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Proc. nº 632/2012
(Recurso Cível e Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Julho de 2012
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
- Licença de maternidade


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber ainda um dia de salário (salário médio diário x1).

IV- Mesmo que tenha sido convencionado entre as partes que o trabalhador só receberia remuneração em relação dos dias de prestação de trabalho efectivo, não pode deixar o empregador de efectuar o pagamento, sob pena de atentar contra norma imperativa, nos dias de ausência por licença de maternidade.

Processo nº632/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, representada pelo Ministério Público, moveu acção comum de trabalho contra a STDM pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$434.666,59, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o inicio até ao fim da relação laboral.
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Os autos prosseguiram até ao seu termo na 1ª instância, tendo sido proferida na oportunidade sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, sido condenada a STDM a pagar à autora a quantia indemnizatória de HKD$ 2.950,00, acrescida de juros de mora legais.
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Desta sentença foi interposto recurso jurisdicional pela autora, tendo as respectivas alegações terminado com as seguintes conclusões:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário da recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias da recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário da recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “escravatura moderna”.
D - Tendo considerado provado que a R., recorrida, pagava à recorrente quantias nas quais se incluíam as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela própria, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei nº 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra a recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17º, nas 1, 3 e 6 do D.L. na 24/89/M, fórmula correcta de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 20º, na 1 e 19º, nas 2 e 3 do D.L. na 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, na 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
L - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exas, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário da recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, assim se fazendo a esperada e mais sã JUSTIÇA!
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A STDM apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
(i) As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário;
(ii) A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos: é uma prestação regular e periódica; em dinheiro ou em espécie; a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal; como contrapartida pelo seu trabalho;
(iii) No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovada mente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o trabalhador ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento, inexistindo aquela oferta por parte dos clientes;
(iv) A Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero;
(v) Na Jurisprudência e Doutrina de Portugal, é entendimento maioritário que as gorjetas oferecidas pelos clientes não constituem parte do salário. E, na verdade, a única diferença relevante entre os dois sistemas é a circunstância de as regras / critérios de distribuição das gratificações / gorjetas serem definidas, em Macau, pela entidade empregadora, enquanto em Portugal, esses critérios / regras encontram-se definidas pelo membro do Governo responsável pelo sector do turismo, ouvidos os representantes dos trabalhadores;
(vi) Também em Portugal os trabalhadores dos casinos estão proibidos de fazerem suas, a título individual, as gorjetas recebidas, devendo depositá-las, após o recebimento, em caixa própria, sendo as ditas gorjetas distribuídas, posteriormente, pelos trabalhadores de acordo com os ditos critérios definidos por via legislativa;
(vii) Cremos que o facto de a definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações, até porque, nem quando começou a trabalhar para a ora Recorrida, nem durante toda a relação contratual, a Recorrente alguma vez se interessou por esta questão, aceitando tais critérios sem questionar;
(viii) Dispõe o artigo 25.º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”;
(ix) Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos da Recorrente, não se pode dizer que à Autora não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente da Recorrente e sua família;
(x) Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do Douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da Doutrina e Jurisprudência maioritárias de Portugal, é também entendimento da Recorrida que: “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”;
(xi) É, pois, forçoso concluir - como fez e bem o Tribunal a quo - que o rendimento dos trabalhadores dos casinos da STDM, proveniente das gorjetas concedidas pelos clientes, não pode ser qualificado como prestação retributiva e, desta forma, ser levado em linha de conta no cálculo de uma eventual indemnização que o ex-trabalhador, pudesse reivindicar da aqui Recorrida pelos dias de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios;
Ainda concluindo,
(xii) Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar a ora Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais eventualmente devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
3. DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24 DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1 ou x3, porque uma parcela já foi paga e porque a Ré não impediu a Autora de gozar quaisquer dias de descanso);
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M e DL 32/90/M: DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
(xiii) Subsidiariamente, caso se entenda que as fórmulas supra expostas não devem ser as adoptadas para o cálculo de uma eventual indemnização devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
Em face de todo o exposto, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser considerado improcedente porque infundado e, consequentemente, ser mantida em conformidade a douta Sentença recorrida, na parte em que absolveu a aqui Recorrida, fazendo-se desta forma e mais uma vez a devida Justiça.
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A mesma STDM apresentou recurso subordinado, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve improceder o recurso principal já interposto pela Autora e aqui Recorrida Subordinada, mantendo-se a douta Sentença recorrida, ainda que esta não tenha aplicado a devida fórmula ao cálculo da compensação por trabalho prestado em dias de descanso anual e licença de maternidade, ao abrigo do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
2. A aqui Recorrente Subordinada considera que há erro manifesto na apreciação da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 599.º do Código de Processo Civil;
3. O trabalho prestado nos dias de descanso anual era remunerado à razão do triplo do salário de um dia de trabalho efectivo, apenas nos casos de impedimento, pelo empregador, do gozo de dias de descanso do trabalhador, o que não é o caso por não resultar de qualquer facto constante da matéria dada como provada;
4. Nestes termos, não existem factos que possam servir de fundamento para se concluir que a Autora não gozou de dias de descanso anual porque a Ré o impediu;
5. Era à Autora que se impunha a alegação, por um lado, e a prova, pelo outro, de que não gozou de dias de descanso anual porque a Ré o impediu, porquanto trata-se de factos constitutivos do direito que deveria ter invocado e peticionado, nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil;
6. Porque a Autora não alegou nem provou o impedimento por parte da Ré, entende a aqui Recorrente Subordinada que, nesta parte da decisão, há erro manifesto na apreciação da prova, assim como na subsunção da matéria de facto provada à solução de direito encontrada;
7. Tal matéria nunca foi abordada nos presentes autos em primeira instância e até se pode ter dado o caso de o não gozo de dias de descanso ter ocorrido a pedido do próprio trabalhador; não sabemos, não é matéria assente nem foi quesitada;
8. E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual sem impedimento por parte da entidade patronal, entende a Recorrente Subordinada que nada mais tem a pagar que não a remuneração já recebida pela Autora, ou seja, um dia de salário, pelo que deve, o que se requer, ser a douta Sentença revogada no que a esta parte diz respeito;
  Ainda concluindo,
9. Conforme resulta provado, o salário da Autora era um salário diário, o qual só era auferido se o trabalho fosse efectivamente prestado; Assim, não poderia a aqui Recorrente Subordinada ser condenada em quaisquer quantias relativas à remuneração durante o período de licença por maternidade, requerendo-se aqui a revogação da decisão do douto Tribunal a quo quanto a esta parte;
10. Admitindo, apenas por cautela, a manutenção da condenação nesta parte, a Recorrente Subordinada entende dever a compensação ser calculada na base do salário diário fixo não pago durante os 35 dias de licença de maternidade;
11. Assim, tendo o nascimento da filha da aqui Recorrida Subordinada ocorrido em XX de XXX de 19XX, a compensação eventualmente devida nunca poderá ascender a mais de HKD$ 350.00 (HKD$ 10.00 x 35 dias).
Termos em que se requer a manutenção do doutamente decidido na Primeira Instância quanto à questão do salário e gratificações e, no que respeita ao Recurso Subordinado ora interposto, a sua Procedência pelo Mmo. Tribunal ad quem, revogando-se a decisão sobre o a forma de cálculo da eventual compensação por trabalho prestado em dias de descanso anual e licença de maternidade, fazendo V. Exas., deste modo, a habitual e costumada Justiça.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1. A Autora começou a trabalhar para a Ré no dia 21 de Setembro de 1982, tendo cessado o contrato em 15 de Agosto de 1993.
2. A Autora foi admitida como empregada de casino.
3. No decurso da relação contratual existente entre a Autora e a Ré esta última entregava à Autora um quantia de valor fixo e outra quantia de valor variável.
4. A quantia variável entregue pela Ré à Autora era composta pela quota parte do dinheiro oferecido pelos clientes do casino, designado por “gorjetas”.
5. As aludidas gorjetas eram distribuídas por todos os funcionários da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua categoria profissional.
6. A Autora exercia a sua actividade por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos, das 7h00, às 11h00, e das 3h00 até às 7h00; 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 3h00 (do dia seguinte); 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00.
7. Os dias de descanso que, ao longo da vigência da relação contratual entre as partes, a Autora teria direito a gozar não eram remunerados.
8. A quantia fixa diária paga pela Ré à Autora cifrou-se em MOP$4,10 por dia desde o início do contrato até 30.06.1989, de HKD$10,00 por dia desde 1.07.89 e até ao final do contrato.
9. A autora auferiu os seguintes rendimentos anuais: - no ano de 1984 a quantia de MOP$57.975,00
- no ano de 1985 a quantia de MOP$86.530,00
- no ano de 1986 a quantia de MOP$88.192,00
- no ano de 1987 a quantia de MOP$107.001,00
- no ano de 1988 a quantia de MOP$126.708,00
- no ano de 1989 a quantia de MOP$144.287,00
- no ano de 1990 a quantia de MOP$99.982,00
- no ano de 1991 a quantia de MOP$185.482,00
- no ano de 1992 a quantia de MOP$180.990,00
- no ano de 1993 a quantia de MOP$128.325,00
10. No momento da celebração do acordo entre a Autora e a Ré esta informou aquela que não poderia ela gozar descanso anual, feriados obrigatórios ou descanso semanal remunerados.
11. A 12.02.1990 a Autora deu à luz o seu filho XXX, conforme documento a fls. 28.
12. Por ordem da Ré, e na sequência da sua gravidez, a Autora requereu licença do serviço, tendo apresentado como motivo o parto do seu filho, licença que lhe foi concedida entre o período de 21.11.89 e 10.06.1990.
13. Durante este período de 21.11.89 a 10.06.90, a Ré não pagou qualquer remuneração à Autora.
14. Autora e Ré acordaram que, por cada dia em que a primeira trabalhasse efectivamente, receberia a quantia fixa referida em H) dos factos assentes e outra variável, proveniente das gorjetas apuradas nesse dia de trabalho.
15. As gorjetas eram distribuídas pela Ré segundo os critérios fixados previamente pela mesma.
16. A Autora e a Ré acordaram que aquela “tinha direito” a receber as gorjetas conforme o método vigente na empresa Ré.
17. A Ré pagou à Autora, regular e periodicamente, a parte fixa da sua remuneração e a parte que, segundo o acordado entre Autora e Ré, cabia a esta última nas gorjetas.
18. A Autora nunca gozou de dias de descanso semanal e anual durante a vigência da sua relação contratual com a Ré.
19. A Autora nunca recebeu qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nesses dias.
20. As gorjetas oferecidas a cada um dos colaboradores da Ré pelos clientes dos casinos eram reunidas e contabilizadas diariamente por um grupo variável de pessoas, do qual fazia parte um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos, um membro do departamento da tesouraria da Ré e um ou mais trabalhadores da Ré e que tais gorjetas eram distribuídas em cada 10 dias pela Ré aos seus trabalhadores.
21. Autora e Ré acordaram que a primeira não receberia qualquer quantia relativa aos dias em que não prestasse trabalho efectivo.
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III- O Direito
1- Do recurso principal
1.1 - Da nulidade da sentença
Argui de nulidade a sentença, com fundamento no art. 571º, nº1, als. b) e c), do CPC. Num caso, por o M.mo juiz da 1ª instância ter errado “manifestamente na aplicação do direito à matéria factual”; no segundo, por os fundamentos da sentença estarem “em calara oposição com a decisão”.
Nem um, nem outro dos vícios imputados sentença deve proceder.
No que respeita ao primeiro, se a questão é de má aplicação do direito, o problema não se subsume à previsão do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, pois aí o que se prevê é uma sentença não fundamentada. Ora, se o M.mo Juiz da 1ª instância não seguiu a orientação do TSI em matéria de composição do salário, isso não faz dela uma sentença sem fundamentos. De resto, parece ser claro que aquele julgador fez na 2ª sentença um exercício de remissão para a primeira no que concerne a “todas as considerações” nela feitas. Isto é, assimilou por esta via o conteúdo dos fundamentos que já havia expressado na sentença revogada. E, desse modo, remeteu para os anteriores fundamentos produzidos a propósito da composição do salário.
Improcede, pois, este fundamento de nulidade.
No que concerne ao segundo – contradição entre fundamentos e decisão – também achamos que a recorrente carece de razão. Com efeito, não é a circunstância de ter sido provado que a autora recebia uma quantia variável composta pelas gorjetas (factos 4º e 5º) que torna a sentença enferma daquele vício. Na verdade, do que se trata é de interpretar a que título tais quantias variáveis deveriam ser consideradas. O tribunal “a quo”, em exercício “livre” de interpretação jurídica, mesmo contra a jurisprudência deste TSI que, de há muito tempo a esta parte, segue sempre a mesma linha de rumo, no sentido de considerar as gorjetas uma parte do todo remuneratório, achou que podia tomar caminho diferente. Podia fazê-lo e fez. Nada a acrescentar quanto a isso, de momento, uma vez que, como se alcança com facilidade, a divergência transita para o nível da discussão jurídica, e não se situa no plano da necessária incoerência na elaboração da sentença, pressuposto que está presente na alínea c), do nº1, do art. 571º do CPC. Isto é, a divergência, se existe, é de entendimento e de opinião entre os homens acerca do modo como deve ser feita a subsunção dos factos ao direito, e não interna e intrínseca ao próprio juízo manifestado pelo próprio homem que elabora a sentença em vício de lógica.
Por conseguinte, improcede também esta imputação de nulidade.
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1.2 – Do mérito da sentença
A sentença recorrida decidiu que do salário não faziam parte as gorjetas que a STDM entregava aos seus trabalhadores, entre os quais a ora recorrente.
Esta, no recurso, insurge-se contra esse entendimento e defende que do salário devem fazer parte as gorjetas que recebia dos jogadores do casino. Além disso, impugna também a fórmula de cálculo que a sentença seguiu no que concerne à indemnização correspondente ao não gozo dos dias de descanso semanal e feriado obrigatório.
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1.2.1 - Comecemos pela primeira tarefa: saber se as gorjetas devem ou não fazer parte integrante do salário.
Discute-se, portanto, se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregada do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, e sendo o salário mensal, com inclusão, portanto, das gorjetas, isto significa que a sentença não pode manter-se.
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1.2.2 – Da indemnização
Uma questão se nos impõe desde já esclarecer:
A sentença disse “Quanto aos dias de feriado obrigatório improcede a pretensão da autora por falta de prova de não os ter gozado e de neles ter trabalhado” (fls. 330). Sublinhemos o seguinte: Trata-se de uma afirmação que radica na circunstância invocada de ausência de prova acerca do não gozo dos dias de feriado obrigatório. Portanto, este ponto tem que ver com eventual erro de julgamento da matéria de facto, coisa que, no entanto, não foi invocada no recurso. Isto é, a insurgência da recorrente contra a fórmula de cálculo referente aos feriados obrigatórios torna-se, deste jeito, absolutamente inoperante, dado que essa questão não foi tratada ou considerada no cálculo indemnizatório. Explicando melhor, só se poderia analisar a bondade da forma de cálculo sobre o trabalho prestado em dias feriados, se a recorrente tivesse tentado demonstrar que a ausência de prova verificada nesse segmento se ficou a dever erro de julgamento. Todavia, a recorrente não escolheu essa matéria como objecto do recurso, pelo que nessa parte, o efeito do julgado fica intocável. E assim sendo, vai necessariamente improcedente o recurso na parte dedicada à impugnação da compensação do trabalho realizado em feriados obrigatórios.
Ficam por apurar os valores referentes aos descansos semanais e em descansos anuais.
Quanto aos primeiros, a recorrente defende que o factor multiplicativo deve ser o factor 2, em vez do 1 decidido na sentença.
Mas, quanto ao anual, não fez a recorrente qualquer censura ao julgado, acolhendo, portanto, o factor 3 inscrito na sentença. No entanto, teremos que o analisar em sede de recurso subordinado.
Vejamos, então, por agora, o valor a que a recorrente tem direito no que concerne aos primeiros, já que quanto aos segundos, somente os apreciaremos na análise ao recurso subordinado.
Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.
A sentença entendeu que o factor aplicável era o 1, mas com reporte somente ao período posterior a 3/04/1989, uma vez que quanto ao período sujeito ao regime do DL nº 101/84/M, entendeu que nada seria devido, sem que a autora da acção tivesse manifestado oposição ao julgado. Assim, somente haverá que lidar com o período posterior a 3/04/1989 até 15/08/1993, data da cessação do contrato de trabalho.
Considerando, então, o período que decorre entre 3/04/1989 e 15/08/1993, temos


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
03/04/89 a 20/11/89
32
445,33

28.501,12
21/11/1989 a
10/06/1990
0 (licença de maternidade)
----
----
----
11/06/1990 a
31/12/1990
29
490,11

28.426,38
1991
52
515,22

53.582,88
1992
52
502,75

52.286,00
1993: de 1/01/ a 15/08
32
565,31

36.179,84
TOTAL: 198.976,22
*
2- Do Recurso subordinado
2.1- Do erro na apreciação da prova
Começa a recorrente por considerar que não podia o tribunal “a quo” tê-la condenado em virtude de a compensação pelos dias de descanso anual somente ser devida nos casos em que o empregador tiver impedido o trabalhador de gozar os dias de descanso, coisa que não se teria provado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se a trabalhadora gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.
*
2.2 – Da compensação pelo descanso anual
Está apenas em causa a que será devida relativamente à vigência do DL n. 24/89/M, porquanto aos descansos anteriores referentes ao DL nº 101/84/M, nada a sentença atribuiu, sem que houvesse qualquer censura impugnativa no recurso.
Vejamos, pois.
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar“ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.
Não tem, pois, inteira razão, a STDM no seu recurso subordinado quando entende que nada lhe deve. Assim:


Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
03/04/89 a 20/11/89
4,5
445,33

2.003,98
21/11/1989 a
10/06/1990
0 (licença de maternidade)
----
----
----
11/06/1990 a
31/12/1990
6
490,11

2.940,66
1991
6
515,22

3.091,32
1992
6
502,75

3.016,50
1993: de 1/01/ a 15/08
4
565,31

2.261,24
TOTAL 13.313,70
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2.3- Da licença de maternidade
A sentença, no pressuposto de que não havia litígio quanto à compensação a atribuir neste capítulo, considerou, nos termos do art. 37º, nºs 1,4 e 5 do DL nº 24/89/M, de 24/04, 35 dias no período decorrente entre 21/11/1989 e 10/06/1990 que, a título de licença de maternidade, e autora efectivamente gozou (ver facto 12).
A recorrente entende que a trabalhadora não teria direito a receber a compensação pela licença, uma vez que teria sido acordado entre as partes que ela só poderia auferir salário por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
Ora, tal matéria, que decorre do facto 21, não pode ter a natureza disponível que a recorrente parece atribuir-lhe. Com efeito, o direito à licença decorre directamente da lei e tem uma função que nenhum acordo poderia jamais erradicar. Portanto, somos a entender não ser possível que as partes pudessem eficazmente afastar o conteúdo imperativo da norma.
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso e à licença de maternidade “sem perda do salário” (art. 37º, nº1, do DL nº 24/89/M).
Mas, ainda que se não concorde com o que acaba de dizer-se, nem por isso se poderia dar razão à recorrente STDM. Na verdade, esta acha que bastaria às partes acordarem que não haveria lugar à remuneração sempre que não houvesse prestação efectiva de trabalho. Ora, a função social desta licença é de apoio à maternidade, tendo a lei garantido à mulher parturiente, mesmo sem a prestação do serviço, o direito ao posto de trabalho e à remuneração. Isto é, o direito não está plasmado enquanto decorrência de uma prestação efectiva do trabalho, mas como efeito da mera existência da relação laboral. O pagamento do salário não é contrapartida do serviço efectivo e, pelo contrário, foi firmado positivamente, precisamente como direito económico balizado para um determinado período de tempo em que a mulher não vai trabalhar em virtude do seu estado de gravidez e do parto que acaba de ter.
Quer isto dizer, por conseguinte, que o argumento invocado pela recorrente, até por este prisma, não tem viabilidade.
Assim sendo, cabe-lhe o valor equivalente a 35 dias multiplicado pelo valor da remuneração média diária nesse ano de 1990 (ou seja, Mop$ 490,11), o que perfaz a quantia de Mop$ 17.153,85.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar parcialmente procedentes os recursos principal e subordinados, nos termos acima expostos, revogando a sentença na parte correspondente e, em consequência, condenando a STDM a pagar à autora da acção a quantia de Mop$ 229.443,77, acrescida de juros legais, calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias em função do decaimento.
TSI, 19 / 07 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (Com declaração de voto)
Choi Mou Pan











Processo nº 632/2012
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 19JUL2012

O juiz adjunto


Lai Kin Hong