Reclamação nº 5/2012
A, arguido nos autos do processo nº PCI-079-11-1º do JIC, no âmbito desses autos interpôs recurso da decisão que admitiu a B, Lda. a intervir nos autos como assistente.
Por douto despacho da Mmª Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida em separado e efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
Venerando Desembargador Presidente do
Tribunal de Segunda Instância
A, arguido e recorrente, notificado do douto despacho da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal de 25/04/2012, a fls. 2096, que determinou a subida diferida do recurso interposto pelo arguido em 08/03/2012, do douto despacho que admitiu a B, Lda. a intervir nos autos como assistente, vem, muito respeitosamente, apresentar:
RECLAMAÇÃO CONTRA A RETENÇÃO DO RECURSO
O que faz, nos termos do art. 395° do CPP, com os fundamentos seguintes:
1. O ora Reclamante interpôs em 08/03/2012 recurso contra o douto despacho da Meritíssima Juiz de 30/07/2010, a fis. 1983, que admitiu a B Limitada a intervir nos autos como assistente, tendo então requerido que o mesmo fosse admitido com regime de subida imediata, ao abrigo do disposto no art. 397°/2, do CPP.
O recurso veio a ser admitido pelo despacho ora reclamado, mas com regime de subida deferida, com fundamento no disposto nos arts. 397°/3 e 397°/l/g,do CPP.
O Reclamante permite-se discordar desta decisão, sendo seu firme entendimento que o recurso em apreço deve subir imediatamente, questão que traz à superior apreciação de V.Exa. por via desta reclamação.
2. O momento da subida dos recursos é tratado no art. 397°, do CPP.
O n° 1 deste preceito elenca um conjunto de casos em que os recursos sobem sempre imediatamente e é certo que em nenhum deles se integra a situação em apreço.
Mas embora esses casos sejam enumerados taxativamente, este n° 1 do art. 397° não é uma norma fechada, pois o respectivo nº 2 estabelece uma cláusula geral admitindo que também sobem imediatamente os recursos "cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis". E foi ao abrigo do disposto neste n° 2 que ao interpor o recurso o Reclamante requereu que lhe fosse fixado o regime de subida imediata.
A questão da reclamação é, pois, a de saber se o recurso dos autos se encontra ou não abrangido pela norma do art. 397°/2.
3. O Reclamante conhece a jurisprudência restritiva deste Venerando Tribunal na interpretação do preceito legal em referência.
Cita-se, a título de exemplo:
- O Ac. TSI de 17/07/2003, tirado no Recurso nº 137/2003-07, que decidiu "2. A subida imediata de um recurso intercalar só tem lugar quando a retenção do mesmo o torna absolutamente inútil para o corrente, e não por outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa provocar no processo onde o mesmo recurso foi interposto. 3. Não basta, assim, uma inutilidade relativa, a que corresponda a anulação do processado posterior, para justificar a subida imediata do recurso; a situação há-de ser tal que, se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada", e
- o Ac. TSI de 03/03/2011, tirado no Recurso nº 612/2009, que decidiu "2. A expressão "absolutamente inútil" deve ser tomada no seu significado rigoroso, restrito, não bastando uma inutilidade relativa, a que corresponde a anulação de processado posterior, para justificar a subida imediata de um recurso, isto é, há-de ser tal que, se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada",
Mas a verdade é que no caso dos autos a retenção do recurso toma-o de facto absolutamente inútil, de tal modo que, não subindo de imediato, ele não servirá efectivamente de nada.
4. O assistente tem no processo penal significativas atribuições, previstas em geral no art. 58°/2 (nomeadamente oferecer provas e requerer diligências em inquérito e em instrução), e em particular em diversos outros preceitos, como o art. 326° (fazer perguntas sobre os factos ao arguido), o art. 327° (prestar declarações em audiência), o art. 341°/1 (alegações orais) ou o art. 391º/b) (recorrer de decisões contra ele proferidas).
Além de vários outras disposições de diferente natureza, como o art. 337°/2 (leitura em audiência de declarações prestadas em fases processuais anteriores).
Se o recurso vier a subir em deferido e obter ganho de causa, o efeito desse ganho teria forçosamente de ser o invalidar, apagar, destruir, toda a actividade desenvolvida pelo assistente nos autos desde o momento em que nele interveio. Seria a "anulação do processado", como menciona o segundo dos acórdãos acima citados, mas, obviamente, apenas o processado correspondente à actividade desenvolvida pelo assistente.
Seguramente que o processo não iria voltar ao seu início, com repetição do inquérito, da instrução e da audiência de julgamento.
Este efeito é fácil de obter se o recurso tem por objecto um acto processual determinado e autónomo. No caso. tratado pelo citado Ac. TSI de 03/03/2011 questionava-se a admissibilidade de um pedido de indemnização cível enxertado em acção penal, tendo o Tribunal decidido que o recurso não tinha de subir de imediato porque mesmo subindo em deferido "aquando da sua oportuna apreciação se vier a decidir da extemporaneidade do pedido civil, nada impede que daí se retirem as suas legais consequências, com uma decisão em conformidade, anulando-se a eventual decisão de procedência do mesmo pedido civil",
Mas no caso da presente reclamação, sendo um processo onde são imputados ao arguido crimes de natureza pública e está em causa uma actividade continuada do assistente, a questão que se coloca é a de que modo, subindo o recurso em deferido e obtendo ganho de causa, se pode em momento posterior, nomeadamente depois de proferida sentença em primeira instância, apagar toda a actividade processual que o assistente tenha desenvolvido.
Poderia anular-se, por exemplo, um acto processual autónomo praticado apenas pelo assistente, como um recurso por ele interposto.
Mas a maioria dos actos praticados pelo assistente não ficaria comprometida pelo vencimento do recurso. Com efeito, de que modo, nomeadamente, se poderia então (i) eliminar os meios de prova produzidos por iniciativa do assistente seja em inquérito, em instrução ou em julgamento, (ii) ou desconsiderar os factos adquiridos para o processo por via da actividade do assistente ou (iii) apagar as perguntas a que o arguido foi submetido por parte do assistente?
Os exemplos podem-se multiplicar, mas a resposta é sempre a mesma: o resultado desta actividade processual do assistente não pode ser invalidada de modo eficaz, pelo que se consolidaria e perduraria no processo. Ou porque não se pode autonomizar em cada situação processual o que foi ou não actividade do assistente ou porque a actividade que este desenvolveu pode ser repetida e, por isso, aproveitada por outros intervenientes processuais, nomeadamente pelo Ministério Público e por eventual lesado.
Seja dizer, "se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada".
Entende, pois, o Reclamante, que o recurso em apreço deveria ter sido admitido com subida imediata, uma vez que a sua retenção o torna, nos termos do art. 397°/2, absolutamente inútil. Não subindo agora, de nada servirá que suba mais tarde.
5. Por fim, importa esclarecer uma outra questão.
O despacho reclamado funda-se também na leitura à contrario sensu do art. 397°/1/g), o que é um argumento que formalmente pode impressionar, mas que seguramente não é correcto.
A circunstância de esta alínea g) dispor que sobe imediatamente o recurso interposto "de despacho que não admitir a constituição de assistente" não significa necessariamente que tenha sempre subida deferida o recurso interposto de despacho que admitiu essa constituição.
A economia do preceito em análise impõe que se averigúe se a retenção de um recurso de uma determinada decisão com este último sentido - que não admita a constituição de assistente - o torna ou não absolutamente inútil.
É fácil configurar exemplos que aconselham soluções diferentes.
O caso dos autos, como defendido, aconselha a subida imediata do recurso.
Mas suponha-se o caso de um processo penal por crime com natureza particular em que tenha sido admitido a intervir como assistente quem não tinha legitimidade para o efeito e que o mesmo tenha nessa qualidade proferido acusação e venha a haver julgamento. Neste caso apenas o assistente podia ter deduzido acusação, como dispõe o art. 267°, do CPP. Se em tal caso o arguido interpuser recurso da decisão que admitiu a ilegal intervenção do assistente nos autos, esse recurso deve ser admitido com subida deferida, pois se vier a obter procedência a consequência seria a anulação de todo o processado, sem necessidade de repetição de qualquer acto processual. Por conseguinte, nesse caso o arguido em nada seria prejudicado com a subida deferida do recurso e, por conseguinte, a sua retenção não o tornaria absolutamente inútil.
Seja dizer que um despacho que admite a constituição como assistente não pode ser admitido sem mais com subida deferida apenas com base em leitura a contrario sensu do art. 397°/g, do CPP.
Diferentemente, tem de se apreciar se esse recurso, face ao disposto no n° 2 daquele artigo, deve subir imediatamente, por a sua retenção o tornar absolutamente inútil, ou se, pelo contrário, se subindo em deferido se mantém a sua utilidade e, nessa medida, lhe deve ser fixado esse regime de subida.
Termos em que o Reclamante vem muito respeitosamente requerer a V.Exa. se digne revogar o douto despacho reclamado e substituí-lo por outro que fixe ao recurso em apreço o regime de subida imediata, nos termos do art. 397°/2, do CPP.
Passemos pois a apreciar a reclamação.
Antes de mais, é de frisar que ao Tribunal não cabe responder todos os argumentos deduzidos pelo interessado para sustentar a sua pretensão, mas sim apenas as questões que lhe são concretamente colocadas no petitório.
Assim, o objecto da reclamação é o momento da subida do recurso em causa.
Assim, a única questão levantada pelo reclamante e atendível nesta sede é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 397º do CPP dispõe:
1. Sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para abertura da instrução;
i) Do despacho de pronúncia ou de não-pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 292.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
2. Sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
3. Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.
Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a revogação do despacho recorrido e tonra inválido todo o processado posterior e dependente do mesmo despacho, o que é justamente a utilidade pretendida pelo recorrente com a interposição do recurso. e que, tendo em conta a tramitação e o fim de um processo penal comum, dificilmente podemos configurar a eventual anulação do processado como absolutamente impossível.
Daí, a retenção do recurso não conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
De facto, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, fica todo o processado posterior e dependente da decisão recorrida anulado e será repetido a parte da tramitação anulada sem a intervenção da assistente B, Lda..
Eis a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso.
Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante com a taxa de justiça fixada em 5UC – artº 70º/1 do RCT.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.
R.A.E.M., 22SET2012
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.5/2012-1