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Processo n.º 824/2011 Data do acórdão: 2012-7-26 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– delinquente não primário
– antecedentes criminais
– condenações anteriores
– art.o 323.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– erro notório na apreciação da prova
– pendência do processo de arguido não ausente
– causa de suspensão da prescrição do procedimento
– art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
– injúria agravada
– art.o 64.o do Código Penal
– art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
– suspensão da pena de prisão
– má conduta posterior
– condução em estado de embriaguez
S U M Á R I O
1. Embora o tribunal a quo tenha afirmado que “ficou provado” que o arguido “não é delinquente primário”, esta afirmação não deixa de ser uma conclusão, pelo que o eventual erro na feitura dessa conclusão não se reconduz ao vício aludido na alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP).
2. Como o arguido já não é delinquente julgado pela primeira vez em juízo, não se pode considerar errada tal conclusão tirada pelo tribunal recorrido, no sentido de que o arguido não é delinquente primário.
3. Aliás, o termo “antecedentes criminais” de que se fala na parte inicial do n.o 2 do art.o 323.o do CPP abrange todas as condenações anteriores do arguido, independentemente da data concreta da prática dos factos em questão.
4. Só há vício de erro notório na apreciação da prova, quando for patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal a quo tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
5. A pendência do processo de arguido não ausente a partir da notificação da acusação é causa de suspensão, ao máximo por três anos, do curso do prazo de prescrição do procedimento (art.o 112.o, n.o 1, alínea b), primeira parte, n.o 2 e n.o 3, do Código Penal).
6. O processo é pendente quando não há ainda decisão em última instância.
7. O crime de injúria agravada é punível com pena de prisão ou pena de multa. Contudo, atentas as elevadas necessidades da prevenção geral deste delito, não é de optar pela pena de multa (cfr. o critério material vertido no art.o 64.o do Código Penal).
8. Na mesma ordem de preocupação, também não é de substituir qualquer das duas penas parcelares de prisão por que vinha condenado o arguido por esse crime e pelo crime de condução em estado de embriaguez (cfr. o critério material plasmado na segunda parte do n.o 1 do art.o 44.o do Código Penal).
9. Em relação à pretensão de suspensão da execução da sua pena única de prisão, o arguido não confessou os factos e teve má conduta posterior (pois foi condenado num outro processo devido também ao crime de condução em estado de embriaguez, praticado em data posterior aos dois crimes do presente processo), pelo que não é possível ao tribunal ad quem acreditar, para os efeitos do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 824/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguido já melhor identificado no Processo Comum Colectivo n.º CR1-08-0294-PCC do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), do acórdão proferido a fls. 187 a 192 desses autos, por força do qual ele ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de cinco meses de prisão, com inibição de condução por um ano e três meses, e de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o e 178.o, conjugados com o art.o 129.o, n.o 2, alínea h), todos do vigente Código Penal (CP), na pena de três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas de prisão, na pena única de sete meses de prisão efectiva, e na obrigação de pagar à guarda policial ofendida B três mil patacas de indemnização, arbitrada oficiosamente, de danos morais por esta sofridos, com juros legais contados a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Para o efeito, alegou e pediu, na sua essência, o seguinte na sua motivação de recurso (apresentada a fls. 206 a 219v dos presentes autos correspondentes):
– a decisão condenatória recorrida padece do vício de contradição insanável da fundamentação, porquanto o Tribunal a quo afirmou que o próprio arguido não é delinquente primário, mas ao mesmo tempo não chegou a dar por provado qualquer outro ilícito penal anteriormente cometido pelo arguido, sendo certo que à data dos factos, ainda não existiu o outro Processo Sumário com o n.o CR4-10-0229-PSM (no seio do qual ficou ele condenado como autor de um crime de condução em estado de embriaguez), referido na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido;
– a decisão impugnada também enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, posto que a convicção do Tribunal recorrido sobre os factos se baseou unicamente no depoimento da ofendida B, tendo sido ignorado por esse Tribunal que sobretudo, desde o início o arguido tem negado a prática dos factos e insistido em não ser ele, mas sim a sr.a C, o condutor do automóvel na madrugada do dia 7 de Novembro de 2007, que essa sr.a C desde início tem afirmado que nesse dia foi ela quem conduziu o automóvel de que era dona, que os dois guardas policiais que depuseram como testemunhas da defesa disseram na audiência que foi a sr.a C quem conduziu o automóvel a sair de um estabelecimento de comidas por volta das 06:00 horas daquele dia levando consigo o arguido, e que tendo o teste de taxa de álcool no sangue sido feito às 08:17 horas daquele dia, enquanto os factos acusados respeitantes à condução automóvel sob efeito de álcool terão ocorrido sensivelmente às 06:20 horas, e tendo o arguido, conforme a factualidade acusada, chegado a afastar-se do local por uns momentos depois da discussão inicial com a ofendida, não há, assim, certeza se a taxa de álcool do arguido no acusado acto de condução automóvel já ultrapassou o limite legal permitido, o que tudo conjugado leva a crer que haja dúvida razoável sobre a prática pelo arguido do imputado crime de condução em estado de embriaguez, pelo que ele deve ser absolvido, em vez de condenado;
– a propósito do crime de injúria agravada, não deve o Tribunal recorrido ter entendido que a ofendida estava a exercer as funções como guarda policial aquando da pronúncia pelo arguido das palavras injuriosas contra ela, pois quando o arguido atirou a placa de madeira para o sítio próximo da ofendida, esta não chegou a dizer-lhe que estava a exercer as funções de polícia, pelo que deve o arguido ser absolvido do crime de injúria agravada, uma vez que quanto muito só poderia haver o crime de injúria (simples), que é um crime particular, cujo procedimento penal já deveria ser arquivado por falta de dedução da acusação particular pela ofendida, e mesmo que assim não se entendesse, sempre se deveria ter declarado extinto o procedimento pelo crime de injúria agravada, por ter já decorrido, desde o dia 7 de Novembro de 2007 até à data de emissão do acórdão recorrido, todo o prazo normal da prescrição do procedimento, acrescido da metade;
– e ainda subsidiariamente falando, deveria ter o Tribunal recorrido aplicado pena não privativa de liberdade ou permitido a suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que com imposição de alguma condição ou dever;
– termos em que e em suma, deve o arguido ser absolvido dos dois crimes por que vinha condenado, ou deve ser decretado o reenvio do processo para novo julgamento por constatação dos vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, ou, pelo menos, deve ser aplicada pena não privativa da liberdade e/ou permitida a suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que sob condição ou dever de conduta.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 221 a 225 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 235 a 239), opinando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e com audiência realizada, cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. Em 7 de Novembro de 2007, o ora recorrente A foi constituído arguido, da prática de crimes de injúria agravada do art.o 178.o do CP, de resistência e coacção do art.o 311.o do mesmo CP, e de condução em estado de embriaguez do art.o 90.o, n.o 1, da LTR (cfr. o teor de auto de notícia levantado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública a fls. 1 a 2 dos autos).
2. No mesmo dia, o recorrente foi interrogado como arguido pelo Ministério Público (cfr. o auto de interrogatório de fls. 16 a 16v), que lhe aplicou logo, por entender haver indícios da prática do crime de injúria agravada e do crime de condução em estado de embriaguez, a medida de coacção de prestação do termo de identidade e residência, para além de promover ao Juízo de Instrução Criminal a aplicação da medida de caução em valor não inferior a três mil patacas (cfr. o teor do despacho de fl. 18, e do termo de identidade e residência de fl. 20).
3. A final, no mesmo dia 7 de Novembro de 2007, foi judicialmente imposta ao arguido a medida coactiva de prestação da caução, no valor de quatro mil patacas, por se entender haver fortes indícios da prática pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o e 178.o do CP, e de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR (cfr. o despacho judicial de fl. 25).
4. Em 11 de Setembro de 2008, foi deduzida acusação pública contra o arguido, imputando-se-lhe a autoria material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez do art.o 90.o, n.o 1, da LTR, de um crime de ameaça do art.o 147.o, n.o 1, do CP, e de um crime de injúria agravada do art.o 175.o, conjugado com os art.os 178.o e 129.o, n.o 2, alínea h), todos do CP (cfr. o libelo de fls. 79v a 81).
5. Em 22 de Setembro de 2008, o arguido foi notificado pessoalmente dessa acusação (cfr. a certidão de notificação de fl. 88).
6. Em 7 de Novembro de 2008, foi marcado o dia 16 de Novembro de 2010 para realização da audiência de julgamento (cfr. o despacho judicial de fl. 95).
7. Em 4 de Novembro de 2010, o arguido foi notificado pessoalmente do despacho de designação da data de audiência (cfr. a certidão de notificação policial de fl. 152).
8. Adiada a audiência inicialmente marcada devido à falta do arguido (cfr. a acta de 16 de Novembro de 2010), realizou-se finalmente em 17 de Outubro de 2011 a audiência de julgamento, em sede da qual prestou declarações o próprio arguido, e depuseram a guarda policial ofendida B como testemunha de acusação, a sr.a C como testemunha de acusação e da defesa, o guarda policial D como testemunha de acusação, a guarda policial E como testemunha de acusação, e dois outros guardas policiais como testemunhas de defesa (cfr. a acta de fls. 185 a 186v).
9. Afinal, em 26 de Outubro de 2011, foi proferido o acórdão ora recorrido, condenatório do arguido, apenas como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR, na pena de cinco meses de prisão, com inibição de condução por um ano e três meses, e de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o e 178.o, conjugados com o art.o 129.o, n.o 2, alínea h), todos do CP, na pena de três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas de prisão, na pena única de sete meses de prisão efectiva, e na obrigação de pagar à ofendida B três mil patacas de indemnização, arbitrada oficiosamente, de danos morais por esta sofridos, com juros legais contados a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
10. Segundo a fundamentação fáctica do acórdão recorrido, foi provado, na sua essência, o seguinte:
– 1.o) Na madrugada do dia 7 de Novembro de 2007, o arguido A divertiu-se com amigos, e no meio disso bebeu bedidas alcoólicas. Cerca das 06:20 horas dessa madrugada, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.o MJ-XX-XX pertencente à sua namorada C, transportando-a até à Rua das Indústrias, onde preparou a arrumar o veículo num parque de estabelecimento sito fora do silo automóvel de um edifício dessa rua;
– 2.o) Nesse exacto momento, a guarda policial B (a ofendida), que estava fardada e a esperar fora do dito silo automóvel por uma colega de trabalho chamada E que tinha ido buscar o carro para a transportar depois ao serviço, viu que o arguido conduzia o carro e preparava a arrumar o carro. Como existiam uma barreira de ferro e duas placas de madeira colocadas no local de parque, o arguido saiu do carro e foi retirar tal barreira e atirar as placas para o berma da rua;
– 3.o) A primeira placa de madeira atirada pelo arguido quase bateu na ofendida, pelo que esta gritou em voz alta para o arguido, mas o arguido não lhe atendeu e atirou a outra placa de madeira para o mesmo sentido. A ofendida foi discutir com o arguido, dizendo que essa maneira de atirar objectos fazia ferir outrem, e o arguido retorquiu: “Agora chegaste a estar ferida? Chegou a haver coisas danificadas? Chegou a haver pessoas feridas?”;
– 4.o) Durante a discussão entre o arguido e a ofendida, C foi sentar-se no lugar de condutor do veículo MJ-XX-XX, e depois de estacionar o mesmo, dirigiu-se ao arguido, para o aconselhar no sentido de parar na actuação, e disse à ofendida que o arguido bebeu vinho e só por isso é que andava a dizer asneiras. Nesse momento, a ofendida suspeitou que o arguido conduziu o veículo em estado de embriaguez, e exigiu ao arguido e a C que aguardassem pela vinda da polícia para tratamento do caso no local. No entanto, o arguido disse à ofendida: “Agora só há três pessoas. Não há outrem a presenciar o caso. A boca discute com o nariz. Quem é que acredita em ti?”. Após, o arguido e C tentaram afastar-se do local. A ofendida foi impedi-los de sair. Nesse momento, o arguido não parou de ofender a ofendida com palavrões: “Acreditas ou não que eu bato em ti, caralho”. Depois, o arguido e C entraram numa travessa para sair do local;
– 5.o) A ofendida, por ter receio de que o arguido e a sua companhia viessem a praticar algo de mal contra si, voltou ao local do incidente, para aguardar pela vinda da sua colega E (vestida com uniforme da polícia) e pelo guarda policial D. A ofendida contou o sucedido aos dois. Nesse momento, voltaram o arguido e C. O arguido continuou a ralhar com a ofendida em palavrões: “Fodo a tua mãe. Quê tem a ver contigo.” Depois, olhou para o nome da ofendida indicado no uniforme policial desta, e disse à ofendida: “B, B, B, se eu conseguir sair da porta da esquadra, vais morrer para mim, se não me acontecer nada, então irá acontecer algo contigo.”;
– 6.o) E e D ouviram as palavras ditas pelo arguido contra a ofendida, pelo que fizeram advertência ao arguido. Mas, o arguido continuou a ralhar com a ofendida;
– 7.o) Depois, o arguido foi levado à Polícia para efeitos de investigação. Às 08:17 horas do mesmo dia, o arguido sujeitou-se ao teste da taxa de álcool por sopro, do qual resultou provado que por cada litro do seu sangue há 1,33 gramas de álcool, o que ultrapassa o limite de 1,2 gramas fixado por lei. O arguido recusou-se a assinar no relatório do teste;
– 8.o) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que ele próprio chegou a ingerir bebidas alcoólicas e sabendo que a condução sob efeito de álcool iria acarretar perigo aos utentes das vias públicas, e mesmo assim teve o intuito de conduzir em via pública sob efeito de álcool;
– 9.o) O arguido, sabendo que a ofendida era guarda policial e estava a exercer funções conforme a lei, agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intuito de dizer palavras ofensivas contra a guarda, e a conduta do arguido ofendeu gravemente a honra da guarda;
– 10.o) O arguido sabia que a sua conduta não era permitida por lei e era punível por lei.
11. Por outro lado, afirmou o Colectivo a quo que mais se provou o seguinte:
– o arguido é empregado do sector de seguros, com doze mil patacas de vencimento mensal;
– o arguido é solteiro, com a mãe e um filho a seu cargo;
– o arguido não confessou os factos, e não é delinquente primário;
– em 19 de Novembro de 2010, o arguido, no Processo Sumário n.o CR4-10-0229-PSM, devido à prática de um crime de condução em estado de embriaguez do art.o 90.o, n.o 1, da LTR, foi punido com sessenta dias de prisão, substituída por multa, à taxa diária de cem patacas, no valor total de seis mil patacas de multa, convertível em sessenta dias de prisão, no caso de não pagamento, para além de ser punido com a interdição de condução pelo período de um ano e três meses;
– a ofendida B declarou que pretendida ser indemnizada dos seus danos;
– a testemunha C declarou na audiência de julgamento que no dia em questão, foi ela quem conduziu o automóvel ligeiro MJ-XX-XX, e não o arguido.
12. Por outra banda, o Tribunal recorrido considerou como não provado que o arguido teve por intuito dizer palavras ameaçadoras da ofendida, para fazer com que esta sentisse medo e inquietação.
13. O mesmo Tribunal afirmou no seu texto decisório que a sua convicção sobre os factos se formou com base na análise, em global, das provas dos autos: as declarações prestadas pelo arguido em audiência, o qual negou os factos acusados, o relato feito de modo claro pela ofendida sobre a ocorrência do caso, a qual confirmou os factos descritos na acusação, e os depoimentos dois dois guardas policiais e das testemunhas do arguido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido ora recorrente começou por apontar o vício de contradição insanável da fundamentação da decisão condenatória da Primeira Instância na parte em que o Tribunal a quo afirmou como provado que ele não é delinquente primário.
Entretanto, realiza o presente Tribunal ad quem que embora o Tribunal recorrido tenha afirmado que “ficou provado” que o arguido “não é delinquente primário”, esta afirmação não deixa de ser uma conclusão, pelo que o eventual erro na feitura dessa conclusão não se reconduz ao vício aludido na alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o do vigente Código de Processo Penal (CPP).
E agora sobre o acerto ou não dessa conclusão: apesar de à data da prática dos factos do presente processo, ainda não ter existido o outro processo penal do arguido com o n.o CR4-10-0229-PSM (pelo crime de condução em estado de embriaguez) referido concretamente na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, ele, à data do julgamento do presente processo penal, já foi efectivamente julgado e condenado naquele processo (embora por factos praticados em data posterior à data dos factos do presente processo), pelo que não se pode considerar errada tal conclusão tirada pelo Tribunal a quo, no sentido de que o arguido não é delinquente primário. De facto, o arguido já não é delinquente julgado pela primeira vez em juízo. Aliás, o termo “antecedentes criminais” de que se fala na parte inicial do n.o 2 do art.o 323.o do CPC abrange todas as condenações anteriores do arguido, independentemente da data concreta da prática dos factos em questão.
Quanto ao também esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova, entende o presente Tribunal, após examinados crítica e globalmente todos os elementos probatórios constantes dos autos e referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, que não é patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal a quo tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, sendo, pois, razoável a convicção formada por esse Tribunal recorrido.
Daí que não pode o arguido aproveitar o mecanismo de recurso ordinário do acórdão da Primeira Instância para pretender sindicar gratuitamente, ao arrepio do princípio plasmado no art.o 114.o do CPP, a livre apreciação da prova então feita, sendo certo que a versão dos factos ora defendida pelo arguido na sua motivação de recurso apenas traduz a sua visão subjectiva das coisas, pois ignorou ele que o Tribunal a quo já afirmou no seu aresto que a convicção sobre os factos se baseou na análise, em global, das provas dos autos.
De notar que diversamente do preconizado pelo arguido, o facto de o teste da taxa de álcool no sangue do arguido ter sido feito às 08:17 horas não tem a pretendida virtude de fazer abalar a justeza da livre convicção a que chegou o Tribunal recorrido aquando do julgamento do crime de condução em estado de embriaguez, visto que se conforme o resultado desse teste, o arguido já teve 1,33 gramas de álcool por cada litro do seu sangue, então em duas horas antes, essa taxa de álcool deveria ter sido mais elevada ainda (ou pelo menos igual a essa taxa concreta)! E nem se diga que como o arguido chegou a afastar-se por uns momentos do local da discussão com a ofendida, aquela taxa concreta de alcoolemia não significa necessariamente que o arguido tenha conduzido duas horas antes o carro sob efeito de álcool. Não procede este argumento do arguido, porquanto para qualquer homem médio conhecedor das regras da experiência da vida humana e colocado na situação concreta dele logo após a discussão inicial com a ofendida em que esta passou a ter suspeita da prática, por ele, da condução automóvel sob efeito de álcool e como tal até disse ao arguido que ia chegar a polícia para tratar do caso, é incrível que o arguido tenha ido consumir alguma bebida alcoólica durante a sua ausência temporária do local da discussão, pois essa eventual hipótese fáctica iria produzir ou aumentar a taxa de alcoolemia no seu sangue e como tal dar “razão” à dita suspeita da ofendida.
O arguido não pode, pois, ser absolvido do crime de condução em estado de embriaguez.
E a propósito do crime de injúria agravada, está verificado no presente caso efectivamente este delito previsto pelo art.o 178.o do CP, com referência ao art.o 175.o, n.o 1, do mesmo Código.
É que embora não se possa considerar que a ofendida, aquando do começo da discussão com o arguido, estava a exercer algmas funções policiais, pois estava ela a limitar-se a esperar pela sua colega de trabalho E que tinha ido buscar o carro num silo automóvel para depois a transportar ao serviço, já se verifica cabalmente esse crime de injúria agravada, quando o arguido, depois de a ofendida ter suspeita de que ele tinha conduzido automóvel sob efeito de álcool, e por isso exigir ao arguido e a C que aguardassem pela vinda da polícia para tratar do caso, não parou de ralhar com a ofendida com palavrões (cfr. o 4.o facto provado), conduta de injúria essa que voltou a ser tomada pelo arguido contra a ofendida na presença da E e do guarda policial D que entretanto chegaram depois ao local (cfr. os 5.o e 6.o factos provados).
Por outro lado, podendo esse concreto crime ser punido com pena de prisão até quatro meses e meio, o prazo normal da prescrição do correspondente procedimento penal é de dois anos, a contar do dia 7 de Novembro de 2007 (cfr. o art.o 110.o, n.o 1, alínea e), e n.o 3, e o art.o 111.o, n.o 1, do CP).
Entretanto, essa contagem sofreu interrupção no dia 22 de Setembro de 2008, em que o arguido ficou pessoalmente notificado da acusação pública, pelo que a contagem tinha que ser feita tudo de novo a partir de 22 de Setembro de 2008 (cfr. o art.o 113.o, n.o 1, alínea c), e n.o 2, do CP), pelo que o prazo da prescrição do procedimento penal só iria terminar, em princípio, em 22 de Setembro de 2010.
E o acórdão recorrido foi proferido ulteriormente, em 26 de Outubro de 2011.
Assim sendo, parece, à primeira vista, que já está prescrito o procedimento, antes da emissão desse aresto.
Só que por força do art.o 112.o, n.o 1, alínea b), primeira parte, n.o 2 e n.o 3, do CP, o curso da referida nova contagem (devido à dita causa de interrupção) ficou suspenso também no referido dia 22 de Setembro de 2008, e só voltou a ser activado no dia 22 de Setembro de 2011, porque nesses três anos, ainda não houve decisão em última instância sobre o caso e como tal o processo ainda estava pendente.
Significa tudo isto que quando foi lido o acórdão recorrido em 26 de Outubro de 2011, a prescrição do procedimento penal ainda não se completou, bem como não está completa ainda hoje, precisamente porque a norma da primeira parte do n.o 3 do art.o 113.o do CP ressalva todo o tempo de suspensão da prescrição.
Desta maneira, improcede a tese do arguido no referente à defendida já prescrição do procedimento penal pelo crime de injúria agravada.
Este crime é punível com pena de prisão ou pena de multa. Contudo, atentas as elevadas necessidades da prevenção geral do mesmo delito, não é de optar pela pena de multa (cfr. o critério material vertido no art.o 64.o do CP).
Na mesma ordem de preocupação, também não é de substituir qualquer das duas penas parcelares de prisão por que vinha condenado o arguido por esse crime e pelo crime de condução em estado de embriaguez (cfr. o critério material plasmado na segunda parte do n.o 1 do art.o 44.o do CP para efeitos de substituição da pena de prisão).
Por fim, em relação à derradeira pretensão de suspensão da execução da pena de prisão, o arguido não confessou os factos e teve má conduta posterior (pois foi condenado no acima referido Processo Sumário n.o CR4-10-0229-PSM, devido também ao crime de condução em estado de embriaguez, praticado em data posterior aos dois crimes do presente processo), pelo que como é possível a este Tribunal de recurso acreditar, para os efeitos do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?
Cai, assim, por terra, todo o pedido formulado no recurso, sendo de notar que os juros legais do montante indemnizatório de três mil patacas arbitrado oficiosamente no acórdão recorrido, e intocado na presente lide recursória, continuam a contar-se a partir da data desse acórdão da Primeira Instância até integral e efectivo pagamento (cfr. a posição jurídica obrigatória firmada no douto Acórdão uniformizador de jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, de 2 de Março de 2011, do Processo n.o 69/2010).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, com catorze UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão à ofendida B.
Passe mandados de detenção contra o arguido para efeitos de cumprimento da pena única de sete meses de prisão.
Macau, 26 de Julho de 2012.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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