Processo nº 682/2012 Data: 27.09.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Pena.
Teoria da margem da liberdade.
SUMÁRIO
1. No art. 65° do C.P.M. adoptou o legislador a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 682/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar o (2°) arguido A (XXX), como co-autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009 na pena de 8 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 262 a 273 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, a final, oferecer as conclusões seguintes:
“1. A douta decisão recorrida, tendo ao caso concreto, aplicado ao cumprimento da pena de 8 anos e 9 meses de prisão efectiva, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. art.° 8.°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009.
2. O recorrente entende que o tribunal colectivo a quo não levou em plena consideração a situação actual dele, determinando pena demasiadamente elevada.
3. O recorrente é delinquente primário.
4. A referida decisão no que concerne à determinação da medida da pena da ora recorrente, atento o disposto nos art.°s 40.° e 65.° ambos do Código Penal, demonstrando-se que, na decisão de que se recorre, a determinação da medida da pena e da sua aplicação não são adequadas à ilicitude dos factos e à culpa do arguido.
5. por isso, o recorrente entende que a decisão do tribunal colectivo violou os art.s 40.° e 65.° do Código Penal de Macau, por a pena aplicada se mostrar excessiva.
6. Solicita aos Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância que determinem, de novo, a pena ao recorrente, condenando-o numa pena mais leve”; (cfr., fls. 303 a 307).
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Respondendo, afirma, essencialmente, o Exmo. Magistrado do Ministério Público o que segue:
“Nada de concreto alega o recorrente, para além do facto de ser primário (o que, atendendo à idade do recorrente e principalmente ao facto de não ser natural nem residente em Macau, pouco relevo merece) limitando-se a, subjectivamente, alegar ser a pena aplicada excessivamente severa…
A pena aplicada mostra-se, face à não confissão do arguido (e consequente não arrependimento), e ao modo de actuação do arguido e da co-arguida que de Hong Kong se deslocava a Macau para fornecer ao recorrente os produtos estupefacientes, adequada à gravidade do crime em causa – tráfico de droga –.
O douto acórdão fez adequada interpretação e aplicação do disposto nos art°s 40 e 65 do CPM.
Deve, assim, ser julgado improcedente o recurso do arguido e ser confirmado o douto acórdão.”; (cfr., fls. 320 a 322).
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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Em sede de sustentar o pedido de atenuar a pena aplicada no douto Acórdão recorrido, o recorrente alegou apenas, na Motivação (fls. 304 a 307 dos autos), a circunstância de ser delinquente primário, assacando o vício de violação do disposto nos arts. 40.° e 65.° do Código Penal.
Antes demais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do Exmo. Colega nas Respostas (cfr., fls. 320 a 322 dos autos), no sentido da improcedência por completo do presente recurso; e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Pois bem, não se encontra, nos autos, nenhuma circunstância, a não ser a da delinquência primária, que possam atenuar a ilicitude ou culpa do recorrente.
E, prova-se, como bem observou e sublinhou o Exmo. Colega, plenamente a não confissão e, em consequência, o não arrependimento do recorrente como um dos dois co-arguidos.
A matéria de facto dada como provada ainda se dá à impressão de que o recorrente aproveitava outra arguida como instrumento do tráfico de droga e, em certa medida, fazia do comércio de droga modo de vida.
Nestes termos e tendo em conta a respectiva moldura penal, temos por certo que a pena aplicada ao recorrente no aresto em causa – a de 8 anos e 9 meses de prisão – não se mostra excessivamente severa, mas adequada à prevenção geral e especial.
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Por todo o expendido, pugnamos pelo não provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 335).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está provada a factualidade seguinte:
“Pelo menos desde 19 de Junho de 2011, a arguida B começou a transportar ilegalmente estupefacientes de Hong Kong para Macau. Normalmente, ela entrava em Macau com os estupefacientes mediante o Terminal Marítimo, munindo-se do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong. Depois, entregava os estupefacientes ao arguido A para este vender a outrem. Cada vez que a arguida B conseguia transportar os estupefacientes para dentro do Território, podia ter a quantia de mil a dois mil dólares a título de remuneração.
Em 31 de Julho de 2011, pelas 23h38, os agentes da Polícia Judiciária, na paragem de táxis fora do Terminal Marítimo, interceptaram a arguida B e conduziram-na ao gabinete da Polícia Judiciária junto do Terminal Marítimo para ser investigada.
Os agentes da P.J. encontraram, em flagrante, dentro do lado esquerdo do sutiã que a arguida vestia, alguns grânulos de cor de iogurte embrulhados numa nota de dez dólares de Hong Kong, enquanto do lado direito, encontraram um saco de plástico transparente, contendo nele alguns grânulos de cor de iogurte. Aliás, na sua cueca encontraram dois sacos de plástico transparente, neles contendo grânulos de cor de iogurte.
Os referidos estupefacientes foram transportados de Hong Kong para Macau pela arguida B, a fim de serem entregues ao arguido A.
Posteriormente, os agentes da P.J. no exterior da entrada do Hotel Vitória sito na Estrada do Arco interceptaram o arguido A, que na altura ia levantar os estupefacientes acima referidos junto da arguida B.
Posteriormente, os agentes da P.J. procederam à busca domiciliária na residência do arguido A, sita em Macau, Bairro XXX, Edf. “XXX” Bloco X, XX.° andar D, tendo encontrado, em cima da mesinha da sala de estar, um caderno com desenhos de cor verde. Num saco de lixo ao lado da cómoda para TV colocada na sala de estar, encontraram cinco notificações de crédito respeitantes às duas contas bancárias diferentes do Banco da China. No quarto do arguido A, no espaço entre a cama e o colchão encontraram uma sacola de cor preta, em que contendo cinco sacos plásticos, cada um contendo cerca de 100 sacos plásticos de cor azul, um saco plástico com várias dezenas dos sacos plásticos de cor azul, um peso electrónico de cor de prata, uma tesoura de cor vermelha, um x-acto de cor azul. Numa gaveta daquele quarto encontraram também um contrato de arrendamento do imóvel e um recibo de pagamento do depósito.
Após exame laboratorial, os grânulos de cor de iogurte, embrulhados numa nota de dez dólares de Hong Kong, com peso líquido de 0,308 gramas, contêm “Cocaína” abrangida pela Tabela 1-B da Lei n.° 17/2009. Após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem da “Cocaína” é de 72,98% e tem o peso de 0,225 gramas. Os grânulos de cor de iogurte encontrados num saco plástico, com peso líquido de 0,938 gramas, contêm “Cocaína”. Após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem da “Cocaína” é de 77,75% e tem o peso de 0,729 gramas. Aliás, os grânulos de cor de iogurte encontrados nos outros dois sacos plásticos, com peso líquido de 46,148 gramas, contêm também “Cocaína”. Após a análise de métodos quantitativos, verifica-se que a percentagem da “Cocaína” é de 71,27% e tem o peso de 32,890 gramas.
Em 1 de Agosto de 2011, na Polícia Judiciária, os agentes da PJ apreenderam da possa da arguida B RMB$500,00, HK$500,00, um telemóvel de marca NOKIA e um telemóvel de marca HTC.
Ao mesmo tempo, os agentes da PJ apreenderam um molho de chaves da referida fracção, Mop$3.000,00, um telemóvel de marca SONY ERRICSSON e um telemóvel de marca NOKIA, tudo pertencente ao arguido A.
O dinheiro pertencente à arguida B e os montantes constantes das notificações de crédito encontradas na residência do arguido A foram os lucros obtidos pelos arguidos no tráfico de estupefacientes.
O caderno encontrado na residência do arguido A foi instrumento da contabilização utilizado por este no tráfico de estupefacientes.
Os objectos encontrados na residência do arguido A, como os sacos plásticos de cor azul, o peso electrónico de cor de prata, uma tesoura de cor vermelha e um x-acto de cor azul foram utensílios e instrumentos para empacotar os estupefacientes.
Os arguidos B e A bem sabiam a natureza e características dos estupefacientes acima referidos.
Os arguidos B e A adquiriram, transportaram e detiveram os estupefacientes acima referidos a fim de fornece-los a outrem, para que obtivessem, ou com intenção de obterem, remuneração pecuniária.
Os arguidos B e A agiram livre, voluntária e conscientemente. Praticaram em comunhão de vontade e divisão de tarefas as condutas acima referidas.
Os arguidos B e A bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
A 1ª arguida B confessou os factos integralmente e sem reservas e auxiliou na recolha de provas decisivas para a identificação e captura do 2° arguido.
A 1ª arguida B é empregada de vendas de vinho e aufere mensalmente cerca de cinco mil dólares de Hong Kong (HK$5,000).
Tem como habilitações académicas o 5° ano do ensino secundário e tem o irmão a seu cargo.
O 2° arguido A é operário de decoração e aufere mensalmente cerca de seis mil dólares de Hong Kong (HKD$6,000).
Tem como habilitações académicas o 2° ano do ensino secundário e não tem ninguém a seu cargo.
Conforme o CRC, os dois arguidos são primários”; (cfr., fls. 269 a 271).
Do direito
3. Vem o arguido A recorrer do Acórdão que o condenou como co-autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 9 meses de prisão.
Diz que severa é a pena em que foi condenado, invocando a sua “primo-delinquência” e assacando à decisão recorrida a violação dos art°s 40° e 65° do C.P.M..
Cremos que não tem o recorrente razão, mostrando-se de subscrever a posição pelo Ministério Público assumida.
De facto, dúvidas não havendo que cometeu o ora recorrente o crime de “tráfico de estupefacientes”, ao qual cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão, e, sendo que no art. 65° do C.P.M. adoptou o legislador a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”, (cfr., v.g., o Ac. de 31.05.2012, Proc. n° 391/2012), motivos não se vislumbram para se reduzir a pena imposta.
Não se pode pois olvidar a natureza da droga em questão, (“cocaína”), a quantidade detectada, (mais de 30 gramas), e que a actividade de tráfico “já se vinha a desenvolver”, o que impede a consideração de se tratar de uma situação pontual, tornando necessária uma pena que reflicta, adequadamente, a censura que se impõe à conduta provada do arguido recorrente, que agiu com dolo directo, intenso e elevado grau de ilicitude.
Por sua vez, a mera “primo-delinquência”, no caso, de 1 jovem nascido em 1984, também não viabiliza a pretensão apresentada, no sentido de se aplicar uma “pena mais leve”.
Com efeito, nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, atento o assim estatuído, face ao tipo de crime em questão, e aos malefícios do mesmo para a saúde pública, fortes (e evidentes) são as razões de prevenção criminal.
Daí, improceder o recurso.
Decisão
4. Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1,200.00.
Macau, aos 27 de Setembro de 2012
José Maria Dias Azedo (com a declaração de que admitia uma redução da pena)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 682/2012 Pág. 14
Proc. 682/2012 Pág. 15