Processo nº 856/2011-III
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I. Relatório
1. Em 27.04.2012, proferiu este T.S.I. acórdão onde se decidiu “conceder provimento ao recurso interposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida na parte em que se decidiu suspender a execução da pena decretada ao arguido”; (cfr., fls. 199 a 206 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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2. Notificado do assim decidido, veio o arguido, A, apresentar pedido de aclaração do mencionado acórdão.
Alegou, em síntese, que:
“(...)não entende se o entendimento do Douto Tribunal de Primeira Instância e a sua livre convicção, que determinaram que se afirma-se “Porém, ao abrigo do disposto no art. 48° do CPM, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, este Juízo entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decide suspender a execução da pena acima referida por 2 anos, com regime de prova previsto pelo art. 51° do CPM e acompanhado peo Instituto de Acção Social.”, foram ou não sujeitos a sindicância e juízo”; e que,
“(…) questiona-se, pois, em relação a que circunstâncias, em concreto, se refere esse Venerando Tribunal e se valorou de forma diferente do Tribunal ad quem, quais as circunstâncias é que considerou mais gravosas do que aquele Tribunal, bem como qual o exacto critério que determinou a prognose desfavorável à sua personalidade, não logrando obter resposta no Vosso Douto Acórdão, não lhe restando outro meio de esclarecimento que não a aclaração da Decisão”; (cfr., fls. 213 a 215).
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3. Em apreciação do assim peticionado, proferiu este T.S.I. o acórdão de 31.05.2012, onde se consignou o seguinte:
“2. Vem o arguido pedir a aclaração do acórdão por este T.S.I. proferido em 27.04.2012, com o qual se decidiu conceder provimento ao recurso do Exmo. Magistrado do Ministério Público, nos termos que atrás se deixou consignado.
Como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar:
“A aclaração de uma de uma decisão apenas se justifica quando a mesma seja ininteligível – o que se verifica quando aquela apresente aspectos de significação inextrincável, em termos de não ser possível apurar o que se quis dizer – ou se mostra passível de se lhe atribuir dois (ou mais) sentidos.
O pedido de aclaração destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.05.2011, Proc. n.° 1022/2010-II).
–– No caso dos presentes autos, pelo T.J.B. foi dada como provada a seguinte factualidade:
“Em 21 de Abril de 2011, pelas 18h15, o arguido A, vestindo uma camisa verde e carregando uma mochila preta, entrou no Café B situado no XX. Pelas 19 horas, o arguido entrou na casa de banho para mulheres do Café e fixou com chiclete uma câmara pinhole (apreendida aos autos, vide as fotos nas fls. 5 dos autos) ao balde de lixo ao lado do vaso sanitário (vide as fotos nas fls. 6 e 7 dos autos), e depois de ajustar o ângulo e abrir a função de filmagem, puxou a descarga e saiu da casa de banho.
A lesada C entrou na casa de banho após a saída do arguido, e inconscientemente, foi filmada pela supracitada câmara pinhole, incluindo a sua aparência e a parte íntima (vide o auto de assistência nas fls. 42 e as fotos nas fls. 43 e 44 dos autos). As respectivas imagens são armazenadas no cartão de memória da referida câmara pinhole (ora apreendido aos autos).
Mais tarde, quando D usou a casa de banho, descobriu a câmara pinhole e notificou a gerente do Café e a lesada. Por a lesada suspeitar o arguido de instalação da câmara pinhole, a gerente do Café telefonou para a polícia.
Em 23 de Abril do mesmo ano, pelas 14h30, os guardas encontraram a camisa verde e a mochila preta usadas pelo arguido no dia do facto (ora apreendidas aos autos, vide as fotos nas fls. 40 dos autos) na Agência de automóveis E do amigo do arguido, situada na Avenida XX, n.º XX, rés-do-chão.
O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao instalar equipamentos de filmagem secreta na casa de banho para mulheres no Café e filmou a lesada contra a vontade desta.
O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
Provaram-se também as condições pessoais e a situação económica do arguido:
O arguido tem como habilitações literárias o bacharelado, aufere mensalmente cerca de MOP$25.000,00 e tem a seu cargo os pais, a esposa e dois filhos”; (cfr., fls. 164 a 165).
–– Seguidamente, consignou o mesmo T.J.B. que:
“Juízo dos factos:
Na audiência, o arguido negou a prática dos factos lhe imputados. O arguido admitiu que tinha entrado na respectiva casa de banho para mulheres porque tinha pressa de urinar e estava fechada a casa de banho para homens. O arguido ainda alegou que saiu da casa de banho para mulheres depois de ter urinado, não fez nada ao balde de lixo nem instalou qualquer câmara, e que não houve qualquer pessoa à espera fora da casa de banho quando saiu. Além disso, o arguido alegou que vestiu camisa verde e carregou uma mochila preta naquele dia.
A lesada C prestou declarações na audiência, alegando que na altura, ao entrar na casa de banho para mulheres, viu um homem que vestiu uma camisa verde e carregou uma mochila preta fora da casa de banho, este tocou a chave da porta da casa de banho para homens (não sabe se empurrou a porta) e depois dirigiu-se a abrir a porta da casa de banho para mulheres e entrou nesta, pelo que a lesada teve de esperar fora. Uns minutos depois, o referido homem saiu da casa de banho para mulheres, a lesada entrou na casa de banho e não atendeu se estava instalada câmara na casa de banho. Além disso, a lesada alegou que queria efectivar a responsabilidade penal do agente e não solicitou indemnização cível.
A testemunha D prestou declarações na audiência, alegando que no dia do facto, viu que o arguido sentava-se num lugar perto da casa de banho por cerca de 1 hora e tinha um olhar suspeitoso, e depois entrou na casa de banho, pelo que a testemunha entendeu mais suspeitoso o arguido. Mais tarde, depois de o arguido sair da casa de banho para mulheres, a testemunha entrou na casa de banho e observou com cuidado o ambiente na casa de banho, encontrando uma câmara aderida ao balde de lixo com chiclete, pelo que removeu a câmara e entregou-a aos empregados do Café.
Dois guardas do CPSP compareceram à audiência e prestaram depoimentos, contando o decurso da investigação.
Duas testemunhas compareceram à audiência e prestaram depoimentos, contando a personalidade e o comportamento em tempos normais do arguido.
Examinaram-se na audiência as provas documentais e os objectos apreendidos, e viu-se o filme apreendido.
No início do filme, vê-se uma mão a mover antes da lente e a lente também moveu-se e fez som parecido com o de saco plástico, a seguir, um homem vestido de camisa verde puxou a descarga e saiu da casa de banho. Mais tarde, foi filmada a primeira pessoa que entrou na casa de banho para mulheres após a saída do arguido, ou seja a lesada.
Analisando os dados acima referidos e de acordo com o filme, este Juízo entende que o homem no filme estava a abrir a função de filmagem quando vemos uma mão a mover antes da lente, e estava a fixar a câmara ao saco plástico do balde de lixo quando ouvimos o som, e depois o homem no filme puxou a descarga e saiu da casa de banho.
Além disso, o homem no filme vestiu uma camisa verde, e de acordo com a lesada e a testemunha D, bem como a roupa e a mochila apreendidas, pode-se provar que o arguido é o homem no filme.
Tendo em consideração os factos de que o arguido entrou na casa de banho para mulheres em vez de para homens, e colocou a roupa e a mochila na loja do amigo e não em sua casa, conjunto com os depoimentos prestados pela lesada e pelas testemunhas, bem como as provas documentais apreciadas na audiência, este Juízo formou a sua convicção. Apesar de o arguido negar a prática dos factos acusados, este Juízo entende que os supracitados factos são suficientes para provar que o arguido entrou na casa de banho para mulheres, instalou e activou equipamento de filmagem, saiu da casa de banho e deixou o referido equipamento filmar o uso da casa de outrem”; (cfr., fls. 166 a 168).
–– E, atento o assim considerado, dando como verificado o crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2, al. a) do C.P.M., acabou por condenar o arguido na pena de 8 meses de prisão, suspendendo a execução de tal pena por 2 anos.
–– Na motivação de recurso então apresentada, alegou o Exmo. Magistrado do Ministério Público o que segue:
1. O Ministério Público acusou o condenado de ter praticado em autoria material e na forma consumada 1 crime de gravações e fotografias ilícitas p. p. pelo art.º 191.º, n.º 2, al. a) do CPM.
2. O tribunal a quo condenou o arguido pela prática dum crime de gravações e fotografias ilícitas na pena de prisão de 8 meses, com suspensão da execução por 2 anos, e com regime de prova previsto pelo art.º 51.º do CPM e acompanhado pelo Instituto de Acção Social.
3. Na determinação da medida da pena, o tribunal a quo não violou a lei, nomeadamente os artigos 40.º, 64.º e 65.º do CPM.
4. Porém, o tribunal a quo não condenou o condenado na pena de prisão efectiva de 8 meses, e o recorrente entende que esta decisão violou o art.º 48.º do CPM.
5. O tribunal a quo atendeu à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, e entendeu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decidiu suspender a execução da pena acima referida com regime de prova por 2 anos.
6. O Ministério Público não está de acordo.
7. In casu, apesar de ser delinquente primário, o condenado negou desde o início a prática dos factos acusados e não manifestou arrependimento. O condenado é guarda do CPSP, e como agente de autoridade, deve exercer a atribuição de defender a lei e prevenir crimes. O condenado tem conhecimento jurídico profissional, mas ainda cometeu crime e ignorou a lei. De acordo com as circunstâncias concretas no presente processo, o condenado escolheu o Café B situado no XX onde se encontra grande número de pessoas para praticar o crime, entrou na casa de banho para mulheres perante o público, pelo que é muito intenso o seu dolo. O condenado tinha plano para praticar o crime e transferiu as provas depois do crime, perturbando dolosamente o processo judicial. As condutas criminosas do condenado não só causaram prejuízo à fé pública na polícia, mas também trouxeram influência negativa à sociedade. A suspensão da execução da pena de prisão não é aceitável para o público e traz influência negativa. Atendendo à personalidade do condenado, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, é difícil crer que o condenado deixará de cometer novos crimes. Por isso, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
8. Por isso, a sentença feita pelo tribunal a quo padece do vício de violação da lei previsto pelo art.º 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, conjugado com o art.º 48.º do CPM, e deve-se anular a referida sentença e condenar o condenado na pena de prisão efectiva de 8 meses”; (cfr., fls. 130 a 133-v e 174 a 182).
–– E, neste T.S.I, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Encontra-se em causa no presente recurso o inconformismo da Exma Colega junto do tribunal “a quo” relativamente à suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
Cremos que lhe assistirá razão.
Na verdade, atentos os circunstancialismos específicos que rodearam o ilícito e características deste, a revelar alto grau doloso por parte do recorrido, a forma de actuação do mesmo, antes e após a prática do facto, a sua condição como agente da PSP e o facto de sempre ter negado a prática dos factos imputados, afastando, assim, a contrição pelos mesmos, estamos em crer que, com tais parâmetros, se não justificará a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, que, no caso, não poderão deixar de contemplar os efeitos altamente negativos na fé pública a depositar nos agentes policiais e os perniciosos reflexos na sensibilidade social com tal tipo de casos.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 191).
Disto isto, e certo sendo que na decisão ora em crise, para além de se expor os pressupostos legais da suspensão da execução da pena, (transcrevendo-se o estatuído no art. 48° do C.P.M. e citando-se o consignado sobre tal questão no Ac. de 29.03.2012, Proc. n.° 192/2012), se subscreveu, expressamente, o entendimento assumido no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, haverá algo a aclarar?
Sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido distinto, cremos que nada há a aclarar.
Com efeito, e em nossa opinião, a decisão em questão mostra-se lógica na sua fundamentação e clara no seu sentido.
É certo – e isto é óbvio – que mais se poderia dizer.
Todavia não se pode olvidar que na análise de uma decisão se deve atentar ao seu todo.
E, nesta conformidade, cremos que no acórdão deste T.S.I. explícitos ficaram os motivos (de facto e de direito) da decisão de revogação da decretada suspensão da execução da pena imposta ao arguido.
Com efeito, o tipo de crime, (“gravações e fotografias ilícitas”), as circunstâncias e modo do seu cometimento, (nomeadamente, através de uma pequena máquina de filmar, discretamente instalada na casa de banho de um estabelecimento público, e montada de forma a captar imagens de partes íntimas dos ofendidos que a utilizassem, o que veio efectivamente a suceder), o facto de ser o arguido um agente da P.S.P., e de ter, como dever profissional, zelar pela segurança e paz social, o seu dolo directo e intenso, a sua postura processual, negando os factos e revelando, assim, falta de arrependimento, e as necessidades de prevenção especial e geral, levaram pois este Tribunal a divergir do entendimento assumido pelo T.J.B., e a concluir, (como oportunamente se consignou), que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”; (cfr., fls. 223 a 230).
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4. Notificado do assim decidido, veio o arguido apresentar novo pedido de aclaração, alegando, essencialmente, que:
“continua sem compreender qual o critério seguido e, objectivamente, quais os factos que mereceram uma apreciação valorativa diferente daquela já atendida pelo Tribunal de Primeira Instância”;
“não basta abstractamente invocar “as necessidades de prevenção especial e geral”, há que concretizar e especificar de que modo e em que medida tais necessidades de prevenção se encontram derradeiramente ameaçadas”;
“não basta afirmar a “falta de arrependimento” do arguido, sem que se logre explicar em quais comportamentos se funda tal conclusão, sendo certo que a “negação dos factos” e a “não confissão dos mesmos” por parte de um qualquer arguido não revela de per se que, após a sua condenação em juízo, não exista, de facto, um integral arrependimento revelado, aliás, como anteriormente referido, no facto de nunca ter a Douta Sentença da Primeira Instância sido recorrida pelo Arguido”; e que,
“a Decisão que decidiu não aclarar a Douto Acórdão proferido, não esclareceu se, efectivamente, o Tribunal ad quem valorou, como novo facto a qualidade de agente do Corpo de Polícia de Segurança Pública do Arguido, sendo essencial esse esclarecimento, não só no que concerne ao aresto que revogou a suspensão da pena, como também à Douta decisão de não aclaração”; (cfr., fls. 234 a 236).
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5. Sobre tal pretensão, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“A pretendida e nova acareação por parte do recorrente, no presente contexto, roça a má-fé.
A propósito do agora argumentado apenas nos resta, nos próprios termos do recorrente, confirmar que a negação dos factos e não confissão dos mesmos indiciam, em princípio, a falta de contrição do mesmo, sendo que as necessidades de prevenção geral e especial justificam a não suspensão de execução da pena aplicada.
Nada há pois a aclarar, pelo que, no mínimo, deverá ser indeferida a pretensão”; (cfr., fls. 237).
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6. E, apreciando o mencionado (2°) pedido de aclaração, em acórdão prolatado em 28.06.2012, consignou-se o seguinte:
“Como resulta do que se deixou relatado, pretende o arguido uma nova aclaração, alegando, no fundo, que continua sem compreender as razões que levaram este T.S.I. a alterar a decisão proferida pelo T.J.B..
Como bem salienta o Ilustre Procurador Adjunto, a pretendida nova acareação “roça a má-fé”, devendo pois ser indeferida.
Com efeito, e antes de mais, mostra-se de consignar que partilhamos do entendimento segundo o qual: “não é admissível pedido de aclaração de um acórdão aclaratório”; (cfr., v.g., Ac. da Rel. de Coimbra de 31.01.1989, B.M.J. 383°-614, e R. Bastos in “Notas…”, Vol III, pág. 249).
E, ainda que assim não seja de entender, afigura-se de referir que nada há a aclarar, já que, em nossa opinião, a(s) decisão(ões) em questão apresenta(m)-se, lógica(s) na sua fundamentação e clara(s) no seu sentido, bastando uma leitura ao seu teor para se alcançar os motivos da revogação da decisão proferida pelo T.J.B., (na parte que decretou a suspensão da execução da pena fixada ao ora requerente).
Nesta conformidade, e sendo de se manter o entendimento no sentido de que “o pedido de aclaração destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado”, o que nos parece ser o caso, impõe-se o indeferimento do pedido apresentado.
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7. Notificado do assim decidido, veio o arguido apresentar o expediente que segue:
“A, arguido nos autos à margem referenciados, notificado do douto Acórdão de V. Exas. de fls., com referência ao Acórdão aclarando, insusceptível que é de recurso ordinário, vem nos termos e ao abrigo do disposto no n.° 3 do art.° 571.° e n.° 3 do art.° 573.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.° 4.° do Código de Processo Penal, arguir a nulidade deste, nos termos e com os fundamentos que seguem:
O Douto Acórdão a quo decidiu conceder provimento ao recurso interposto pelo Dgnmo. Magistrado do Ministério Público, revogando a decisão do Tribunal Judicial de Base na parte em que decidiu suspender a execução da pena decretada ao arguido, ora arguente.
O mencionado acórdão motivou, por parte do ora arguente, dois pedidos de esclarecimento, os quais radicaram mediatamente no facto de que o Tribunal de Primeira Instância exarou: «ao abrigo do disposto no art.° 48.° do CPM, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, este Juízo entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decide suspender a execução da pena acima referida por 2 anos, com regime de prova previsto pelo art. 51° do CPM e acompanhado pelo Instituto de Acção Social».
Por sua vez, foi fundamento imediato dos mencionados pedidos de esclarecimento, a parte revelada do percurso intelectivo-cognoscitivo prosseguido por esse Douto Tribunal a ponto de invalidar o entendimento supra transcrito do Tribunal recorrido e, consequentemente, revogar aquela decisão no que à suspensão de pena concerne.
Pese embora julgar não ter sido, ainda, satisfeito o objectivo que o ora arguente perseguiu com os mencionados pedidos de esclarecimento, pois considera subsistirem as dúvidas já antes amplamente expostas, - mas porque não pode continuar a insistir nos mesmos, sob pena de vir a ser censurado por má fé, uma vez que já foi mencionado que o seu último pedido de aclaração «roça a má fé», afirmação com a qual, com o devido e elevado respeito, não se concede, - outra solução não lhe resta que não seja a presente arguição.
Vejamos,
O Ministério Público, enquanto interveniente processual, promotor da acção penal que culminou com a condenação do ora arguente, teve oportunidade, que usou, de pugnar pela condenação e realização da justiça penal.
Esta fez-se, resultando a condenação do arguido, com a determinação da suspensão da respectiva pena de prisão nos termos supra transcritos.
Para o efeito, o julgador perante o qual se actuou, nos termos legais, o princípio da imediação, ajuizou, ponderando e levando em consideração, especificadamente, os seguintes factores:
- a personalidade do agente,
- as condições da sua vida,
- a sua conduta anterior e posterior ao crime, e
- as circunstâncias deste.
Foi, portanto, criterioso o douto Tribunal de Primeira Instância, cumprindo os ditames do art.° 48.° do Código Penal.
Ora, não se entende de que modo pode retirar-se valor ao julgamento daquele Juízo, afigurando-se que, salvo o devido respeito, o Douto Acórdão não revela elementos bastantes para contrariar aquela decisão.
Este Venerando Tribunal não teve contacto com o arguido, não imediou nem presenciou o julgamento e a produção probatória.
Todavia, aceitou as razões expostas pelo Dgnmo. Magistrado do Ministério Público que, recorrendo, pugnou pela não suspensão da pena de prisão. Este fê-lo invocando, igualmente, a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, para, então, concluir que «é difícil crer que o condenado deixará de cometer novos crimes»
Ou seja, o Dgnmo. Magistrado do Ministério público manifestou, com o seu, aliás douto, recurso, simplesmente a sua discordância com o juízo formulado pelo Douto Tribunal recorrido, com base exactamente na mesma realidade fáctica e nos mesmos factores que este ponderou para formar a sua livre convicção, julgar e decidir.
Por sua vez, acompanhando a posição do Dgnmo. Recorrente, o Ilustre Procurador Adjunto formulou o seu parecer onde manifesta o entendimento de que o facto de sempre ter negado a prática dos factos imputados afasta, assim, a contrição pelos mesmos, concluindo a simples ce1lS1lra do facto e a ameaça de prisão não realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Ora, não se pode aceitar tal entendimento, porquanto a negação dos factos por parte do arguido não pode ser, sem mais, entendida como falta de arrependimento!
A "negação dos factos" não constitui, nem pode constituir, um índice objectivo e automático de "não arrependimento".
Este facto e argumento, como todos os demais expostos pelo Ministério Público foram objecto de atenção por parte do Tribunal recorrido que, ainda assim, considerou suficiente e adequada a ameaça de prisão, suspendendo, por isso, a sua execução.
Tudo se resume, portanto, em diferentes pontos de vista sobre a mesma realidade fáctica, por diferentes opções dogmáticas, de princípio e de política criminal.
Mas, relativamente a estas, importa ter presente outros aspectos relevantes, nomeadamente os conhecidos efeitos perniciosos das condenações em pena de prisão efectiva, em especial as de curta duração.
Tal acarreta por certo males muito maiores do que qualquer "bem" - que a ninguém convence, a começar pelos mais doutos penalistas ... - que pudesse advir da prisão efectiva do arguente, com os sérios riscos de autêntico "contágio" criminógeno.
''E esse pensamento estava claramente presente no espírito do legislador português de 1893, que confessa seguir o modelo da lei Berellger e da lei belga, ponderando na respectiva proposta de lei às cortes: (Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e "um meio tão nocivo fisicamente como moralmente».(Citado por Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, reimpressão, Almedina, 2000, pág. 396)
''A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena. Efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais vim, da condenação." (Op. cit., pág. 397),
"É que a mera espada de Dâmocles da execução, ou da determinação da pena que ao crime cabe, será para muitos delinquentes motivo inibitório suficiente para se afastarem da prática de futuros crimes, (...)" (Ibid., pág. 404). "Não poderá, pois, dizer-se sem mais que tais penas não institucionais põem em causa a repressão e a prevenção geral da criminalidade. (Ibid., pág. 426).
Afigura-se, portanto, bastante a ameaça que sobre o arguente pesa de, a qualquer momento, caso volte a infringir as regras de conduta impostas por lei, e ou o regime de prova a que foi sujeito, vir a ter de cumprir a pena de prisão.
Ao ter decidido diferentemente, com base em ilações e presunções extraídas do mesmo suporte fáctico que permitiu ao Tribunal de Primeira Instância concluir pela suficiência da ameaça de prisão, o Douto Acórdão incorreu nas nulidades previstas nas als. b) e c) do n.° do art.° 571.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.° 4.° do Código de Processo Penal.
(…)”; (cfr., fls. 243 a 256).
8. Sobre tal pretensão, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto Parecer pugnando pelo indeferimento do requerido; (cfr., fls. 260).
9. Conclusos os autos ao relator, e admitindo-se eventual decisão no sentido de se considerar haver má-fé processual do requerente, foi o mesmo notificado através do seu Exmo. Mandatário para dizer o que por bem entendesse, mantendo-se, porém, silente.
*
Passa-se a decidir.
II. Fundamentação
Após dois pedidos de aclaração julgados improcedentes por Acórdãos de 31.05.2012 e 28.06.2012, vem agora o arguido dizer que “ao ter decidido diferentemente, com base em ilações e presunções extraídas do mesmo suporte fáctico que permitiu ao Tribunal de Primeira Instância concluir pela suficiência da ameaça de prisão, o Douto Acórdão incorreu nas nulidades previstas nas als. b) e c) do n.° do art.° 571.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.° 4.° do Código de Processo Penal”.
Cremos que de uma mera leitura ao até aqui relatado se constata que nenhuma razão tem o arguido ora requerente, pouco havendo a acrescentar.
Na verdade, se “não é admissível pedido de aclaração de acórdão aclaratório”, também não nos parece que possa haver “arguição de nulidade” após dois pedidos de aclaração.
Dito isto, resta ver se há “má fé processual”.
Cremos que de sentido afirmativo deve ser a resposta.
De facto, preceitua o art. 385° do C.P.C.M. aqui aplicável que:
“1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.
No caso, afigura-se-nos que se fez-se um uso manifestamente reprovável do processo, com o objectivo de protelar o trânsito em julgado da decisão por este T.S.I. proferida em 27.04.2012.
E cremos que, no mínimo evidente é a “negligência grave”.
Assim, e por litigância de má-fé, condena-se o arguido na multa de 10 UCs; (cfr., art. 101° do R.C.T.).
Atento o estatuído no art. 388° do mesmo C.P.C.M., e considerando-se que o Exmo. Mandatário do arguido requerente, signatário do expediente de fls. 243 a 256, tem responsabilidade pessoal nos actos pelos quais se revelou a má-fé, imperativo é também decidir-se em conformidade.
III. Decisão
Nos termos que se deixam expostos, acordam indeferir o pedido deduzido, condenando-se o arguido requerente como litigante de má-fé no pagamento da multa de 10 UCs.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Após trânsito, e para os efeitos tidos por convenientes, extraia-se certidão do expediente de fls. 243 a 256 e do presente acórdão, e remeta-se à Associação de Advogados de Macau.
Macau, aos 13 de Setembro de 2012
_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, e ainda que me parece evidente a improcedência do peticionado, afigura-se-me mais adequado apreciar-se dos fundamentos pelo requerente alegados para justificar a arguida nulidade. Com efeito, nada de anormal, (ou sequer estranho), existe no facto de o Tribunal de recurso dar outra relevância à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido, extraindo também ilações da mesma matéria de facto; (cfr., neste sentido, o Ac. do T.U.I. de 15.12.2006, Proc. n.° 40/2006, e mais recentemente de 16.05.2012, Proc. n.° 20/2012).
No caso, e tal como já se teve oportunidade de afirmar, foi o que sucedeu, inexistindo, outrossim, e de forma evidente, qualquer nulidade por “falta de fundamentação” ou por “oposição entre a fundamentação e a decisão”; (cfr., art. 571°, n.° 1, al. b) e c) do C.P.C.M., pelo requerente invocado).
Aliás, mal se percebe que o recorrente invoque, em simultâneo, a “falta de fundamentação” e a “oposição da fundamentação com a decisão”, já que, se aquela – a fundamentação – inexiste, não se vislumbra a possibilidade de estar em oposição com seja o que for].
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 856/2011-III Pág. 30
Proc. 856/2011-III Pág. 1