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Processo nº 489/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-07-0038-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

RELATÓRIO
B, residente em Macau, intentou a presente acção ordinária contra C e D, residentes em Macau, alegando, em síntese, que negociou com os RR. na compra e venda de determinada marca de bancada de cozinha, entretanto aqueles mentiram ao A. relativamente à marca do equipamento, fornecendo-lhe produto contrafeito, bem como na instalação do equipamento, os trabalhadores dos RR., devido à sua actuação imprevidente e pouco cautelosa, causaram danos aos bens materiais do A., danos não patrimoniais e obrigaram o A. a despender outras quantias, incluindo honorários, tudo melhor conforme a petição inicial de fls. 2 e seguintes,
pedindo, a final, que a presente acção seja julgada procedente e, em consequência:
a) anulada a compra e venda do equipamento de cozinha celebrada entre o autor e a ré; e
b) os réus sejam condenados a pagar ao autor a título de danos patrimoniais a quantia de MOP$57,700.00 e de danos não patrimoniais a quantia de MOP$20,000.00.
*
Citados os RR., os mesmos apresentaram contestação, arguindo, como excepções, a inexistência do invocado contrato de compra e venda da pedra para a cozinha, no dia 19 de Abril de 2005, porque na verdade, foi vendida ao A. no dia 31 de Janeiro de 2005 uma cozinha-mobília constituída por todos os componentes do conjunto exposto na sala, entre eles se inclui uma bancada com pedra LG. Além disso, os RR. arguiram ainda a falta de invocação de contrato existente de 31 de Janeiro de 2005, e eventualmente reduzível ou resolúvel do contrato, alegando que a pedra não foi objecto de qualquer contrato autónomo de compra e venda, mas sim como mera parte integrante da cozinha-mobília exposta, pelo que no seu entender, o A. não pode pedir a anulação, resolução nem redução de um contrato que nunca existiu, pedindo a absolvição de todos os pedidos formulados pelo A.
Na mesma contestação, os RR. impugnaram ainda os factos articulados pelo A., mais deduziram reconvenção contra o A., pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhes os salários pagos aos seus trabalhadores para executar os trabalhos ordenados pelo A., assim como o custo dos materiais, demais indemnizações e honorários despendidos.
Na réplica, o A. impugnou os factos articulados pelos RR., pedindo a absolvição de todos os pedidos reconvencionais.
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Oportunamente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTOS
     Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
     A Ré é uma empresária comercial, pessoa singular, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau com o número 9XXX (CO), sob a firma “Equipamentos Sanitários XX”, que se dedica à venda de artigos e materiais para cozinhas e casas de banho. (A)
     Durante o período de cinco semanas, dois funcionários da Ré procederam a trabalhos na cozinha do Autor, colocando aí material fornecido por aquela. (B)
     O Autor exigiu da Ré a reparação de danos, enviando diversos e-mails e encetando insistentes telefonemas. (C)
     A Ré não procedeu à reparação dos danos provocados nem à substituição do referido fogão, conforme fora interpelada pelo autor para o fazer. (D)
     O Autor pagou à Ré a quantia de MOP$7,500.00, no dia 21 de Novembro de 2005. (E)
     O material fornecido pela Ré não foi por esta adquirido a ...... International Limited, com sede em …/F, 80 …… Road, Wanchai, Hong Kong. (F)
     O material fornecido pela Ré não vinha acompanhado de rótulo metalizado em cor dourada. (G)
     Nem de certificado de qualidade e garantia de 15 anos. (H)
     Provado o que resulta da resposta dada aos quesitos 34º e 42º (1º)
     O Autor e Ré acordaram que o preço inicial do conjunto de mobília da cozinha era de MOP$35.034,75, sendo o preço da bancada em MOP$14,107.50. (3º)
     Provado o que resulta da resposta dada ao quesito 54º (4º)
     O fogão novo do autor ficou danificado na superfície de aço inoxidável. (7º)
     O que sucedeu em virtude de aquele não ter sido previamente acondicionado. (8º)
     No decurso da instalação do equipamento, os referidos funcionários verteram ainda cola no ladrilho da cozinha. (10º)
     O Autor procurou a Ré, exigindo-lhe que procedesse à eliminação dos alegados defeitos, à reparação dos danos causados e à substituição do equipamento alegadamente contrafeito. (16º)
     Todavia, a ré nunca reparou os danos. (17º)
     O Autor comprou uma nova bancada da marca “LG Hi-Macs” e contratou outros profissionais para a instalar. (19º)
     Os serviços mencionados em 19º custaram ao Autor a quantia de MOP$4.688,00. (20º e 21º)
     O Autor pagou honorários dos advogados. (27º)
     A 31 de Janeiro de 2005 os Réus declararam vender ao Autor que declarou comprar uma cozinha-mobília da marca Oulin já fabricada e já montada pela empresa OULIN da cidade de Ningbo, China. (34º)
     E que os Réus tinham montada e exposta na Sala de Exposições dos RR. e da empresa ...... Lda., sita na Av. ......, com expressa indicação da marca OULIN, nomeadamente na entrada da porta. (35º)
     Tal cozinha destinava-se a ser instalada na casa de sua esposa, ou como tal apresentada aos RR., no edifício ......, bloco …, …º andar-…. (36º)
     O Autor comprou essa concreta precisa mobília já assim feita, ali montada e exposta, excepto a parte dos azulejos de fundo ou parede. (37º)
     O conjunto tinha o preço de MOP$35,034.75. (38º)
     Tendo sido feito o desconto de 50%. (39º)
     Que a Autor pagou a prestações, sendo uma de MOP$3,000.00 paga no acto e, as restantes, pagas nos meses subsequentes, até Dezembro de 2005. (40º)
     Cozinha que veio a ser instalada em Dezembro de 2005 ao longo de 5 semanas. (41º)
     Tal cozinha mobília era constituída pelos seguintes componentes:
a) armários de suspender na parede;
b) armários inferiores ou de base;
c) bancada com pedra LG;
d) gavetas com acessórios Blum;
e) puxadores;
f) acessórios dispensa ou de armazenamento E-16-OL-21, para arroz ou outros artigos de consumo;
g) cesto para ingredientes SO-15;
h) vidros de janela dos armários;
i) roda-pé de alumínio para todo o conjunto e, tal como este, também ele em formato de L. (42º)
     Em 19 de Abril de 2005, os Réus declararam venderam ao Autor outra cozinha-mobília, destinada a ser instalada na casa do Autor, no Edifício ......, bloco-…, …º andar-…. (43º)
     Tal cozinha mobília seria fabricada por encomenda para as medidas, formato e planta da concreta casa-cozinha do Autor sita no referido …º andar–…. (44º)
     Ficando acordado o preço foi de MOP$13,626.10. (45º)
     Devendo a cozinha-mobília ser fabricada e entregue no prazo de 30 dias e após recepção do depósito acordado. (46º)
     Sendo a cozinha-mobília integrada pelos componentes referidos no documento de fls. 80, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (47º)
     A cozinha e respectiva bancada de pedra fornecidas ao Autor, pelo acordo de Janeiro de 2005, foram precisa e exactamente a cozinha que ele próprio indicou a dedo na Sala de Exposições ou “Showroom” dos Réus e ...... Lda., contendo todos os componentes incluindo a pedra em causa. (48º)
     A cozinha, com seus componentes encontrava-se expressamente identificada por OULIN. (49º)
     Com incorporação de pedra LG que a Ningbo XX XX Iaohan Congsi comprava a agente autorizado na China. (51º)
     Os Réus alertaram o Autor, que o produto não continha a forma e medidas certas para a casa e que os RR. não eram fabricantes nem alteradores de cozinhas-mobília e que por isso devia optar por uma de encomenda e não por aquela. (52º)
     Tendo o Autor, contra sugestão dos Réus, decidido e ordenado as alterações à cozinha. (53º)
     Em finais de Novembro de 2005 o Autor pediu aos Réus que lhe disponibilizassem 2 (dois) trabalhadores para proceder às alterações e implantação da mobília. (54º)
     Os RR. disponibilizaram-lhe os referidos trabalhadores. (55º)
     O Autor ali ocupou a trabalhar na referida alteração e montagem. (56º)
     Os trabalhadores executaram sempre às ordens dele. (57º)
     Os salários destes foram pagos pelos Réus. (60º)
     Para proceder a tais alterações, o Autor comprou aos Réus mais 8 recantos adicionais de 90 graus; seis, de 180.00; novos roda-pés de 10 cm e 14 cm de altura; janela para o armário aberto de fogão que ele transformou em armário suspenso no tecto, tudo no montante de MOP$1,409.00. (61º)
     Os Réus suportaram com honorários de advogado o montante de MOP$40,000.00. (62º)
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     Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
     De acordo com os factos que foram dados como provados, é importante ter já duas observações, antes de iniciar a apreciação das questões em causa.
     A primeira é que, de acordo com o que ficou provado, a questão em causa não respeita à venda de uma mera bancada de cozinha em si, mas sim a um conjunto ou equipamento de cozinha-mobília, nele se inclui, entre outros componentes, uma bancada de cozinha.
     A segunda tem a ver com a data em que foi realizado o negócio, pois segundo disse o A., a venda da bancada em causa foi realizada em Abril de 2005, mas a verdade foi em Janeiro de 2005 do mesmo ano.
     Tecidas as considerações acima expostas, vejamos agora primeiramente os pedidos formulados pelo A.
     O A. pediu que seja anulado o negócio jurídico de compra e venda da bancada de pedra de cozinha que comprara aos RR., alegando ser produto contrafeito.
     Salvo o devido respeito, não julgo ser de aceitar o pedido do A., dado que, por um lado, a respectiva matéria não foi provada. Por outro, estava provado que o A. sabia o que tinha comprado aos RR., porque na altura da compra e venda, em Janeiro de 2005, foi o próprio A. quem examinou, indicou e decidiu comprar o equipamento de cozinha que estava montado e exposto na sala de exposições ou “showroom” dos RR., composto por vários componentes, entre eles, a bancada com incorporação de pedra, pelo que fundamento não há para dizer que os RR. deixaram de cumprir a sua prestação que acordara com o A.
     Segundo o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 399º do Código Civil de Macau, “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
     Uma vez celebrado o contrato, este deve ser pontualmente cumprido, nos termos do artigo 400º, nº 1 do mesmo Código, sob pena de o devedor faltoso vir a tornar-se responsável pelos prejuízos causados ao credor (artigo 787º do CCM).
     Segundo a matéria dada como provada, os RR. forneceram o conjunto de cozinha-mobília ao A. conforme o acordado, pelo que cumpriram devidamente a sua obrigação.
     Nos termos do artigo 905º, nº 1 do Código Civil de Macau, estabelece que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, deve observar-se, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
     Ora, como acima se descreveu, os RR. realizaram a prestação a que ficaram vinculados, sem qualquer defeito ou vício verificado na coisa prestada, pelo que julgo improcedente a acção nesta parte, relativamente à anulação da compra e venda do equipamento de cozinha.
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     Alegou ainda o A. que na instalação do referido conjunto de cozinha-mobília, os trabalhadores dos RR. danificaram os bens materiais do A., em consequência, pediu que os mesmos sejam condenados no pagamento da respectiva indemnização por danos patrimoniais.
     Salvo o devido respeito por opinião contrária, julgo que a acção nesta parte não deixa de ser igualmente improcedente.
     Senão vejamos.
     Provado está que a pedido do A. foram disponibilizados pelos RR. dois trabalhadores ao primeiro para proceder às alterações e implantação da referida cozinha-mobília, uma vez que o produto não continha a forma e medidas certas para a casa, situação essa que era do conhecimento do A.
     Não obstante os referidos dois trabalhadores executarem os trabalhos sob as ordens do A., mas não trabalharam por conta do mesmo, pois foram contratados pelos RR., cabendo-lhes efectuar o pagamento dos respectivos salários, assim quem deviam ser responsabilizados pelos eventuais danos causados por aqueles trabalhadores eram os RR., por força da relação de comitente-comissário.
     Consagra-se nos termos do artigo 493º, nº 1 do Código Civil de Macau que “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.
     Ora bem, provado nos autos que os trabalhadores dos RR., ao procederem à instalação da cozinha-mobília, causaram negligentemente e por descuido, danos aos bens materiais do A., a saber, ficou danificado na superfície de aço inoxidável do A., bem como verteram cola no ladrilho da cozinha.
     No que respeita ao fogão, apesar de provado estar que na parte superficial de aço inoxidável ficou danificado, mas não há prova que permite concluir que o tal aparelho deixou de funcionar, perdendo de qualquer utilidade, nem sabemos se o referido dano na superfície do fogão era ou não reparável, porque só no caso de ser impossível a reconstituição natural é que teria o A. direito a indemnização.
Esta conclusão foi tirada do artigo 556º do Código Civil de Macau, onde diz que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”, ou seja, a chamada reconstituição natural. Só quando assim não for possível, é que se arbitra a correspondente indemnização, nos termos do artigo 560º.
Nestes termos, salvo o devido respeito por opinião contrária, julgo absolvido o pedido de indemnização por dano causado ao fogão, no montante de MOP$2,600, por falta de prova.
O mesmo acontece com o ladrilho da cozinha, não obstante ter provado que os trabalhadores dos RR. verteram cola no ladrilho da cozinha (10º), mas não ficou provado que tal era tecnicamente impossível de remover (11º), nem que em consequência disto, gastou o A. MOP$1,000 em despesas para limpezas adicionais, pelo que igualmente julgo absolvido o pedido de indemnização, no montante de MOP$1,000.
Relativamente aos restantes pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, por não se provarem os factos a eles respeitantes, não deixariam os mesmos de ser absolvidos.
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Quanto aos pedidos reconvencionais dos RR.
Em primeiro lugar, relativamente aos salários dos dois trabalhadores que foram destacados para trabalhar na casa do A., apenas provado que a pedido deste último, os RR. disponibilizaram-lhe dois trabalhadores para proceder às alterações e implantação da mobília (54º) e que eles executaram os trabalhos sob as ordens do A. (57º), mas não há prova que os mesmos foram contratados por este, antes pelo contrário eram trabalhadores contratados pelos RR. e foram estes que efectuaram o pagamento dos respectivos salários. Por outro lado, não há elementos nos autos que provam a existência de algum acordo entre o A. e os RR. quanto à fixação de compensação pelo trabalho prestado por trabalhadores dos últimos, pelo que o pedido de restituição de salários formulado pelos RR. não deixa de ser absolvido.
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Quanto ao montante de MOP$1,409 peticionado pelos RR. respeitante ao preço dos materiais fornecidos ao A., embora esteja provado que o A. comprou aos RR. os respectivos materiais, mas não há prova no sentido de que o A. não efectuou o pagamento do respectivo preço, pelo que não resta outra alternativa senão julgar esta parte da reconvenção improcedente.
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Vêm ainda os RR. a pedir que seja o A. condenado no pagamento de MOP$40,000 de indemnização e mais MOP$40,000 de honorários pagos pelos primeiros, com fundamento de o A. ter litigado de má fé.
Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, agiu de forma censurável e contra os ditames de boa fé, conforme as situações previstas no artigo 385º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Aí se distingue entre dolo substancial e dolo instrumental.
Escreve o Professor Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 356 que “A má fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de probidade que o artigo 264º impõe às partes”.
Segundo o princípio da boa fé consagrado no artigo 9º do Código de Processo Civil, “1. As partes devem agir de acordo com os ditames de boa fé; 2. As partes não devem, designadamente, formular pedidos ilegais, articular factos contrários à verdade, requerer diligências meramente dilatórias e omitir a cooperação preceituada no artigo anterior.”
Assim, há lugar a má fé substancial quando a parte agiu com dolo directo, caracterizado pela alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais, ou indirecto, com dedução de pretensão cuja falta de fundamento não se ignora.
Enquanto a má fé instrumental consiste no uso de meios processuais reprováveis, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou entorpecer a acção de justiça.
Segundo o Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, pág. 263, “o dolo substancial diz respeito ao fundo da causa, ou melhor, à relação jurídica material ou de direito substantivo; o dolo instrumental diz respeito à relação jurídica processual”.
     Segundo a matéria dada como provada, verifica-se que o A. teve um comportamento repreensível ao longo do processo.
     Em primeiro lugar, alterou conscientemente a verdade dos factos, designadamente para sustentar a sua tese, alegou que comprou aos RR. no dia 19 de Abril de 2005 uma bancada, mas na verdade, o tal negócio foi já consumado em Janeiro do mesmo ano, além disso o negócio não se traduzia numa mera compra e venda de determinado bem, i.e., uma bancada de cozinha, mas sim um conjunto de cozinha-mobília.
     Em segundo lugar, também faltou o A. à verdade quando disse que acordada com os RR. na compra e venda de determinada marca de bancada, referindo que sem ser esta marca o negócio não teria sido realizado. Todavia, provado sim que o A. já na celebração do negócio em Janeiro de 2005, sabia e tinha todas as condições para saber que a cozinha-mobília estava expressamente identificada pela marca OULIN, tendo o A. escolhido o tal equipamento ou conjunto de componentes na própria sala de exposições ou “showroom” dos RR., contendo nessa altura já todas os componentes incluindo a pedra em causa (48º e 49º).
     Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião contrária, podemos concluir que por ter o A. intentado a presente acção, alegando factos contrários à verdade, e deduzido pedidos cuja falta de fundamento não devia ignorar, isto é, apesar de bem saber que os factos por ele articulados não decorreram de forma como foi explicitada, tentou através da presente acção obter interesses ilegítimos, alterando ou invertendo a realidade dos factos, deve ser considerado como litigante de má fé, devendo, portanto, ser condenado no pagamento de multa e indemnização nos termos fixados pelos artigos 385º, nº 1 e 386º do Código de Processo Civil de Macau.
Ao abrigo do artigo 385º, nº 1 do Código Civil de Macau e artigo 101º do Regulamento das Custas dos Tribunais, condeno-o na multa de 3 U.C.
No que tange à indemnização, consagra-se no artigo 386º, nº 2, alínea a) que esta consiste “no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos”.
Relativamente ao pedido de MOP$40,000 de indemnização, nenhum facto foi alegado pelos RR. para sustentar o tal pedido, pelo que não resta outra solução senão julga-lo absolvido.
No que tange ao pedido de honorários, provado está que os RR. despenderam o montante de MOP40,000 em honorários de advogado, pelo que condeno o A. no pagamento de tal quantia aos RR., nos termos do artigo 386º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil de Macau.
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Finalmente, pediram os RR. que seja condenado o A. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, mas como não conseguiram lograr provar os respectivos factos, não resta outra solução senão a absolvição do pedido.
***
DECISÃO
     Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo improcedente a presente acção ordinária intentada pelo A. B contra os RR. C E D, e
1) Absolvo os RR. de todos os pedidos formulados pelo A. na sua petição inicial.
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     Quanto à reconvenção dos RR., julgo-a parcialmente procedente, e:
    1) Condeno o A. a pagar aos RR. a quantia de MOP$40,000, respeitante aos honorários de advogado despendidos pelos mesmos, devido à má fé do A.; e
    2) Absolvo o A. de todos os restantes pedidos.
*
     Custas do processo pelo A. na acção e, na proporção do decaimento na reconvenção.
     Registe e notifique.

Não se conformando com o decidido na Sentença apenas no que diz respeito à condenação por litigância de má fé, veio o Autor recorrer da mesma concluindo e pedindo:

I. O autor alegou que comprou aos réus no dia 19 de Abril de 2005 uma bancada de cozinha da marca "LG Hi-Macs", facto esse que não logrou efectivamente provar.
II. Ao contrário, porém, do que afirma a sentença recorrida, dos autos não resulta sequer que a referida compra e venda houvesse sido consumado em Janeiro do mesmo ano e não em Abril como alegou o autor.
III. A compra em venda realizada em Janeiro de 2005 teve por objecto uma outra cozinha-mobília da marca OULIN destinada a ser instalada na casa da mulher do autor.
IV. Por seu lado, a compra e venda realizada em 19 de Abril de 2005 teve por objecto uma cozinha-mobília de marca não apurada destinada a ser instalada na casa do autor.
V. O que não está em oposição com os factos alegados pelo autor porquanto a compra e venda da cozinha-mobília de marca não apurada não significa que a mesma não incluísse a bancada de cozinha da marca "LG Hi-Macs" cuja aquisição foi alegada por aquele.
VI. Até porque, conforme se provou nos autos, a cozinha-mobília da marca OULIN adquirida em Janeiro de 2005 destinada a ser instalada na casa da mulher do autor já continha uma bancada com a pedra LG.
VII. Por outro lado, apesar de o autor ter alegado que, em 19 de Abril de 2005, comprou aos réus uma bancada de cozinha da marca "LG Hi-Macs". facto que não logrou provar, é irrelevante para o caso que, aquando da celebração do negócio de Janeiro de 2005, o mesmo sabia ou tinha condições de saber que a cozinha-mobília estava expressamente identificada com a marca OULIN, tendo escolhido o equipamento ou conjunto de componentes na própria sala de exposições ou showroom dos réus, contendo, na altura, já todos os componentes, incluindo a pedra em causa.
VIII. Trataram-se, segundo a matéria assente nos autos, de compras e vendas em datas diferente, com objectos distintos e destinadas a casas separadas.
IX. Não se provou nos autos nem resulta dos mesmos, portanto, que o autor alterou conscientemente a verdade dos factos ou que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
X. Em todo caso, não resultando da matéria assente nos autos que o autor agiu com dolo ou negligência grave, nunca poderia o mesmo, nos termos dos artigos 385º e seguintes do Código de Processo Civil, ter sido condenado como litigante de má fé.
XI. Não basta naturalmente demonstrar que o autor alterou a verdade dos factos ou que sabia que a sua pretensão carecia de fundamento, é necessário também que constem dos autos factos que consubstanciem que o mesmo actuou com dolo ou negligência grave, o que não é o caso.
Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA.

Ao recurso respondram os Réus pugnando pela improcedência do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição de recurso, a única questão a apurar é saber se o Autor, ao alegar na petição inicial e na réplica que comprou à Ré, mediante o contrato celebrado com a Ré em 19ABR2005, um placa de pedra para a bancada da cozinha, para instalar na sua casa, estava ou não a tentar alterar ou inverter a realidade de factos com vista à obtenção de interesses ilegítimos.

Vejamos.

É de transcrever aqui de novo o seguinte segmento da sentença recorrida para nos relembrar aqui a forma como o Tribunal a quo fundamentou a condenação do Autor por litigância de má fé:

“Segundo a matéria dada como provada, verifica-se que o A. teve um comportamento repreensível ao longo do processo.
Em primeiro lugar, alterou conscientemente a verdade dos factos, designadamente para sustentar a sua tese, alegou que comprou aos RR. no dia 19 de Abril de 2005 uma bancada, mas na verdade, o tal negócio foi já consumado em Janeiro do mesmo ano, além disso o negócio não se traduzia numa mera compra e venda de determinado bem, i.e., uma bancada de cozinha, mas sim um conjunto de cozinha-mobília.
Em segundo lugar, também faltou o A. à verdade quando disse que acordada com os RR. na compra e venda de determinada marca de bancada, referindo que sem ser esta marca o negócio não teria sido realizado. Todavia, provado sim que o A. já na celebração do negócio em Janeiro de 2005, sabia e tinha todas as condições para saber que a cozinha-mobília estava expressamente identificada pela marca OULIN, tendo o A. escolhido o tal equipamento ou conjunto de componentes na própria sala de exposições ou “showroom” dos RR., contendo nessa altura já todas os componentes incluindo a pedra em causa (48º e 49º).
Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião contrária, podemos concluir que por ter o A. intentado a presente acção, alegando factos contrários à verdade, e deduzido pedidos cuja falta de fundamento não devia ignorar, isto é, apesar de bem saber que os factos por ele articulados não decorreram de forma como foi explicitada, tentou através da presente acção obter interesses ilegítimos, alterando ou invertendo a realidade dos factos, deve ser considerado como litigante de má fé, devendo, portanto, ser condenado no pagamento de multa e indemnização nos termos fixados pelos artigos 385º, nº 1 e 386º do Código de Processo Civil de Macau.”

In casu, ficou provado que:

* estão em causa duas fracções autónomas, uma é a casa da esposa do Autor que se situa no Edif. ......, bloco …, …º andar-… e outra é a casa do próprio Autor que se situa no Edif. ......, bloco …, …º andar-…;

* o Autor comprou à Ré em 31JAN2005 um conjunto da mobília de cozinha da marca OULIN, incluindo a placa de pedra da bancada de cozinha, previamente fabricado e montado, cuja instalação na cozinha do …º andar-… (casa da esposa do Autor) durou 5 semanas em Dezembro de 2005; e

* o Autor comprou à Ré mediante o contrato celebrado em 19ABR2005 é um outro conjunto de mobília de cozinha sem placa de pedra para ser instalado na cozinha da sua casa no Edif. ......, bloco …, …º andar-….

Assim, ao alegar na petição inicial que a instalação da placa de pedra que comprou à Ré, mediante o contrato celebrado em 19ABR2005, durou 5 meses em Dezembro de 2005, o Autor está a procurar misturar o que aconteceu na sua casa no Edif. ......, bloco …, …º andar-… com o que sucedeu na casa da sua esposa no Edif. ......, bloco …, …º andar-….

Ou seja, o Autor pegou nesse facto ocorrido (a instalação da placa que durou 5 semanas) na casa da sua esposa no Edif. ......, bloco …, …º andar-…, para se servir do facto causador dos danos que alegadamente se verificaram na cozinha da sua casa no Edif. ......, bloco …, …º andar-…, a fim de sustentar um dos pedidos de indemnização formulados na petição inicial.

Conclusão essa que é reforçada com a confrontação das fotografias que o Autor juntou com a petição inicial a fls. 17 dos p. autos (que mostraram os armários instalados alegadamente na cozinha da sua casa) e os desenhos dos armários integrantes do contrato celebrado em 19ABR2005 que se juntaram com a contestação a fls. 81 e 82 dos p. autos (que são comprovadamente os desenhos dos armários que o Autor comprou à Ré mediante o contrato de 19ABR2005 para instalar no …º andar-…), na qual verificamos facilmente que se tratam de armários totalmente diferentes.

O que significa que os factos que o Autor invocou como causa de pedir não ocorreram na sua casa, mas sim na casa da sua esposa.

Assim, bem andou o Tribunal a quo ao afirmar na sentença recorrida que o Autor alterou conscientemente a verdade dos factos.

O que de per si justifica a condenação do Autor por litigância de má-fé como condenou o Tribunal a quo.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto pelo Autor.

Custas pelo Autor.

Registe e notifique.

RAEM, 07JUN2012


Relator
Lai Kin Hong


Primeiro Juiz-Adjunto
Choi Mou Pan


Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira




Ac. 489/2010-1