Proc. nº 692/2012
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Agosto de 2012
Descritores:
-Requisitos da suspensão
-Prejuízos de difícil reparação
SUMÁRIO:
I- O objectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso.
II- Logo, ela não se satisfaz com uma alegação vaga e sintética dos danos que o acto administrativo pode provocar. Mesmo não sendo necessária uma prova cabal, perfeita e exaustiva dos prejuízos, isso é verdade («...cause previsivelmente...»), é ao menos importante que o requerente traga aos autos um acervo de factos indiciariamente reveladores da existência de um verdadeiro dano na sua esfera decorrente da execução do acto, ou seja, é necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo1, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.
III- Em princípio, um dano quantificável não é irreparável ou de difícil reparação.
Proc. Nº 692/2012
(Recurso Jurisdicional em material administrativa)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, pediu a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, datada de 7 de Maio de 2010, que rejeitou o recurso hierárquico interposto pelo requerente da decisão de 28/01/2011 do Presidente do mesmo Conselho de lhe indeferir o uso na “Praça de Diversões Tap Siac” de 48 máquinas de jogos electrónicos.
Por sentença de 19/06/2012, foi a providência “rejeitada” com fundamento na inexistência do requisito da alínea a), do nº1, do art. 120º do CPAC.
É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. O recorrente não está de acordo com a sentença proferida em 19 de Junho de 2012 pelo meritíssimo juiz de direito do Tribunal Administrativo nos autos n.º79/12-SE, contra a providência da suspensão de eficácia, ou seja o objecto do presente recurso.
2. A sentença decisão incorreu em [erro de julgamento ao dar por provados os factos] e [falta de apreciação de questão jurídica];
3. Considera o recorrente que o facto de diminuição das 48 máquinas para sua instalação, entre as 106 máquinas originalmente autorizada, já pode causar à sua operação um prejuízo de difícil reparação;
4. Ou, face às tais 48 máquinas de jogos electrónicos já autorizadas inicialmente para a sua instalação, inesperadamente foi deliberado o indeferimento por causa de um determinado relatório feito pela entidade recorrida, não tendo a sentença recorrida apreciado a dita deliberação que violou o “direito adquirido”;
5. Contudo, tendo o recorrente já indicado isso no seu requerimento.
6. Pelo que, a sentença recorrida padece do supracitado vício de [erro de julgamento ao dar por provados os factos] e de [falta de apreciação de questão jurídica], devendo ser revogada;
7. Pelo contrário, deve-se julgar procedente o recurso e em consequência, declarando procedente o pedido de suspensão de eficácia, uma vez que todas as condições invocadas no requerimento reúnem totalmente o disposto no art.º 121º do Código do Processo Administrativo Contencioso; ou
8. Julgando procedente o recurso, reenviando os autos para o Tribunal Administrativo para apreciar de novo a parte em falta.
Pelo exposto, requer-se ao Tribunal de Segunda Instância que sejam julgados os autos de acordo com a lei, revogando a sentença recorrida, proferindo a decisão que conceda ao recorrente a suspensão da eficácia do acto administrativo, e/ou reenviando-os ao Tribunal Administrativo para apreciar de novo a parte em falta. Pede Justiça!».
*
Não houve contra-alegações.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença considerou assente a seguinte factualidade:
No dia 28 de Janeiro de 2010, o presidente do Conselho de Administração do IACM proferiu o despacho concordando com o conteúdo constante da proposta n.º225/DLA/SAL/2010 que tinha indeferido a instalação na “Praça de Diversões Tap Siac” de 48 máquinas de jogos electrónicos que implicam elementos de jogo (vd. fls. 29 a 32 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 11 de Fevereiro de 2010, o IACM, através do seu ofício n°.02208/228-O/DLA/SAL/2010, notificou o requerente da supracitada decisão, indicando ainda no ofício que pode o requerente, dentro do prazo legal, apresentar reclamação contra o agente quem praticou o acto, ou recurso hierárquico para o Conselho de Administração do IACM, e também pode interpor recurso contencioso para o tribunal com jurisdição administrativa (vd. fls. 25 a 27 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 11 de Março de 2010, o recorrente recebeu o supracitado ofício (vd. fls. 28 do apenso)
No dia 25 de Março de 2010, o recorrente apresentou requerimento junto do IACM, indicando que já tinha solicitado ao fornecedor para fornecer dados técnicos sobre as máquinas, e uma vez que possui grande quantidade de máquinas de deferente tipo, precisando assim de mais tempo para tratar disso, pelo que requereu que fosse prorrogado o prazo para a apresentação da supracitada reclamação. (vd. fls. 22 a 23 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 9 de Abril de 2010, contra a decisão tomada pelo presidente do Conselho de Administração, o recorrente apresentou o recurso hierárquico para o IACM. (vd. fls. 17 a 18 do apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 13 de Abril de 2010, o vice-presidente do Conselho proferiu o despacho concordando com a proposta n.º1265/DLA/SAL/2010 que tinha indicado ao requerente que devesse apresentar reclamação conforme o prazo previsto no Código do Procedimento Administrativo ou no Código do Processo Administrativo Contencioso (vd. fls. 20 a 21 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
No dia 15 de Abril de 2010, através do ofício n.º05543/713-0/DLA/SAL/2010, o IACM notificou o recorrente da supracitada decisão (vd. fls. 19 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 7 de Maio de 2010, o Conselho de Administração do IACM deliberou rejeitar o recurso hierárquico interposto pelo recorrente e confirmar a decisão proferida pelo presidente do Conselho de Administração em 20 de Janeiro de 2010 sobre a proposta n.º225/DLA/SAL/2010 (vd. fls. 7 a 10 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 25 de Maio de 2010, através do ofício n.º08030/1094-0/DLA/SAL/2010, o IACM notificou o recorrente da supracitada decisão, indicando ainda no ofício que o recorrente também pode, dentro do prazo legal, interpor recurso contencioso para o tribunal com jurisdição administrativa (vd. fls.5 a 6 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 7 de Maio de 2012, o recorrente pessoalmente recebeu os originais dos dois ofícios acima referidos (vd. fls. 1 a 4 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
No dia 5 de Junho de 2012, o recorrente deduziu a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo.
***
III- O Direito
Nas alegações de recurso, em primeiro lugar, o recorrente parece pretender insurgir-se contra a circunstância de a sentença impugnada ter estabelecido os factos provados. Ora, não sendo muito clara a intenção desta invocação, o que supomos é que o recorrente não terá aceitado, isso sim, que a 1ª instância tenha considerado, pelos elementos constantes dos autos, inexistir factualidade suficiente capaz de se subsumir à previsão da alínea a), do nº1, do art. 120º do CPAC (prejuízos de difícil reparação para o requerente).
Sendo isto assim – e efectivamente, é o que parece ser – a sentença fez o exercício que lhe competia. Ordenou os passos procedimentais, com reporte às respectivas datas, desenhando de uma maneira cronológica as decisões e intervenções ocorridas ao longo do procedimento em causa. Em lado nenhum a sentença foi ao ponto de descer sobre a matéria de facto concernente à materialidade que servirá para apreciar o recurso contencioso. Aliás, no âmbito da providência, a apreciação é sumária, indiciária e perfunctória, como se sabe. Fora disso, o que a sentença impugnada fez foi analisar a existência dos requisitos da concessão da providência para, na oportunidade, concluir que o requerente não foi sagaz e diligente quanto devia no sentido de invocar e, dentro do possível demonstrar, os prejuízos de cuja verificação depende a prova do estabelecido na alínea a), citada. Portanto, nada há a censurar quanto a este primeiro aspecto.
*
Depois, o recorrente arguiu aquilo que parece ser uma nulidade – parece, dizemos nós, pois não foi invocada expressamente nenhuma nulidade do tipo daquela que o art. 571º, nº1, al. d), do CPC prevê. Na verdade, ao dizer que existe “falta de apreciação de questão jurídica” o leitor que circunscreva a sua atenção a esse segmento alegatório fica a pensar que o propósito é, realmente, aquele. Será.
Estudemos, pois, o caso sob esse ponto de vista.
Ora, o que consome o interessado é a circunstância de a sentença não se ter pronunciado sobre aquilo que o recorrente considera ser um “direito adquirido”. Isto é – se bem interpretamos as suas palavras – tendo o aqui recorrente estado a funcionar no estabelecimento com todas as 106 máquinas de jogo, “originalmente autorizadas” (licenciadas, teria querido dizer) não poderia agora a entidade administrativa impedido o funcionamento de 48 delas. Se a “licença” inicial a todas abrangeu, não podia agora a mesma entidade retirar-lhe o direito já adquirido na sua esfera.
Pois bem. Sendo esta a sua intenção, o que temos que dizer é que a sentença não tinha que fazer essa abordagem específica no âmbito deste processo. Na verdade, essa é questão que interfere com o mérito da decisão impugnada e que, por essa razão, só no recurso contencioso haverá de ser discutida e decidida. Portanto, se queria que essa questão fosse aqui decidida, o recorrente está equivocado quanto à espécie processual e ao meio adequado para a obtenção desse desiderato.
Mas, a propósito disso, o que acresce dizer é que não vemos nenhum modo de satisfazer a sua pretensão de nulidade. Com efeito, a sentença abordou expressamente o tema do “direito adquirido” e rechaçou-o com a proposição expressa de que na providência cautelar ele estava fora do seu alcance decisor. Na medida em que ele contendia com o vício de legalidade, portanto com o mérito da decisão, só no recurso contencioso deveria ser decidido (ver fls. 7 da tradução da sentença, a fls. 57 dos autos). Ora, na medida em que o CPAC, no capítulo destinado aos procedimentos preventivos e cautelares, não impõe que na suspensão de eficácia se conheça dos vícios de que padeçam os actos suspendendos (art. 120º e sgs.), a afirmação da sentença a esse respeito apresenta-se totalmente incólume.
Significa isto que não avistamos qualquer motivo de nulidade, designadamente o previsto na citada alínea d), do nº1, do art. 571º do CPC.
*
No que concerne aos requisitos da suspensão de eficácia propriamente ditos, nada há também a censurar à sentença aqui escrutinada.
Com efeito, a sentença disse que o interessado não descrevera os prejuízos de difícil reparação que resultariam da não utilização de 48 máquinas de diversão. E disse bem.
Como é sabido, a alínea a), do nº1, do art. 120º do CPAC - a execução do acto causa prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso – denota bem o verdadeiro sentido da providência: o seu objectivo é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso (no caso, por exemplo, dos interesses dos inscritos numa associação). Mas, se isto é assim, verdade é que ela também não se satisfaz com uma alegação vaga e sintética dos danos que o acto administrativo pode provocar. Se não é necessária uma prova cabal, perfeita e exaustiva dos prejuízos, isso é verdade («...cause previsivelmente...»), é ao menos importante que o requerente traga aos autos um acervo de factos indiciariamente reveladores da existência de um verdadeiro dano na sua esfera decorrente da execução do acto. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo2, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.
Ora, quanto a isso, foi muito incipiente a invocação de prejuízos.
Na verdade, só se aprecia a dimensão dos prejuízos face a uma exposição comparada das receitas antes e depois do acto. Quer dizer, se o requerente conseguisse demonstrar que antes do acto todas as máquinas estavam em permanente uso e com um ganho de lucro assinalável (e assinalado concretamente), mais fácil seria a ilação sobre as perdas resultantes da paragem delas após o acto. Mas nada disso foi invocado pelo requerente da providência, como ele mesmo acaba por reconhecer no recurso.
De resto, se o requerente tem uma escrita contabilística da sua actividade e, especificamente, da receita de cada uma das máquinas, ainda nesse caso estaria à vista uma outra dificuldade em conceder procedência à providência. É que não tendo o acto provocado uma paralisação, mas somente uma redução da actividade do estabelecimento, isso significaria que o acto teria uma repercussão económica avaliável, caso em que os prejuízos seriam susceptíveis de quantificação e de indemnizabilidade. Ora, o critério da avaliação do dano costuma ser apontado como factor que exclui o requisito dos danos insusceptíveis de reparação, pois em princípio um dano quantificável não é irreparável ou de difícil reparação3, a não ser nos casos especiais em que, mesmo sendo avaliáveis, a sua reparação se torne muito difícil4.
Ora, sendo assim, e uma vez que os danos podem ser quantificados e a sua reparação não se mostra difícil, claudicaria, até por este prisma óptico, o requisito da alínea a) em apreço.
E porque assim é, mesmo que não esteja em perigo o interesse público, nem haja aparência de ilegalidade na interposição do recurso, a falta daquele requisito é suficiente para a improcedência da providência, tal como bem decidiu a 1ª instância.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 2 de Agosto de 2012
José Cândido de Pinho
Jerónimo Alberto Gonçalves Santos
Io Weng San
Fui presente
Joaquim Sousa
1 Neste sentido, ver os Ac. do TSI, de 23/07/2009, Proc. nº 586/2009 e de 15/12/2011, Proc. nº 799/2011, 3/05/2012, Proc. nº 266/2012/A, entre outros
2 Neste sentido, ver os Ac. do TSI, de 23/07/2009, Proc. nº 586/2009 e de 15/12/2011, Proc. nº 799/2011, 3/05/2012, Proc. nº 266/2012/A, entre outros
3 Acs. TSI, de 21702/2002, Proc. nº 190/2001/A; 30/05/2002, Proc. nº 92/2002.
4 Ac. TUI, de 25/04/2001, Proc. nº 6/2001.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------