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Recurso nº 585/2012
(Suspensão de eficácia)

Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança (保安司司長)




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

I – Relatório
   A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do Código de processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão da eficácia do despacho, datado de 5 de Junho de 2012, do Senhor Secretário para a Segurança que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por 10 anos.
   Citada a entidade requerida, não veio contestar a﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o indeferimento.
   O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer que se transcreve nos termos seguintes:
   “O documento de fls. 10 dos autos demonstra nitidamente que o acto suspendendo consiste em aplicar ao Requerente a interdição de entrada na RAEM pelo período de dez anos. Trazendo consigo o efeito prático de expulsá-lo deste Território.
   Tal despacho consubstancia-se no acto de conteúdo positivo. Nesta medida e ao abrigo do disposto na a) do art. 120º do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto, no sentido de que o qual é susceptível de suspensão de eficácia.
   Sobre os requisitos previstos no nº 1 do art. 121º do CPAC, pode-se asseverar que é pacífico e constante que “A não verificação de um dos requisitos da suspensão de eficácia de acto administrativo previstos no nº 1 do art. 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso torna desnecessária a apreciação dos restantes porque o seu deferimento exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si.” (Acórdão do TUI no Processo nº 2/2009).
   E, em regra, cabe ao requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido nº 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação.
   Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos.
   E, só relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos.
   Em esteira destas criteriosas jurisprudências, e ressalvado respeito pela opinião diferente, entendemos que merece deferimento o pedido de suspensão de eficácia em apreço.
   Com efeito, sendo o Requerente da república de Guiné, afigura-se-nos previsível que a imediata execução do acto suspendendo lhe determinará a séria dificuldade de manter a normal vida conjugal e de cuidar o seu filho nascido em 28/07/2011 (docs. de fls. 14 e 15 dos autos).
   Daí resulta a previsibilidade de que o filho menor do Requerente perderá, de forma inevitável, a caridade do pai. O que configura, segundo nos parece, um prejuízo de difícil reparação, não sendo embora de todo em todo impossível.
   Face à não contestação, e por não se vislumbrar a manifesta grave le são causada pela pretendida suspensão de eficácia para o interesse público, entendemos que se deve considerar verificado o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 121º do CPAC (art. 129º nº 1 deste diploma legal).
   E, ressalvado o respeito pela posição assumida pelo órgão requerido na dita contestação, afigura-se-nos que dos autos não resultam fortes indícios que determinem a ilegalidade, ou seja, a rejeição liminar do respectivo recurso contencioso.
   Tudo isto implica que se preenchem todos os requisitos legalmente fixados para a suspensão de eficácia.
   Pelo exposto, propendemos pelo provimento do presente pedido de suspensão de eficácia.”
II – Fundamentação
   De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
- Por decisão do Senhor Secretário para a Segurança, datada em 21 de Janeiro de 2009, foi aplicada ao requerente a medida de interdição da reentrada na RAEM.
- Esta ordem não chegou a ser notificada ao requerente.
- Em 5 de Junho de 2012, foi o requerente, portador do passaporte da República de Quiné, com a data de validade até 23 de Agosto de 2012, foi interceptado pelo agente da PSP, por ter resultado que se trata da mesma pessoa chamada B que tinha sido suspeito a prática dos crimes de ofensa simples de integridade física e de falsas declarações sobre a identidade.
- Só nessa altura foi notificado da medida de interdição da reentrada na RAEM.
- Antes deste momento, o requerente chegou a sair da RAEM pelo Termo Marítimo Exterior, respectivamente em 25 de Dezembro de 2010 e 28 de Dezembro de 2010 e foi recusado a entrar na Região Administrativa Especial de Hong Kong, assim ficou o requerente a permanecer na RAEM, e a entidade competente não cumpriu a ordem de interdição, nem no memento quando o mesmo saiu da RAEM em 1 de Janeiro de 2011.
- Em 23 de Dezembro de 2011, o requerente pediu perante o Departamento de Migração a autorização de residência, cujo procedimento está em curso.
- O requerente contraiu casamento na RAEM com C, residente permanente da Região, em 11 de Agosto de 2011;
- Deste casamento veio nascer o seu filho, D, na RAEM, em 28 de Julho de 2011, que é residente permanente da RAEM;
- O requerente habita em Macau com a sua mulher (C) e o filho de ambos.
- Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 5 de Junho de 2012, foi-lhe aplicado uma medida de interdição de entrada na RAEM por 10 anos.

Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto da aplicação de uma medida de interdição da entrada na RAEM por um período de 10 anos, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
Vejamos.
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.1
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto ao pressuposto, veja-se o disposto no artigo 120º (Suspensão de eficácia de actos administrativos) que se diz:
“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.
Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2
E nos presentes autos, o acto suspendendo é uma medida administrativa aplicada directamente ao requente. Na medida em que alterou positivamente a situação jurídica preexistente do requerente, é manifesto ser um acto de conteúdo positivo, susceptível de ser objecto da suspensão, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia.

E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Quanto ao requisito positivo, o requerente alegou que, como a sua mulher e o filho recente nascido são residentes permanentes da RAEM, com a execução imediata do acto, ficaria o requerente obrigado a deixar o lar estabelecido na RAEM, nomeadamente a afastar da sua criança que se encontra numa fase crescimento fulcral.
Nos presentes autos pediu apenas a suspensão de eficácia do acto de aplicação da interdição da entrada na RAEM, ficou ainda erecto o acto da ordem de expulsão,acto este que é distinto do acto da expulsão. Não concordamos com o requerente que a eventual procedência da presente suspensão de eficácia obsta a que fosse dada ordem de expulsão (cujo teor consta da cópia das fls. 11 dos presentes autos), a procedência ou não da presente suspensão de eficácia o requerente tem que sair da RAEM, cumprindo sempre a ordem de expulsão.
Compulsados os autos, podemos ver que o requerente já está em Macau, a execução imediata da medida de interdição não resulta qualquer prejuízo, por o pedido tem contornos de prematuridade. O que lhe prejudica é precisamente a ordem de expulsão, mas a esta o requerente não reagiu.
Pelo que por não se verifica o requisito da al. a) do artigo 121º do CPAC, sem necessidade da verificação dos restantes, não pode deferir o pedido de suspensão de eficácia.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em indeferir a requerida suspensão de eficácia.
  Custas pelo requerente, com a taxa de Justiça de 6 UC’s.
Macau, RAE, aos 19 de Julho de 2012
Choi Mou Pan Presente
João A. G. Gil de Oliveira Vítor Coelho
Lai Kin Hong
Vencido nos termos de declaração de voto





Processo nº 585/2012
Declaração de voto de vencido


Enquanto relator, fiquei vencido nos exactos termos do projecto que submeteu à conferência e que se transcreve a seguir:



Processo nº 585/2012


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 11OUT2011, do Senhor Secretário para Segurança que lhe foi determinada a interdição de entrada em Macau por 10 anos, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 9 dos p. autos, as seguintes razões de facto e de direito:

Citada a entidade requerida, nada veio contestar.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 25 e 26 dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento da requerida suspensão.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

Antes de mais, cabe dizer que dos elementos constantes dos autos salta à vista que se trata in casu de uma ordem de interdição de entrada que tem por destinatário um não residente.

Assim sendo, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo. Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, trata-se de uma ordem de interdição de entrada emanada por uma entidade competente na matéria de imigração.

Foi ao abrigo do disposto no artº 12º da Lei nº 6/2004 que o Senhor Secretário para Segurança emitiu a tal ordem.

De facto, a tal ordem não determina a expulsão do requerente, mas sim a proibição da entrada na RAEM no futuro.

Se é certo que ao requerente ou a quaisquer não residentes pode ser concedida a autorização para entrar na RAEM desde que estejam munidos, nomeadamente, de documentos válidos de viagem, não é menos verdade que essa autorização é inteiramente a manifestação do exercício do poder discricionário, senão uma medida de polícia.

Não atribuindo a lei aos não residentes uma expectativa firme de ser permitida a entrada na RAEM, não podemos dizer que no caso sub judice da execução da ordem de interdição decorra um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, pois não se pode olvidar que o statu quo ante não era um residente, mas sim um não residente que só potencialmente pretende entrar na RAEM.

Falando sob outro prisma, se permissão da entrada na RAEM não decorrer do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, a ordem de interdição não pode deixar de ser meramente negativo sem vertente positiva.

In casu, o requerente invocou como fundamento principal para sustentar a requerida suspensão da eficácia a impossibilidade de o requerente de permanecer na RAEM para acompanhar o crescimento do seu filho menor.

Todavia, uma coisa é a interdição da entrada de alguém na RAEM, outra coisa a expulsão de alguém para fora da RAEM.

Efectivamente não consta do despacho que indeferiu a interdição da entrada qualquer ordem de expulsão.

A alegadamente possível expulsão, a existir, só pode ser objecto de uma outra decisão e não que esta que está sob a nossa apreciação.

Portanto, a eventual expulsão não decorre directamente da execução da ordem de interdição de entrada, mas sim da uma outra decisão que venha a ser tomada pela entidade competente no âmbito de um outro procedimento administrativo.

Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de considerar existir a vertente positiva susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca substitui-se à decisão da Administração no sentido de permitir a entrada de um não residente em Macau.

A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de permitir a entrada na RAEM, substituindo-se assim à Administração no desempenho das suas funções administrativas.

O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.

Pelo exposto, entendemos que é de indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a que se alude o artº 120º-b) do CPAC.

Verificada a falta desse pressuposto processual, resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 15JUN2012, do Senhor Secretário para Segurança que determinou a interdição da entrada do requerente na RAEM pelo período de 10 anos.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 8UC.


RAEM, 19JUL2012

O relator vencido


Lai Kin Hong

1 Acórdão do TSI do processo 30/00/A.
2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
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