na RAEM, ao abrigo da Lei n.º 4/2003, que tem designadamente, por escopo, a estabilidade, sustentabilidade e o interesse público securitário no desenvolvimento da sociedade da RAEM.
    Destarte, no acto administrativo impugnado não existe qualquer divergência entre o fim legal e o fim real prosseguido, o que só traduz o correcto exercício da actividade discricionária, ante a não coincidência entre o interesse individual do recorrente em obter o estatuto de residente e o interesse público de a sociedade não ter que suportar, por desmerecimento, e preocupações de segurança, a concessão de tal estatuto.
    O conceito jurídico-administrativo de proporcionalidade constante do n.º 2 do artigo 5º do CPA, enquanto limite interno da discricionaridade administrativa, é decomposto em três aspecto essenciais ou subprincípios, que são: a idoneidade ou adequação, a necessidade ou exigibilidade e o equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito.
    Ora, o acto administrativo discricionário em crise, em face das circunstâncias do caso aqui e no processo instrutor descritas, é idóneo porque se mostra adequado à prossecução do interesse público consubstanciado na defesa da segurança e ordem públicas.
    E que é também necessário porque se traduz no único meio de prosseguir a defesa do interesse público da forma menos inconveniente para o interesse individual privado.
    A decisão em causa não postergou o princípio da igualdade consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do CPA porque com a prática do acto impugnado não se verificou, nem o recorrente o concretizou, a utilização pela Administração, no exercício da actividade discricionária, de critérios decisórios substancialmente distintos daquele que usou em outros pedidos de autorização de residência com idênticos contornos dos da situação em apreço.
    Não procede a invocada violação do princípio da justiça, previsto no artigo 7.º do CPA, imputado à decisão discricionária em crise porque, desdobrando-se este princípio, designadamente, nos princípios da igualdade e da proporcionalidade, e não se tendo verificado a violação destes, não pode o recorrente, por consequência, invocar a violação do primeiro.
    Termos em que, conclui, deve ser negado provimento ao presente recurso.
    
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Assaca o recorrente, A, de nacionalidade filipina, ao acto-despacho do Secretário para a Segurança de 6/9/11, que indeferiu seu pedido de autorização de residência com fundamento na existência de antecedentes criminais-vícios de erro sobre os pressupostos de facto, desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ofensa dos princípios da proporcionalidade, igualdade e justiça e afronta do direito fundamental à família, unidade e estabilidade familiares, com atropelo de diversos preceitos da ordem interna e de pactos internacionais.
    Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
    Entende o recorrente que a decisão não terá contemplado a globalidade da sua situação, não levando em consideração, designadamente, o facto de ser a sua única infracção criminal, perpetrada com o intuito de poder estar com a sua família, ao que acresce encontrar-se já reabilitado judicialmente.
    Não se pondo em causa tais pressupostos, a verdade é que a decisão foi tomada, com fundamento no disposto no art° 9°, n° 2 da Lei 4/2003, por o recorrente ter sido condenado, em 5/7/05 na pena de 6 meses de prisão suspensa por -18 meses, por prática de crime de falsas declarações sobre a sua identidade.
    E, ao que consta dos autos e procedimento, tudo isto corresponde à realidade, independentemente de se ter tratado de uma só condenação (tanto basta para se poder falar de "antecedentes") e das razões por que tal sucedeu, conquanto, como foi o caso, tenha existido a condenação, não fazendo, pois, sentido, falar-se a este propósito em erro nos pressupostos.
    Quanto ao facto de no processo de reabilitação judicial ter sido cancelada a decisão constante do seu registo criminal, vem sendo entendimento assumido por este tribunal e pelo TUI (cfr. ac. de 13/12/07, proc. 3612006) que os requisitos para a concessão de autorização de residência previstos no regime de entrada, permanência e autorização de residência previstos na Lei 412003 têm diferente fundamento do regime de registo criminal, relevando neste a preocupação com a ressocialização dos delinquentes condenados e naquele os interesses de segurança pública e ordem social da RAEM, razão por que "malgré" aquela reabilitação, nada impedia a entidade recorrida de decidir como decidiu, detendo, como detinha, informações idóneas sobre a condenação criminal registada.
    No que tange à pretensa desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e afronta da proporcionalidade, igualdade e justiça, esgrime o recorrente essencialmente com o facto de ter emprego estável em Macau há longos anos, aqui residindo mulher e filha que aqui estuda, pretendendo, pois, continuar a dar-lhes o necessário acompanhamento, apoio e assistência.
    Revelando-se perfeitamente estimável e compreensível tal tipo de considerações, a verdade é que as diversas alíneas do n° 2 do art° 9° da Lei 4/2003 não constituem, qualquer listagem dos requisitos de cujo preenchimento dependa a concessão de autorização de residência, que haja que escrutinar "pari passu", tratando-se, antes, de mera referência a aspectos relevantes a levar em conta nessa concessão, alguns com carácter de denegação, como é o caso presente, relativo à existência de antecedentes criminais por parte do interessado, sendo que, no caso, os factos em que a decisão se estribou correspondem à realidade, tendo os mesmos merecido devido enquadramento normativo/jurídico, não se podendo, pois, como já se viu, falar na ocorrência de qualquer erro nos pressupostos, seja de facto, seja de direito.
    Posto isto, é óbvio que a medida em crise foi tomada em sede de estratégia de prevenção da segurança e estabilidade públicas, necessidade que se continua a sentir, cada vez com maior acuidade, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público, sendo sensato, e razoável que as entidades públicas para o efeito vocacionadas, face aos condicionalismos já referidos, esclarecedores àcerca da postura criminosa do recorrente, lhe neguem, de acordo com os preceitos legais vigentes, a autorização de residência na Região, por forma, além do mais, a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança.
    É um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim a alcançar e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
    Ora, no caso, encontrando-nos face a simples medida de não autorização de residência na REM, não se vê que outra ou outras medidas que pudessem ser tomadas : ou era a denegação do pretendido, ou o seu oposto, pelo que mal se compreende a "esgrima" relativamente à proporcionalidade da medida.
    Os interesses pessoais, familiares e profissionais anunciados pelo recorrente, sendo estimáveis, hão-de, inelutàvelmente, ceder perante o interesse público.
    De resto, não se alcançando, (nem, em boa verdade o recorrente o croncretizando, minimamente) a eventual ocorrência de qualquer outro caso similar de pedido de autorização de residência em que a Administração porventura se tenha servido de critérios decisórios substancialmente distintos do presente caso, não fará sentido falar-se em atropelo da igualdade e, por consequência, da justiça.
    Finalmente, sendo inequívoco proteger o ordenamento jurídico da RAEM a família, unidade e estabilidade familiares, reconhecendo-se às pessoas que residam e permaneçam em Macau o direito a constituir família, tal direito não implica que a RAEM se encontre, por força de qualquer instrumento de ordem interna ou internacional, vinculada a conceder o direito de residência aos não residentes, os quais, querendo, poderão, a todo o tempo, restabelecer a unidade familiar no seu Estado ou Região de origem. Como bem sustenta a entidade recorrida “... a separação familiar é uma contrariedade dos trabalhadores migrantes que se contrapõe às vantagens que decorrem desse estatuto de não residente, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não pode afirmar-se que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide, em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem nem o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nem as normas de direito interno e internacional invocadas”,
    Termos em que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, por não ocorrência de qualquer dos vícios invocados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

     - Por despacho do Exmo Senhor Comandante do CPSP, de 05/12/1995 (Proposta n.º MIG160/95, 04/12/95) foi aplicada ao recorrente, ao tempo identificado como A, nascido a 12/01/1962, a recusa de entrada em Macau pelo período de 1 ano nos termos n.º 1 do artigo 14.º do pretérito Decreto-Lei n.º 55/95/M, de 31 de Outubro (saídas e entradas sucessivas com periodicidade e intervalo de tempo reduzido);
    - Ainda com a mesma identidade, por ter excedido o prazo de permanência legal em Macau (de 07/12/199S a 16/01/1996) foi expulso de Macau em 23/01/1996 e inserido na lista de indivíduos indesejáveis pelo período de S anos, tendo a restrição sido cancelada em 31/03/1999;
    - Em 05/12/1997, regressa a Macau declarando ser B, nascido a 12/03/1962;
    - Em 05/03/1998, declarou no CPSP ser B, nascido a XX/XX/19XX;
    - Em 04/03/2002, entra na RAEM declarando ser A, nascido a XX/XX/19XX;
    - Por sentença do TJB, 2.º JC, de 05/07/2005, transitada em julgado, o recorrente foi condenado na pena de prisão de 6 meses suspensa na sua execução pelo período de 18 meses pela prática do crime de falsas declarações sobre a identidade;
    - Por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança de 11/01/2006 exarado na Informação n.º MIG.1159ª/05/E, de 28/12/2005, apropriando-se dos fundamento desta última, determinou a suspensão do procedimento do pedido de autorização de residência do recorrente, apresentado em 27/09/2004, "ficando a aguardar pela confirmação da veracidade dos documentos apresentados, incluindo o Certificado de nascimento e Certificado de casamento, pelas autoridades das Filipinas, bem como o resultado da decisão final do órgão judicial, sobre o crime de falsas declarações sobre identidade que o interessado foi anteriormente indiciado";
    - Pela Informação n.º 11774/2007/PC, de 20/12/2007 o recorrente foi alvo da sanção administrativa de multa por ter excedido a permanência legal, em três dias, na RAEM;
    - Por despacho de concordância, do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 03/06/2008 exarado na Comunicação n.º 2237/2008, de 03/06/2008, com o despacho do Comandante Subst. do CPSP, de 03/06/2008 foi aplicada ao recorrente a medida de interdição de entrada pelo período de 1 ano por ter excedido a permanência legal na RAEM em 141 dias ficando ainda nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 impossibilitado de pedir autorização de residência, prorrogação de permanência ou autorização de permanência para trabalhador não residente, pelo período de dois anos, até 03/06/2010;
    - Por despacho do Exmo senhor Secretário para a Segurança, de 04/11/2009 exarado na Informação n.º MIG.1507/2009/E de 22/09/2009 do CPSP, foi rejeitado o pedido de reconsideração enviado pelo cônjuge do recorrente ao Chefe do Executivo mantendo, com os mesmos fundamentos da informação referida, a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência.
 - Por sentença do TJB / 4-º JC, de 14/10/2010 foi concedida ao recorrente a reabilitação social e determinado o cancelamento total da decisão constante no registo criminal.

É do seguinte teor a notificação que consubstancia o acto recorrido:
    “Assunto: Notificação de indeferimento do pedido de Autorização de Residência.
    Notifico que por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança foi indeferido o seu pedido de Autorização de Residência apresentado em 30/11/2010, do qual se junta em anexo notificação.
    O acto administrativo em apreço é susceptível de recurso contencioso, a interpor para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos do artigo 25° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    
    O Comandante
    Lei Siu Peng
    Superintendente-Geral
    
    Notificação
    No. NOT.408/11/E
    Nesta data notifico o Sr. A (portador do passaporte das Filipinas n.° XXXXXX) de que o pedido de autorização de residência na RAEM apresentado por si em 30 de Novembro de 2010, mereceu despacho de indeferimento do Exm.º Secretário para a Segurança proferido em 6 de Setembro de 2011, nos termos e com os fundamentos da proposta constante na Informação n.º MIG.136/2011/FR do Serviço de Migração deste CPSP.
    Ora se transcreve o teor da proposta acima referida em seguinte:
    1. O requerente, do sexo masculino, casado, de 49 anos de idade, natural das Filipinas, portador do passaporte das Filipinas, vem pedir autorização de residência na RAEM, a fim de se juntar à sua mulher, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau.
    2. Compulsando o processo individual do requerente, verifica-se que, em 05/07/2005, o requerente foi condenado à pena de 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, por ter cometido um crime de declarações falsas sobre os elementos de identificação.
    3. Em 11 de Janeiro de 2006, o Exm.º Secretário para a Segurança indeferiu o respectivo pedido de autorização de residência (por existir a situação do ponto 2).
    4. Após o procedimento de Audiência Escrita, este Serviço recebeu uma exposição por escrito e os respectivos documentos apresentados por sua mandatária, Advogada Estagiária Chang Chi Lei.
    5. Em virtude dos fundamentos expostos serem insuficientes, e considerando as disposições constantes na alínea 1 do n.º 2 do artigo 9° da Lei n.º 4/2003, propõe-se o indeferimento do presente pedido de autorização de residência.
    Mais notifico que, deste acto administrativo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos do artigo 25° do Código de Processo Administrativo Contencioso.”
    
Colhem-se ainda do PA as seguintes informações:

    “Assunto: Requerimento de Autorização de Residência
    Informação Complementar n.º MIG.136/2011/FR
    Data: 27/06/2011
    
    1. No que se refere a que A pediu a fixação de residência em Macau de forma à reunião com a sua mulher de nome C, portadora do BIRNPM, elaborámos em 11 de Abril de 2011 a informação n.º MIG.136/2011/FR.
    2. Como consiste no indeferimento a intenção da apreciação quanto ao pedido, em 28 de Abril de 2011 este serviço notificou oficiosamente, nos termos do art. 94.º do Código de Procedimento Administrativo (audiência escrita), o requerente das razões concretas que conduziram ao indeferimento do pedido; e que este podia dar suas opiniões, no prazo de 10 dias a contar da data de recepção da notificação, de forma escrita sobre o conteúdo do parecer, cfr. a notificação de audiência n.º MIG. 57/2011/P.2.124/E.
    3. Após a audiência escrita, este serviço recebeu os seguintes documentos:
    -as alegações escritas apresentadas pela advogada estagiária Chang Chi Lei, mandatária do requerente, expressando em síntese: “…4) …Mostra-se declarada extinguida pelo tribunal em 20 de Julho de 2007 a pena aplicada ao depoente (crime de falsas declarações aludido na audiência) e no despacho supracitado o tribunal determinou também a concessão de reabilitação judicial a este. 5) Desde que foi condenado, o depoente nunca tem cometido ou pretendido cometer qualquer crime….7) Outrossim, estão actualmente habitados em Macau a mulher e a filha menor do depoente, ao qual se impede de trabalhar nesta região por não ser residente de Macau, pelo que toda a família depende apenas do rendimento da mulher. Além disso, como se somente permite ao depoente vir permanecer em Macau de curta duração, este e a sua filha estão afastados, situação que ele está a diligenciar reparar. Porém, se for indeferido o requerimento da autorização de residência, será influenciada a reparação das relações entre o depoente e a sua filha, prejudicando o afecto deles….”; (Cfr. Doc. 18)
    -um despacho proferido pelo TBJ quanto ao requerente, afirmando que foi declarada extinguida em 20 de Julho de 2007 a pena sobre um crime aplicado pelo requerente de falsas declarações sobre a identidade e determinando conceder a reabilitação judicial a este; (Doc. 19)
    -a procuração atribuída à advogada pelo requerente. (Doc. 20)
    4. À decisão do superior.
    
    Relator Comissariado de Estrangeiros
    (Ass. vide o original) (Ass. vide o original)
    Ho Chi Fong 090351 Chefe Tai São Cheng”




“Informação n.º MIG.136/2011/FR

1. O requerente A, de sexo masculino, casado, com idade de 49 anos, nascido em XX de XX de 19XX nas Filipinas, de nacionalidade filipina, portador do passaporte das Filipinas n.º XXXXXX, emitido em 17 de Abril de 2009, com o prazo de validade até 16 de Abril de 2014, vem pedir a autorização para a fixação de residência em Macau para a reunião com a sua mulher C, portadora do BIRNPM n.º XXXXX(X).
2. Foi constituído como fiador o D, titular do BIRM n.º XXXXX(X).
3. O requerente entregou já os documentos necessários para a autorização de residência, previstos no art. 15º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, tais como Certidão de Nascimento das Filipinas, Certidão de Casamento das Filipanias (data de emissão: 08/12/2010), prova da capacidade de subsistência, prova de morada, Certificado de Registo Criminial das Filipinas e Certificado de Registo Criminal de Macau. (Cfr. Doc. 1 a 13)
4. O requerente comprometeu-se por declaração à residência habitual com o cônjuge em Macau onde ficaria o centro da sua vida familiar após obter a autorização de residência em RAEM. (Doc. 1)
5. O casal declarou que mantinha ainda a relação matrimonial legal e a comunhão de vida. (Doc. 9)
6. Este serviço enviou em 3 de Dezembro de 2010 o ofício n.º MIG. 13139/2010/E à Polícia Judiciária para conferir impressão digital do requerente e, por conseguinte, recebeu em 17 de Dezembro de 2010 a resposta n.º 212/GAS/2010, da qual constava:「…verifica-se que é idêntico à impressão digital num boletim dactiloscópico fornecido pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública, cuja declaração de identificação indica o nome de B e a data de nascimento de 12/03/1962, o que se mostra diferente dos dados desta vez.」No que diz respeito à diferença de nome apontada pela Polícia Judiciária, em 8 de Maio de 2002 este serviço conduziu o requerente ao Ministério Público para investigação e ele foi condenado em 5 de Julho de 2005 na pena de 6 meses, com suspensão da execução por 18 meses pela prática dum crime de falsas declarações sobre a identidade. (Doc. 14 e 15)
7. Existe um arquivo do requerente (Pº 223888) depositado neste serviço, com elementos seguintes:
a) Em 5 de Dezembro de 1995, o comandante do então CPSP proferiu despacho, no sentido de consentimento para integrar 18 indivíduos, incluindo o interessado, na lista de interdição de entrada por 1 ano pelas entradas e saídas excessivas destes no Território num tempo reduzido;
b) O interessado foi integrado, pelo excesso de permanência, na lista dos indivíduos indesejáveis por 5 anos e foi cancelada em 31 de Março de 1999 a respectiva interdição de entrada;
c) Em 11 de Janeiro de 2006, o Secretário para a Segurança proferiu despacho, indeferindo o requerimento da autorização de residência dele. (por este ter sido condenado na pena de prisão de 6 meses, com suspensão da execução por 18 meses, pela prática dum crime de falsas declarações sobre a identidade)
d) Conforme a informação n.º 1174/2007/PC (datada em 20/12/07), o interessado foi punido com multa por exceder o prazo autorizado de permanência por 3 dias;
e) Segundo a notificação n.º 2237/2008 (datada em 20/12/07) do Comissariado dos Postos Fronteiriços do Aeroporto deste serviço, o Secretário para a Segurança exarou despacho em 3 de Junho de 2008, pronunciando-se pela interdição de entrada do interessado por 1 ano devido à permanência superior ao autorizado por 141 dias a contar de 15 de Janeiro de 2008; nos termos do art. 32º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, o interessado ficou impedido de requerer autorização de residência, prorrogação da autorização de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não-residente pelo prazo de 2 anos, até 3 de Junho de 2010.
f) Em 4 de Novembro de 2009, o Secretário para a Segurança proferiu despacho no sentido de não admitir o requerimento para a fixação de residência do requerente, tendo como fundamento a interdição de requerimento imposta a este até 3 de Junho de 2010 pelo excesso de permanência referido na nota e).
8. É idêntico à nota 7c) o registo do requerente depositado no Departamento de Informações deste CPSP.
9. Existe um arquivo da mulher do requerente (Pº 103033) depositado neste serviço, com elementos seguintes:

-obteve em 10 de Maio de 1989 a concessão da autorização de residência em Macau por razão de trabalhar no Território.
10. À decisão do superior.

Relator Comissariado de Estrangeiros
(Ass. vide o original) (Ass. vide o original)
Ho Chi Fong 090351 Chefe Tai São Cheng”

    IV - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Erro nos pressupostos de facto;
- Violação da Lei de Bases da Política Familiar
- Princípios da igualdade, proporcionalidade e Justiça;

    2. Imputa o recorrente ao acto impugnado o vício de violação de lei (por erro nos pressupostos de facto, por ter sido considerada apenas, no seu entender erradamente, a condenação do recorrente pela prática do crime de falsas declarações sobre os seus elementos de identificação e não ter sido realizada uma apreciação global da situação do recorrente.
    Diz basicamente o recorrente que o pressuposto em que a entidade recorrida se baseou para lhe indeferir o pedido de residência se baseou na condenação anteriormente sofrida, mas ele encontra-se limpo, por força da reabilitação judicial operada, pelo que o referido pressuposto dos antecedentes criminais não mais existe.
    Prevê a alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003:
    ( ... )
    "2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;" .
    A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.


3. Analisemos o instituto da reabilitação.
    A propósito da reabilitação legal ou jurídico-penal escreve o Prof. Figueiredo Dias “Nos seus reflexos imediatos, a reabilitação jurídico-penal apresenta-se, na actualidade, como uma simples causa de cancelamento do registo criminal. Uma sua definição que se limitasse a apontar esse simples efeito deixaria de fora, contudo, a essência da figura e os critérios fundamentais que hão-de presidir à respectiva disciplina. Tomada numa acepção técnico-jurídica, a reabilitação constitui a sucessora da restitutio in integrum do direito romano e, assim o mecanismo através do qual o ex-condenado é recolocado na situação jurídica anterior à sentença. Na prática, ela traduz-se na extinção (total ou parcial) das interdições e incapacidades que, a título de efeitos das penas ou de penas acessórias decorrem da condenação para depois do cumprimento da sanção principal. Num plano mais geral, como assinala o Tribunal Constitucional Federal alemão - e Jescheck na sua esteira -, a reabilitação constitui uma tarefa da comunidade postulada pelo princípio da sociabilidade inscrito na lei fundamental”.3
    Insere-se a filosofia subjacente ao pensamento acima enunciado naquela ideia garantística e hodierna de que as condenações, enquanto infamantes, logo que preenchidos os pressupostos da reabilitação de direito, só podem dar lugar à limitação da capacidade de exercício e à interdição de certas profissões em termos de política cautelar e preventiva, por referência à perigosidade do condenado, e não já por uma decorrência automática da condenação, tendo-se a reabilitação como a recuperação jurídica da imagem social de um condenado dentro da comunidade jurídica.4
    Aliás, este instituto aparece com a Lei 2000 de 16/5/44, caracterizando-se exactamente como uma causa de extinção dos efeitos penais da condenação e das incapacidades daí resultantes (nº1 da Base VII).
    E distingue-se da reabilitação judicial porquanto esta pode abranger a totalidade dos antecedentes penais do indivíduo, ou tão só, parte deles, para além de que esta não tem como consequência o cancelamento dos cadastros quando estejam em causa a instrução ou julgamento de processos, apenas impedindo o acesso para fins particulares e administrativos, sendo revogada automaticamente no caso de nova condenação por crime doloso e somente se convertendo em definitiva quando preenchidos os pressupostos da reabilitação legal.
    
    4. Posto isto, estamos em condições de verificar que se podem configurar diferentes níveis em termos dos efeitos da reabilitação e que podemos desenhar como diversos círculos que se vão alargando dentro de um dado ordenamento.
    Assim um círculo mais restrito respeitante às consequências penais no âmbito penal, um outro mais alargado respeitante às consequências penais no âmbito não penal, seja em termos de interdições, inabilitações, exercício profissional, quando o cadastro limpo seja um requisito de integração numa dada situação jurídica. E podemos ainda configurar, intra-ordenamento, um círculo de situações em que aquele factor, não sendo requisito legal de ponderação, jogue efectivamente ao nível da tomada de decisão, seja em função da vontade e liberdade que dominam as relações jurídicas privadas, seja em função de uma margem de liberdade e discricionariedade em certos níveis da actividade administrativa.
    Tudo isto em termos de conformação e readaptação social à vivência no seio de um dado ordenamento.
    Mas sempre se poderá sustentar que se reforce um nível de exigência e de adequação com o ordenamento para quem não seja residente e aqui se pretenda integrar, não sendo difícil aceitar que a Administração possa ponderar uma condenação, mesmo que extinta, para esses efeitos.
    
    5. Repescamos a reflexão ainda recentemente exarada num processo deste Tribunal5, enquanto aí se consignou:
    “Apesar da referência do art. 26º do DL nº 27/96/M, nunca chegou a ser publicado nenhum diploma regulamentador do instituto da reabilitação, pelo que o seu regime continua a ser o que decorre dos arts. 25º e 26º do citado diploma e nos arts. 52º e 53º do DL nº 86/99/M, de 22/11.
    E em que medida, perguntamos nós agora, a reabilitação judicial pode interferir com os requisitos de autorização de residência previstos no art. 9º da Lei nº 4/2003?
    Como é sabido, a reabilitação judicial4 - diferente da “reabilitação de direito”, em que os seus efeitos operam automaticamente uma vez decorridos os prazos estabelecidos na lei - pressupõe uma análise judicial dos pressupostos contidos no art. 25º, nº1 do citado DL nº 27/96/M, “ex vi” art. 53º, nº2 do DL nº 86/99/M. Assim sendo, ela só poderá ser decretada se o tribunal, após a análise do pedido e dos elementos instrutórios que compõem o processo, tanto oferecidos pelo interessado, como aqueles que oficiosamente o juiz deve ou pode obter, face ao art. 53º do citado DL. nº 86/99/M, concluir que está perante um cidadão que mostrou estar “readaptado à vida social” (art. 25º, nº1 cit.).
    E com esta definição poderia estar exposto o mote para a solução do problema. Na verdade, dir-se-ia que, se aquilo que conta é o presente da pessoa ou a sua condição actual de readaptado à vida social, não haveria aí qualquer diferença com o que se passa na situação do criminoso que, não obstante a sua condição de “boa pessoa” no passado, não deixa de ser condenado se o seu presente estiver manchado por uma actuação ilícita. Uma vez que, num caso ou noutro, determinante é a actualidade, não se deveria mirar a reabilitação com os olhos voltados para trás, para o passado de eventual “pessoa má” do reabilitado.
    E isso deverá mesmo ser encarado tal qual o acabámos de defender nalguns casos, mas noutros o assunto não pode ser entendido dessa maneira. Ou seja, essa afirmação de princípio deve ceder em função das diversas situações, como veremos.”
    
    6. Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
    
    Esse o sentido da Jurisprudência que vem sendo firmada neste Tribunal 6, alguma já citada e que não deixou de ter eco, ao mais alto nível, na Jurisprudência do TUI, no processo n.º 36/2006, de 13/12/2007, aí se proclamando não ser possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.

    7. No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.7 “Para a lei não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações. Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
Em princípio, os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Ou seja, os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.”

    8. Importa referir, em todo o caso, descendo ao concreto, analisando o acervo fáctico acima transcrito, que não foi apenas uma simples condenação desgarrada, pela qual veio a ser reabilitado, mas toda uma conduta que se traduziu numa série de afronta ao ordenamento e às ordens das autoridades e a Administração não está impedida de valorar em nome dos superiores interesses da Segurança esse passado para o projectar em termos de uma prognose comportamental do indivíduo em causa de forma a avaliar das vantagens e inconvenientes em autorizar a sua residência.
    
    9. Imputa também o recorrente, ao acto administrativo impugnado, a violação dos artigos 38.º e 43.º da lei Básica e dos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (arts. 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, requerendo a declaração de nulidade do mesmo.
    É verdade que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38.º da lei Básica, bem como nos artigos 1°, 2° e 3° da lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
    Não obstante aquela consagração importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
    Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.8
    A separação familiar é uma contrariedade dos trabalhadores migrantes que se contrapõe às vantagens que decorrem desse estatuto de não residente, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não pode afirmar-se que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem o Direito Interno e Internacional.
    Não há, pois, qualquer violação da Lei Básica, v. g. do artigo 38º da LB, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar.
    Pelo que, improcede o vício de violação de lei alegado pelo recorrente, por inobservância dos artigos 38 e 43.º da lei Básica e dos princípios fundamentais da lei de Bases de Política Familiar.

    10. O recorrente fala ainda de desrazoabilidade, proporcionalidade e justiça no acto impugnado.
    É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
    Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
    E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
   No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.9
    Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
    Como está bem de ver também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.10
    Quanto à violação do princípio de Justiça, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa.
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.

    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
    
               Macau, 26 de Julho de 2012
               

_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
               
1 De notar que esta norma não especifica quais os antecedentes criminais, qual a sua gravidade ou qual o número de infracções cometidas.

2 Ac. Do TUI de 13/12/2007, Proc. n.º 36/2006, pp. 13 e 19.
3 - Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 653
4 - Almeida Costa, Pólis, V, sobre Registo Criminal, 258
5 - Proc. 394/2005, de 3/5/2012
6 - Acs deste TTSI, processo 310/2011, de 31/5/2012; 394/11, de 3/5/12; 305/05, de 25/5/06; 71/2000, de 24/2/03
7 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.

8 Vide Ae. do TSI de 16/12/2010, Proc. n.º 167/2009

9 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
10 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
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766/2011 1/33