Proc. nº 441/2012
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Julho de 2012
Descritores:
- Nulidade de sentença
- Contrato a favor de terceiro
- XXX
SUMÁRIO:
I- A oposição a que se refere o nº1, al. c), do art. 571º do CPC implica que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado. Ou seja, a nulidade só se dá quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor.
II- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.
Processo nº 441/2012
(Recurso Cível e Laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, de nacionalidade filipina, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB contra XXX (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, acção de processo comum laboral pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Mop$342.792,00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
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Na contestação, a ré pediu a intervenção provocada de “Sociedade de Poio às Empresas de Macau, Ldª”, empresa fornecedora de mão-de-obra não residente, mas o respectivo pedido foi indeferido por despacho saneador de fls. 251-253.
Deduzida havia sido ainda pela ré a excepção de preterição do tribunal arbitral, que do mesmo modo fora julgada improcedente no referido despacho saneador, a fls. 253-254.
Não houve recurso do despacho saneador.
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Em audiência de discussão e julgamento foi pedida pela ré a ampliação da base instrutória de modo que fossem nela incluído alguns factos. Da decisão que indeferiu a pretensão, foi interposto recurso, em cujas alegações a ré formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
II. Sem mais, entendeu o douto Tribunal a quo que atento o disposto nos artigos 1.º do Código de Processo de Trabalho e 5º do Código de Processo Civil seria de indeferir o requerimento supra referido.
III. Em face dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 07/09/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 365) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu, deveria o douto Tribunal deferir a pretensão da ora Recorrente e proceder à ampliação da base instrutória nos termos requeridos, ou noutros que considerasse mais apropriados.
IV. O princípio do dispositivo não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho, norma que o douto Tribunal a quo parece ter olvidado.
V. O Tribunal a quo não se debruçou sobre a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi requerido pela ora Recorrente, tendo-se limitado, sem qualquer fundamentação adicional, a lançar mão de normas puramente processuais (civis) em detrimento do direito substantivo que se visa aplicar e alcançar.
VI. Assim, desde logo o douto despacho de que ora se recorre é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 569.º, n.º 3, e 571.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho por carecer em absoluto de fundamentação.
VII. Por outro lado, a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere a lei processual laboral (artigo 41.º, n.º 1 do CPT).
VIII. As regras contidas nos artigos 41.º, nºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, permitem ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, possibilidades que não se colocam no processo civil comum.
IX. Ademais, toda a matéria cuja inclusão na base instrutória se requereu consta de documentos juntos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré.
X. Se no decurso da produção da prova surgirem factos (instrumentais, circunstanciais ou essenciais) que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória.
XI. O juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
XII. No processo laboral, o juiz só deve terminar o julgamento quando estiver esclarecido da verdade dos factos que se afigurem necessários à solução do litígio, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou quando se mostrarem esgotadas todas as diligências ao seu alcance na procura dessa verdade.
XIII. A verdade material é um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 41.º nº 1 do CPT.
XIV. Seria assim de extrema relevância saber se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do Despacho de Autorização e do Contrato de Prestação de Serviços através do qual foi inicialmente contratado, o qual tinha duração de 5 anos (cfr. cláusula 11.1 do documento n.º 1 junto com a contestação), ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros Despachos de Autorização e da celebração de outros Contratos de Prestação de Serviços com condições diferentes daquelas inicialmente estipuladas no contrato que serviu de base à sua contratação, matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrentes.
XV. Cumpre esclarecer que dos factos assentes apenas consta que o Autor foi contratado no âmbito de um contrato de prestação de serviço.
XVI. Nem da Especificação, nem da Base Instrutória, resulta o facto de ter o Autor permanecido contratado no âmbito do referido contrato.
XVII. Como resulta da lei, os contratos de prestação de serviços apenas são válidos por um período restrito de tempo, no caso de 5 anos.
XVIII. Estando apenas provado um contrato de prestação de serviços que apenas, nos seus próprios termos, vigorava pelo período de 5 anos, nada mais constando nem da especificação nem da base instrutória, seria relevante para a boa decisão da causa que a matéria de facto fosse ampliada nos termos requeridos.
XIX. Constando dos autos a documentação referente aos restantes contratos de prestação de serviços, tem todo o interesse processual inclusão dos factos cuja inclusão na base instrutória foi requerida, nomeadamente para efeitos de contabilização dos valores a atribuir, se os mesmos forem considerados relevantes pelo Tribunal.
XX. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.º l do Código de Processo do Trabalho.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho sub judice ser revogado e substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela ora Recorrente.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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O autor da acção, apresentou alegações de resposta, as quais concluiu da seguinte maneira:
1. Ao contrário do alegado pela Recorrente, o Despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento que indeferiu a ampliação da base instrut6ria procedeu a uma correcta aplicação das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito, pelo que o mesmo não é nulo, nem muito menos incorre em qualquer vício de erro na aplicação do Direito por carecer em absoluto de fundamentação;
2. Basta recordar que em sede de audiência de discussão e julgamento a questão da inclusão ou não de novos quesitos à base instrut6ria terá sido debatida entre as partes e o douto Tribunal a quo por mais de 30 minutos. Posteriormente, a respectiva sessão foi suspensa por mais de 15 minutos para o douto Tribunal apreciar mais em concreto o pedido da Recorrente e s6 depois de maturada reflexão o Tribunal concluiu e, in loco, devidamente apresentou fundamentadamente as razões de direito pelas quais o requerimento da Recorrente não poderia ser aceite;
Por outro lado, sem prescindir,
3. A Recorrente não conseguiu sede de audiência de discussão e julgamento demonstrar quer a relevância dos documentos por si apresentados quer, em especial, um mínimo de conexão entre os mesmos e os factos em discussão nos presentes autos, razão pela qual o douto Tribunal a quo não terá procedido à ampliação da douta base instrutória;
4. Depois, os quesitos que a Recorrente pretende(ia) ver aditados à douta base instrutória não correspondem a “factos novos”, isto é, a factos que não tenham sido articulados pelas partes e que apenas terão surgido no decurso da produção da prova;
5. Nem em caso algum se poderá aceitar que os quesitos que a Recorrente pretende(ia) ver aditados à douta base instrutória correspondem a factos instrumentais, circunstanciais ou essenciais à boa decisão da causa;
6. Pelo contrário, o conjunto de quesitos que a Recorrente pretende(ia) incluir na base instrutória, tratam-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor e, como tal, desde há muito que os mesmos deveriam ter sido concretamente alegados pela Recorrente, maxime em sede de defesa por excepção...
7. E basta ver que tão-só e apenas a Recorrente estava em condições de mostrar ao Tribunal que para além do contrato de prestação de serviço que permitiu a contratação do Recorrido, quiçá existiam muitos outros contratos (outorgados pela própria Recorrente) que supostamente terão previsto condições diferentes daquelas que inicialmente terão sido estipuladas no suposto contrato de serviu de base à importação e contratação do Recorrido;
8. De onde, a ter alguma relevância para a boa resolução da causa - o que tão só por exposição de raciocínio se alega - caberia à Recorrente provar os factos modificativos ou extintivos dos direitos contra si invocados e, em concreto, o facto de o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não ter sido o mesmo que terá fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo;
9. Acontece, porém, que a Recorrente não só não o fez, como inclusivamente, em sede de Contestação, juntou aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 6/93 tendo afirmado expressamente tratar-se “do contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor” (Cfr. art. 38º da Contestação);
10. E, a ser assim, o único contrato de prestação de serviços sobre o qual o douto Tribunal se teria de pronunciar seria o contrato de prestação de serviços n.º 6/93, isto é, o concreto contrato que permitiu ao Recorrido ter sido contrato pela Recorrente e, com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com a mesma;
11. De onde, o conjunto de quesitos que a Recorrente pretende(ia) aditar à base instrutória e relativos ao contrato de prestação de serviços nºs 1/1 jamais estiveram em causa nos presentes autos e, como tal, a sua concreta análise mostra-se de todo em todo desnecessária tendo em conta o concreto pedido e a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação;
12. Ademais, do próprio teor do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 (que a Ré pretende juntar como doe. 1 a 3) nada resulta a respeito de o mesmo ter por objecto ou finalidade a “revogação” e/ou “substituição” de qualquer um dos contratos prestação de serviços n.º 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96...
13. Isto é, em lado nenhum do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 se faz uma alusão, por mínima que seja, ao facto de o mesmo contrato se destinar a substituir (“fundir” ou “agrupar”) o conteúdo de qualquer um ou de todos os contratos de prestação de serviços nºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 e 1/96... ou, que o mesmo contrato se destinasse efectivamente a regular a concreta situação jurídico-laboral do Recorrido, visto que a Recorrente não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de tal conclusão;
14. Tratava-se, ademais, de uma prova de fácil demonstração: bastava que, em momento próprio, a Recorrente tivesse junto aos presentes autos a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar no âmbito do referido contrato, tal qual, aliás, o exigia a al. f) do ponto 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
15. De onde, sem a apresentação da referida lista e sem a demonstração de um mínimo de conexão entre o contrato n.º 1/1 e a contratação e/ou manutenção da contratação do Recorrido, não se vê como o referido contrato pudesse ter uma qualquer relevância para o concreto thema decidenduum e, neste sentido, como devesse ter sido aditada matéria sobre o seu concreto conteúdo;
16. Ademais, ocupando-se os contratos de prestação de serviços n.º 1/1 e 14/1 tão-só das “vagas” dos contratos de prestação de serviços nºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 e 1/96, seria até estranho que os mesmos se destinassem a regular a concreta situação profissional do Recorrido que, ao tempo, se encontrava a exercer a sua actividade laboral para a Recorrente, ao abrigo de um outro contrato de prestação de serviços plenamente válido e em plena execução... ;
17. Basta ver que do doe, 2 junto pelo Autor com a sua Petição Inicial se pode ler que “não se poder determinar com certeza a data de cessação dos efeitos dos contratos nºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94, 40/94 e 1/96/1, sendo que, em concreto, se terá concluído que o contrato n.º 6/93 terá sido aprovado para renovação em Dezembro de 1999, por um período de 2 anos, isto é, no mínimo até Dezembro de 2001... ;
18. Se assim é, é estranho que a Recorrente venha agora dizer que o “contrato de prestação de serviços através do qual o Autor foi contratado tinha a duração de 5 anos, sem sequer ter em devida conta que aquele mesmo contrato se terá renovado, por iniciativa da própria Recorrente, no mínimo, até Dezembro de 2001;
19. E mais estranho se mostra ainda o facto de a Recorrente olvidar que o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 foi aprovado em 15 de Janeiro de 2001, isto é, cerca de 11 meses antes do terminus do contrato de prestação de serviço ao abrigo do qual o ora Recorrido se encontrava a prestar funções de guarda de segurança para a Recorrente... e daí, sem mais, pretender concluir que um visava a substituição do outro... ;
20. De onde, ao contrário do alegado pela Recorrente, do concreto conteúdo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nada se extrai com um mínimo de conexão para a boa discussão da causa e para a descoberta da verdade material e, como tal, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a inclusão na base instrutória de um conjunto de quesitos respeitantes ao contrato de prestação de serviços n.º 1/1;
21. Por último, sempre se sublinha que de acordo com a doutrina e a jurisprudência unânime se têm entendido que: “Para a formulação de novos quesitos em audiência (...) exige-se a verificação simultânea dos seguintes pressupostos: a) Interesse para a boa decisão da causa; b) Haver incidido discussão sobre a respectiva matéria; c) Não determinarem uma nova causa de pedir, nem alterarem ou modificarem a causa de pedir inicial”;
22. Ora, o pedido de aditamento de “novos quesitos” tal qual formulado pela Recorrente conduziria necessariamente a uma nova causa de pedir e, bem assim, a uma alteração ou modificação da causa de pedir tal qual a mesma foi formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação e, como tal, em caso algum poderiam os mesmos quesitos ter sido aditados à douta base instrutória, tal qual, uma vez mais, bem concluiu o douto Tribunal a quo;
23. De onde, o douto Despacho não incorre em qualquer erro na aplicação do Direito, pelo que o mesmo se deve manter na íntegra.
Nestes termos, e nos demais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., pelas razões supra expostas, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso pela Recorrente apresentado ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Foi, entretanto, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$ 306.515,05 e juros.
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É dessa sentença que ora vem interposto recurso pela ré da acção, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
I) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$306,515,05 (trezentas e seis mil, quinhentas e quinze patacas e cinco avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II) Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente, em 18 de Março de 1994 ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços 6/93 celebrado entre a Recorrente e a sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., contrato de prestação de serviços que tinha um prazo de vigência de 5 anos, renovável por igual período mediante o acordo das partes e precedente acordo do Governo.
III) Pretendendo o Réu beneficiar de valores constantes de outro documento que não o seu contrato de trabalho, e constituindo esse documento um contrato com um termo de duração limitado no tempo, o Réu tem o ónus de alegar e provar que esse contrato esteve em vigor para além do termo nele previsto.
IV) Dos elementos de prova constantes dos presentes autos, e também dos factos alegados pelas partes, apenas se pode apurar que o contrato de prestação de serviços 6/93 foi celebrado em 01 de Fevereiro 1993, pelo prazo de cinco anos - cfr- documento 2 junto com a contestação - sendo que, decorrido o período pelo qual foi assim celebrado, nenhuma outra matéria foi apurada quanto a renovações, nomeadamente, até Maio de 2008.
V) Sem prova de tal facto, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em renovação, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais de 10 anos.
VI) A decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 15 anos que durou a relação laboral.
VII) A única confissão inequívoca e peremptória feita pela Ré, ora Recorrente, quanto a este facto foi que, o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor, ora recorrido, foi recrutado e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré foi o contrato de prestação de serviços 6/93, ao abrigo do Despacho do secretário para a Economia e 1 Finanças de 29 de Janeiro de 1993. (vide artigo 39.º da contestação), não tendo nunca confessado, afirmado ou aceite - porque não o foi - que foi sempre ao abrigo desse contrato de prestação de serviços que o Autor permaneceu ao seu serviço.
VIII) O douto tribunal a quo, nem sequer ao abriga da lógica da proibição de redução das condições salariais dos trabalhadores poderia presumir a existência de renovações do contrato de prestação de serviços 6/93, até Maio de 2008.
IX) O facto constante do ponto E) da fundamentação láctica da decisão reporta-se a matéria que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do 571 nº 1 al. c) do C.P.Ç., por se verificar contradição entre a fundamentação láctica e a decisão.
X) Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento nº 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea CC) dos factos provados.
XI) No entendimento do douto Tribunal a quo o referido contrato 6/93 terá sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente, a ponto de ter justificado as sucessivas celebrações de contratos de trabalho entre a ora Recorrente e o Recorrido. No entanto,
XII) O douto Tribunal a quo não estava habilitado a fazer tal afirmação porquanto, para além de não existir nos autos um único meio de prova que lho permita, tal raciocínio não corresponde à verdade e entra em manifesta contradição com o teor do documento numero 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XIII) No que respeita à matéria vertida na alínea CC) dos factos assentes, apenas poderia o douto Tribunal a quo ter dado como provado que “A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 6/93 celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, que vigorou entre 01 de Fevereiro de 1993 e 29 de Janeiro de 1998, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A..
XIV) Ao ter dado como assente naqueles termos os factos constantes da alínea CC) incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, o que, caso se venha a aderir à solução de direito avançada na decisão ora em crise - o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe -, a alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XV) O Despacho nº 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
XVI) As normas específicas constantes do Despacho n.º12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.º n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
XVII) O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro.
XVIII) O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
XIX) E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
XX) Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
XXI) Nem as normas do Despacho nº 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
XXII) A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
XXIII) A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não constitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
XXIV) Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
XXV) Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: “ [...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 4002/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: “2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.” (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]”
XXVI) À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XXVII) Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XXVIII) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XXIX) Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XXX) De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XXXI) Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XXXII) Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 6/93 ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, foi inicialmente contratado pela Recorrente é fonte do direito reclamado pelo Autor, (quer por força do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, ou por se tratar de um contrato a favor de terceiro), sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se que o contrato de prestação de serviços 6/93, com um prazo de validade de 5 anos, ao abrigo do qual o Autor, Recorrido, foi contratado em 18 de Março de 1994, foi renovado sucessivamente por iguais períodos até ao ano de 2008.
XXXIII) A simples previsão da possibilidade de renovação, sujeita ao acordo das partes e à aprovação do Governo, não permite, salvo devido respeito por melhor opinião, ao douto Tribunal a quo presumir, sem base legal que lho permitisse, que o contrato de prestação de serviços 6/93, ou qualquer outro mencionado na decisão recorrida, foi sendo objecto de renovações sucessivas até Maio de 2008.
XXXIV) A renovação é um facto jurídico que deveria ter sido invocado pelo Autor, no âmbito do seu ónus de alegação e de prova e que não foi pelo Autor cumprido, sendo que a defesa da Ré só se pode basear e deverá responder aos factos alegados pelo Autor, não tendo esta nenhuma obrigação de aumentar o pedido do Autor ou auxiliar o Autor a incrementar o seu pedido.
XXXV) A ora Recorrente não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde Março de 1994 e 31 de Maio de 2008, e nem que tenha sido um dos contratos mencionados no ponto C) da fundamentação de facto da sentença recorrida a fundamentar a manutenção de tal vínculo laboral.
XXXVI) O Autor não alegou ter estado todos os anos que durou a relação laboral ao abrigo de um único contrato de prestação de serviços, limitando-se a alegar que foi contratado ao abrigo de um deles e procurando estender as cláusulas desse contrato a todo o período da relação laboral, não tendo produzido qualquer prova de que assim tenha sido, prova essa que lhe cabia, por invocar tal contrato como fonte do seu direito, e que não fez.
XXXVII) O teor da factualidade apurada e transcrita na decisão sob recurso é o espelho dessa falta de prova, sendo visível o esforço argumentativo avançado pelo douto Tribunal a quo para justificar a condenação da Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor diferenças salariais durante todo o período que durou a relação laboral uma vez que não se retira de nenhum ponto da matéria de facto apurada que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado tenha sido objecto renovações até 31 de Maio de 2008.
XXXVIII) Ao beneficiário de um contrato a favor de terceiro ou aceita ou não aceita o beneficio que lhe é concedido, não lhe sendo lícito extrapolar o período pelo qual lhe foram atribuídas as vantagens previstas nesse contrato e nem modificar os termos em que a mesma foi feita, caso não prove que a promessa foi renovada, em que termos foi renovada e por que período adicional o foi.
XXXIX) Assim, na falta de prova da renovação da promessa de atribuir ao Autor, por um período de 5 anos, as condições mencionadas no referido contrato de prestação de serviços, o direito do Autor, ora Recorrido, a ver-lhe atribuídos tais condições/benefícios apenas se contém dentro do período pelo qual foi realizada a promessa, ou seja, de 01 de Fevereiro de 1993 a 29 de Janeiro de 1998.
XL) Pelo que, ao ter extrapolado as condições da promessa de que o Autor era beneficiário, nomeadamente, extravasando largamente o período temporal pelo qual os benefícios prometidos o foram, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo e substituída por douto Acórdão que absolva a ora Recorrente do pedido, ou,
Caso V. Exas. assim não entendam, o que por mera cautela de patrocínio se concede, deve a Sentença em recurso ser revogada e substituída por douto Acórdão que condene a ora Recorrente a pagar ao Recorrido apenas o valor das diferenças salariais que se reportam ao período de vigência do contrato de prestação de serviços 6/93.
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
*
O autor da acção respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
1. É “estranho” que a Recorrente venha, em sede de Recurso, procurar questionar acerca da validade ou do limite temporal dos contratos de prestação de serviços por si outorgados com vista à importação de mão-de-obra não residente e, in casu, com vista à contratação do Recorrido, visto que, em momento próprio, a Recorrente nada conseguiu demonstrar a este respeito e nada mais se apurou para além da realidade já dada como assente pelo Tribunal a quo aquando da selecção da matéria de facto, obtida a partir da posição das partes;
2. Com efeito, resultando da matéria de facto provada que: i) foi ao abrigo do contrato n.º 6/93, que o Recorrido foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré; ii) que entre 18 de Março de 1994 e 31 de Maio de 2008 o mesmo esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”; e que iii) o conteúdo do contrato de prestação de serviços n.º 6/93 foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente, por simplicidade de raciocínio se terá de concluir que foi ao abrigo do referido contrato de prestação de serviços que o Recorrido foi contratado e exerceu funções para a Recorrente pelo tempo que durou a respectiva relação de trabalho;
3. Ademais, em momento nenhum a Recorrente questionou o facto de o contrato de prestação de serviços n.º 6/93 não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, ou a seu -mando, enquanto única entidade com legitimidade para o fazer;
4. Por outro lado, sabido que a renovação do contrato de prestação de serviços teria de ser requerida mediante acordo das partes, in casu entre a própria Recorrente e a Sociedade de Apoio Lda., salta à vista que o ónus de prova quanto à existência ou não existência de renovações ao contrato de prestação de serviço supra referido caberia à Recorrente e nunca ao Recorrido;
5. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente conseguiu demonstrar que as condições pelas quais o Autor/Recorrido havia sido contratado se haviam modificado ou mesmo extinto, ou que os contratos de prestação de serviços por si outorgados tinham sido substituídos por outros de igualou diferente conteúdo;
6. De onde, não tendo a Recorrente praticado o acto processual em momento próprio, precludido está o direito de o praticar neste momento, porquanto a omissão de impugnação dos factos alegados pelo Autor e a sua aceitação expressa pela Recorrente, conforme ocorreu nos presentes autos, obstam a que estas questões sirvam agora de fundamento em sede de recurso jurisdicional;
7. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da prec1usão).
Ao que acresce que,
8. Ao contrário do que avança a Recorrente, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, efectivamente, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., neste sentido, entre muitos outros, o Ac. do TSI, de 6 de Janeiro de 2010, (Proc. n.º 739/2009);
9. De onde, em matéria de conteúdos mínimos (quais sejam, entre outros “designadamente” - os indicados na al. d) do n.º 9 do Despacho n.º 12), o empregador - in casu a Ré - estará sempre obrigado pela norma imperativa implícita que se infere da alínea 1. e) do n.º 9 conjugada com os nºs 1 e 3 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
10.Assim, a Recorrente tão-só poderia ter celebrado um contrato de trabalho, com o Autor, desde que o fizesse ao abrigo do Despacho n.º 12/GM/88, e nas condições constantes do Despacho de autorização governativa que o procede, os quais, por seu turno, se deverão incorporar no clausulado mínimo do contrato de prestação de serviços celebrado com a Agência de Emprego (cfr., neste sentido, entre outros, o Ac. do TSI, de 2 de Junho de 2011, Proc. n.º 780/2010);
11. A “a via do simples despacho” como forma de aprovação do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é justificada pelo próprio Governador no Preâmbulo do Diploma, afirmando que a mesma se justifica face à “extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento” e que “ (...) se introduz por via de simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha”;
Por outro lado,
12.Do conteúdo literal do contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. resulta tratar-se de um contrato a favor de terceiros, maxime de um contrato celebrado a favor dos trabalhadores não residentes que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e que posteriormente seriam cedidos à Ré, de entre os quais se inclui o Autor (cfr. a este respeito, entre outros, o Ac. do TSI, de 16/06/2011, Proc. n.º 779/2010 ou o Proc. n.º 69/2010);
13.Isto mesmo tem sido, aliás, concluído de forma unânime pelo douto Tribunal de Segunda Instância, para dezenas de casos similares ao presente, ao dispor-se que: “Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários). (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI, de 23/06/2011, Processo n.º 69/2010);
14.De onde, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do CCivil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
15.De onde se conclui que, ao contrário do alegado pela Recorrente, a douta Sentença posta em crise procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito, cuja fundamentação merece, aliás, ser louvada, pela objectividade com que o douto Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base da RAEM mostrou.
Nestes termos, e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., pelas razões supra expostas, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A).
A R. tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”. (B)
A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda, os contratos n.º 9/92 de 29 de Junho de 1992; n.º 6/93 de 1 de Março de 1993; n.º 2/94 de 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94 de 11 de Maio de 1994; n.º 45/94 de 27 de Dezembro de 1994. (e.g. doc. n.º 1 junto com a contestação) (C)
Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da R.; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à R. (D)
Foi ao abrigo do contrato n.º 6/93, que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R. (E)
Entre 18 de Março de 1994 e 31 de Maio de 2008, o A esteve ao serviço da R, exercendo funções de “guarda de segurança”. (F)
Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da R (G)
Era a R quem fixava o local e horário de trabalho do A, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (H)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a R quem pagou o salário ao A. (I)
O contrato celebrado entre a R e o A cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da R (J)
A antiguidade do A ao serviço da R foi de 14 anos, 2 meses e 13 dias. (L)
A R apresentou ao A um contrato e posteriormente assinado pelo mesmo. (doc. n.º 5 junto com a p.i.) (M)
O A assinou outros seis contratos. (docs. nºs 6 a 11 juntos com a p.i.) (N)
Os seis contratos assinados entre o A e a R correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a R (O)
Entre 18 de Março de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a R pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,500. (cfr. doc. n.o5 junto com a p.i.) (P)
Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a R pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,700. (Q)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a R pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,800. (cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i.) (R).
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,000. (cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i.) (S).
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,100. (cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i.) (T).
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,288. (cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i.) (U)
Entre 18 de Março de 1994 e Junho de 1997, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$8 por hora. (V)
Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$9.30 por hora. (W)
Entre Julho de 1999 e Junho de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$9.30 por hora. (X)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$10.00 por hora. (Y)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$11.00 por hora. (Z)
Entre Março de 2005 e 30 de Fevereiro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$11.30 por hora. (AA)
Entre Março de 2006 e 30 de Dezembro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$11.50 por hora. (BB)
Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A. (CC)
Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700 por mês. (DD)
Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP$11.25 (MOP$90 / 8 horas). (EE)
Entre Julho de 1999 e Junho de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$45,328, que corresponde a 4874 horas de trabalho extraordinário prestadas. (FF)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$7,900, que corresponde a 790 horas de trabalho extraordinário prestadas. (GG)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$40,623, que corresponde a 3693 horas de trabalho extraordinário prestadas. (HH)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$16,554, que corresponde a 1465 horas de trabalho extraordinário prestadas. (II)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o A recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$18,308, que corresponde a 1592 horas de trabalho extraordinário prestadas. (JJ)
Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP$15 diárias, a título de alimentação. (LL)
Ao longo de toda a relação entre a R. e o A, nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (MM)
Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (NN)
Porém, durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A, nunca a R. atribuiu ao A qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (OO)
Entre 13 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, o A não gozou de qualquer dia de descanso semanal. (PP)
*
Factos Provados:
Entre 18 de Março de 1995 e Junho de 1997, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A. de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (1º)
Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (2º)
Durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A, nunca o A, sem conhecimento e autorização prévia da R., deu qualquer falta ao trabalho. (3º)
Ao A só foi compensado pela R. pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal com o pagamento de um dia de salário em singelo. (4º)
Nunca a R. conferiu ao A em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal um qualquer outro dia de descanso compensatório. (5º)
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III- O Direito
1- Do recurso interlocutório
Na audiência de julgamento a ré requereu a inclusão na Base Instrutória de mais alguns factos para além dos que nela já constavam. Tal requerimento foi indeferido.
No recurso entende a recorrente “XXX” que os factos pretendidos levar à Base Instrutória decorrem dos documentos juntos pelas partes e que, ao abrigo do art. 41º do CPT, por serem relevantes, deveriam ser considerados naquela peça a fim de sobre eles poder vir a ser feita prova, no âmbito do princípio da verdade material.
Assim não tendo sido feito, teria o dito despacho cometido uma nulidade, face aos arts. 569º, nº3 e 571º, nº1, al. b), do CPC, mas também face aos elementos dos autos e ao art. 41º do CPT, norma que segundo a recorrente teria sido ignorada pelo tribunal “a quo”, que nem sequer se debruçou sobre a relevância dos factos em causa.
É verdade que o art. 41º citado permite a ampliação da base instrutória. Mas o que certo é também é que a ampliação deve decorrer da invocação de factos invocados pelas partes. Quanto aos não articulados pelas partes poderão ser considerados na inclusão da base instrutória se forem relevantes. É o que dispõe o preceito.
Ora, se o art. 41º em apreço parte do pressuposto que tais factos surjam “no decurso da prova”, o que se constata é que os elementos de facto em causa não são supervenientes, nem decorreram da apreciação da prova. Trata-se de elementos que já eram conhecidos pelas partes do processo desde o início, sem nunca terem sido invocados como matéria impugnativa ou exceptiva pela “XXX”.
Sendo isto assim, andou bem o despacho em crise, não o ferindo de qualquer invalidade a circunstância de nenhuma referência ele ter feito ao art. 41º citado. Na verdade, nem esse dispositivo legal foi sequer invocado pela requerente na sua pretensão, como a razão para o indeferimento foi bem explícita, até mesmo do ponto de vista da fundamentação legal. Pode a recorrente não concordar com o seu teor, mas a referida omissão daquela norma não faz dele um despacho nulo com fundamento no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
Por isso, quaisquer outras considerações trazidas pela recorrente a respeito do dever do juiz no âmbito do inquisitivo e do princípio da verdade material são inócuas ao êxito do recurso.
Acresce que a própria recorrente, enquanto contestante, nunca questionou que os sucessivos contratos individuais de trabalho celebrados com o trabalhador não teriam derivado do contrato de prestação de serviços nº 6/93 e, pelo contrário, até aceitou que esse fora o contrato único que perdurou em toda a relação laboral (leia-se o teor do art. 38º, da contestação). Terá sido, aliás, essa a razão pela qual a matéria correspondente foi levada à alínea E) da matéria de facto assente.
Por outro lado, aquela alínea E) concatenada com as alíneas CC) e DD) não deixam qualquer dúvida, de que um só contrato de prestação de serviços (sucessivamente renovado) esteve na base das várias contratações entre XXX e o autor.
De resto, se a questão tinha que ver com outros contratos – v.g., nº 1/1 e 14/1 – como tem este tribunal dito noutras ocasiões e tal como deles resulta, esses contratos não têm na sua literalidade nenhuma expressão de que resulte que eles serviram para substituir quaisquer outros, mas sim para cobrir as vagas que não tivessem sido preenchidas por todos os outros contratos de prestação de serviços (9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94). Ora, não era de “vaga” a situação do trabalhador ora recorrido, pelo que até por essa circunstância se não mostrava útil ao desfecho da causa a inclusão da referida matéria de facto.
Assim, aquela matéria era de todo ineficiente ou improfícua ao desfecho da acção, pelo que a sua não inclusão na B.I. não representa qualquer atropelo às normas e princípios invocados pela recorrente.
Improcede, pois, o referido recurso.
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2- Do mérito da sentença
2.1- Da nulidade da sentença
Recorre da sentença a ré da acção, “XXX”, em primeiro lugar por considerar que a sentença não podia partir do princípio de que o autor da acção se manteve ao seu serviço ao abrigo do contrato de prestação de serviços nº 6/93 desde o princípio até Maio de 2008, por não haver suporte factual que o permitisse, nomeadamente por faltar ao acervo de factos provados algum que revelasse a sucessiva renovação daquele instrumento negocial.
E assim sendo, considera que a decisão recorrida acaba por ser contraditória por partir de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada para fundamentar a preterição de pagamento de quantias a que o autor teria direito durante os 14 anos que durou a relação laboral. Estaria, deste modo, configurada a nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. c), do CPC.
Mas, em nossa opinião, não tem razão. Antes de mais nada, importa salientar que, como é consabido, a oposição invocada (nº1, al. c), do art. 571º do CPC) implica que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado (Acs. STJ 1/06/1993, Proc. nº 003146; STJ 31/03/1998, Proc. nº 98A265). Ou seja, ele só se dá por verificado quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (TSI, de 16/02/2006, Proc. nº 156/2005).
Ora, ao contrário do que pensa a recorrente, bastava ao autor a prova de que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado foi o nº 6/93. E se tal contrato previa a sua renovação, ao abrigo da qual os contratos de trabalho entre A. e R. se desenvolveriam, parece evidente que o ónus de prova do autor se cumpriu. Quer dizer, bastaria a demonstração daquela factualidade base para se aceitar que a longa duração desta relação laboral se deveu a esse contrato e suas sucessivas renovações. O contrário, isto é, a prova de facto impeditivo do efeito pretendido pelo autor caberia à ré, através da alegação e demonstração (art. 335º, nº2, do C.C.) que, afinal, aquele contrato 6/93 caducou e que outro com diferente conteúdo foi celebrado abrangendo o trabalhador autor. Mas isso o não fez a ré, nem que o seu objectivo fosse esse através da revelação daqueles contratos 1/1 e 14/1, que como se sabe e como este Tribunal tem reiterado não cobrem a situação dos trabalhadores que foram contratados ao abrigo de um deles. Aqueles outros só são aglutinadores de todos os outros na parte em que eles não tivessem sido completamente esgotados no seu âmbito numérico de contratação.
Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.
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2.2- Do erro no julgamento da matéria de facto
Nesta parte do recurso, a recorrente, por outras palavras, insiste na tónica que desenvolveu na arguição de nulidade da sentença.
Mas, tal como além, também aqui a sucumbência é fatal.
Não só pelo que acima se disse, no tocante ao encargo probatório, como também devido ao conjunto de elementos de que o tribunal se serviu. E nós, TSI, não vemos que dados de facto haveriam de conduzir a diferente prova a respeito desta matéria. Assim, não nos é possível destruir a livre convicção do julgador da 1ª instância (art. 558º do CPC), em especial porque a recorrente não fez o uso do ónus que sobre si recaía a respeito da indicação dos meios probatórios concretos, constantes do processo ou da prova testemunhal gravada, e que devessem impor uma decisão diversa (art. 599º, nº1, al. b) e nºs 2 e 3 do CPC).
Improcede, também, o recurso nesta parte.
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2.3- Da matéria de direito
2.3.1- Do Regime Jurídico aplicável ao caso e da Natureza do Contrato
Entende a recorrente que o regime que ditararia a relação contratual entre si e o autor da acção não poderia assentar no Despacho nº 12/GM/88 e no RJRL (DL nº 24/89/M, de 3/04).
Por outro lado, insurge-se a recorrente contra a natureza do contrato. Em sua opinião, não é a favor de terceiro o contrato celebrado entre a recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, ao abrigo do qual o autor da acção foi posteriormente contratado.
Apreciaremos em conjunto estas questões porque necessariamente conexionadas.
Questões que têm sido tratadas de forma consensual e unânime por este TSI. Daí que nos sirvamos do conteúdo de um aresto, de que transcrevemos um trecho mais significativo:
«“1ª Questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre XXX e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (XXX) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, lda).
Aquele despacho disse ainda que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a)-manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b)- garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante XXX) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (XXX e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e eventuais abusos. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E por isso mesmo é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre XXX e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre XXX e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre XXX e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
(…)
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre XXX e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que XXX se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”» (Ac. TSI, de 2/06/2011, Proc. nº 780/2010)9.
Não vemos motivo para divergir desta posição, pelo que a reiteramos na presente decisão. E por isso, somos a concluir, diferentemente do que o conclui a recorrente, que tenha sido feita errada interpretação e má aplicação das disposições do Despacho nº 12/GM/88 e da alínea c), do nº3, do DL nº 24/89/M, de 3/04, ou também dos arts. 400º e 437º do CC, como o defendeu a recorrente. O que significa que também nesta parte o recurso improcede.
Ainda neste segmento aproveita a recorrente a oportunidade para de novo regressar à questão da renovação do contrato e se insurgir contra o decidido. Essa questão, porém, acha-se já tratada, pelo que nos escusaremos de repetir o que acima concluímos.
*
Nada mais estando em causa no presente recurso, todo ele tem que soçobrar.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
a ) Negar Provimento ao recurso interlocutório;
b ) Negar provimento ao recurso da sentença, que assim vai confirmada.
Custas:
Pela ré “XXX”, em ambos os recursos.
TSI, 19 / 07 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 Neste sentido, ainda, Ac. TSI de 2/02/2012, Proc. nº 779/2011.
Também Ac. de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012.
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