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Processo nº 639/2012 Data: 19.07.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Pedido de abertura de instrução.
Assistente.




SUMÁRIO

1. Nos termos do art. 270°, n.° 1 do C.P.P.M.: “se o procedimento não depender de acusação particular e o inquérito tiver sido arquivado, apenas o assistente, ou quem no acto se constitua como tal, pode requerer a instrução”.

2. Tendo a recorrente deduzido pedido de abertura de instrução sem que detivesse o estatuto de “assistente”, nem tendo (em tal pedido) requerido a sua constituição, censura não merece a decisão de indeferimento do pedido apresentado.

3 Admite-se que podia o Mmo Juiz de Instrução Criminal fazer um convite à recorrente a fim de a mesma esclarecer se queria constituir-se assistente, porém, e seja como for, censura não merece o decidido, pois que, para além de não se mostrar desconforme com qualquer preceito legal, não se pode olvidar que é ao requerente que cabe zelar pelo mérito do pedido que apresenta, demonstrando, (v.g.), que reunidos estão os pressupostos legais da sua admissão e procedência.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 639/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A JOGOS (MACAU) S.A.”, apresentou, em 23.06.2011, queixa crime contra B (B), imputando-lhe a prática de 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214° do C.P.M..

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No mesmo expediente, alegou que tinha intenção de se constituir assistente; (cfr., fls. 2 a 4-v).

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Oportunamente, proferiu o Exmo. Magistrado do Ministério Público despacho ordenando o arquivamento dos autos; (cfr., fls. 67).

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Notificada do assim decidido, a dita sociedade apresentou reclamação hierárquica; (cfr., fls. 69 a 77-v).

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Por despacho do Ilustre Procurador Adjunto, foi a reclamação indeferida; (cfr., fls. 80 a 82).

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Ainda inconformada, a mencionada sociedade requereu a abertura da instrução; (cfr., fls. 88 a 180-v).

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Por despacho de 04.06.2012 foi o requerido indeferido; (cfr fls. 105).

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Notificada do assim decidido, veio a sociedade recorrer para, na sua motivação, produzir as conclusões seguintes:

“1. Vem o presente recurso interposto do despacho de folhas 105, datado de 4 de Junho de 2012, que indeferiu o requerimento de abertura de instrução submetido pela ora Recorrente em 18 de Maio de 2012, com fundamento na falta de legitimidade da ora Recorrente à data, por não se ter, até então, constituído assistente nem requerido tal constituição.
2. Pelas razões que abaixo indicadas, e salvo o devido respeito, no despacho recorrido, foi violado o disposto no artigo 270.º, n.º e 1 e 270.º n.º2, ambos do Código de Processo Penal.
3. No dia 23 de Junho de 2011, a ora Recorrente, apresentou ao Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau, uma denúncia contra B, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão.
4. No artigo 21.° da aludida denúncia, a ora Recorrente manifestou a sua intenção de constituir-se Assistente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 229.°, n.°4 do Código de Processo Penal.
5. Sucede porém que, apesar da referida inequívoca demonstração da vontade da ora Recorrente em se constituir assistente, o Ministério Público jamais emitiu as competentes guias para pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente.
6. Posteriormente, em 7 de Fevereiro de 2012, a ora Recorrente foi notificada do conteúdo do despacho proferido pela Delegada do Ministério Público, e no qual foi ordenado, nos termos do disposto no artigo 259.°, n.°2 do Código de Processo Penal, o Arquivamento dos autos de inquérito.
7. Por entender que existiam indícios suficientes da prática de um crime, em 20 de Fevereiro de 2012, a ora Recorrente, reclamou hierarquicamente do referido despacho.
8. Por decisão de 26 de Abril de 2012, foi indeferida a reclamação hierárquica apresentada pela ora Recorrente.
9. Nesta circunstância, não se conformado com a decisão de arquivamento dos presentes autos, em 18 de Maio de 2012, a ora Recorrente requereu a abertura de instrução.
10. Acontece que por lapso, a ora Recorrente não reparou que não tinha efectuado ainda, o pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, tendo por essa razão em 4 de Junho de 2012, solicitado ao douto Procurador do Ministério Público da RAEM, a emissão das competentes guias.
11. Emissão essa que foi deferida pelo digníssimo Procurador, tendo a ora Recorrente recebido as respectivas guias para pagamento da taxa de justiça em 6 de Junho de 2012 e efectuado o seu pagamento em 15 do mesmo mês.
12. Todavia, e não obstante, o Ministério Público ter emitido, como aliás era sua obrigação, as competentes guias para pagamento da taxa de justiça devida para a constituição de assistente, a ora Recorrente, foi surpreendida pelo conteúdo do despacho recorrido, com o qual não se conforma.
13. Os artigos 105.º a 110.º do Código de Processo Penal regulam as consequências da inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais.
14. Assim, delimitada a questão relevante, a falta do despacho a que alude o art.º 57º n.º5 do Código Processo Penal, cumpre proceder à qualificação dessa omissão em ordem a determinar a respectiva consequência jurídica.
15. A omissão levada a cabo não é sancionada por qualquer disposição legal especial, nem constitui nulidade insanável, artigo 106.º do Código Processo Penal, pois não consta desse apertado catálogo. Também não faz parte do elenco das nulidades previsto no artigo 107.º do Código Processo Penal.
16. Sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é meramente irregular, estamos perante uma irregularidade, artigo 110 nºs 1 e 2 do Código Processo Penal.
17. Em matéria de irregularidades consagra o legislador uma “válvula de segurança” muito grande, que é a de que se pode ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado, artigo 110 n.º 2 do Código de Processo Penal.
18. Quando na génese da irregularidade está uma omissão, pode ordenar-se a reparação oficiosa da irregularidade quando o acto omitido, podendo ainda ser realizado, afecte o valor dos actos subsequentes.
19. Ora é o que acontece no caso: Como acima se referiu, no momento em que efectuou a denúncia dos factos praticados pelo denunciado, e que no seu entender devem ser considerados como crime, a ora Recorrente manifestou a sua intenção de se constituir assistente, e de com isso poder passar a usufruir desse estatuto processual. Acontece que em termos práticos, a manifestação daquele desejo deverá ser entendida como uma solicitação de constituição como assistente. É que, caso assim não fosse, não tinha a ora Recorrente, qualquer vantagem em manifestar a sua vontade em constituir-se como tal.
20. Destarte, será forçoso concluir que assim que foi manifestada a intenção da ora Recorrente, o Ministério Público tinha a obrigação legal de admitir a constituição e em simultâneo ordenar a emissão das correspondentes guias para pagamento da taxa de justiça devida, o que não acontecendo, corresponde à omissão do dever de o fazer. E tanto assim é que o Ministério Público acabou por reconhecer a sua omissão quando depois de instado para tal, emitiu as aludidas guias.
21. Assim, a falta de apreciação do pedido de constituição como assistente e subsequente admissão da ora Recorrente, como assistente, estatuto que oportunamente requereu e a que tem direito, impede-a de requerer a abertura da instrução, resultando limitado um seu direito fundamental de aceso ao direito e de intervenção processual.
22. Conclui-se, que constitui irregularidade, de conhecimento oficioso mesmo em sede de recurso, a omissão de despacho judicial a admitir a constituição de assistente tempestivamente requerida, se a requerente solicitou a abertura da instrução; de outro modo fica inviabilizada a abertura da instrução por parte de quem podendo ser e tendo requerido a constituição como assistente, não foi como tal admitido por omissão de despacho judicial oportuno.
23. Impõe-se portanto determinar que o tribunal de instrução criminal leve a cabo o acto omitido, deixando-se ao seu critério, após necessário contraditório, a delimitação dos efeitos nos actos subsequentes, nomeadamente os actos a invalidar e os actos a aproveitar.
24. Concluindo, solicita-se por isso a V. Exas. Se dignem ordenar a reparação da apontada irregularidade, defiram o pedido de constituição como assistente e o requerimento de abertura de instrução efectuado pelo ora Recorrente em 18 de Maio de 2012.
25. A Recorrente entende que foram violados in casu, os artigos 57° n.°5, 106°, 107° e 110° n.°s 1 e 2 todos Código Processo Penal”; (cfr, fls. 127 a 139).

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Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido de improcedência do recurso; (cfr fls. 147 a 148).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“No douto despacho em apreço (fls. 105 dos autos), a Mesma. Juiz a quo rejeitou liminarmente o pedido de abertura da instrução da Requerente e ora recorrente (fls. 88 a 100 verso), com fundamento da falta da legitimidade da mesma.
Apesar de a recorrente invocar, no art. 110° da Motivação (fls. 127 a 137 dos autos), vários preceitos legais, a questão nuclear traduz em apurar se ela tiver adquirido o estatuto processual de «assistente» e a legitimidade para pedir a abertura da instrução.
Antes de mais, subscrevemos as concisas explanações da Exma. Colega na Resposta (cfr. fls. 147 e verso).
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É verdade que se encontra, no art. 21° da Denúncia de fls. 2-4v. dos autos, a declaração expressa da vontade (da recorrente) de constituir-se o assistente nos termos do art. 229° da CPP.
Só que no requerimento de fls. 109 dos autos, a recorrente reconheceu «tendo reparado que não requereu a constituição de Assistente nem a respectiva emissão das guias para pagamento da taxa de justiça……».
Esse reconhecimento faz entender que a recorrente não pretendeu valorizar aquela declaração da vontade constante do art. 21° da referida Denúncia escrita.
Importa reter que a recorrente foi inequivocamente advertida (cfr. despacho de fls. 80 e verso, tradução de fls. 81 a 82 dos autos, com sublinha nossa): Notifique …… Caso não esteja conformado com o presente despacho, poderá, através do pedido de constituição de assistente, requerer a abertura de instrução junto do Juízo de Instrução Criminal, dentro do prazo de 15 dias, contado do dia seguinte ao da notificação.
No entanto, acontece que:
- Antes de requerer a Abertura da Instrução e no Requerimento de fls. 88 a 100 verso, a recorrente não apresentou nenhum outro pedido da Abertura da Instrução;
- Até à emanação do despacho em causa, a recorrente não pediu a emissão da guia para pagamento do imposto de justiça devido pela constituição de assistente (art. 495° do CPP);
Sendo assim, afigura-se que a recorrente não constitui, antes de solicitar Abertura da Instrução, assistente e, nesta medida, não adquiriu a legitimidade para requerer Abertura da Instrução.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 155 e 155-v).

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Cumpre decidir,

Fundamentação

2. Resulta do que até aqui se deixou relatado que com o presente recurso pretende a ora recorrente a revogação do despacho pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido que lhe indeferiu o pedido de abertura de instrução.

E, como fez constar das suas conclusões, entende a recorrente que foram violados os artigos 57° n.°5, 106°, 107° e 110° n.°s 1 e 2 todos Código Processo Penal; (cfr., concl. 25°).

Vejamos.

Nos termos do art. 270° do C.P.P.M.:

“1. Se o procedimento não depender de acusação particular e o inquérito tiver sido arquivado, apenas o assistente, ou quem no acto se constitua como tal, pode requerer a instrução.

2. O requerimento previsto no número anterior deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento, do despacho que recusar a abertura do inquérito ou do despacho do superior hierárquico que indeferir a reclamação que recaia sobre os mencionados despachos.

3. Se o requerente não tiver sido notificado do despacho de arquivamento, a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 15 dias a contar da data em que o requerente dele tiver conhecimento”.

In casu, o Mmo Juiz de Instrução Criminal indeferiu o pedido de abertura de instrução dado que a ora recorrente não possuía a qualidade de “assistente”.

E outra poderia ser a solução?

Ora, sem prejuízo do muito respeito por entendimento diverso, cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, afigura-se-nos claro que aquando da apresentação do pedido de abertura de instrução, não tinha a ora recorrente o estatuto de “assistente”, nem tão pouco pediu a sua constituição como tal.

Diz porém a recorrente que já na sua queixa apresentada 23.06.2011, alegou que tinha a “intenção de se constituir assistente”, e que tal devia ser interpretado como um pedido nesse sentido.

Eis o que se nos oferece dizer.

Não nos parece de considerar tal “alegação” um “pedido”, mais parecendo uma afirmação no sentido de que, oportunamente, se trataria da “questão”.

Com efeito, e como cremos ser um dado adquirido, um “pedido”, é uma “pretensão” que, para além de dever ser “concreta”, é apresentada a final.

No caso, não foi o que sucedeu.

Nada consta em relação a tal questão no final da dita queixa, e até a prolação do despacho ora recorrido, nenhum pedido de constituição de assistente foi pela recorrente apresentado.

Assim, e não havendo pedido, (ou requerimento), não nos parece que aplicável seja o art. 57°, n.° 5 do C.P.P.M., pela ora recorrente invocado, onde se preceitua que: “o juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles”.

E, nesta conformidade, sem esforço se mostra de concluir que violados (também) não foram os art°s 106°, 167° e 110° do mesmo Código.

Não se deixa de dizer porém que se nos afigura de reconhecer que, no caso, podia o Mmo Juiz de Instrução Criminal fazer um convite à recorrente a fim de a mesma esclarecer se queria constituir-se assistente.

Porém, e seja como for, censura não merece o decidido, pois que, como se deixou consignado, não nos parece que a decisão recorrida seja contrária a qualquer preceito legal, (nomeadamente, os pela recorrente invocados).

De facto, não se pode olvidar que é ao requerente que cabe zelar pelo mérito do pedido que apresenta, demonstrando, (v.g.), que reunidos estão os pressupostos legais da sua admissão e procedência.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Macau, aos 19 de Julho de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

Proc. 639/2012 Pág. 18

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