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Proc. nº 551/2012
(Recurso Civil e Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20 de Setembro de 2012
Descritores:
-Art. 558º do CPC
-Princípio da livre apreciação da prova
-Livre convicção do julgador

SUMÁRIO:

I- O princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc.

II- A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita.







Proc. nº 551/2012
(Recurso Civil e laboral)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
“A e B, marido e mulher, com os demais sinais dos autos, moveram no TJB acção de condenação com processo ordinário contra C.
Da sentença que julgou a acção procedente e condenou o réu no pagamento da importância da quantia de AUD$ 50.000,00, convertível em patacas, acrescida de juros de mora, veio o réu da acção interpor o presente recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O Réu apenas aceitou a proposta negocial de constituir a sociedade “HH” com os Autores depois de estes lhe garantirem que iriam respeitar o limite de investimento que o Réu podia fazer na sociedade, isto é, AUD$11.250,00, correspondente a 25% do valor de AUD$45.000,00 que os Autores garantiram ser o único investimento necessário fazer para a sociedade “HH” adquirir o contrato de franquia da “XXX Juice Bars” e ficar operacional.
2. Assim, a sociedade “HH” celebrou o contrato de facilidade bancárias com o banco BNU para o pagamento da mencionada quantia e todos os sócios assumiram com a sociedade a responsabilidade solidária pelo pagamento.
3. Tempos mais tarde, os Autores voltaram a solicitar ao Réu um novo investimento na “HH”, quebrando o que tinham prometido e acordado. De acordo com os Autores, para a sociedade operar teria de adquirir 24% do capital social da sociedade “XXX Investments (Macau) Limited”, a qual era detentora do contrato de subfranquia da marca “XXX Juice”. Para tal teriam de pagar mais AUD$55.000,00, no imediato e, ainda, mais tarde AUD$200.000,00, ao Sr. XXX.
4. Perante tal cenário, o Réu alertou novamente os Autores que não dispunha de mais fundos para investir, nem tinha rendimentos que lhe permitissem assegurar qualquer outro empréstimo para além do já anteriormente celebrado e o novo a celebrar na quantia de AUD$55.000,00.
5. Os Autores não colocaram qualquer objecção ao limite de investimento do Réu, tendo acordado que investiriam eles mais do que a sua proporção no capital social, e que aquando da distribuição de lucros ou da “venda” da sociedade, receberiam na proporção do investimento por si realizado.
6. O consentimento do Réu na aquisição de 24% do capital social da sociedade “XXX” era estatutariamente exigível para a concretização da referida aquisição.
7. Perante tal acordo de cavalheiros, celebrado por Autores e Réu (eram todos amigos de longa data, tendo relações de confiança prolongadas temporalmente), o Réu assumiu os contratos juntos como documentos nºs 6, 7 e 8, todos da douta P. I..
8. De acordo com a transcrição da audiência fornecida pelo Tribunal, do depoimento de parte do Réu resultaram apenas provados os Quesitos 1.º a 14.º da Base Instrutória, não resultando provado o seu acordo no pagamento solidário da dívida a XXX (Quesito 15.º).
9. Ao contrário, o Réu afirmou: (...) “O acordo foi assinado entre a HH e a XXX. Eu apenas assinei o contrato porque era sócio da HH” (...) “Inicialmente quando eu acordei na participação, seria um investimento pequeno, no sentido de abrir uma loja no Venetian, mas eles queriam adquirir uma maior parte para abrir mais uma loja” (...) “Combinei com os autores que apenas iria pagar 45 mil dólares australianos. Esse seria o limite máximo que eu iria pagar.” (...) “Eu participei em dois empréstimos junto do banco em nome da HH. Não dei o meu acordo a mais empréstimos da HH. Eu sugeri que, se quisessem alagar os negócios, deveriam investi-lo com os lucros do negócio. Discutimos muitas vezes sobre isso. Mas eles insistiam em adquirir uma parte maior junto do oennts.” (...) “Eu disse-lhes claramente que o máximo que eu queria pagar era 45 mil dólares, mas eles continuaram a querer mais, por isso eles decidiram pagar os remanescentes (200 mil dólares) ” (...) “Disseram para não me preocupar, que 3 ou 4 anos depois, havendo lucros, quem investiu mais recebia mais.” (...) “Após a venda do negócio iria receber menos, porque tinha investido menos” (...) “O email refere-se ao pagamento do empréstimo bancário, que comecei a pagar um pouco depois dos Autores e eles pediram para liquidar esse tal montante e eu já liquidei.” (...) “Se eu tivesse acordado em pagar tal montante teria ido pedir um empréstimo ao BNU, tal como fiz com os restantes pagamentos”.
10.Os depoimentos prestados pelas Testemunhas foram em sentido diverso daquele para que aponta a matéria dada por provada no douto Acórdão ora recorrido.
11. Com efeito, a única Testemunha dos Autores (que, sublinhe-se, é filho do 1.º Autor e enteado da 2.a Autora, vd. folhas 255 v. dos autos), inquirida sobre a matéria dos quesitos 16º a 33º, disse genericamente que “o acordo foi de pagar de acordo com a proporção de cada sócio”, tendo ainda dito, relativamente ao terceiro montante de AUD$200.000,00 que “Os Autores não recorreram a um terceiro empréstimo para pagar o terceiro montante porque já tinham vendido a casa, tinham numerário. E por isso não necessitavam de empréstimo bancário.” Contudo, quando perguntado sobre um acordo entre os Autores e o Réu quanto ao pagamento desse terceiro montante pelos Autores disse “Nunca ouvi falar sobre isso”.
12.O sentido das declarações da Primeira Testemunha do Réu, foi, no essencial, o seguinte: O plano inicial era que o Réu pagaria apenas a sua parte nos 50 mil dólares australianos mas depois a 2.ª Autora “queria alargar o negócio e daí é que precisavam de investir mais dinheiro”; Do seu conhecimento o Réu não queria investir mais e também não tinha esse dinheiro; O Réu comunicou aos Autores, na sua presença, que não estava interessado no alargamento do negócio, porque entendeu que era um negócio apenas de “milkshake”, daí não faria sentido investir tanto dinheiro; Os Autores compreenderam que o Réu não queria investir mais no negócio e portanto quiseram arranjar dinheiro de outra forma; Perante isto, o acordo foi de que mais tarde cada um receberia de acordo com o que investisse.
13.Contra-interrogada pelo Advogado dos Autores “Onde foi essa conversa onde ficou celebrado esse tal acordo em que só investiria x e não a totalidade (da sua quota parte)?”, a Primeira Testemunha afirmou “Eles falaram sobre isso na XXX e eu com o A (Primeiro Autor) chegamos a falar sobre isso no escritório dele.”. Novamente perguntada “Mas esse tal acordo foi onde?” a testemunha declarou “Foi há 3 anos no XXX” e que “O Réu disse que não iria investir mais e o autor não ficou contente, mas eles concordaram com isso”.
14. Por sua vez, o sentido das declarações da Segunda Testemunha do Réu, foi, no essencial, o seguinte: Que do seu conhecimento, o Réu não assumiria qualquer dívida que não pudesse ou não pretendesse pagar; “Sei que ele investiu nesse negócio e que não tinha capacidade de investir mais.” E prosseguiu: “Daquilo que eu conheço do Réu acho que ele diria isso aos Autores: que não tinha dinheiro suficiente para fazer esse investimento.” Quando perguntado se “Alguma vez o Réu falou em vender uma casa em Inglaterra para com o dinheiro dessa venda fazer um investimento adicional neste negocio?” a testemunha respondeu “Não.” e prosseguiu dizendo “Eu só sei que ele não concordou em investir mais nesse negocio. Ele já tinha investido tudo aquilo que ele podia, tudo o que ele tinha.”
15. Nestes termos, não foi prestada nenhuma declaração em audiência que permitisse dar por provados os Quesitos 15.º, 16.º e 21.º. A resposta a este Quesitos deverá ser reformulado para “Não Provado”. Com efeito:
16. No contrato assinado em 3 de Abril de 2008, junto como Documento no 7 da Petição Inicial, o Réu surge apenas como garante solidário no caso de não pagamento das prestações pela “HH” ao Sr. XXX, justificado pelo simples facto de ser sócio desta.
17.Garantia solidária essa que não seria em caso algum activada, por terem sido efectivamente pagos todos os montantes ao Sr. XXX, em cumprimento do mencionado acordo escrito.
18.Ficou provado em audiência, nomeadamente pelo depoimento da Primeira Testemunha do Réu, que o acordo entre o Réu e os Autores era no sentido de que o terceiro pagamento no valor de AUD$200.000,00 seria pago apenas pelos Autores com fundos próprios destes (uma vez ser deles o interesse de expandir o negócio naquela altura a dois estabelecimentos de bebidas em vez de um só como inicialmente acordado), pelo que a garantia (essa sim, solidária) não teria que ser activada (até porque os Autores dispunham de numerário suficiente em virtude da venda de um dos seus imóveis na Austrália, conforme depoimento da Primeira Testemunha do Autor), enquanto que os primeiros dois pagamentos seriam efectuados por crédito bancário obtido pela sociedade “HH” (factos assentes nas alíneas H), I), J) e T)).
19. Não obstante o testemunho do filho e enteado dos Autores, em que é dito de forma vaga que o acordo era de cada um pagar de acordo com a sua proporção no capital, o seu vínculo familiar não pode deixar de ser tido em conta na apreciação do valor do seu depoimento, que é, aliás, inexacto e contraditório. A testemunha justifica o não recurso ao crédito para pagamento desse terceiro montante no valor de AUD$200.000,00 com o facto de que os seus pais não precisavam de recorrer a crédito, por terem numerário disponível, o que é demonstrativo de que era claro que a obrigação desse pagamento lhes pertencia em exclusivo.
20.Factual e legalmente, a existência do contrato escrito assinado pelo Réu, em que este presta uma mera função de garantia solidária do pagamento não é incompatível com o facto de a assinatura do mesmo ter sido feita com base em erro, provocado dolosa mente pelos Autores, que convenceram o Réu de que não lhe seria exigido qualquer pagamento respeitante a esse terceiro pagamento no valor de AUD$200.000,00, com o intuito de obter a necessária aprovação do accionista da adquirente, a “HH”.
21. O Réu não entende qual o critério que levou o Tribunal a quo dar como provado o alegado acordo verbal constante do Quesito 16.º, e não ter dado por provado o acordo verbal, presenciado pela Primeira Testemunha do Réu e provado em audiência de julgamento, constante dos Quesitos 24.º, 27.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33.º e, parcialmente, dos Quesitos 28.º e 30.º.
22. Com o devido respeito, o Tribunal entra em contradição lógica com o facto de ter aceite o alegado acordo verbal constante do Quesito 16.º, mas afirmar no acórdão que “nenhuma prova segura nos permite concluir pela existência de um acordo verbal entre AA. e R., sendo certo que essa tese é contrariada pelo teor do contrato escrito, assinado pelo R., constante dos autos.” (vide, a propósito, folhas 258 v. dos autos.)
23.Ambas as testemunhas do Réu confirmaram que este não queria alargar o negócio, e que se bastava com a exploração de um só estabelecimento de bebidas, tendo por isso recusado contribuir para a terceira prestação no valor de AUD$200.000,00: “Eu só sei que ele não concordou em investir mais nesse negócio. Ele já tinha investido tudo aquilo que ele podia, tudo o que ele tinha.”
24. No entender do Recorrente, estamos perante uma situação de erro na apreciação da matéria de facto e não apenas discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.
25. As respostas dadas aos referidos Quesitos, como consta da decisão proferida sobre a matéria de facto, violaram o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 558.º do C.P.C., já que não tomaram em conta o concreto sentido das declarações proferidas em juízo quer pelas testemunhas, quer pelo Réu.
26. Nesse sentido, reavaliada a prova, devem as respectivas respostas serem reformuladas, nos termos do Artigo 629º do C.P.C., no sentido dos Quesitos 15.º, 16.º e 21.º serem dados como “Não Provados” e os Quesitos 24.º, 27.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33,º e, ainda, parte dos Quesitos 28.º e 30.º serem dados como “Provados” nos termos que ora se citam:
Desde que foi abordado pelos Autores para constituição da “HH (Macau) Limitada”, o Réu declarou-lhes ter como limite de investimento, a sua quota-parte de AUD$45.000,00 (Quesito 24.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelos depoimentos da 1ª e 2a testemunhas do Réu.)
Só depois de assinado o contrato de empréstimo aludido em H), é que os Autores comunicaram ao Réu que, para poderem operar a franquia acima mencionada seria necessário adquirir uma quota representativa de 24% do capital social da sociedade “XXX”. (Quesito 27.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelos depoimentos da Primeira e Segunda Testemunhas do Réu, que confirmaram o ulterior desejo e insistência da 2.a Autora em alargar o negócio.)
O Réu alertou novamente os Autores de que não dispunha de fundos suficientes para entrar em tal negócio. (parte do Quesito 28.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelos depoimentos da Primeira e Segunda Testemunhas do Réu, tendo ainda a Primeira testemunha afirmado tal ter sucedido na sua presença, em local e data que soube determinar.)
Ao que os Autores responderam que entrariam com os fundos necessários, desde que o Réu aceitasse, como sócio da “HH”, aprovar o negócio e assinar os referidos contratos (Quesito 29.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelo depoimento da Primeira Testemunha do Réu, tendo ainda a mesma Testemunha afirmado tal ter sucedido na sua presença, em local e data que soube determinar.)
Tendo ainda os Autores assegurado ao Réu que a disparidade entre o investimento inicial dos Autores e do Réu seria reflectida na distribuição dos lucros a ter lugar no final dos exercícios seguintes ou aquando da venda da sociedade. (parte do Quesito 30.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelo depoimento da Primeira Testemunha do Réu, tendo ainda a mesma afirmado tal ter sucedido na sua presença, em local e data que soube determinar.)
Os Autores convenceram o Réu de que este apenas pagaria 25% (proporcional à sua quota na sociedade “HH”) dos dois empréstimos bancários pedidos (Quesito 31.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelo depoimento da Primeira Testemunha do Réu, tendo ainda a mesma afirmado tal ter sucedido na sua presença, em local e data que soube determinar.)
Foi com base nas premissas adjudicadas nos quesitos 25.º a 35.º que o Réu aceitou aprovar o negócio de aquisição da quota da “XXX Macau Limitada”, constituir outro contrato de concessão de facilidades bancárias e assumir a sua parte no pagamento do empréstimo. (Quesito 32.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelo depoimento da Primeira Testemunha do Réu.)
Os Autores asseguraram ao Réu que pagariam do seu bolso os restantes AUD$200.000,00. (Quesito 33.º, confirmado pelo Depoimento de Parte, e provado pelo depoimento da la testemunha do Réu, tendo ainda a Primeira Testemunha afirmado tal ter sucedido na sua presença, em local e data que soube determinar.)
27. Além da reformulação das respostas a estes quesitos, no sentido de os dar por provados, os depoimentos dastestemunhas acima transcritos, permitem ainda ao Tribunal ad quem aditar o seguinte facto essencial à matéria assente: “O Réu comunicou aos Autores que não estava interessado no alargamento do negócio, muito menos, estava interessado em adquirir a dita quota da sociedade “XXX”, condição que os Autores disseram ser imperativa para expandir o negócio da “HH”.
28. Reformuladas que sejam essas respostas deverá o Acórdão determinar a absolvição do Réu.
29. Ademais, pelos depoimentos das duas testemunhas resulta claro que a) O Réu não queria nem podia investir mais no negócio; e que b) Os Autores insistiram ainda assim nesse alargamento, convencendo o Réu a aprovar o contrato de aquisição com a promessa de que a partir daquela data este não teria que despender mais dinheiro algum além dos empréstimos bancários assumidos com o BNU.
30. Ou seja, o remanescente de AUD$200.000,00, embora assumido pelo Réu como garantia solidária no Contrato era uma prestação no exclusivo interesse dos Autores, pois o interesse em adquirir maior quota de negócio era exclusivo destes e contra a vontade do Réu, como, aliás, ficou provado em audiência, pelo que não existe direito de regresso, nos termos do artigo 517.º no 2 do Código Civil, quanto ao pagamento de tal quantia na proporção da sua quota como demandam os Autores.
31. Não fossem as boas relações entre as partes à data, de confiança e amizade, como também se refere no artigo 23.º da douta Réplica dos Autores, e promessa de que a partir daquela data o Réu não teria que despender mais dinheiro, jamais o Réu teria assinado o constante do documento n.º 7 junto com a douta P.I.
32. Nunca o Réu, em momento algum, e tendo em conta as conversas tidas (inclusive na presença de terceiros, nomeadamente da Primeira Testemunha do Réu), e a pacífica concordância dos Autores com o limite máximo de investimento do Réu, “imaginou” que alguma vez viesse a ser demandado para o pagamento de 25% do montante remanescente de AUD$200.000,00, entretanto pagos pelos Autores, em oposição com o que havia sido acordado entre Autores e Réu.
33.Pelo que, nos termos do no 1 do artigo 246.º do Código Civil, os Autores agiram com dolo ao prometerem ao Réu que este, pese embora fosse assinar um documento no qual se iria obrigar como garante solidário de AUD$200.000,00, não iria ter de pagar qualquer quantia relacionada com tal pagamento, pois seriam os Autores a suportar a totalidade dos AUD$200.000,00, sendo que um dia mais tarde, aquando da distribuição de lucros da “HH” ou, aquando da venda a mesma, seriam devidamente compensados.
34.Os Autores e o Réu são oriundos de países anglo saxónicos, onde os acordos de cavalheiros (“gentlemen´s agreement”) têm o mesmo valor que qualquer outro contrato escrito pelo que o acordo verbal nesse sentido foi feito com o espírito de seriedade, de boa fé e de como iriam honrar o compromisso assumido. Note-se, ainda, que a confiança e a boa fé são muito caras ao nosso Direito, de matriz civil.
35.É inquestionável que, não fora erro causado pelos Autores na formação da vontade do Réu em relação à sua participação no negócio da aquisição de 24% do capital social da sociedade “XXX Investments (Macau) Limited”, jamais o Réu teria celebrado o negócio nos termos em que o mesmo sobreveio.
36. Nos termos dos artigos 246.º e 247.º do CC, tal contrato, constante no documento n.º 7 da P. I., deve ser parcialmente anulado nos termos gerais previstos, designadamente, nos artigos 247.º, 278.º, 280.º, 282.º, 283.º do Código Civil, devendo o mesmo ser reduzido nos termos do artigo 285.º do mesmo diploma legal, na parte em que o Réu assumiu a sua parte no pagamento de AUD$100.000,00 (pagos pela “HH” através de dois contratos de facilidades bancárias celebrado com o BNU e supra identificados), considerando inoponível ao Réu o “remanescente de AUD$200.000,00”, ou seja, não incluindo o Réu no acordo de 3 de Abril de 2008, inexistindo a sua obrigação de pagar qualquer valor pecuniário, para além dos já pagos pelo Réu referentes aos dois contratos de facilidades bancárias supra identificados.
37.O status quo e os pressupostos que o levaram a assinar o referido contrato sofreram uma alteração anormal e inesperada, violando de forma grave o princípio da confiança e o princípio da boa fé pelo qual se norteava a relação de amizade dos Autores com o Réu e vice versa.
38. O dever geral de boa fé impõe a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa.
39.Sendo também estas razões de Direito pelas quais a decisão do Tribunal a quo, que julgou procedente a acção, deverá ser revogada, como a final se requer.
Para cumprimento do disposto no número 2 do Artigo 598.º do Código de Processo Civil, indicam-se os Artigos 558.º, 556.º do Código de Processo Civil e Artigos 517.º, 518.º, 245.º, 246,º, 247.0, 278.0, 280.0, 282.0, 283,0, 285.º, 213.º e 214.º do Código Civil, como as normas legais em cuja violação o acórdão recorrido incorre.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que Vós, Venerandos Juízes, muito doutamente suprireis, se requer:
a) A reapreciação dos factos dados por provados e revogação da douta decisão final proferida pelo douto Tribunal Colectivo a quo quanto aos Quesitos 15.º, 16.º e 21.º., cuja resposta deverá ser reformulada para “Não Provado”, bem como quanto aos Quesitos 24.º, 27.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33.º e, parcialmente, os Quesitos 28.º e 30.º da base instrutória, os quais deverão passar a considerar-se provados dando-se, em consequência como assente a matéria de facto neles constante;
b) Seja aditada a seguinte factualidade assente: “O Réu comunicou aos Autores que não estava interessado no alargamento do negócio, muito menos, estava interessado em adquirir a dita quota da sociedade “XXX”, condição que os Autores disseram ser imperativa para expandir o negócio da “HH”; e
c) Seja o douto acórdão recorrido revogado e substituído por outro aresto que, em face dos factos provados, e da aplicação do Direito, julgue o presente recurso totalmente procedente por provado.
Para que, pela douta palavra de V.Exas., se cumpra a habitual Justiça!
*
Alegaram também os recorridos, concluindo a sua peça da seguinte maneira:
I. Atento o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC, impende sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, como sucede no presente caso, para além do ónus de especificação previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo, ainda o ónus de indicar, sob pena de rejeição do recurso, as passagens da gravação em que se funda.
II. O Réu não cumpriu o ónus que sobre si impendia de identificar e localizar temporalmente - por referência aos respectivos minutos e segundos de cada excerto de gravação - as passagens da gravação em que funda a sua impugnação da matéria de facto, o que importa a rejeição parcial do seu recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto.
III. Em face do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC e do incumprimento, por parte do Recorrente, do ónus ali estabelecido, deve decidir-se pela rejeição parcial do recurso, sob pena de se esvaziar totalmente o efeito útil da mesma, contrariando aquela que foi a vontade do legislador, que não consagrou nesta matéria qualquer possibilidade de convite ao Recorrente para aperfeiçoar as suas alegações de recurso.
IV. Confrontando a solução plasmada na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC, com a plasmada no n.º 4 do artigo 598º do mesmo diploma e, ainda, com o n.º 1 do artigo 621º do CPC, resulta que a possibilidade de convite às partes a ser apreciada pelo relator no seu exame preliminar é, tão só, o destinado a “aperfeiçoar as conclusões das alegações apresentadas”.
V. O prazo acrescido de 10 dias para oferecimento das alegações estabelecido no n.º 6 do artigo 613º do CPC, destina-se exactamente a facilitar e garantir o cumprimento do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC, não oferecendo a lei, e bem, qualquer mecanismo suplementar ao recorrente que não cumpra, ou cumpra deficientemente, aquele ónus.
VI. E não se diga, em sentido contrário ao da rejeição, que o Réu cumpriu parcialmente esse ónus mediante a transcrição das passagens dos depoimentos prestados que considerou relevantes, porquanto o que se constata da leitura das alegações, é que o Recorrente se limita, com excepção de uma ou outra citação de conteúdo inócuo, a indicar aquele que foi, no seu entender e nas suas palavras, o sentido dos depoimentos prestados.
VII. “Se o recorrente apenas se refere aos depoimentos das testemunhas citando-os de memória ou adaptando-os, tais depoimentos não podem ser reapreciados em sede de recurso, nem têm a virtualidade de alterar a decisão sobre a matéria de facto” (como resulta da jurisprudência citada em sede de alegações).
VIII. O recurso a que ora se responde deve ser parcialmente rejeitado na parte que respeita à impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC.
IX. Sem prescindir, caso considere que o Recorrente deverá ser convidado a rectificar ou completar as suas alegações de recurso, deverão os ora Recorridos ser notificados da apresentação desse eventual aditamento, a fim de, querendo, se pronunciarem sobre o mesmo.
X. O Recorrente vem impugnar a decisão de facto, imputando-lhe erro na apreciação da prova, por considerar (i) que os quesitos 15º, 16º e 21º foram incorrectamente julgados ao terem sido dados como provados e (ii) que os quesitos 24º, 27º, 29º, 31º, 32º, 33º e parte dos quesitos 28º e 30º foram igualmente incorrectamente julgados ao terem sido dados como não provados.
XI. Para tanto, o Recorrente socorre-se genericamente, daquele que foi, em seu entender, o sentido do depoimento de parte prestado pelo Réu e dos depoimentos prestados pelas três únicas testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, ignorando, deliberadamente, a prova documental produzida nos presentes autos ou distorcendo-a totalmente, pretendendo sobrepor a sua convicção áquela que foi a convicção fundadamente formada pelo mui douto Tribunal a quo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 556º e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 558º, ambos do CPC.
XII. Em face da prova efectivamente produzida no âmbito dos presentes autos, o Tribunal a quo não podia ter decidido em sentido diverso daquele que se encontra plasmado no douto Acórdão recorrido.
XIII. Como tem sido decidido por este Tribunal, “O erro na apreciação da prova implica uma evidente contradição entre o resultado de toda a prova produzida e a convicção do Tribunal, para tal não bastando uma mera alegação assente numa apreciação pessoal pela recorrente feita de parte de alguns depoimentos prestados em julgamento”.
XIV. O Recorrente não faz mais do que sindicar a livre convicção do Tribunal a quo, dado a decisão de facto recorrida não se conformar com aquela que o Recorrente gostaria de ver proceder.
XV. Conforme resulta do douto Acórdão que decidiu da matéria de facto, foram dados como provados os factos transcritos supra no parágrafo 17. do corpo das presentes contra-alegações, o qual ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XVI. Conforme resulta de fls. 258 verso do douto Acórdão que decidiu da matéria de facto,
“A convicção do Tribunal formou-se com base na confissão do R., no depoimento das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento e nos documentos juntos aos autos.
No tocante à questão do pagamento do remanescente do preço, após confrontação do depoimento das testemunhas com os documentos juntos aos autos, o Colectivo ficou convencido que a versão dos AA. era mais credível.
No fundo, nenhuma prova segura nos permite concluir pela existência de um acordo verbal entre AA. e R., sendo certo que essa tese é contrariada pelo teor do contrato escrito, assinado pelo R., constante dos autos.” (sublinhados e destacados nossos)
XVII. Conforme refere a ilustre Mandatária do R. nas suas alegações I finais - cfr. Translator 1, track 20, 09:53 – “ (...) o R. não nega que assinou o acordo no qual está escrito e assumido que a terceira prestação para pagamento desse acordo é no valor de 200 mil [AUD$] e que os sócios da sociedade HH são solidariamente responsáveis pelo pagamento do mesmo (...) ” (entrelinhados nossos).
XVIII. O Réu confessou judicialmente, mediante prestação de depoimento de parte, ter assinado o Contrato de 2008 e a matéria de facto contida no quesito 15º da base instrutória - como, de resto, ficou consignado em acta, sem ter sido objecto de qualquer reclamação por parte da mandatária do R..
XIX. Bem andou o douto Acórdão recorrido, atento disposto no n.º 1 do artigo 351º do CC, ao dar como provada a matéria de facto contida no quesito 15º da base instrutória, decisão que se lhe impôs como sendo a única possível em face da forca probatória plena da confissão judicial escrita.
XX. Uma resposta positiva ao quesito 15º da base instrutória, sempre se imporia como sendo a única possível em face da letra do contrato escrito cuja outorga foi dada como provada na alínea L) dos factos Assentes, celebrado em 3 de Abril de 2008 e junto aos autos como Doc. 7 da p.i..
XXI. Assim, atento o disposto no artigo 370º do CC, o Contrato faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao R. e os factos nelas contidos consideram-se provados na medida em que forem contrários aos seus interesses.
XXII. Ora, conforme resulta expressamente, ipsis verbis, da 1a parte do parágrafo 7º do Contrato - único que identifica as pessoas responsáveis pelo pagamento dos montantes devidos nos termos dos parágrafos 3 e 5 do mesmo, respectivamente, de AUD$ 100.000,00 e de AUD$ 200.000,00, num total de AUD$ 300.000,00 “A HH. AAB. WB e NM [respectivamente, a HH Limited, B, A e C - cfr. identificação das partes no primeiro ponto do Contrato] garantem solidariamente o pagamento pontual de todos os montantes devidos nos termos deste Acordo( ... )”.
XXIII. Detenhamo-nos, ainda, sobre o depoimento prestado pela única testemunha apresentada pelos AA. - cfr. Translator 1, track 16 -, que depôs com isenção e conhecimento directo dos factos, por ter chegado a trabalhar para a HH e aí ter desempenhado funções de gerente (cfr. 02:45):
- cfr. Translator 1, track 16, 03:12 a 04:44 - (pergunta) “Tem ideia de qual o montante total que se acordou pagar relativamente à aquisição de uma quota de uma sociedade chamada XXX Macau?” (resposta) “Sim. Tenho conhecimento. Montante total? AUD$300.000,00.”; (pergunta) “Tem ideia de como é que foi feito esse pagamento pela HH e pelos sócios da HH? (resposta) “Esta-se a referir à primeira ou à segunda vez?” (pergunta) “Ao montante total.” (resposta) “A primeira vez 55.000,00 e depois 45.000,00, foi através de empréstimos bancários, quanto à terceira vez tenho ideia que os meus pais tiveram de vender a casa”;
- cfr. Translator 1, track 16, 10:17 a 15:11 - (pergunta) “Sabe se houve qualquer entendimento entre o Sr. A, o C e a Sra. B, em como o Sr. C ficava fora do pagamento dos 200 mil?” (resposta) “Nunca ouvi falar sobre isso.” (pergunta) “O Sr. chegou a assistir a alguma conversa, enquanto manager, relativamente às negociações, ou não?” (resposta) “Que eu me recorde, nas refeições que tomei em casa dos meus pais, ou em bares, o C referiu que ía vender a sua casa no U.K. para pagar a sua parte nos 25%.” (pergunta) “Portanto, à semelhança do que fez o seu pai e a Sra. B?” (resposta) “Sim, sim.” (pergunta) “Relativamente ao pagamento dos 200 mil... portanto, se ouviu esta história da venda da casa, sabe se houve entendimento de que os seus pais avançariam com esse dinheiro, à espera que depois o Sr. C pagasse a sua parte?” (resposta) “Sim, ouvi falar sobre isso, porque uma vez que os meus pais já tinham vendido a casa, tinham numerário, eles íam pagar esse montante primeiro e, o que ouvi dizer, uma vez que o C não podia vender de imediato ii casa, tinha que aguardar que a filha completasse 18 anos, por isso estavam a aguardar receber o dinheiro.”
XXIV. Ora, se conjugarmos a (i) letra do Contrato supra referido, com (ii) os factos confessados pelo R., (iii) o depoimento prestado pela única testemunha dos AA., transcrito no parágrafo anterior, (iv) os emails enviados pelos AA. ao R., após o pagamento, pelos mesmos, dos AUD$200.000,00 estabelecidos no parágrafo 5 do Contrato - juntos aos presentes autos como Docs. 1 e 2 da réplica -, solicitando V a atenção do R. para a dívida que o mesmo tinha para com os M., no valor de HKD$ 391,000.00, sendo que, dessa dívida, a quantia de HKD$375.000.00 correspondia aos 25% da taxa do Master Franchising (equivalente aos A~D$ 50,000.00 à taxa de câmbio da data) a cargo do R., facilmente se conclui que bem andou o douto Tribunal a quo ao dar como provada a matéria de facto constante dos quesitos 16º e 21º da base instrutória, porquanto foi produzida prova sobejante nesse sentido.
XXV. Vem, ainda, o Recorrente impugnar a decisão de facto plasmada no mui douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, imputando-lhe erro na apreciação da prova, por considerar que os quesitos 24º, 27º, 290, 31º, 32º, 33º e parte dos quesitos 28º e 30º foram incorrectamente julgados ao terem sido dados como não provados.
XXVI. Relativamente a este ponto concreto da impugnação da decisão de facto efectuada pelo Recorrente, diga-se, apenas, que a mesma não padece de qualquer erro na apreciação da prova, simplesmente porque o Réu não produziu qualquer prova, seja documental, seja testemunhal, no sentido de poder dar-se como provada a matéria constante dos referidos quesitos.
XXVII. Ora, a verdade é que não foi produzida qualquer prova documental que suporte a versão dos factos apresentada pelo R. e os vagos depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas também não corroboram a matéria vertida nos referidos quesitos, como, de resto, resulta das próprias alegações de recurso.
XXVIII. Mesmo tendo em conta a alínea b) do n.º 2 do título II das alegações do Recorrente, na qual o R. alegadamente descreve o sentido das declarações da sua primeira testemunha - única que aflora que o R teria afirmado não estar interessado no alargamento do negócio e não estar disposto a investir mais dinheiro -, o que se verifica é que a referida testemunha revela um total desconhecimento até da própria versão dos factos apresentada pelo R, porquanto declara que o mesmo “pagaria apenas a sua parte nos 50 mil dólares australianos”, que, curiosamente, é a quantia que se peticiona nos autos.
XXIX. A matéria que o Recorrente pretende que seja dada como provada, respeita a factos que consubstanciam alegadas convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento particular/Contrato, cuja assinatura foi reconhecida pelo R nos termos do artigo 368º do CC, pelo que sempre seria inadmissível a prova dos mesmos por testemunhas, atento o artigo 388º do mesmo código.
XXX. O pedido formulado a final das alegações do Recorrente, sob a alínea b), no sentido de ser aditada, não foi incluída no douto saneador, a sua não inclusão no saneador não foi objecto de reclamação e, consequentemente, não se trata de matéria que tenha sido objecto de discussão e prova no decurso da audiência de discussão e julgamento, o que, por si só, revela que tal pedido é manifestamente improcedente.
XXXI. O recurso quanto à decisão de facto é manifestamente improcedente, porquanto, em face da prova efectivamente produzida no âmbito dos presentes autos, o Tribunal a quo não podia ter decidido em sentido diverso daquele que se encontra plasmado no douto Acórdão recorrido, devendo, assim, ser-lhe negado provimento e, consequentemente, confirmar-se integralmente o douto Acórdão recorrido.
XXXII. Os Recorridos acompanham o enquadramento jurídico constante de fls. 11 a 16 do douto Acórdão recorrido, que aplica de forma fundamentada, expressa, clara e sem mácula, as disposições legais relevantes in casu à matéria de facto assente, resolvendo de forma absolutamente objectiva a questão, afinal tão simples, que está na base dos presentes autos.
XXXIII. O que está em causa nos autos é saber se o R. era também responsável, na proporção da sua participação na sociedade HH, pelo pagamento da totalidade do preço de uma quota que os AA e o R. se obrigaram a adquirir, e adquiriram, como resulta dos factos provados, através daquela sociedade HH, numa sociedade de Macau, a XXX Macau, pelo preço total de AUD$300,000.00, tendo como objectivo último, partilhado por AA. e R.,obter e explorar em Macau uma subfranquia da marca “X Juice Bars”.
XXXIV. Os AA. alegaram e provaram, que os AA. e os RR. sempre J assumiram a responsabilidade pelo pagamento dos investimentos necessários ao negócio, na proporção da sua participação na HH. É o que já resultava dos factos assentes no que se refere aos dois mútuos que os M e o R. efectuaram, em nome da sociedade, junto do BNU; é o que resulta do contrato de 3 de Abril de 2008, onde expressamente se acordou que o preço da aquisição da quota deveria ser solidariamente pago pela HH, pelos M. e o R. à XXX HongKong.
XXXV. Assim, também se provou que o pagamento do remanescente de AUD$200.000,00 devia ser feito pelos sócios, na medida da sua participação social na HH.
XXXVI.Ainda relativamente ao pagamento da quantia de AUD$200.000,00, também se provou que a mesma quantia seria adiantada pelos AA. de modo a evitar a mora.
XXXVII.O pagamento dessa quantia veio a ser, efectivamente, efectuado em 6 de Junho de 2008.
XXXVIII. Ao efectuarem o pagamento da quantia na totalidade, os AA passaram a ser credores do R., relativamente à parte que proporcionalmente lhe cabia pagar.
XXXIX. Com efeito, a obrigação de pagamento do preço de aquisição da quota na XXX Macau, no montante total de AUD$300.000,00, é uma obrigação solidária assumida pelos AA., o R e a HH, conforme resulta do Contrato.
XL. Nos termos do artigo 505º do Código Civil (CC), existe solidariedade quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
XLI. Nos termos do artigo 509º do CC, nas relações entre si os devedores podem comparticipar na dívida de modo diferenciado.
XLII. In casu, foi acordado que apenas os três sócios da HH, incluindo o R., assumiriam o pagamento solidário dessa dívida - excluindo portanto a HH desse pagamento.
XLIII. Destarte, não restam quaisquer dúvidas quanto à existência do direito de regresso dos AA. contra o R. na parte que lhe cabia, ou seja, AUD$50.000,00, nos termos do art. 517º do CC.
XLIV. Ficou provado ainda que os AA. interpelaram o R para efectuar o pagamento da dívida em causa dentro do prazo de 15 dias, prazo esse que terminou a 17 de Junho de 2010.
XLV. Não tendo o R efectuado o pagamento dentro do prazo fixado, encontra-se em mora desde o dia 18 de Junho de 2010, nos termos previstos nos artigos 794º e 795º do CC.
XLVI. Concluindo, da prova produzida e dos factos com base nela dados como assentes, não seria possível extrair decisão de direito diversa daquela a que chegou o douto Acórdão recorrido, que, conforme se expôs, não merece qualquer censura.
XLVII. A construção “jurídica” plasmada título III das alegações de recurso não se sustenta na matéria de facto efectivamente dada como provada nos presentes autos, mas sim numa factualidade totalmente ficcionada pelo Réu que não assenta na prova efectivamente produzida.
XLVIII. Ainda que se admitisse que a factualidade ficcionada pelo R. foi dada como provada nos presentes autos - no que não se concede, sempre seria manifestamente improcedente o argumento de que o pagamento pelos AA. dos AUD$ 200.000,00, foi feito no interesse exclusivo destes últimos - o que, no entender do R., os impediria de exercer o seu direito de regresso sobre o mesmo -, porquanto aquele pagamento foi feito em benefício e no interesse conjunto, da HH, dos AA. e também do R..
XLIX. É evidente que o pagamento/adiantamento integral dos AUD$ 200.000,00, em 7 de Junho de 2008, pelos AA. foi efectuado também no interesse do R.. que assim se viu poupado a uma situação de incumprimento do Contrato, pela qual seria integral e solidariamente responsável perante a XXX Hong Kong. nos mesmos termos que a HH e os AA, atento o disposto no parágrafo 7 do Contrato.
L. Por outro lado, o referido pagamento/adiantamento da última tranche do preço devido pela aquisição da referida subfranquia pela HH, sempre seria também do interesse do R. enquanto sócio daquela, porquanto só com esse pagamento seria possível efectivar tal aquisição e obter e explorar em Macau a subfranquia da marca “XXX Juice Bars” - objectivo último que esteve na base da constituição daquela sociedade.
LI. Se há dolo, engano e má fé de alguma das partes nos presentes autos, é indubitável, quer em face da prova produzida referente ao período que antecede a propositura da presente acção, quer em face da posição assumida pelos seus mandatários no decurso do presente processo, é o R. - por si e através dos seus mandatários.
LII. Da prova produzida nos presentes autos, quer documental, quer testemunhal, não resultam quaisquer indícios que confirmem a história alegada pelo R.. Muito pelo contrário.
LIII. O que efectivamente resulta da prova produzida é que o R. leu, analisou e assinou - como o próprio confessa - o Contrato no qual assume, conjuntamente com a HH e com os AA., a posição de principal pagador e devedor solidário do preço global ali estabelecido para a aquisição da subfranquia, no montante global de AUD$300.000,00, que inclui os AUD$ 200.000,00 adiantados pelos AA., pelo que sempre esteve ciente que o pagamento deste último montante deveria ser assumido por si e pelos AA., à semelhança dos dois empréstimos no montante global de AUD$100.000,00, na medida das respectivas quotas da HH detidas por cada um.
L1V. O que efectivamente resulta da prova produzida é que o R. acordou e permitiu que os AA. adiantassem sozinhos o pagamento dos AUD$ 200.000,00, sob promessa de os reembolsar, nunca tendo revelado, quanto mais não seja em resposta aos emails juntos aos autos como Docs. 1 e 2 da - Réplica nos quais os M. solicitavam expressamente o reembolso dessa dívida, discriminando-a em anexo -, que não o pretendia fazer e tendo mantido os AA. na expectativa desse reembolso até ao dia 18 de Junho de 2010, data em que pela primeira vez assumiu expressamente a recusa desse pagamento através da carta dos seus mandatários referida em AC dos factos assentes.
LV. No decurso dos presentes autos, o R. tem subvertido, de forma consistente e deliberada, a verdade dos factos resultante da prova produzida, pretendendo atribuir-lhe um sentido que a mesma não comporta, como bem o demonstram os exemplos elencados supra no parágrafo 70 das presentes contra-alegações.
LVI. Se há quem deva ser condenado em litigância de má fé nos presentes autos é o Réu, que através da sua mandatária, tem distorcido deliberadamente a verdade dos factos e agido com manifesta má fé, o que ora se requer.
Termos em que, deve ser negado provimento ao Recurso apresentado pelo Réu e, consequentemente, confirmar-se integralmente o douto Acórdão recorrido, nos exactos termos em que foi proferido.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
Os AA. e o R. são sócios da sociedade comercial denominada “HH (Macau) Limitada”, com sede em Macau, na Rua de Camilo Pessanha, nºs 1-5, Edifício Son Chan Hin, 1º andar “A”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 28524, com o capital social de MOP$50.000,00, cujo objecto social consiste no comércio de bebidas e sumos de fruta e de saladas (cfr. certidão do registo comercial junta a fls. 22 a 30 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (A)
O 1 º A. e o R. são detentores, cada um, de uma quota no valor de MOP$12.500,00 e a 2a A. de outra quota no valor de MOP$25.000,00. (B)
Os AA. são casados entre si no regime da separação de bens. (C)
A XXX Macau é uma sociedade comercial com sede na Avenida Almeida Ribeiro, n.º 39, Edifício Central Plaza, 15º andar, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 28063, com um capital social de MOP$25.000,00, e era, em 13 de Junho de 2007, detida em 99% pela XXX Hong Kong e em 1% por Tong Ronald Francis, pessoa da confiança do Sr. XXX. (D)
O 1º A. e o R. aceitaram entrar no negócio de uma futura franquia da marca XXX Juice Bars, em Macau com a 2a A., através da constituição da sociedade aludida em A). (E)
Tendo AA. e R. acordado que, uma vez constituída, a sociedade HH assumiria a posição de subfranquiada em futuras subfranquias da marca XXX Juice Bars. (F)
A sociedade HH efectuou uma transferência bancária, em 27.09.2007, no montante de AUD$45.000,00 de uma sua conta para a conta gerida por terceiros denominada Savils Cairns Trust Acount com o nº 117043240, junto do Bendigo Bank “Trust Account”, tendo como beneficiário o grupo empresarial XXX, administrado pelo Sr. XXX. (G)
A sociedade HH celebrou com o Banco Nacional Ultramarino (BNU), em 31 de Agosto de 2007, um contrato de concessão de facilidades bancárias, no valor de HKD$300.000,00. (trezentos mil dólares de Hong Kong) (H)
Nesse contrato, além do BNU, como mutuante, e da sociedade HH, como mutuária, intervieram também como avalistas e principais pagadores perante o banco os três sócios dessa sociedade, os AA. e o R. (I)
Embora a entidade mutuária desse contrato de empréstimo fosse a sociedade HH, os AA. e o R. acordaram entre si que o reembolso ao banco da quantia mutuada seria efectuado pelos três, na proporção da participação de cada um no capital social da HH, uma vez que esta sociedade não tinha fundos para o fazer. (J)
Em 3 de Abril de 2008, o AA. e o R. celebraram um acordo escrito com XXX, mediante o qual este se comprometia a vender, através da sociedade de Hong Kong por si controlada, a XXX Hong Kong, e aqueles se comprometiam a adquirir, através da HH, uma quota na XXX Macau, com o valor nominal de MOP$6.000,00 (correspondente a 24% das quotas da XXX Macau e a 25% da quota que a sócia XXX Hong Kong detinha no capital social daquela sociedade). (L)
Nos termos do aludido acordo de 3 de Abril de 2008, o preço dos 24% do capital social da XXX Macau era de AUD$300.000,00 onde já estavam contabilizados os AUD$45,000.00, referidos em G). (M)
De acordo com o estipulado em L), um montante de AUD$55.000,00 deveria ser transferido com a assinatura do acordo de 3 de Abril de 2008 para a mesma conta onde já havia sido transferido o montante de AUD$45.000,00. (N)
Após o pagamento de AUD$55.000,00 na Trust Account, a XXX Macau ficaria obrigada a preparar e enviar à HH, um documento formal de autorização da XXX Hong Kong, sua sócia maioritária e até aí detentora de 99% do seu capital social, da transferência dos 24% do capital social a favor da HH. (O)
Caso os sócios da HH concordassem com o conteúdo desse documento formal de autorização de cessão de 24% das quotas na XXX Macau, aquela daria ordem para que o montante de AUD$100.000,00 depositado na Trust Account fosse libertado desta conta a favor da XXX Hong Kong, ou de qualquer outra entidade por si indicada. (P)
Conforme acordado em 3 de Abril de 2008, depois do montante de AUD$100.000,00 ser libertado da Trust Account, a XXX Hong Kong, assinaria o referido documento formal de cessão dos 24% de quotas da XXX Macau a favor da HH, documento esse que ficaria em regime de “escrow” (depositado junto de um terceiro) até o pagamento do restante valor de AUD$200.000,00 (ou o seu equivalente em Hong Kong Dólares ou Patacas). (Q)
O pagamento do remanescente de AUD$200.000,00 deveria ser efectuado até 7 de Junho de 2008. (R)
Durante a fase que antecedeu a assinatura do acordo escrito de 3 de Abril de 2008, os três sócios da HH acordaram que recorreriam a crédito bancário apenas para pagamento dos AUD$55.000.00, uma vez que esse pagamento teria de ser efectuado imediatamente após a assinatura do contrato. (S)
No 28 de Abril de 2008, a sociedade HH celebrou outro contrato de concessão de facilidades bancárias com o BNU (contrato de empréstimo), no valor de HKD$410.000,00 (quatrocentos e dez mil dólares de Hong Kong), correspondentes aos AUD$55.000,00 que deveriam ser pagos imediatamente. (T)
No referido contrato de empréstimo, além do BNU, como primeiro outorgante e entidade mutuante, e da sociedade HH, como segunda outorgante, e mutuária do valor de HKD$410.000,00, foram de novo avalistas desse empréstimo e assumiram a obrigação de principais pagadores os AA. e o R. (U)
Os AA. e o R. comprometeram-se a efectuar o reembolso ao banco da quantia mutuada na proporção equivalente à participação de cada um no capital social da HH. (V)
Em cumprimento do acordo de 3 de Abril de 2008, o Sr. XXX, enviou ao 1º A., cópia em formato “PDF”, da deliberação dos sócios da XXX Hong Kong, aprovando a venda da quota da XXX Macau no valor nominal de MOP$6,000.00 para a HH, pelo preço de AUD$300,000.00. (X)
Essa cessão ficou condicionada ao pagamento do remanescente, no montante de AUD$200.000,00, referido em R). (Z)
Em 02 de Dezembro de 2008, foi celebrado o acordo de divisão e cessão da quota da XXX Macau com o valor nominal de MOP$6.000,00, a favor da HH, em conformidade com o documento junto aos autos a fls. 107 a 108 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (AA)
Os AA. enviaram ao R. , através dos seus mandatários judiciais, uma carta datada de 2 de Junho de 2010, com o teor constante dos autos a fls. 110 a 112 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (AB)
À qual o R. respondeu, através de carta datada de 18.06.2010 com o teor constante dos autos a fls. 154 a 155 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (AC)
Em Junho de 2007, a 2a A. encetou contactos com uma sociedade australiana denominada “XXX Juice Australia”, proprietária da marca “XXX Juice Bars”, com o intui to de adquirir para si, um contrato de franquia dessa marca a fim de poderem vender, em Macau, os produtos a ela associados. (1º)
A 2ª A. foi informada que já havia sido constituído um “Master Franchise” da citada marca “XXX Juice Bars” a favor do Sr. XXX, para as regiões de Hong Kong e Macau. (2º)
Pelo que teria de o contactar directamente no sentido de um eventual acordo de subfranquia para Macau. (3º)
Contactado o Sr. XXX este confirmou que controlava e operava o Master Franchise daquela marca, em Hong Kong, por intermédio da sociedade “XXX Hong Kong”. (4º)
E, em Macau, por via da sociedade “XXX Macau”. (5º)
De acordo com as condições estabelecidas no Master Franchise da marca “XXX Juice Bars”, o Master Franquiado só poderia subfranquiar em Macau depois de ter a operar directamente, pelo menos, cinco estabelecimentos de venda de produtos da marca. (6º)
O que à data não acontecia. (7º)
Em 10 de Julho de 2007 foi celebrado entre o Sr. XXX e a 2ª A. um acordo escrito mediante o qual esta passava a ter prioridade na aquisição de subfranquias da marca “XXX Juice Bars” para Macau. (8º)
Ao abrigo desse acordo, a 2a A. teria de pagar a quantia de AUD$45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares australianos) a título de taxa inicial de franquia (“initial franchise fee”). (9º)
A qual deveria ser depositada na conta “Trust Account” aludida em G). (10º)
AA. e R. acordaram que, uma vez constituída, a HH assumiria a posição contratual da 2a A. no contrato celebrado com XXX e aludido em 8º. (11º)
Conforme acordado, após a sua constituição a HH assumiu a posição contratual da 2a A. no acordo aludido em 8º. (12º)
Razão pela qual foi já a HH quem efectuou o pagamento da taxa inicial de franquia, através da transferência bancária aludida em G). (13º)
O acordo celebrado em 3 de Abril de 2008 e referido em L) foi celebrado para substituir o de 10 de Julho de 2007, aludido em 8º. (14º)
AA. e R. acordaram que o preço dos 24% do capital social da XXX Macau, aludido em L) deveria ser pago solidariamente pela HH, pelos AA. e o R. à XXX Hong Kong ou a quem esta sociedade indicasse. (15º)
AA. e R. acordaram que o pagamento do remanescente de AUD$200.000,00, aludido em R) deveria ser feito pelos sócios da HH, na medida da sua participação social. (16 º)
Em cumprimento do estipulado no acordo aludido L) o 1º A. executou, no dia 28 de Abril, uma transferência bancária do montante de AUD$ 55.000,00 (equivalente nessa data a MOP$414.667,00), utilizando, para o efeito, uma conta pessoal para a Trust Account. (17º)
Provado apenas o que consta da alínea R) dos factos assentes. (18º)
Para o pagamento dos AUD$150.000,00 que lhes cabia, os AA. procederam à venda de um imóvel que possuíam na Austrália. (19º)
Foi combinado entre o R. e os AA. que estes adiantariam o montante total de AUD$200.000,00 de modo a evitar a mora nesse pagamento. (21º)
Em 6 de Junho de 2008, os AA. transferiram AUD$200.000,00 para a conta Omega Group NQ, a qual tinha sido indicada por XXX. (23º)
***
III- O Direito
1 – Do erro na apreciação da prova
O recorrente, nas conclusões 1ª a 29ª, esgrime razões segundo as quais o tribunal “a quo” teria incorrido em erro de julgamento na matéria de facto. A sua tese é a de que não teria sido feita prova de alguma vez ele ter assumido o pagamento “solidário” com os dois outros sócios (os AA da acção) do valor da aquisição de 24% do capital da sociedade “XXX” na proporção das suas quotas no capital da sociedade “HH”.
E para assim concluir, chama a atenção do tribunal para o depoimento de testemunhas, de que faz a respectiva transcrição parcial nas alegações.
Ora bem. A questão é muito simples de equacionar e, concordamos com o recorrente que a solução reside na prova.
Efectivamente, a situação material só se pode ter desenvolvido de acordo com uma destas posições:
- Ou o sócio aqui recorrente aceitou o negócio da compra de parte da sociedade “XXX” tal como vem descrito na petição inicial da acção, e, então, a responsabilidade pessoal na sua concretização decorreria do necessário pagamento da fracção que lhe corresponderia em razão da percentagem que a sua quota representa no capital da sociedade a que os três pertenciam (AA e R).
Nesta hipótese, compreender-se-ia que o recorrente não tivesse cumprido imediatamente a sua parte no negócio, porque os AA tinham vendido um imóvel que possuíam na Austrália, com cujo provento realizaram o pagamento à sociedade vendedora que não estaria disposta a esperar mais tempo. Mas ao mesmo tempo, já a posição dos AA teria lógica, na medida em que, não estando afastada a comparticipação do R. no pagamento da aquisição da quota, deveria ter satisfeito o que lhe cumpria em função da sua participação social
- Ou os factos não aconteceram assim e, pelo contrário, a compra do capital social de “XXX” foi realizada pelos dois sócios autores, não tendo o réu, aqui recorrente, dado nada mais do que o seu assentimento formal, mas sem qualquer compromisso económico para além disso, uma vez que não dispunha sequer de mais nenhum dinheiro para investir no negócio.
Nesta perspectiva, também agora se entenderia a posição do recorrente, que, não tendo que aceitar as decisões pessoais dos sócios, até porque a capacidade económica não seria igual à deles, ao menos não queria inviabilizar o intento de ambos como modo de expandir o negócio ou de o melhor gerir em razão das expectativas criadas pela participação noutra sociedade “XXX Macau”, que em Macau teria o exclusivo do negócio em regime de subfranquia (franchising) da actividade de venda de sumos naturais com a marca XXX Juice Bars. Daí que o assentimento fosse apenas formal, mas sem responsabilizar pelo pagamento de qualquer preço.
Deve dizer-se que uma e outra das teses em confronto são defensáveis e, por isso, não repugnaria acolher qualquer delas. Mas o problema é de prova, como compreende o recorrente. E é nessa dimensão, que escapa do mundo abstracto da mera possibilidade para se encaminhar para o mundo concreto da realidade, que o assunto tem que ser resolvido.
Alberto dos Reis dizia, sim, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (…) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção”1.
É em torno deste conceito que o recorrente de prova livre desenvolve o
núcleo da sua impugnação. Para si, sem provas nesse sentido, não podia o tribunal considerar provado o art. 16º da Base Instrutória e, em vez disso, deveria ter dado como provados os arts. 24º, 27º, 29º, 31º, 32º e 33º e parcialmente os arts. 28º e 30º da Base Instrutória.
Ora bem. Este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.
Só assim se compreende a tarefa do julgador2, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito a fazer quanto a isso.
Ora, os elementos carreados para este processo não permitirão, num juízo feito pelo tribunal “ad quem”, que não assistiu presencialmente à recolha das declarações testemunhais e que só pode sentir a prova fria e objectiva dos documentos e a prova tépida colhida a partir da voz dos depoimentos registados em audiência, verdadeiramente não nos permitem acolher o ponto de vista do recorrente.
Estamos cientes de que o caso pode ter tido os contornos que o recorrente lhe desenha. Compreendemo-lo nesse sentido. Mas se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls. 258), atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.
Ora, mesmo que se ache que o recorrente cumpriu o dever estabelecido naquele art. 599º, nº2 – coisa que não é de todo líquida3 – nem por isso somos capazes de dar razão ao recorrente. E dizemo-lo, não por ser pouco credível ou lógico que o recorrente tivesse dado o seu assentimento - apenas para não inviabilizar o negócio mas que, por seu turno, pudesse vir a beneficiar mais tarde dos resultados desse mesmo negócio em sede de resultados da sociedade de que era sócio - mas porque os dados permitem a conclusão a que o tribunal recorrido chegou.
Permitem-no as declarações, tanto as transcritas pelo recorrente, como as transcritas pelos recorridos nas suas alegações, como o teor da alínea L) da matéria de facto assente. Quer dizer, mesmo sendo certo que o conteúdo de um contrato pode não corresponder sempre à vontade do declarante, a verdade é que, para destruir ou infirmar a força da declaração que dele emana, seria necessário que o réu fosse persuasivo no seu depoimento e que as testemunhas tivessem sido convincentes. E tal não terá acontecido.
Enfim, não estamos em condições de dar razão ao recorrente nesta parte.
E o mesmo se diz no que respeita aos arts. 24º, 27º, 29º, 31º, 32º, 33º e 28º e 30º da BI. Na verdade, se era matéria que ao réu cumpria provar, nenhuma prova ele produziu de modo que induzisse o tribunal a uma diferente resposta. O depoimento das suas duas testemunhas não passou de um testemunho indirecto: quer dizer, elas disseram o que pensavam saber a respeito da sua capacidade económica, a qual não lhe permitiria suportar mais investimento na sociedade. Mas isso não chega para provar que ele não tivesse aceitado as condições do negócio tal como eram propostas pelos dois sócios autores. A questão da obtenção do dinheiro necessário para o efeito é já um problema a jusante, segundo nos parece.
Portanto, o problema aqui é exactamente o mesmo que além: falta de prova clara no sentido da versão do réu e convicção sustentável, pelo menos não de todo inviável, do tribunal acerca do que considerou provado de acordo com a sua convicção.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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2- Da bondade jurídica da decisão recorrida
Na segunda parte das suas alegações (conclusões 30ª a 39ª), o recorrente esforça-se por tentar demonstrar que não lhe cumpriria pagar o que na acção é demandado. A fonte formal da solidariedade peticionada (assente na sua declaração negocial) teria assentado em dolo por parte dos AA, já que estes sempre lhe teriam dito que não teria ele que suportar o custo da aquisição e que seriam eles, os AA, a assumirem o encargo da compra da referida percentagem do capital de “XXX Macau”. E, com esta argumentação, a intenção foi a de manifestar a invocação dos arts. 517º, nº2, 246º, nº1 e 247º do CC, bem assim como a anulação parcial desse contrato, nos termos dos arts. 247º, 278º, 280º, 282º, 283º do Código Civil, e a sua redução, nos termos do art. 285º do mesmo Código. Invocada foi ainda a violação dos princípios da boa fé e confiança.
Pois bem. Uma vez mais, tudo o que o recorrente desenvolve parte sempre do mesmo pano de fundo: o de que a prova lhe teria sido favorável.
Na verdade, para convencer o tribunal da existência do dolo, seria necessário que provasse:
- Que só podia participar com a sua quota-parte de AUD$ 45.000,00. Mas, este facto foi dado como não provado (facto 24, BI);
- Que os AA asseguraram ao Réu que pouco ou nenhum dinheiro teria ele que investir no negócio, a não ser a sua parte. Mas este facto não foi dado como provado (facto 25, BI);
- Que ao Réu apenas seria exigido o futuro pagamento mensal da sua quota no empréstimo aludido em H. Mas este facto foi dado como não provado (facto 26, BI);
- Que os AA lhe teriam dito que responderiam eles com os fundos necessários, desde que o réu aceitasse, como sócio da “HH”, aprovar o negócio e assinar os necessários contratos. Mas este facto foi dado como não provado (facto 29, BI); ou
- Que os AA teriam assegurado que a disparidade entre o investimento inicial dos AA e do Réu seria reflectida na distribuição dos lucros a ter lugar no final dos exercícios seguintes ou aquando da venda da sociedade, que se esperava ocorrer no prazo de 3 a 5 anos. Mas este facto não se provou (facto 30 BI);
- Que os AA convenceram o Réu de que este apenas pagaria 25% (proporcional à sua quota na sociedade “HH”) dos dois empréstimos bancários pedidos. Mas este facto foi dado como não provado (facto 31 da BI);
- Que com base nas premissas dos factos 25 a 31 que o Réu aceitou aprovar o negócio de aquisição da quota da XXX Macau Limitada, constituir outro contrato de concessão de facilidades bancárias e assumir a sua parte no pagamento do empréstimo. Mas este facto também foi dado como não provado (facto 32 da BI); e finalmente,
- Que os AA sempre asseguraram ao Réu que pagariam do seu bolso os restantes AUD$ 200.000,00. Mas este facto também se não provou (facto 33 da BI).
Os factos assim apurados – relacionados ainda com o que se provou nos artigos 15º e 16º da Base Instrutória – não permitem inferir a existência do dolo (art. 246º do CC) por parte dos AA.
E se não há dolo, nem uma comprovada divergência entre vontade e declaração, não é possível a anulação do negócio com esse fundamento (art.247º, 280º, 282º, 283º, do CC), nem sequer a sua redução (art. 285º do CC).
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Pelas mesmas razões ligadas à prova, também se não pode falar aqui do erro (art. 245º, do CC), porque o Réu não conseguiu demonstrar o erro sobre as circunstâncias reais da base do negócio.
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Também vem chamado à colação o art. 517º, nº2, do CC, como modo de defesa de que, sendo aquele negócio apenas no interesse exclusivo dos AA, principalmente da autora, não haveria nesta situação direito de regresso contra o réu. Contudo, uma vez mais, não pode dar-se razão ao recorrente, face ao art. 506º, 2ª parte, do CC, uma vez que o que está provado é que a solidariedade foi acordada entre todos, AA e R. (resposta aos artigos 15º e 16º da BI), sendo assim despiciendos os apelos a razões de confiança e de boa fé feitos pelo recorrente.
Posto isto, a decisão sob escrutínio, porque aplicou bem o direito aos factos, não merece censura.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 20 / 09 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pag. 570-571.
2 Sobre o assunto, na dimensão concreta e dos limites aplicáveis, vide Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, pag. 635. Também, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, pag. 244-246 e IV, pag. 570.
3 Parece, efectivamente, que o recorrente não terá cumprido fielmente o dever que emana do art. 599º, nºs 1 e 2, do CPC. Com efeito, limitou-se a fazer as transcrições julgadas mais convenientes da sua tese probatória, mas não indicou as passagens da gravação em que elas se encontram. E isso, verdadeiramente, não é respeitar o comando legal citado (neste sentido, o Ac. da RL, de 2/11/2000, citado pelos recorridas nas suas alegações de resposta).
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