Processo nº 180/2012
(Recurso Laboral)
Data: 19/Julho/2012
Assuntos:
- Nulidade da sentença; oposição entre decisão e fundamentos
- Erro de julgamento
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão de obra
- Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO :
1. Não há erro de julgamento nem oposição entre a decisão e fundamentos se o contrato ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado está perfeitamente identificado.
2. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
3. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
5. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
6. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
7. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
8. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
9. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
10. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 180/2012
(Recurso Laboral)
Data: 19/Julho/2012
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.
Recorrido: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, instaurou contra Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$ 392.169.00, acrescidos de juros contados à taxa legal, desde a constituição em mora até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$126.120,00 a título de diferença no vencimento base;
-MOP$49.227,00 a título de diferença por trabalho extraordinário prestado;
- MOP$77.325,00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$ 61.920,00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$18.900,00 a título de diferenças retributivas pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$9.450,00 a título de indemnização pelo não gozo dos dias de descanso compensatório a que tinha direito;
Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 22 de Abril de 1994 e 31 de Maio de 2008 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da R., mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi Autorizada porque a R. celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão de obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela R., teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário a uma remuneração horária superior ao que a R. lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
Por outro lado, alega ainda o A. que a R. não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal durante 10 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, nem lhe concedeu um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes, quantias de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
2. Julgada a acção, veio a R. a pagar ao A. as seguintes quantias:
a) MOP$118,920.00 a título de diferenças salariais;
b) MOP$31,906.85 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário prestado;
c) MOP$77,235.00 a título de subsídio de alimentação;
d) MOP$ 60,840.00 a título de subsídio de efectividade;
e) MOP$18,900.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
f) a todas as quantias supra mencionadas (MOP$307,801.85) acrescerão os juros moratórios, e é de observar-se o decidido na jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI tirado em 02MAR2011, no processo nº 69/2010.
3. GUARDFORCE (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA, LIMITADA, Ré nos autos à margem referenciados, notificada da douta Sentença proferida a fls. 260 e seguintes e com os mesmos não se conformando, vem, nos termos do disposto nos artigos 110,° e seguintes do Código de Processo do Trabalho, interpor RECURSO, alegando em síntese conclusiva:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$307,801.85 (trezentas e sete mil, oitocentas e uma patacas e oitenta e cinco avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. A decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece de nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito.
III. Na alínea E) dos factos assentes o douto Tribunal a quo da como provado que "Foi ao abrigo do contrato n.º 2/94 que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio as Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R."
IV. O douto Tribunal a quo deu ainda como provado que: "Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A." (al. CC dos factos assentes); que "Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90 por dia, por 8horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700.00 por mês". (al. DD dos factos assentes); e que "Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP11.25 (MOP90 : 8horas)". (al. EE dos factos assentes); Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP15.00 diárias, a título de alimentação." (al. LL. dos factos assentes); e Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço". (al. OO dos factos assentes)".
V. Existe, no entanto, uma contradição insanável entre estes factos e a decisão a final proferida pelo douto Tribunal a quo, uma vez que o contrato de prestação de serviços 2/94, ao abrigo do qual o Autor foi contratado, dispõe, quanto a sua validade nos seguintes termos: "11.1 Sem prejuízo do disposto no precedente no n.º 9.1, o presente contrato terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo;" e «11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação até à data em que extinguir a primeira validade do título de identificação do trabalhador não residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo da Polícia de Segurança Pública de Macau). (...)».
VI. Ora, nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços n.° 2/94, que esteve na base da contratação do Autor, decorrido o ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
VII. Ao ter dado como provada a matéria constante da alínea CC) dos factos assentes, o douto Tribunal a quo fê-lo, sem que existisse nos autos prova de que o contrato de prestação de serviços 2/94, decorrido um ano da sua celebração e aprovação por parte das autoridades competentes, tenha sido objecto de renovação, por quantas vezes e ate quando terá vigorado.
VIII. Ademais, encontra-se nos autos referência feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais - documento n.º 2 junto pelo Recorrido com a petição inicial - a diversos contratos de prestação de serviços, ao abrigo dos quais foram sendo celebrados os diversos contratos de trabalhos entre a ora Recorrente e os seus trabalhadores não-residentes, o que, se demonstra perfeitamente incompatível com ao facto dado como assente pelo Tribunal na referida alínea CC).
IX. Sem a prova de que o contrato de prestação de serviços 2/94 foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou, o douto Tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando, e com base nas condições desse mesmo contrato 2/94, seguindo a tese de que tal contrato é fonte de direitos para o Autor (o que não se concede), o douto Tribunal de Primeira Instância poderia apenas ter condenado a Ré, ora Recorrente, no pagamento de diferenças salariais vencidas somente no período de duração de tal contraio,
X. O douto Tribunal a quo nunca poderia ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido as diferenças salariais vencidas num período superior a 11 anos - de 1994 a 2006 -, com base num contrato de prestação de serviços com uma duração de 1 ano - de 12/1993 a 12/1994.
XI. Assim, a decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços, o contrato 2/94, com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito a receber durante os 11 anos que durou a relação laboral.
XII. Ou seja, o ponto E) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 n.º 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
XIII. Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea CC) dos factos provados.
XIV. No entendimento do douto Tribunal a quo o referido contrato 2/94 terá sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente, a ponto de ter justificado as sucessivas celebrações de contratos de trabalho entre a ora Recorrente e o Recorrido. No entanto,
XV. O douto Tribunal a quo não estava habilitado a fazer tal afirmação porquanto, para além de não existir nos autos um único meio de prova que lho permita, tal raciocínio não corresponde à verdade e entra em manifesta contradição com o teor do documento numero 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XVI. O referido documento 2 trata-se de uma análise comparativa das condições de remuneração estabelecidas nos vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a Guardforce (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e as condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores não residentes, dentre eles o Autor.
XVII. Deste documento, junto pelo Autor e não impugnado pela Recorrente, resulta que a ora Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes, tendo celebrado para o efeito, desde 1992, diversos contratos de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., os quais vêm sendo aprovados pelo Governo da RAEM, dentre eles o contrato 2/94.
XVIII. Mais resulta de tal documento que, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94, ao abrigo do qual foi contratado o Recorrido, vigorou até 15 de Janeiro de 2001, data a partir da qual “As vagas dos contratos n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 2/94, 40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1".
XIX. É então óbvio que, se o Autor se tivesse mantido ao serviço da Recorrente por força do contrato de prestação de serviços 2/94, teria deixado de trabalhar para a Ré, ora Recorrente, quando o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado chegou, definitivamente, ao seu termo, ou seja, de acordo com o referido documento numero 2, em 15 de Janeiro de 2001.
XX. O Douto Tribunal a quo não poderia nunca ter dado como assente a matéria constante da alínea CC) e com base no contrato de prestação de serviços 2/94 que terá vigorado apenas até 2001, conforme resulta do documento n.º 2 junto pelo Autor na petição inicial, condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor diferenças salariais que alegadamente se verificaram no período compreendido entre 1994 e 2006.
XXI. No que respeita à matéria vertida na alínea CC) dos factos assentes, apenas poderia o douto Tribunal a quo ter dado como provado que "A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 2/94 celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, que vigorou entre 11 de Dezembro de 1993 e 11 de Dezembro de 1994, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A.." , ou que "CC) A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 2/94 celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente entre 11 de Dezembro de 1993 e 15 de Janeiro 2001, data em que definitivamente deixou de vigorar, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A.."
XXII. Ao ter dado como assente naqueles termos os factos constantes da alínea CC) incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, o que, caso se venha a aderir à solução de direito avançada na decisão ora em crise - o que apenas por mero dever de patrocínio se concede -, a alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XXIII. Salvo devido respeito entende a ora Recorrente que no plano do Direito aplicável ao caso a decisão Recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento, porquanto, nada na Lei fez nascer na esfera jurídica do Autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
XXIV. Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o Autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
XXV. O Despacho n.º 12/GM188, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, porquanto regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes.
XXVI. O referido diploma ora trata-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas (cfr. artigo 16.°, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau), ao passo que a função legislativa era exercida por meio de Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13.° do mesmo Estatuto, e
XXVII. A regulamentação das relações laborais - quer elas se estabeleçam entre residentes ou entre residentes e não residentes - não pode nunca caber dentro das funções executivas de um órgão de soberania, nem ser regulada através de um simples despacho.
XXVIII. Parece pois claro que o Despacho 12/GM/88 veio apenas definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes e não o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos, curando, tão-somente, do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
XXIX. Por seu turno o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, pelo que nunca poderia obrigar a Recorrente nos termos em que o Autor pretende.
XXX. Ou seja, o Despacho 12/GM/88 e o acto administrativo subsequente - Despacho de Autorização carecem de imperatividade.
XXXI. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
XXXII. Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se estabeleceram na sequência da contratação autorizada.
XXXIII. A relação laboral entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, principio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
XXXIV. Assim, a Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro e a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril.
XXXV. No contrato a favor de terceiro, segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, e a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato, porém,
XXXVI. O que resulta do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau é que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições,
XXXVII. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XXXVIII. Também, nunca poderia o douto Tribunal a quo interpretar e qualificar a relação jurídica como contrato a favor de terceiro, porquanto não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes - ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial.
XXXIX. Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que esta adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-la do promitente, de contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XL. Resulta, assim, que o(s) contrato(s) de prestação de serviços celebrado(s) entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, não poderá(ão) produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do(s) mesmo(s) não é parte, e não sendo o Autor parte do(s) contrato(s) de prestação de serviços celebrado(s) entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, só com base no contrato de trabalho celebrado entre as partes é que o Autor poderia reclamar da Recorrente quaisquer eventuais direitos, mas esse contrato foi integralmente cumprido pela Recorrente.
XLI. Nestes termos, também quanto a este ponto a sentença recorrida incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 400º e 437º do Código Civil.
XLI. Caso se adira aos fundamentos de direito da Sentença ora em crise e se entenda que o Recorrido tem direito as diferenças remuneratórias existentes entre o contrato de prestação de serviços 2/94 e o contrato individual de trabalho, terá sempre que ser devidamente levado em conta o período em que o contrato de prestação de serviços 2/94 esteve em vigor, ou seja, até 11 de Dezembro de 1994, ou maxime, até 15 de Janeiro de 2001, caso V. Exas. entendam ter elementos suficientes para tanto, nomeadamente tendo em conta o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XLII. Caso se entenda que dos autos só seria possível apurar que o contrato de prestação de serviços 2/94 apenas teve uma duração até 11 de Dezembro de 1994, o Autor, ora Recorrido, teria apenas direito a auferir as seguintes quantias, a título de diferenças salariais: MOP$9,600.00 e a título de diferenças retributivas por Horas Extraordinárias: MOP$3,042.00;
XLIII. Caso se entenda que dos presentes autos seria possível apurar que o contrato de prestação de serviços 2/94 apenas teve uma duração até 15 de Janeiro de 2001, o Autor, ora Recorrido, teria apenas direito a auferir as seguintes quantias a título de Diferenças salariais: MOP$80,800.00 e a titulo de Diferenças retributivas por Horas Extraordinárias: MOP$23,760.00.
XLIV. No que respeita ao subsídio de alimentação e de efectividade, o douto Tribunal a quo, para condenar a ora Recorrente no pagamento dos mesmos, parte dos factos dados como assentes nas alienas L), LL) e MM) e NN) e, com base nas mesmas, procede, no caso do subsidio de alimentação, à multiplicação do número total de dias que o Autor esteve ao serviço da Ré, ora Recorrente, e, no caso do subsidio de efectividade, à multiplicação do número de meses que o Autor esteve ao serviço da Recorrente pelo valor correspondente ao salário de 4 dias. No entanto,
XLV. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário e
XLVI. Conforme se retira do contrato de prestação de serviços 2/94, donde resulta para o Autor o direito de receber o referido subsídio mensal de efectividade, para que se atribua de factual subsídio ao trabalhador necessário seria ter-se apurado que o trabalhador não deu qualquer falta ao serviço, durante o período em que a fonte de tal direito vigorou.
XLVII. Não foi feita nos presentes autos qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem se alguma vez faltou ao serviço.
XLVIII. Existe assim quanto a estes dois subsídios, é insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido os montantes de MOP$77,235.00 e MOP$60,840.00, a título, respectivamente, de subsidio de alimentação e efectividade.
XLIX. Ainda que assim não se entenda e tendo em conta que o contrato de prestação de serviços 2/94, donde alegadamente nasce o direito do Autor em perceber tal subsidio, caducou em 11 de Dezembro de 1994, e seguindo a linha de raciocínio do douto Tribunal a quo, o Autor terá apenas direito a receber da Recorrente o montante de MOP$3,510.00, a titulo de subsidio de alimentação,
L. Ou, se entenda que o contrato de prestação de serviços 2/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá então direito a receber o valor correspondente aos subsídios de alimentação que receberia durante os 2104 dias que medeiam a data da sua contratação (22/04/1994) e 15 de Janeiro de 2011, no montante de MOP$33,390.00 ..
LI. Quanto ao subsidio de efectividade, caso não se concorde com o referido em XLVI, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços 2/94, donde alegadamente nasce o direito do Autor em perceber tal subsídio, caducou em 11 de Dezembro de 1994, e seguindo a linha de raciocínio do douto Tribunal a quo, o Autor terá apenas direito a receber da Recorrente o montante de MOP$2,880.00,
LII. Ou, caso V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 2/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá então direito a receber o valor correspondente aos subsídios de efectividade que receberia durante os meses que medeiam a data da sua contratação e 15 de Janeiro de 2011, no montante de MOP$26,280.00.
LIII. No que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o douto tribunal a quo, foi para além do prazo de validade do contrato de prestação de serviços 2/94, nos termos já acima expostos e não tomou em consideração o montante que a ora Recorrente já havia pago ao Autor a título de remuneração por trabalho prestado em dia de descanso semanal.
LIV. Caso se venha a entender que dos autos só resulta prova que o referido contrato de prestação de serviços durou até 11 de Dezembro de 1994, o Autor não terá direito a qualquer montante relativo à diferença que se verifica entre o salário que recebia no período em apreço e o estabelecido num contrato de prestação de serviços que já não estava em vigor.
LV. Caso, se entenda que o contrato de prestação de serviços 2/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá apenas direito a receber da Ré o valor de MOP$9,473.32 respeitante ao trabalho prestado em 105 dias de descanso semanal, ao qual se retirou já o montante que o Autor auferiu da Recorrente por força da prestação deste tipo de trabalho.
LVI. Para o caso de V. Exas. assim não entenderem e considerarem ser de aplicar a todo o período peticionado pelo Autor as diferenças salariais existentes entre o contrato de prestação de serviços 2/94 e o contrato de trabalho celebrado entre as partes, ainda assim, ao valor atingido pelo douto Tribunal a quo terá que ser deduzido o valor que pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal o Autor já havia recebido da ora Recorrente, ou seja, o correspondente a um dia de trabalho em singelo, chegando-se assim ao montante de MOP$11,901.00.
LVII. A sentença ora em Recurso violou o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 3,° do Decreto-Lei 24189/M, de 03 de Abril, as disposições do Despacho 18/GM/88, de 1 de Fevereiro, nos artigos 399.°, 400º e 437º do Código Civil e bem assim o disposto no artigo 17º do Decreto-lei 24189/M de 3 de Abril.
Nestes termos, entende, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, ser revogada a sentença proferida pelo douto tribunal a quo e substituída por uma outra que absolva a ora recorrente dos pedidos.
4. A, autor já identificado nos autos à margem indicados, vem apresentar as suas ALEGAÇÕES de RESPOSTA, concluindo:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
2. É, no mínimo, estranho que a Recorrente venha em sede de alegações de Recurso insurgir-se contra a validade ou limite temporal do contrato de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e com base no qual foram celebrados sucessivos contratos de trabalho que permitiram que o Autor tivesse permanecido legalmente em Macau ao serviço da Ré durante mais de uma dezena de anos;
3. Mais estranho se torna a indignação quando foi a Recorrente quem sublinhou na sua Contestação que: “(…) à data de assinatura dos mesmos (isto é, dos contratos individuais de trabalho celebrados com o Autor) o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS N.º 2/94 (...), tendo anteriormente sublinhado que: "(...) as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente aquele que diz respeito ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos";
4. De onde, tendo a Recorrente aceite, sem qualquer reserva, em sede de Contestação, que as cláusulas do Contrato de Prestação de Serviço, maxime do Contrato n.º 2/94, ainda se encontram em vigor, isto é, que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos e que foi com base nas mesmas que outorgou os contratos individuais de trabalho com o Autor, não poderá agora vir a "dar o dito por não dito", impugnando factos assentes com base nas suas próprias confissões;
5. Ademais, se a Recorrente entendesse que a questão do prazo de validade do contrato de prestação de serviços n.º 2/94 (que a própria Recorrente juntou aos autos como estando ou tendo estado em vigor até ao termo da relação laboral com o Autor) configurava uma questão controvertida, já há muito que o haveria de ter suscitado, maxime em sede de matéria de excepção aquando da apresentação da sua Contestação em Maio de 2009;
6. Acontece, porém, que sabido que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do art. 335.° do Código Civil), caberia à Recorrente provar os factos modificativos ou extintivos dos direitos contra si invocados e, em concreto, o facto de na sua opinião o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não ter sido o mesmo que terá fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo;
7. Não o tendo feito, tendo inclusivamente a Recorrente junto aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 2/94 afirmando expressamente tratar-se do contrato com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com o Recorrido (cfr. uma vez mais o art. 38.° da Contestação), a consequência de tal incumprimento de tal ónus de prova é a decisão ter de ser desfavorável à parte onerada ... ;
8. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da preclusão);
9. De onde não existe qualquer contradição, porquanto foi a própria Recorrente quem invocou e apresentou aos autos o contrato de prestação de serviços n.º 2/94, como tendo sido aquele com base no qual a Recorrente outorgou os contratos individuais de trabalho com o Recorrido.
Por outro lado,
10. No que ao doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial diz respeito é, no mínimo, estranho que a Recorrente venha agora pretender prevalecer-se do conteúdo, quando até hoje e em sede contravencional nunca concordou com o seu teor;
11. Mais estranho se torna, quando se deixa ver que a Recorrente somente procura extrair do doc. 2 o que lhe parece mais favorável ... ;
12. A mera referência constante do doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, em caso algum poderia afastar, por si só, o ónus de prova que recaía sobre a Recorrente, no sentido de trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços, tal qual, aliás, a seu tempo requerido pelo próprio Recorrido;
13. De onde, também por aqui, a Recorrente não pode pretender beneficiar das suas "próprias falhas" para, em sede de recurso, procurar atingir o que não consegui alcançar em sede de instrução e produção de prova;
14. Assim, em face do alegado e aceite por ambas as partes, em sede de articulados, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter chegado a outra conclusão que não a constante da douta Sentença e, como tal, a mesma não enferma de qualquer vício, ou erro de julgamento da matéria de facto devendo, antes, manter-se na íntegra, o que desde já e para os devidos efeitos se requer.
Quanto à matéria de Direito,
15. Resulta do próprio conteúdo literal do contrato celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio, que o mesmo - na sua quase totalidade - não se destinava a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o Recorrido);
16. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do Código Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
17. A este respeito, veja-se, entre muitos outros, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 739/2009), em muito relacionado ao dos presentes autos, quando se sublinha que: as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que este torna de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores este que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos trabalhadores residentes - DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
18. Do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, resulta que o despacho (leia-se, despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a mesma à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a “entidade interessada” e uma “terceira entidade - fornecedora de mão-de-obra não residente” (cfr. n.º 3 e n.º 9 c) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
19. In casu, quer o «despacho da autoridade governamental» quer o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, vincularam imperativamente a Recorrente a contratar os trabalhadores não residentes - e, em concreto, o Recorrido - em conformidade com as condições mínimas constantes do «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
20. A fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
21. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
22. In extremis, nunca o Recorrido poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não respeitasse o disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador;
23. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
Nestes termos, pelas razões supra expostas, deve o recurso apresentado pela recorrente ser julgado totalmente improcedente.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Factos Assentes:
1. A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
2. A R. tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”. (B)
3. A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. os contratos n.º9/92 de 29 de Junho de 1992; n.º6/93 de 1 de Março de 1993; n.º2/94 de 3 de Janeiro de 1994; n.º29/94 de 11 de Maio de 1994; n.º45/94 de 27 de Dezembro de 1994. (e.g. doc. n.º1 junto com a contestação) (C)
4. Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recurtamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da R.; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à R..(D)
5. Foi ao abrigo do contrato n.º2/94, que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R. (E)
6. Entre 22 de Abril de 1994 e 31 de Maio de 2008, o A. esteve ao serviço da R., exercendo funções de “guarda de segurança”. (F)
7. Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da R.. (G)
8. Era a R. quem fixava o local e horário de trabalho do A., de acordo com as suas exclusivas necessidades. (H)
9. Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a R. quem pagou o salário ao A.. (I)
10. O contrato celebrado entre a R. e o A. cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da R. (J)
11. A antiguidade do A. ao serviço da R. foi de 14 anos, 1 mês e 9 dias. (L)
12. A R. apresentou ao A. um contrato e posteriormente assinado pelo mesmo. (doc. n.º5 junto com p.i.) (M)
13. O A. assinou outros seis contratos. (docs. n.º6 a 11 junto com p.i.) (N)
14. Os seis contratos assinados entre o A. e a R. correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a R. (O)
15. Entre Maio de 1994 a Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$1,500.00. (cfr. doc. n.5 junto com p.i.) (P)
16. Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00. (Q)
17. Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais. (R)
18. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais (cfr. doc. n.12 junto com p.i.) (S)
19. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais. (cfr. doc. n.12 junto com p.i.) (T)
20. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais. (cfr. doc. n.12 junto com p.i.) (U)
21. Entre 22 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997 a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$ 8.00 por hora. (V)
22. Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$ 9.30 por hora. (W)
23. Entre Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002 a R. remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$ 9.30 por hora. (X)
24. Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a R. remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$ 10.00 por hora. (Y)
25. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a R. remunerou o trabalho extraordinário prestado pejo A. à razão de MOP$ 11.00 por hora. (Z)
26. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a R. remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11.30 por hora. (AA)
27. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a R. remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11.50 por hora. (BB)
28. Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização a aprovação por parte da respectiva entidades competentes; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A. (CC)
29. Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90 por dia, por 8 horas de trabalho diária, o que perfaz a quantia de MOP$2,700 por mês. (DD)
30. Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP$11,25 (MOP$90/8horas). (EE)
31. Entre Julho de 1999 e Junho de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$44,512.05, que corresponde a 4818 horas de trabalho extraordinário prestadas. (FF)
32. Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$7,370, que corresponde a 737 horas de trabalho extraordinário prestadas. (GG)
33. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$33,066.25, que corresponde a 3006 horas de trabalho extraordinário prestadas. (HH)
34. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$4,370.30, que corresponde a 386 horas de trabalho extraordinário prestadas. (II)
35. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$12,287.77, que corresponde a 1068 horas de trabalho extraordinário prestadas. (JJ)
36. Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP$15 diárias, a título de alimentação. (LL)
37. Ao longo de toda a relação entre a R. e o A., nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (MM)
38 Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (NN)
39. Porém, durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A., nunca a R. atribuiu ao A. qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (OO)
40. Entre 10 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, o A. não gozou de qualquer dia de descanso semanal. (PP)
*
Factos Provados:
- Entre 22 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A. de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (1º)
- Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A. de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (2º)
- Durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A., nunca o A., sem conhecimento e autorização prévia da R., deu qualquer falta ao trabalho. (3º)
- Ao A. só foi compensado pela R. pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal com o pagamento de um dia de salário em singelo. (4º)
- Nunca a R. conferiu ao A. em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal um qualquer outro dia de descanso compensatório. (5º).”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão;
- Do erro de julgamento da matéria de facto;
- Do erro na aplicação do direito.
2. Sobre a primeira questão relativa à pretensa nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão, diz a Guardforce que não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços n.º 2/94 que esteve na base da contratação do A., decorrido o ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes e até quando vigorou.
Os fundamentos da própria decisão, designadamente o contrato de prestação de serviços n.º 2/94, com um prazo de vigência de 1 ano, estriam, no entender da recorrente, em oposição com a decisão da sua aplicabilidade para todos os anos em que o recorrido, o trabalhador em causa, esteve a trabalhar para a recorrente, a empregadora.
Não tem razão a recorrente nesta sua alegação.
Desde logo se observa que na matéria que especificada foi se fixou que que foi ao abrigo do contrato n.º 2/94 que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, (al. E), seguiram-se-lhe seis outros contratos que correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado assinado com a R. ( al. O), durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio às empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização a aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A. (al. CC).
A renovação do contrato e das condições contratuais inicialmente definidas não deixa de resultar bem patente da matéria fáctica que vem fixada.
A renovação do primeiro contrato e a aplicabilidade do referido contrato n.º 2/94 é matéria. Aliás, expressamente aceite e reconhecida pela recorrente na sua contestação (cfr. designadamente os artigos 18, 38º da contestação).
Não há oposição entre os fundamentos e a decisão, pois que a partir do momento em que se definiu qual o contrato aplicável à relação laboral em concreto, foram essas as condições que serviram de base à prolação da sentença e respectivos cálculos.
Resulta dos autos que durante o aludido tempo o trabalhador esteve ao serviço da ré, com contrato sucessivamente renovado e ao abrigo do aludido contrato de prestação de serviços, contrato esse que definiu as condições de contratação.
Donde sermos a concluir que a douta sentença proferida não padece da nulidade prevista no artigo 571º, n.º 1, al. c) do CPC.
3. Do pretenso erro de julgamento da matéria de facto: da alínea CC) dos factos provados
Entende a Recorrente que "partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente o doc. 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes (...), terá sido incorrectamente julgado o facto constante da alínea CC) dos factos provados", porquanto (...) "não poderia ter sido entendido que o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente, com um prazo de duração de dois (1), foi o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo", e que, "ao entender dessa forma, o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento".
Refira-se, desde logo, que se trata de matéria firmada em sede de prolação do Saneador, despacho que não sofreu impugnação nessa parte, antes, tendo dele recorrido a Ré, a propósito da questão relativa à competência, não deixou até de jugar a seu favor com a matéria que fora considerada pelo Tribunal.
Não se percebe, pois, como pretende agora a recorrente fazer inverter o sentido dos argumentos com que em dado momento processual jogou a seu favor para vir agora dizer que essa matéria não devia ter sido considerada como provada.
Tal despacho, no concernente à selecção da matéria de facto, não foi objecto de reclamação ou recurso, nos termos do artigo 430º, n.º 2, mas, mesmo a considerar-se que, independentemente de reclamação, não se formou caso julgado formal,1não se deixará de justificar por que razão não assiste razão à recorrente.
Servem aqui as razões de certo modo avançadas já no ponto anterior, enquanto se afirmou que essa factualidade resulta do reconhecimento do Ré na sua contestação.
O doc. 2 junto pelo A. com a p.i. foi fornecido pela DSAL e faz parte de um conjunto de documentos que integraram o Processo n.º 5498/2007 e Processo n.º 2713/2008, de 03/09/2007 e de 21/05/2008, respectivamente, que correu trâmites naquela Inspecção do Trabalho, e que culminaram na condenação da Ré no pagamento ao A.
Como se disse já e reafirma, a Ré não só deixou de aceitar que foi com base naquele contrato que o trabalhador em causa foi contratado e foi ele que foi definindo o enquadramento da relação laboral enquanto ela perdurou, como a não ser assim, sempre deveria ter alegado e provado a diferente base contratual pretensamente aplicável ao caso, devendo trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços.
Donde se concluir no sentido de que tal matéria especificada se baseou correctamente na análise dos documentos juntos e na posição que as partes manifestaram nos articulados sobre a aplicabilidade de tal contrato às sucessivas renovações do contrato inicialmente celebrado com o trabalhador em causa.
4. Do recurso da matéria de direito: da qualificação do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
Entende a ora recorrente que no plano do Direito aplicável ao caso a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento,
Porquanto, nada na lei fez nascer na esfera jurídica do autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa,sustenta a recorrente, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o Autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
Entende a recorrente que no plano do Direito aplicável a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento.
A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas, trata-se de matéria já sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011).
Passamos a transcrever a posição unanimemente aceite:
« (...)
2. Que se tratou de um contrato de trabalho entre o A. e a Ré parece não haver quaisquer dúvidas.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, decorre, vista a factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho, em que o trabalhador, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da entidade patronal, começou a trabalhar como guarda de segurança.
Dispõe o artigo 1079º do CC:
1. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
2. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
3. A questão está em saber qual o regime aplicável a tal relação laboral.
Enquanto o Mmo Juiz a quo entendeu dever ser tal relação regulada apenas pelo contrato de trabalho celebrado entre o A. e Ré, defende o trabalhador ora recorrente que essa relação laboral decorre, para além do regulado nesse contrato, pelo regime legal aplicável mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre a Ré e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado, ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a bordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84(M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
5. Convém aqui fazer um parêntisis e analisar a pretensa invalidade desse despacho Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, até porque é questão que vem colocada em sede de contra-alegações pela ora recorrida.
Defende a recorrida que esse Despacho foi proferido pelo então governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao Governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
Cita até, em abono da sua tese, António dos Santos Ramos, mas o que este autor refere é uma questão algo diferente e que se prende com o facto de tal despacho ser regulamentador de uma lei, na altura, o DL 101/84/M, entretanto revogado, perdendo sentido a sua eficácia regulamentar quando já não havia lei a regular. Embora seja esse mesmo autor a reconhecer que não havia outras disposições atinentes ao regime a observar na contratação dos não residentes e que ao longo dos anos foi esse diploma que enquadrou as contratações dos não residentes.2
Bom, sobre isto, o que dizer?
Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária
aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n." 3, 1) da Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.? 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa3 - e não tem razão a recorrida ao pretender ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria a franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
Como perde alguma razão o autor citado, enquanto pretende ver no referido Despacho uma natureza regulamentadora de um outro diploma, sendo certo que tal diploma tem força autónoma relativamente aos condicionamentos e procedimentos enformadores da autorização de mão-de-obra não residente.
Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em (...)
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.4
7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais clásulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.5
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.6
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.7
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.8
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.9
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).10
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”11
Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
8. Estamos, pois, em condições de aplicar ao caso os valores reclamados com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a dita Sociedade, aliás, nos termos previstos e condicionados pela necessária autorização administrativa, normativamente enquadrada.
Antes dos cálculos apenas uma referência quanto à aplicação do RJRL.
Pretende-se em certas posições e decisões até que nos têm chegado que esse regime seria supletivo do regime contratualizado.
Mas não é preciso, pelo menos no presente caso, pelo menos por ora, enveredar por aí, tecer tão elaborado engenho interpretativo, porquanto vem comprovado nos autos que na relação estrita e directa estabelecida entre a empregadora e o trabalhador, face aos contratos celebrados e juntos aos autos, vista a cláusula 24, em todos os outros termos e condições não expressamente ali previstas seriam reguladas de acordo com o regime legal laboral comum, ou seja, ao tempo, o Dec.-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
9. Quanto às fórmulas de compensação dos descansos não gozados, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no recente acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Por outro lado, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, a, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., entre outros, o Ac do TSI de 6 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 739/2009).»
5. Nesta conformidade, será de aplicar à relação laboral em presença o referido contrato celebrado a favor do trabalhador com entidade terceira, contrato esse normativamente enquadrado nos termos supra vistos.
Face ao exposto, o recurso não deixará de improceder, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão.
Custas pela recorrente.
Macau 19 de Julho de 2012,
(Relator) João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Viriato Lima, Manual de Dto Proc. Civil, 447
2 - in Formação do Contrato Individual de Trabalho, RAPM (Rev. Edm. Pública de Macau), n.º 8/9, 343 e segs
3 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
4 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
5 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
6 - Leite de Campos, ob. cit., 17
7 - Obrigações, 1966, 55
8 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
9 - Leite de Campos, ob. cit.27
10 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
11 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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