Processo n.º 110/2012 Data do acórdão: 2012-7-26
Assuntos:
– processo contravencional
– condução com excesso de velocidade
– art.o 98.o, n.o 4, da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 136.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 132.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– identificação do autor da contravenção
– notificação policial para pagamento da multa
– art.o 85.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– responsabilidade do proprietário do veículo
– contravenção por infracção às regras do trânsito
– responsabilidade do condutor do veículo
S U M Á R I O
1. O art.o 136.o da vigente Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), como faz parte da tramitação especial das infracções administrativas previstas nesta Lei, não é aplicável ao processo contravencional dos presentes autos.
2. O art.o 132.o da LTR, embora já seja próprio da tramitação especial das contravenções à LTR, também não é aplicável ao caso concreto dos autos, porque do teor da notificação policial então emitida ao arguido, se vê que a autoridade policial, desde início, considerou já o arguido como sendo o autor da contravenção por condução com excesso de velocidade, e como tal se limitou a notificar este para comparecer no Departamento de Trânsito para pagar multa no prazo de 15 dias, e não também para, em alternativa, proceder à identificação do real autor da contravenção.
3. Da leitura atenta da redacção do art.o 85.o da LTR, resulta que a responsabilidade contravencional do proprietário do veículo referida na parte inicial da letra do n.o 4 deste artigo só pode respeitar à contravenção por “infracção às disposições que condicionam a admissão do veículo ao trânsito na via pública” como tal referida na alínea 1) do n.o 1 do mesmo artigo, e nunca à contravenção por “infracção às regras, sinais de trânsito e ordens dos agentes reguladores do trânsito” de que se fala na alínea 2) do n.o 1 do art.o 85.o, porquanto para este último tipo de infracções, esta alínea 2) do n.o 1 está clara ao determinar que é o condutor do veículo que é responsável.
4. Fazendo a contravenção (por condução sob excesso de velocidade) p. e p. pelo art.o 98.o, n.o 4, da LTR nitidamente parte desse tipo de infracções às regras de trânsito, o arguido, pelo facto provado de ser mero proprietário do veículo e não também condutor do mesmo no concreto momento da infracção, não é, de todo em todo, responsável por essa contravenção por que vinha condenado na sentença recorrida, pelo que há que passar a absolver o arguido dessa contravenção.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 110/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 23 a 24 dos autos de Processo Contravencional n.º CR4-11-0685-PCT do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido B (B), já aí melhor identificado, ficou condenado pela prática de uma contravenção (por condução sob excesso de velocidade) p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 4, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de duas mil patacas de multa, convertível em dez dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, bem como na inibição de condução por dois meses.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a sua absolvição da imputada contravenção, sobretudo porque o Tribunal a quo já deu por provado na sentença recorrida que quem conduziu o veículo automóvel dos autos à data e no momento dos factos foi o amigo do arguido, chamado C (C) (cfr. o teor da sua motivação apresentada a fls. 28 a 33 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação do arguido recorrente (cfr. a resposta de fls. 36 a 41 dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 56 a 57v dos autos), pugnando pela absolvição do recorrente com base na matéria de facto já provada em primeira instância.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. O Tribunal recorrido deu por provada essencialmente a seguinte matéria de facto (cfr. concretamente o teor de fl. 23 a 23v dos autos):
– em 31 de Julho de 2011, cerca das 12:43 horas, o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.o MN-XX-XX estava a ser conduzido na Avenida da Amizade, sob velocidade de 72 quilómetros por hora;
– o arguido B (B) é proprietário do referido veículo;
– C (C), amigo do arguido, conduziu o dito veículo naquele momento;
– naquele momento, o mesmo veículo não foi utilizado de modo abusivo;
– o arguido não chegou a fornecer dentro do prazo legal ao Corpo de Polícia de Segurança Pública dados identificativos do condutor do veículo.
2. Outrossim, o Tribunal a quo fundamentou juridicamente a sua decisão condenatória do arguido na prática de uma contravenção (por condução sob excesso de velocidade), p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 4, da LTR, de moldes seguintes (a fl. 23v dos autos):
– estando provado que o arguido não se deslocou dentro do prazo de 15 dias ao Departamento de Trânsito para proceder à identificação do real infractor, e que o veículo do arguido também não foi utilizado de modo abusivo, o arguido, sendo proprietário do veículo, é considerado, segundo o disposto nos art.os 132.o, 136.o e 85.o da LTR, responsável pela contravenção em causa nos presentes autos, pelo que de acordo com as disposições conjugadas do n.o 4 e do n.o 1, alínea 2), do art.o 85.o da LTR, o arguido, sendo proprietário do veículo, precisa de assumir a responsabilidade pela infracção praticada pelo condutor.
3. Em 4 de Agosto de 2011, foi emitida pelo Comissariado de Trânsito de Macau a carta de notificação dirigida ao sr. B, da qual consta que este deve comparecer, no prazo de 15 dias a contar da data de 8 de Agosto de 2011, no Departamento de Trânsito, para efectuar o pagamento de multa por infracção (cfr. o teor de fl. 9 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente insiste especialmente na sua devida absolvição da contravenção por que vinha condenado em primeira instância, com fundamento em que até o próprio Tribunal a quo já deu por provado que quem conduziu o veículo automóvel no momento dos factos foi outro indivíduo.
Ante os elementos pertinentes já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, é de observar, desde logo, o seguinte:
– o art.o 136.o da LTR, como faz parte da tramitação especial das infracções administrativas previstas nesta Lei, não é aplicável ao processo contravencional dos presentes autos;
– o art.o 132.o da LTR, embora já seja próprio da tramitação especial das contravenções à LTR, também não é aplicável ao caso concreto dos autos, porque do teor da notificação policial emitida em 4 de Agosto de 2011, se vê que a autoridade policial, desde início, considerou já o ora recorrente como sendo o autor da contravenção, e como tal se limitou a notificar este para comparecer no Departamento de Trânsito para pagar multa no prazo de 15 dias, e não também para, em alternativa, proceder à identificação do real autor da contravenção.
E agora cabe indagar da justeza, ou não, da invocação pelo Tribunal recorrido, do art.o 85.o, n.o 4, e n.o 1, alínea 2), da LTR para sustentar a sua decisão condenatória ora sob impugnação.
Pois bem, reza o art.o 85.o da LTR o seguinte:
– <<1. São responsáveis pelas contravenções:
1) Os proprietários, os adquirentes com reserva de propriedade, os usufrutuários ou aqueles que, a qualquer título, tenham a posse efectiva do veículo, quando se trate de infracção às disposições que condicionam a admissão do veículo ao trânsito na via pública;
2) Os condutores, quando se trate de infracção às regras, sinais de trânsito e ordens dos agentes reguladores do trânsito;
3) [...].
2. [...]
3. [...]
4. Cessa a responsabilidade referida nos n.os 1 e 2, se o proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário ou a pessoa que, a qualquer título, tenha a posse efectiva do veículo, provar que o condutor o utilizou abusivamente ou infringiu as ordens, instruções ou os termos de autorização concedida para a sua condução, recaindo, neste caso, a responsabilidade sobre o condutor.
5. [...]>> (Com sublinhado só agora posto)
Deste modo, da leitura atenta da redacção acima transcrita do art.o 85.o da LTR, resulta que a responsabilidade contravencional do proprietário do veículo referida na parte inicial da letra do n.o 4 deste artigo só pode respeitar à contravenção por “infracção às disposições que condicionam a admissão do veículo ao trânsito na via pública” como tal referida na alínea 1) do n.o 1 do mesmo artigo, e nunca à contravenção por “infracção às regras, sinais de trânsito e ordens dos agentes reguladores do trânsito” de que se fala na alínea 2) do mesmo n.o 1 do art.o 85.o em análise, porquanto para este último tipo de infracções, esta alínea 2) do n.o 1 está clara ao determinar que é o condutor do veículo que é responsável.
Fazendo a contravenção (por condução sob excesso de velocidade) p. e p. pelo art.o 98.o, n.o 4, da LTR nitidamente parte desse tipo de infracções às regras de trânsito, o arguido, pelo facto provado de ser mero proprietário do veículo e não também condutor do mesmo no concreto momento da infracção, não é, de todo em todo, responsável por essa contravenção por que vinha condenado na sentença recorrida.
Desta maneira, há que absolver o recorrente da contravenção em questão.
Entretanto, é de mandar extrair uma certidão do teor de fls. 6 a 7 e 21 a 24v dos presentes autos e do presente acórdão de recurso, e a remessa da mesma ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, para efeitos de instauração do processo contravencional contra o sr. C (C), por condução sob excesso de velocidade praticada através do veículo automóvel ligeiro n.o MN-XX-XX, no dia 31 de Julho de 2011, às 12:43 horas, na Avenida da Amizade da cidade de Macau.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso, absolvendo o arguido B da imputada prática de uma contravenção p. e p. pelo art.o 98.o, n.o 4, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário.
Sem custas em ambas as duas instâncias.
Extraia uma certidão nos termos referidos na parte final da fundamentação do presente acórdão e a remeta ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, para efeitos de instauração do procedimento contravencional contra o sr. C.
Macau, 26 de Julho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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