Proc. nº 400/2012
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Setembro de 2012
Descritores:
-Art. 22º do RCT
-Custas de parte
-Fotocópias (duplicados)
-Lacuna da lei
-Integração da lacuna
SUMÁRIO:
I - Custas de parte, são as despesas que a parte haja feito por causa do processo e de que tenha de ser compensado em virtude da condenação em custas pela parte com elas onerada (art. 22º, nº1, do RCT).
II - Nos termos do nº3, do art. 22º do RCT, o restante dispêndio só é considerado se o interessado apresentar a respectiva nota discriminativa e justificativa.
III - Quanto à discriminação, ela depende de uma enunciação isolada por rubrica, a fim de que possa ser feita a devida avaliação da sua subsunção ao conceito de custas de parte.
Quanto à justificação, para ser contemplada, tem que ser uma justificação motivada e submetida a princípios de causalidade adequada, de modo que se fique a saber que ela corresponde a um custo “por causa” do processo. Será preciso, portanto, que a despesa tenha sido necessária (não dispensável), ajustada (respeitando princípios de proporcionalidade) e apropriada (objectivada e com exclusão de qualquer visão subjectivista) ao fim em vista.
IV - É no âmbito de previsão do nº3 do art. 22º do RCT que se inscrevem as despesas de fotocópias que a parte apresente por força dos duplicados legais a que respeita o art. 102º do CPC. E não havendo norma que determine o valor a pagar por cada lauda, no preenchimento da lacuna será de observar a regra que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art. 9º, nº2, do Cod. Civil). Neste sentido, é razoável que se fixe para cada página o valor mínimo de mercado, que presentemente é de 20 avos para cada lauda.
Proc. nº 400/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B, com os demais sinais dos autos, intentara no TJB acção declarativa com processo ordinário contra “C Asia Limited”, vindo porém, no decorrer da acção apresentar desistência do pedido (fls. 331).
Homologada a desistência e tributada a autora desistente em custas (fls. 332), veio a ré apresentar “nota discriminativa e justificativa das despesas efectuadas com o processo, designadamente emolumentos notariais e imposto de selo”, nos termos e para os efeitos do nº3 do art. 22º do Regime das Custas nos Tribunais, tudo no valor de Mop$5.486,00 (fls. 337).
Efectuada a conta, a título de custas de parte apenas foi considerado o valor de Mop$ 1.926,00.
Foi então apresentada reclamação da conta (fls. 350 e sgs.), a que se seguiu a informação a que se refere o art. 50º do RCT (fls. 359-364).
O despacho que se lhe seguiu foi no sentido de julgar improcedente a reclamação (fls. 365-368) e é dele que vem interposto o presente recurso.
Nas respectivas alegações, a ré recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. A leitura e interpretação do RCT não se pode alhear dos artigos 376.º a 383.º do CPC, sendo que nestes o vocábulo “custas” é utilizado com o significado que lhe é dado pelo n.º 1 do art.º 1.º do RCT, sem o que não é possível a articulação teleológica entre os dois diplomas nem obter qualquer coerência na sua conjugação, o que colocaria em crise a consabida e aceite complementaridade entre o RCT e a legislação processual;
2. Diz o n.º 1 do art.º 380.º do CPC que “... as custas são pagas pela parte que desistir ...”, não sendo, por isso, necessário ir buscar ao direito obrigacional, como faz o douto despacho recorrido, o fundamento para o reembolso das custas de parte: ele surge pela conjugação das normas do Capítulo I do Título V do Código do Processo Civil com o RCT.
3. O autor que desiste do pedido é responsável pelas respectivas custas, as quais, por via do art.º 1.º, n.º 1, do RCT, compreendem os encargos descritos no n.º 1 do art.º 21.º do mesmo diploma (incluindo as custas de parte), por aplicação do n.º 1 do art.º 380.º do CPC, numa decorrência dos princípios da causalidade nas custas e da sucumbência;
4. O dever de suportar o encargo de pagar as custas recai sobre determinada parte processual, não directamente por via de um qualquer princípio ou norma estritamente obrigacional/civilística, mas porque aquela lhes deu causa e na medida em que tal sucede;
5. Quando uma parte inicia uma lide e depois dela desiste, como sucede in casu, cfr. fls. 330 a 332, não é justo nem coerente que a contraparte não possa ser ressarcida das despesas que comprovada e justificadamente suportou com a sua defesa, até à desistência, faculdade que decorre do estipulado no art.º 380.º do CPC;
6. A imputação do reembolso dos encargos à parte vencida (in casu, a autora) existe, porque assim o determinam as leis de processo, cfr. o citado art.º 380.º do CPC, e o RCT, sendo uma obrigação determinada por lei e é esta determinação legal que constitui o nexo de imputação ao devedor;
7. Mesmo que seja de aplicar o n.º 2 do art.º 477.º do Código Civil (CC) no que respeita à responsabilidade pelas custas, verifica-se que a obrigação de “indemnizar” independentemente de culpa tem especificação legal nos art.ºs 376.º e 380.º do CPC, bem como no art.º 22.º do RCT.
8. A parte vencedora não tem direito a ser reembolsada de todas as despesas que faça para defesa dos seus direitos, mas não se afigura que, como defende o douto despacho recorrido, o princípio da justiça gratuita englobe apenas a actividade do Tribunal, sendo que tal entendimento deixa por justificar a utilidade do n.º 3 do art.º 22.º do RCT
9. As custas de parte, nos termos do art.º 22.º RCT compreendem as custas adiantadas e os preparos para além do “...restante dispêndio...” “... que a parte haja dispendido com o processo... e de que tenha direito a ser compensado”, o qual será “...considerado se o interessado apresentar nota justificativa e discriminativa ...”;
10. Por isso, o princípio da justiça gratuita vai mais longe do que a mera gratuitidade da actividade do Tribunal, porque para além das custas adiantadas e dos preparos, a parte pode ser reembolsada de “restante dispêndio” que haja desembolsado com o processo e de que tenha direito a ser compensada, apresentando a competente nota discriminativa e justificativa;
11. Não se pode concordar com o entendimento propugnado no douto despacho recorrido, onde é utilizado o instituto do enriquecimento sem causa para justificar o mecanismo do n.º 4 do art.º 35.º do RCT, o reembolso das despesas incorridas por extracção de certidão de documento requerido à parte contrária e a aplicação do n.º 3 do art.º 524.º do CPC (cfr. fls. 366v e 367), porque o fundamento para tais opções legislativas não é mais do que decorrência do princípio da causalidade consagrado no art.º 376.º do CPC;
12. Existem certas despesas que não têm qualquer relação com a actividade do Tribunal mas cujo reembolso à parte vencedora não é questionado, como sucede com o imposto do selo e os emolumentos notariais e registais pagos pelas partes por documentos que apresentem aos autos, porque o princípio da justiça gratuita não se limita à estrita gratuitidade da actividade do Tribunal, estendendo-se também a outras despesas efectuadas pelas parte e por sua livre iniciativa, através da conjugação do art.º 376.º e segs. do CPC e dos nºs 1 e 3 do art.º 22.º do RCT;
13. Não se afigura existir qualquer norma processual ou de custas que determine explícita e especificadamente que as despesas com imposto do selo ou emolumentos notariais e registrais devem ser reembolsadas à parte vencedora a título de custas de parte, e, no entanto, esses reembolsos são incontestados;
14. Estes reembolsos não existem por força da norma da al. b) do n.º 1 do art.º 21.º do RCT, a qual se aplica às situações previstas no art.º 462.º e no art.º 464.º do CPC;
15. Eles são admitidos e fundamentados através do art.º 22.º do RCT e pelas normas dos art.º 376.º e segs. do CPC, porque constituem dispêndios legitimamente incorridos no âmbito do processo pela parte vencedora, na defesa dos seus direitos, exactamente como acontece com as despesas de cuja rejeição ora se recorre - gastos administrativos com a produção de públicas-formas e de fotocópias para duplicados e cópias legais.
16. Por conjugação do art.º 22.º do RCT com o art.º 378.º do CPC, as custas de parte compreendem as custas adiantadas, os preparos e o “restante dispêndio” de que tenha direito a ser compensado, isto é, desde que esteja conexionado com o processo e não seja supérfluo ou que tenha sido originado por necessidade de repetição ou adiamento de actos ou diligências por culpa de funcionário de justiça ou outra pessoa a eles obrigada a comparecer
17. Ao contrário do que vem referido no douto despacho recorrido, pode-se (e deve-se) circunscrever pela negativa o âmbito do direito à compensação consagrado no n.º 1 do art.º 22.º do RCT, com recurso ao art.º 378.º do CPC, por aplicação do chamado “princípio da necessidade”;
18. As despesas incorridas com a produção das públicas-formas de documentos, dos duplicados e das cópias legais apresentados aos autos pela ora recorrente estão tão incontestavelmente conexionadas com o processo como os emolumentos notariais ou o selo da procuração forense que juntou, os quais lhe foram reembolsados;
19. Decorre do n.º 1 do art.º 6.º e do art.º 87.º, ambos do CPC que compete ao juiz, dentro dos seus poderes de direcção do processo, recusar a prática de actos impertinentes, dilatórios ou inúteis, o que in casu, não sucedeu quanto aos documentos e articulados apresentados pela ora recorrente;
20. Não sendo questionada a validade da documentação nos autos das despesas com a produção de tais documentos, não podem ser aquelas desatendidas, já que foram comprovadamente realizadas com intuitos processuais para o presente processo, estão discriminadas e justificadas nos termos do n.º 3 do art.º 22.º do RCT, cfr. nota de fls. 337 e 338, e não foram julgadas pelo Tribunal a quo como supérfluas nem desnecessárias para a declaração da defesa, nos termos do art.º 378.º do CPC.
21. Entendimento que se aplica com ainda mais relevância, quanto ao custo associado à produção de duplicados e cópias legais, porque a apresentação destes é imposta por lei, cfr. art.º 102.º do CPC, e implica gastos com papel, toner, consumo de energia eléctrica, tempo do funcionário que tirou as fotocópias e, até, em investimento de capital na própria máquina fotocopiadora e dispêndio com a respectiva manutenção e reparação;
22. E o mesmo se diga quanto aos gastos administrativos com a produção de públicas-formas e certidões, cujo custo vai muito para além dos meros emolumentos notariais, os quais são, aliás, entregues in totum à RAEM pelo notário privado, não servindo, por isso, para cobrir tal dispêndio
23. Para defender os seus direitos na acção, a parte intervém através da apresentação dos seus articulados, os quais são acompanhados dos documentos que fundamentem o que deles consta, cfr. n.º 1 do art.º 450.º do CPC, e dos respectivos duplicados e cópias legais, cfr. art.º 102.º do CPC;
24. Logo, tais actos foram realizados por causa do processo e tiveram nele origem, ficando os respectivos encargos por conta de quem é responsável pelas custas de parte, cfr. art.º 376.º e n.º 1 do art.º 380.º do CPC, e art.º 1.º, al. g) do n.º 1 do art.º 21.º e nºs 1 e 3 do art.º 22.º do RCT;
25. Esta obrigação é imputável à autora desistente, não porque exista um qualquer nexo de imputação de natureza obrigacional/civilística, mas sim porque o CPC e o RCT assim o exigem e determinam, ao consagrarem os princípios da causalidade, sucumbência e necessidade.
26. Para obstar a abusos causados pela consagração deste entendimento bastará aplicar o critério da mencionada al. a) do n.º 1 do art.º 378.º do CPC, podendo o Tribunal desatender todas as despesas que, no prudente arbítrio do julgador, se considerem desnecessárias, incluindo articulados ou documentos supérfluos, abusivos, anormais ou desadequados;
27. Se a parte vencedora não se conformar com a decisão do julgador que desatendeu alguma despesa declarada, pode reclamar e, eventualmente, recorrer, nos termos do art.º 49.º e segs. do RCT, mas o julgador não se poderá eximir de aplicar a norma contida no art.º 378.º do CPC, quando é atempadamente apresentada uma nota discriminativa e justificativa de despesas que comprovada e legitimamente foram realizadas pela parte vencedora na defesa dos seus direitos e/ou por imposição legal;
28. Diga-se que o próprio Tribunal Judicial de Base tem aceitado reembolsar, noutros processos, despesas administrativas incorridas com certificação de públicas-formas de natureza idêntica às que são reclamadas nos presentes autos pela ora recorrente e, bem assim, com custos associados à produção de fotocópias para duplicados e cópias legais;
29. A fonte da obrigação da parte vencida em ressarcir a ora recorrente surge porque aquela desistiu do pedido, cfr. art.º 380.º do CPC, do nexo de causalidade entre o pleito e as despesas incorridas pela ora recorrente, desatendidas no douto despacho recorrido, do facto de tais despesas não terem sido classificadas como supérfluas, e de ser possibilitado o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte, de um “restante dispêndio” o qual vai para além das custas adiantadas e dos preparos, desde que faça parte do “... que a parte haja despendido com o processo... e de que tenha direito a ser compensado” nos termos dos art.º 376.º e 378.º do CPC, cfr. art.ºs 21.º e 22.º do RCT.
30. O douto despacho recorrido violou os art.ºs 376.º, 378.º e 380.º, do CPC, e, bem assim, os art.ºs 1.º, 21.º, n.º 1, al. g), e 22.º do RCT.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão ora recorrida, com as demais consequências legais.
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A ré após a homologação da desistência do pedido apresentada pela autora da acção, apresentou a “nota discriminativa e justificativa das despesas efectuadas com o processo, designadamente emolumentos notariais e imposto de selo”, nos termos e para os efeitos do nº3 do art. 22º do Regime das Custas nos Tribunais, tudo no valor de Mop$5.486,00 (fls. 337).
Na conta, a título de custas de parte apenas foi considerado o valor de Mop$ 1.926,00.
Foi então apresentada reclamação da conta (fls. 350 e sgs.), a que se seguiu a informação a que se refere o art. 50º do RCT (fls. 359-364).
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III- O Direito
Para melhor compreensão do problema, transcreveremos o despacho impugnado:
“Reclamação da conta de fls. 350 a 355.
A ré reclamou da conta de fls. 342 dizendo que a mesma não considerou, devendo ter considerado, a título de custas de parte as despesas que suportou com:
- certificação notarial de públicas-formas da procuração forense e de documentos juntos aos autos.
- impressões e duplicados legais dos requerimentos e documentos que apresentou.
O Senhor Contador emitiu informação nos termos do art.º 50º, nº 1 do RCT.
Pela Digna Magistrada do Ministério Público foi emitido parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
Vista a conta reclamada verifica-se que nela não foram incluídas, nem a título de custas de parte nem a qualquer outro, as despesas supra referidas.
Resta então saber se deveriam tê-lo sido. Isto é, se tais despesas devem ser consideradas custas de parte para efeitos de contagem do processo.
O critério de decisão da questão em apreço que o legislador forneceu consta do art. 22º, nº 1 do RCT.
Dispõe o referido normativo que “as custas de parte compreendem o que a parte haja despendido com o processo... e de que tenha direito a ser compensada”.
Dois são, então, os requisitos para que determinado dispêndio feito pelas partes tenha a categoria de custas de parte:
- que tenha sido feito com o processo e
- que a parte que o fez tenha direito a ser dele compensada.
O legislador não ajudou muito o aplicador ao fornecer-lhe critério de decisão tão impreciso. Deixou-lhe difícil tarefa interpretativa. Na verdade, se quanto ao primeiro requisito se vislumbra que o critério material de decisão se prende com um nexo de causalidade entre a despesa e o processo, já quanto ao segundo requisito se apresenta como tautológico, vício maior da retórica e da lógica e, em certos contextos, até da gramática. Com efeito, dizer que as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos, que um dos encargos são os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte e que as custas de parte são aquilo a que a parte tem direito a ser reembolsada (arts. 1º, nº 1, 21º, nº 1, al. g) e 22º, nº 1 do RCT) é o mesmo que dizer que a parte tem direito a ser reembolsada das despesas a que tem direito a ser reembolsada. Pura tautologia. Além disso, o legislador entendeu não fornecer qualquer enumeração que permitisse o recurso à analogia, fazendo apenas referência expressa às custa adiantadas e aos preparos, deixando assim o interprete aplicador mais desamparado (nº 2 do art. 22º do RCT).
Há então que enfrentar a referida tarefa interpretativa na busca do que o legislador quis dizer, e disse, com a expressão “de que (a parte) tenha direito a ser compensada”.
Em primeiro lugar, há que concluir, usando o argumento interpretativo à contrario senso, que há despesas que a parte faz com o processo das quais não tem direito a ser compensada. Mas esta tentativa de alcançar a norma por via negativa também não dá frutos, pois não se sabe quais as despesas a que a parte não tem direito a ser compensada e, assim, não é possível surpreender o legislador concluindo que as demais despesas seriam custas de parte. Mas fica já uma baliza: não são custas de parte todas e quaisquer despesas feitas com o processo.
Avançando. Se o legislador, em vez de dizer quais os factos constitutivos do direito a receber custas de parte, se limitou a referir que a parte receberá custas de parte se a elas tiver direito, parece que remeteu para os factos constitutivos dos direitos de crédito. E se as custas de parte a que a parte vencedora tem direito se destinam a ser suportadas pela parte vencida, então serão custas de parte aquelas para as quais haja fonte de obrigação para a parte vencida. Isto é, serão custas de parte aquelas que se enquadrem numa das fontes das obrigações da parte vencida.
Não entrando na discussão doutrinária conceitual, dir-se-á que as fontes das obrigações são os contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
Há então que concluir que são custas de parte aquelas que a parte vencedora suportou com o processo e em relação às quais exista fonte das obrigações capaz de gerar na esfera jurídica da parte vencida a obrigação de as reembolsar e, logo, na esfera da parte vencedora, o correspectivo direito de reembolso. Não basta a realização da despesa pela parte vencedora. É necessário que exista um nexo de imputação à parte vencida. No que tange à taxa de justiça e aos encargos pagos pela parte vencedora, até bastaria a afirmação do princípio da justiça gratuita para a parte vencedora para que esta tivesse direito à restituição do que pagou pela actividade do tribunal. Nem seria necessária a previsão legal expressa feita no nº 2 do art. 22º do RCT. Porém, quanto ao restante dispêndio feito pela parte vencedora com o processo, tem que haver um nexo de imputação à parte vencida. De outra forma, estar-se-á perante um caso claro de responsabilidade objectiva sem previsão legal expressa, o que contraria o art. 477º, nº 2 do Código Civil. O princípio da justiça gratuita para o vencedor não pode ser entendido como gestão judicial gratuita dos direitos. Significa apenas que a actividade do tribunal é gratuita para o vencedor. Mas não significa que o vencedor tenha direito a ver ressarcidas todas as suas outras despesas feitas para defesa dos seus direitos. Para que as outras despesas feitas em defesa dos direitos sejam suportadas por pessoa diversa do seu titular é necessário um nexo de imputação.
Afigura-se evidente que as fontes negociais das obrigações (contratos e negócios unilaterais) não tem interferência na qualificação de determinado dispêndio como custas de parte. Resta a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
Um exemplo claro em que o enriquecimento sem causa pode fundar a qualificação de determinada despesa da parte vencedora como sendo custas de parte é o pagamento de preparo para despesas pela parte que não tem o dever de pagar e que o paga em lugar da parte devedora nos termos do nº 4 do art. 35º do RCT. Assim, se a parte autora requer a realização de prova pericial e não paga o preparo para despesas, a perícia não será realizada, podendo a ré pagar o preparo devido pela autora. Neste caso, e tendo em conta o disposto no nº 2 do art. 22º do RCT, se a ré for vencedora, a fonte das obrigações configurada no enriquecimento sem causa determina que seja tal despesa da parte vencedora qualificada como custas de parte. Outro exemplo que ocorre por vezes é a junção de documento em poder da parte contrária: se a parte que pretende usar documento para prova dos “seus” factos solicita que se determine a junção desse documento à parte contrária que o tem em seu poder e se esta, porque dele necessita para outros fins, extrai dele certidão, a despesa respectiva há-de qualificar-se de custas de parte se quem juntou o documento obtiver vencimento. Um outro exemplo pode encontrar-se no art. 524º, nº 3 do Código de Processo Civil. Quando o tribunal recusa a expedição da carta rogatória para inquirição de testemunha tem a parte que a indicou de pagar antecipadamente as despesas para que deponha em audiência. Neste caso não se vê causa para a parte contrária, vencida, deixar de reembolsar as custas de parte, como reembolsaria se a testemunha fosse residente de Macau ou se a carta rogatória fosse expedida.
Mas no caso em apreço, também não estão em causa o enriquecimento sem causa nem a gestão de negócios.
Resta assim a responsabilidade civil. E dentro desta, não está em causa a responsabilidade por acto lícito nem pelo risco, pois que estas só ocorrem nos casos especificados na lei (art. 477º, nº 2 do Código Civil), o que não se verifica no caso em apreço.
Resta então a responsabilidade por acto ilícito. Mas, quanto a esta fonte das obrigações, falta o acto ilícito para que ela se verifique. Na verdade demandar e defender-se da demanda é acto lícito. É um direito recorrer aos tribunais e defender-se quando demandado (art. 36º da Lei Básica e arts. 1º e 3º do Código Civil). Por isso não gera obrigação de indemnizar que é a obrigação gerada pela fonte das obrigações constituída pela responsabilidade civil. Mas se a demanda ou a defesa forem ilícitas, quando a litigância é de má fé, já há lugar a indemnização pelas despesas feitas com o processo pela parte que não litiga de má fé (art. 386º do Código de Processo Civil). Isto é, todas as pessoas têm direito a discutir de boa fé os litígios em juízo, sem que isso as faça incorrer ipso iure, caso não obtenham vencimento da sua tese, no dever de reembolsar as despesas que a parte vencedora teve com o processo. Não havendo outra fonte da obrigação de reembolso, a responsabilidade civil por acto ilícito também não é operativa.
Conclui-se, pois, que a reclamante não tem direito a ser compensada pelas despesas que reclama por nenhuma fonte das obrigações fazer nascer na esfera jurídica da parte contrária a obrigação de as reembolsar.
De iure constituendo, nada se vê que obste a que o critério qualificativo das custas de parte fosse mais amplo, de forma a abranger as despesas em apreço. Mas não de modo tão amplo que a parte pudesse fazer livremente as despesas que bem entendesse que sempre seriam reembolsadas pela parte contrária vencida. Com efeito, por vezes ocorre que as partes apresentam articulados desnecessariamente extensos, repetindo mais que uma vez a mesma coisa, citando diversa doutrina e jurisprudência, nem sempre pertinente, configurando a letra, as páginas e os espaços como entendem, juntando documentos repetidos e em cópia sem qualquer valor probatório. Nestes casos, nem de iure condendo se considera dever a parte que já foi “vítima” do articulado inapropriado e da documentação inadequada da parte prolixa ter ainda o dever de custear a sua impressão e cópia. Neste caso, a despesa de impressão e cópia é o preço da liberdade da parte que pretende escrever e juntar documentação sem esforço de síntese, não se afigurando adequado que seja a outra parte a suportar esse preço. Outros caso há em que são articulados factos e arguidas excepções que não se provam ou improcedem apesar de a parte respectiva ficar, a final, vencedora. Nesse caso, não haverá, mesmo na perspectiva do direito a constituir, fundamento para ampliar a categoria das custas de parte.
Ainda de iure condendo, afigura-se que a questão ganha relevo porquanto o valor da procuradoria é actualmente muito reduzido na maioria dos processos. Porém, não poderá “remediar-se” a situação deixando entrar em custas de parte despesas que deveriam ser compensadas pelo mecanismo da procuradoria.
Por último, deve dizer-se que, mesmo na perspectiva do direito a constituir, o que sejam custas de parte deve resultar com clareza e “simplicidade” da lei, não devendo carecer de decisão judicial prévia e não devendo caber ao Sr. Funcionário contador a decisão, ainda que com sindicância judicial em caso de reclamação. E de iure condito, não resulta da lei com a clareza e a “simplicidade” que o sistema de contagem reclama que as despesas em apreço constituam custas de parte.
Pelo exposto, em síntese por se considerar que só devem ser considerados como custas de parte os dispêndios feitos com o processo pela parte vencedora que possam ser imputados à parte vencida no âmbito de qualquer uma das fontes das obrigações, o que não ocorre em relação aos dispêndios reclamados, julga-se improcedente a reclamação.
Custas do incidente pelo reclamante».
Ora bem. Mesmo engenhosa e laboriosa, a decisão acabada de transcrever, em nossa opinião, não precisaria de ir para além do espectro que emana das normas tanto do RCJ, como do CPC em matéria de responsabilidade pelas custas de parte. Não se trata de atribuir ilicitude ao exercício da acção ou da defesa, que constituem superiores garantias com raiz em direitos fundamentais, mas somente de encarar objectivamente essas condutas como causadoras de despesas, pelas quais o causador deve responder (Liebman).
Como se pode constatar a fls. 337 e 338, para incluir nas custas de parte, trouxe a ré aos autos vários tipos de despesas, totalizando o valor de Mop$ 5.486,00. São elas referentes a:
- 20 públicas-formas…Mop$1.023,00;
- Certidões emitidas pelo TJB…Mop$ 903,00;
- Despesas de certificação de públicas-formas…Mop$ 2000,00;
- Fotocópias de 3 duplicados de contestação, tréplica e requerimento avulso…Mop$ 1560,00.
Ora, olhando para art. 22º do RCT, podemos entrever no seu nº1 o próprio conceito de custas de parte: serão as despesas que a parte haja feito por causa do processo e de que tenha de ser compensado em virtude da condenação em custas pela parte com elas onerada. Mas, porque não vem ao caso o nº2 (custas adiantadas a título de preparos), avancemos para o nº3 do artigo1.
Prescreve ele que “O restante dispêndio só é considerado se o interessado apresentar a respectiva nota discriminativa e justificativa …”. Não sendo norma particularmente cristalina, trata-se aqui somente de apurar o que devem elas incluir ou excluir (1ª segmento da noção), pelo que se mostra escusada qualquer incursão a propósito da regra que a montante define previamente a sua responsabilidade (estamos a pensar na regra do art. 380º do CPC). Ou seja, a partir da norma do Código Processual devemos considerar-nos inteirados já sobre a incidência subjectiva do ónus, sendo escusada qualquer adicional indagação ou estudo, nomeadamente a propósito do cariz responsabilizante subjacente ou imanente. Fora esse caso, aquilo que se pode convocar em sede de exclusão de custos da conta não ultrapassa os limites do art. 378º, do CPC, designadamente o seu nº1.
Mas, olhemos então para o art. 22º citado. Ora, um dos requisitos contidos na norma é a apresentação de nota discriminativa e justificativa. Ou seja, ao legislador de Macau “parece” bastar que o “credor” das custas de parte discrimine os gastos e os justifique para que já seja compensado dos respectivo dispêndio. O direito subjectivo ficaria assim apenas dependente de uma consideração de ordem substantiva (realização da despesa) e de outra de cariz formal (prova justificativa).
Cremos, no entanto, que a norma não pode ser lida com a aparente amplitude com que à primeira vista parece estar a caracterizar o direito subjectivo. Sobre a discriminação, não se nos afigura existir qualquer tipo de dúvidas. Ela depende de uma enunciação isolada por rubrica, a fim de que possa ser feita a devida avaliação da sua subsunção ao conceito de custa de parte. Isso o fez a ré e, por conseguinte, nada a esse respeito merece ser censurado.
Sobre a justificação é que a norma pode suscitar alguma reserva. Realmente, a justificação é precisa na medida em que o tribunal carece de uma ponderação sobre a real necessidade da despesa tendo em vista o desfecho útil do processo. Quer dizer, a mera apresentação da justificação não resolve automaticamente o direito do “credor” das custas; se assim fosse, qualquer despesa seria automaticamente contemplável no âmbito do processo desde que estivesse “justificada”2. Portanto, não é suficiente dizer por que a despesa foi feita. A justificação, para ser contemplada, tem que apresentar um nexo: tem que ser uma justificação motivada e submetida a princípios de causalidade adequada3. E é, precisamente, por isso que se acolhe a norma limitativa do art. 378º,nº1 do CPC acima citado. Aí, com efeito, reside a prova de que nem todo o custo será aceite, mas sim apenas aquele que corresponda ao dever da parte para contribuir para a descoberta da verdade material na relação controvertida e com vista à demonstração do seu direito. Será preciso, portanto, que a despesa tenha sido necessária (não dispensável), ajustada (respeitando princípios de proporcionalidade) e apropriada (objectivada e com exclusão de qualquer visão subjectivista) ao fim em vista.
E porque nos parece que este quadro de sustentação não carece de mais nenhum preciosismo teorético, passemos ao caso.
Neste sentido, as públicas-formas, sendo cópias de teor extraídas pelo notário de documentos estranhos ao seu arquivo (art. 179º, nº1, do Código de Notariado) e mostrando-se úteis à prova das propostas de seguro assinadas pela autora da acção, podemos aceitar facilmente que são documentos úteis ao desfecho da acção. O tribunal iria analisá-los e formar a respeito deles a sua convicção no quadro do litígio instalado. Portanto, representando eles um custo notarial discriminado e justificado no sentido acima descrito, teriam que ser incluídos na conta. Procedeu bem o contador ao aceitar o custo de Mop$ 1023,00.
E se isto se diz das pública-formas, igualmente se diz das três certidões emitidas pelo TJB a propósito da pendência de processo-crime contra o agente de seguros XXX e de uma da AMM. São documentos que vêm ao encontro do que a ré afirmava acerca da sua posição nesta acção de angariação de um cliente pelo seu agente referido. Portanto, também eles podiam ser considerados, tanto no suporte ao aspecto substantivo da posição jurídica da ré, como no formal. Tanto assim, que foram considerados, no valor de Mop$ 903,00.
Portanto, quanto a este segmento da conta, no valor de Mop$ 1926,00 nada há a censurar.
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Mas a ré apresentou ainda um custo alegadamente de certificação das 20 públicas-formas.
Não resulta do requerimento apresentado para as custas de parte (fls. 337 a 339) que tipo de “certificação” foi essa, de cujo dispêndio pretende a ré ser ressarcida. Falta assim, desde logo, a justificação substantiva a que acima fizemos referência.
Por outro lado, as públicas-formas, sendo cópias de teor extraídas pelo notário a partir de documentos que não constam dos seus arquivos (cit. art. 179º, nº1, do C.N.), têm um valor intrínseco autónomo que resulta da sua própria natureza, sem necessidade de qualquer tipo de certificação.
De resto, no que respeita à organização das contas e lançamento, o Código do Notariado preceitua que, se disserem respeito a actos lavrados nos livros e em instrumentos avulsos que devam ficar arquivados, bem como outras que não devam ser entregues aos interessados, são elaboradas em impresso próprio (art. 213º, nº3). Quanto às dos actos lavrados em instrumentos notariais avulsos e em outros documentos que sejam entregues às partes serão lançadas nesses instrumentos ou nos documentos em causa (art. 213º, nº4). Quer isto dizer que as públicas-formas, inscrevendo-se no âmbito do nº4 do citado art. 213º, têm o custo lançado na conta que delas expressamente consta.
Em suma, além de não ser um documento arquivado notarialmente para ser posteriormente certificado (cfr. art. 171º, nº1, do CN), não se encontra justificada esta adicional despesa.
Por conseguinte, porque o custo de Mop$ 1.926,00, englobando já o dispêndio das públicas-formas, sob pena de duplicação tributária, não pode ser considerado na conta. O que equivale a dizer que a conta igualmente não merece reparo nesta parte.
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Falta tratar das fotocópias referentes à contestação (207 folhas), tréplica (5 folhas) e requerimento avulso de 28/07/2010 (48 folhas).
São fotocópias que derivam do dever de apresentação dos duplicados a que se refere o art. 102º do CPC. A sua justificação está automaticamente obtida com assento normativo e em razão numérica do número de pessoas a que eles sejam oponíveis (art. 102º, nº1, do CPC). E assim sendo, no caso de haver um só réu, o autor apenas terá que enviar uma cópia para essa parte e outra para arquivo, tendo em vista os termos do nº5, do art. 102º citado. Acontece que, se cada parte deve reproduzir para si mesmo o processo que corre no tribunal, faz sentido que a terceira cópia que fica nas mãos do próprio apresentante (que é extraída para seu governo e acompanhamento processual) deva ser considerado, não um custo supérfluo, mas um custo necessário por causa da simples existência do processo. Pensamos, aliás, que a este propósito nenhumas dúvidas se costumam colocar nos tribunais.
Agora, pense-se nisto: Se se entender que o custo das fotocópias deve ser suportado pela parte vencida (neste caso pela parte desistente)4, a única falha no raciocínio do despacho recorrido e na conta subjacente é aquela que deriva de uma tremenda injustiça entre comprovação e não comprovação do pagamento custo. Expliquemo-nos.
O art. 22º fala em custo discriminado e justificado. Não fala em custo comprovado, mas a comprovação está implícita na justificação. Uma despesa discriminada será considerada se estiver processualmente justificada, isto é, se estiver explicada a sua realização por causa do processo. Nesse caso, ou se realizou ou não! Se a parte comprovar a sua realização, então tudo se conjuga para que seja considerada a título de custas de parte.
Mas é caso para perguntar: Que valor a considerar? Qualquer custo? Ou haverá lugar a uma margem de oscilação entre mínimos e máximos de valor?
A lei nada diz e compreende-se que assim seja. Repare-se: se estamos a tratar daquilo “…que a parte há despendido…” parece que não há margem para considerações de tipo oscilatório. O que se deve relevar é unicamente o valor que realmente a parte gastou com o processo. A despesa a levar em conta nas custas de parte é o custo real, o custo efectivamente suportado pela parte. Logo, não pode fazer-se apelo a critérios de justiça ou de razoabilidade, porque estes pressupõem uma margem de discricionariedade decisória na determinação jurisdicional do pagamento, o que aqui não sucede.
A questão agudiza-se, no entanto, se for de entender que, sendo um custo discriminado, justificado e de realização comprovada, haveria lugar a compensação sempre e em todos os casos.
Ora, imaginemos esta situação: O Ex.mo advogado, porque a sua fotocopiadora avariou, determinou que o seu funcionário administrativo fosse “lá fora” fazer as cópias em triplicado. O empregado traria o recibo comprovativo da importância paga, que o Ex.mo advogado faria juntar na altura própria ao processo a título de custas de parte reembolsáveis. E o tribunal acolheria a pretensão, não porque as consideraria custos necessários, adequados, ajustados e razoáveis, mas porque as entendia despesas realmente efectuadas. E raciocínio mais perfeito e justo não pode haver: A parte que pagou as cópias num centro privado fotocopiador, qualquer que fosse o valor, seria reembolsado do respectivo custo, mediante a apresentação do respectivo recibo. Coerentemente, o tribunal atribuiria a correspondente compensação sem qualquer juízo crítico a respeito do montante em causa.
Mas se a máquina do causídico estivesse em perfeitas condições de funcionamento, isso em vez de sorte, seria fonte de azar tributária, porque esse mandatário forense não podia comprovar no tribunal o custo das cópias que extraiu no interior das suas próprias instalações, com o seu papel, com a sua tinta, com os inerentes custos operacionais da sua fotocopiadora (que incluem o custo financeiro do desgaste pelo uso), etc.
Se fosse de seguir um entendimento restritivo, negando as custas de parte neste caso de fotocópias com um custo não comprovadamente pago, então ao advogado não restaria outra hipótese senão mandar fazer futuramente todas as cópias no exterior em alguma empresa da especialidade. E isto parece ser absurdo por partir de um silogismo preguiçoso: o de que, por não haver pagamento do preço/custo se suporia que o preço/custo não existiria. O não reembolso desse custo seria fundamentado na inexistência do custo.
Ora, uma tal perspectiva, que faz a distinção entre estas situações, não é justa, nem racional, se a diferença de tratamento apenas radica no pormenor da determinação/comprovação do custo.
Portanto, o farol que nos ilumina deve ser sempre o do custo efectivo. A questão é como saber qual o custo real, se a fotocópia é extraída a partir do escritório do mandatário, em que naturalmente não há uma tabela de “preços” do serviço de fotocópia.
É aí que reside a grande dificuldade, uma vez que a lei de custas nada estabelece a esse nível. Não há uma tabela para determinar o custo processual de cada fotocópia que a parte por sua iniciativa apresente, ao contrário do que estabeleceu em relação ao custo de cada certidão, traslado e cópias que a secretaria do tribunal emite a pedido da parte (art. 105º do RCT).
A solução poderá ser a de que, se não há regra estabelecida no positivismo normativo, temos que recorrer aos princípios de equidade? Seria um caminho, sim. Todavia, o art. 3º do Código Civil impede-nos de segui-la, uma vez que a lei de custas não prevê que o tribunal se possa socorrer da equidade.
Outro caminho, seria a fixação de um preço por fotocópia segundo um critério de razoabilidade, justiça e proporcionalidade. Todavia, essa via também esbarra contra a natureza da despesa, que não permite ao julgador um tal exercício de “discricionariedade” na determinação do valor “real” do custo.
E nem vale a pena pensar nalguma actividade pericial para o apuramento do custo, porque isso tornaria intolerável e penoso o trabalho posterior à condenação em custas com vista à determinação concreta do valor a reembolsar.
Como proceder, então?
Não temos norma para o efeito! Isto é, o RCT não apresenta norma para a determinação do valor a considerar para efeito de custas de parte respeitantes a fotocópias que a parte não tenha comprovadamente pago a terceiros pelo respectivo serviço. Mas essa omissão não pode impedir a atribuição de custas de parte, se o direito subjectivo a elas estiver, como está, estabelecido na lei.
Temos é que pensar na forma de suprir a lacuna. Não pela analogia (art. 9º, nº1 e 2, do Cod. Civil), porque a norma com a hipótese mais próxima da deste caso será a do art. 105º do RCT, sem que proceda, contudo, a razão subjacente a ela, porque completamente desligada da lacuna que sentimos a propósito do tema que nos ocupa. Seria, aliás, injusto que as partes vencidas pudessem pagar quase 7 patacas por cada folha à parte vencedora, se a despesa por cada uma não terá custado verdadeiramente mais do que umas poucas dezenas de cêntimos ou de avos.
Por isso, não havendo caso análogo, somos a entender que será de observar a regra que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art. 9º, nº2, do Cod. Civil).
Estamos convencidos de que a solução passa por permitir ao juiz a aplicação dos critérios de equidade ou de razoabilidade. Num caso ou noutro, um dos caminhos para densificar os critérios será, por exemplo, o da aplicação do preço mais baixo do mercado (que de resto já supõe alguma margem de lucro do respectivo operador).
Ora, se conforme é dito na informação de fls. 361, alguns operadores especializados, que disso fazem a sua actividade exclusiva, efectuam presentemente reproduções através de fotocópias a 20 avos por cada página (lauda), então parece-nos que, em vez de as mandarem os senhores advogados tirar a essas lojas da especialidade, bem as podem extrair directamente das fotocopiadoras do seu escritório, podendo mais tarde o seu cliente vitorioso no processo a vir a obter o respectivo reembolso por aquele valor.
Em suma, e dispensadas mais considerações, determina-se que esse seja o custo a considerar, por nos parecer adequado e justo, no quadro dos princípios acima traçados.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento parcial ao recurso, revogando na mesma medida a decisão recorrida e determinando que a conta seja reformulada de acordo com as regras acima inscritas.
Custas pela recorrente em função do decaimento.
TSI, 06 / 09 / 2012
José Cândido de Pinho
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Neste sentido, não acompanhamos o sentido da justificação de Salvador da Costa, in Código das Custas Judiciais, 7ª ed., pag. 240, quando diz que elas são as despesas que as partes são forçadas a fazer com vista a implementarem a marcha do processo. Com efeito, a marcha processual nem sempre depende de certas atitudes processuais que as partes podem ou não desencadear. Não é por serem juntos aos autos certos documentos, por exemplo, que o processo marcha ou estanca. O sentido das custas de parte é, assim, mais ligado à natureza substantiva dos direitos e interesses das partes cuja defesa lhes cumpre assegurar.
2 Admitir-se-ia, nesse pressuposto, o custo do almoço com o cliente na marisqueira mais cara da cidade para delinear a estratégia processual a seguir ou para discutir com ele a matéria de excepção a invocar.
3 Em sentido semelhante, no direito comparado, Ac. da R.P., de 28/10/2004, Proc. nº 0435299.
4 O mesmo é dizer que não deve ser encargo exclusivo da parte vencedora que as apresenta, e que portanto, devem ser reembolsáveis: apud, cit. Ac. RL de 20/6/2000, em www.dgsi.pt; Ac. RP, de 28/10/2004, Proc. nº 0435299.
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