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Processo n.º 429/2011 Data do acórdão: 2012-7-26 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– suspensão da prescrição
– arguido ausente
– art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
1. Há vício previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, quando for patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou a Primeira Instância tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
2. A causa de suspensão (por pendência do procedimento) referida no art.o 112.o, n.o 1, alínea b), primeira parte, do Código Penal não se aplica ao arguido ausente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 429/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: B (B)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
B, 2.o arguido já melhor identificado e julgado à revelia no Processo Comum Colectivo então n.o PCC-037-03-3 do 3.o Juízo do Tribunal Judicial de Base, e actualmente n.o CR2-03-0058-PCC do 2.o Juízo Criminal desse mesmo Tribunal, ficou finalmente condenado no acórdão proferido em 3 de Maio de 2004 a fls. 733 a 743v desses autos, como co-autor material, na forma consumada, de:
– três crimes de extorsão, p. e p. pelo art.o 215.o, n.os 1 e 2, alínea a), com referência ao art.o 198.o, n.o 2, alínea g), ambos do vigente Código Penal (CP), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada;
– quatro crimes de extorsão, p. e p. pelo art.o 215.o, n.o 1, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada;
– e um crime de coacção, p. e p. pelo art.o 148.o, n.o 1, do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
– e, em cúmulo jurídico dessas oito penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão;
– bem como na obrigação solidária (com os outros dois co-arguidos do processo) de pagar aos ofendidos C e D, respectivamente, dois mil dólares de Hong Kong e três mil patacas de indemnização, arbitrada oficiosamente.
Notificado pessoalmente em 26 de Março de 2011 desse acórdão, veio interpor esse 2.o arguido recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar à decisão recorrida, na sua essência, e através das seguintes conclusões formuladas na motivação apresentada a fls. 775 a 786 dos presentes autos correspondentes, o vício de erro notório na apreciação da prova a que alude a alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), com consequente devida absolvição dele em prol do princípio de in dubio pro reo, ou, pelo menos, com devido reenvio do processo para novo julgamento, e invocar, ao mesmo tempo, a já prescrição do procedimento penal pelos crimes de extorsão simples e de coacção, para além de pedir, subsidiariamente, a aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão no crime de coacção ao abrigo do princípio do art.o 64.o do CP, e, em todo o caso, a redução das penas parcelares e da pena única:
– <<[...]
1- O recorrente foi ouvido quando estava no E.P.M., mas nunca foi constituído arguido e interrogado no processo.
2- O recorrente só teve conhecimento da existência de um processo-crime contra si instaurado, depois da acusação e julgamento, mais precisamente no momento em que entrou em Macau, em 26 de Março de 2011, altura em que foi notificado do douto acórdão.
3- Isso significa que em todas as fases do procedimento criminal, desde a notícia crime até à prolação do douto acórdão, o recorrente viu prejudicadas as suas garantias de defesa, nomeadamente de ser ouvido, dar a sua versão dos factos e carrear prova ao processo.
4- Os ofendidos são ou foram reclusos do E.P.M. e nada garante que o recorrente não esteja a ser sujeito de vindictas privadas;
5- Os ofendidos não foram examinados por médico e por perícia médico-legal, o que deixa algumas dúvidas no ar quanto às agressões que dizem ter sido vítimas:
6- Para mais que as testemunhas foram reclusos e, como se sabe, no mundo prisional há razões que a Razão desconhece;
7- O procedimento penal pelos crimes de extorsão simples e de coação deve ser declarado extinto, por via da prescrição;
8- A pena em concreto aplicada a cada um dos crimes é exagerada, para quem é primário e está integrado socialmente.
9- O julgador deve dar preferência às penas de multa;
10- O arguido não cometeu os crimes de que foi acusado, em separado ou em grupo. Aliás, pese embora esses factos terem sido dados como provados no acórdão recorrido, salvo o devido respeito por opinião contrária, face às circunstâncias referidas não é logicamente aceitável que tenha participado nas agressões aos ofendidos e esse grupo não tem consistência, sendo que se o recorrente estivesse mancomunado com os demais arguidos teria sido avisado por qualquer um deles para não regressar a Macau, por causa da existência deste processo, pelo que se verifica, na decisão recorrida, o vício de erro notório na apreciação da prova.
11- A assim não se entender, não se deve aplicar ao recorrente o cúmulo de 6 anos e três meses de prisão, mas o mínimo legal, considerando a prescrição do procedimento penal dos crimes de extorsão simples e de coação, as circunstâncias que envolveram os incidentes e a sua primo delinquência.
12- Consideram-se violadas, entre outras as seguintes normas jurídicas: arts. 64.º, 71.º, 110.º, n.º 1, c) e d), 148.º, 215.º do Código Penal e art. 400º., n. 2, alínea c) do Código de Processo Penal;
13- A interpretação e aplicação das normas atrás mencionadas deveriam ter sido de acordo com as conclusões de 1 a 11,
[...]>>.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 824 a 831 dos autos no sentido de parcial provimento do recurso, com correspondentemente devida declaração da já prescrição do procedimento penal pelo crime de coacção, com necessária reformulação do cúmulo jurídico, sendo, entretanto, intocável o demais decidido no acórdão recorrido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 857 a 859 dos autos, materialmente em sentido convergente ao da referida resposta ao recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. Os três co-arguidos do processo penal subjacente à presente lide recursória foram todos julgados à revelia em 22 de Abril de 2004 (cfr. os editais de fls. 664 e 689 dos autos e a acta da audiência de julgamento então realizada em 22 de Abril de 2004 perante o Tribunal a quo, lavrada a fls. 724 e seguintes dos autos), tendo essa data de audiência sido marcada em 10 de Novembro de 2003 (cfr. a acta de adiamento da audiência de julgamento lavrada a fls. 656 a 657 dos autos).
2. Com excepção do arguido recorrente que foi notificado pessoalmente do acórdão condenatório da Primeira Instância em 26 de Março de 2011 (cfr. o teor de fls. 815 e 815 dos autos), os outros dois co-arguidos ainda não se encontram notificados pessoalmente do acórdão condenatório da Primeira Instância (cfr. o processado de fls. 744 e seguintes dos autos, a contrario sensu).
3. Afinal, em 3 de Maio de 2004, foi proferido o seguinte acórdão em primeira instância:
– <<[...]
I- Acordam os Juizes em Tribunal Colectivo no Tribunal Judicial de Base de Macau.
  O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu a acusação contra:
  1º arguido A ou A1 (A), alcunha “A2” ou “A3”, [...];
  2º arguido B (B) , alcunha “B1”, [...]; e
  3º arguido F (F), alcunha “F1” , [...].
***
  Porquanto:

  A partir de data indeterminada os arguidos A com alcunha “A3”, B com alcunha “B1”, F com alcunha “F1”, passaram a controlar o 4º andar do bloco 5º do EPM, sendo o arguido A o “dono da rua”, desempenhava o trabalho de limpeza do referido andar.

  Sob esse pretexto, aos reclusos que para ali eram transferidos os arguidos exigiam a troco de protecção quantias monetárias, ou tiras de maços cigarros.

  A partir do mês de Junho de 2000, o ofendido G depois de ter sido transferido para a cela nº 3 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia entre MOP1.000,00 a MOP2.000,00, a título de despesa de protecção.

  Como o ofendido G disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos.

  Com medo de ser agredido novamente, o ofendido G acabou por entregar aos arguidos mensalmente uma tira de cigarros.

  Em Junho de 2000, o ofendido H depois de ter sido transferido para a cela nº 3 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia de MOP1.000,00, a título de despesas de protecção.

  Como o ofendido H disse que não tinha dinheiro, foi-lhe exigido que a partir daquela data teria de lhes entregar mensalmente uma tira de cigarros e com receio de ser agredido, o ofendido H assim o fez.

  Em Junho de 2000, o ofendido C, foi transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, três dias depois, os arguidos B e F disseram ao ofendido que o arguido A queria falar com ele e foi levado à cela n º 4 do mesmo andar, onde já se encontrava o arguido A.

  Foi de imediato agredido por estes arguidos durante 4 a 5 minutos e de seguida foi-lhe exigida a quantia de HKD10.000,00, a título de despesas de protecção.
10º
  Como o ofendido C não tinha familiares em Macau, telefonou a um amigo de Hong Kong com o nome “XX”, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, e o arguido A disse a esse amigo que eles tomavam conta do ofendido C pelo que ele tinha de lhes pagar HKD10.000,00.
11º
  Cinco dias depois, ao ofendido C, na cela nº 4, foi-lhe exigido pelos arguidos para ele telefonar outra vez ao “XX”, pelo nº 90XXXXXX, o que o ofendido fez.
12º
  Dias depois os arguidos disseram ao ofendido C que o amigo “XX” só tinha depositado HKD2.000,00 na conta indicada pelos arguidos, pelo que foi de novo agredido pelos arguidos.
13º
  No dia 6 de Junho de 2000, o ofendido I depois de ter sido transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia entre MOP3.000,00 a MOP5.000,00, a título de despesas de protecção.
14º
  Como o ofendido I disse que não tinha dinheiro, foi-lhe exigido que a partir daquela data teria de lhes entregar mensalmente uma tira de cigarros e com receio de ser agredido, o ofendido I assim o fez.
15º
  Entre o dia 13 e 15 de Junho de 2000, o ofendido J, já na cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, foi abordado pelo arguido B, sob ordens do arguido A, o qual exigiu ao ofendido o pagamento de MOP3.000,00, a título de despesas de protecção.
16º
  Como o ofendido J disse ao arguido B que não tinha dinheiro, foi de imediato agredido a soco e bofetadas.
17º
  Dias depois, o ofendido J foi conduzido pelo arguido B à presença do arguido A, e este disse ao ofendido que era o “dono da rua” e que o arguido B era do seu grupo pelo que lhe tinha de obedecer, dando ordens ao arguido B para ele fazer e decidir o que quisesse com o ofendido J.
18º
  Assim, a partir dali e como o ofendido J não tinha dinheiro para pagar, servia o arguido B em vários tipos de serviços, limpeza e pessoais.
19º
  Da mesma forma o ofendido K/L, no dia 20 de Junho de 2000, após ter sido levado à mesma cela nº 4, ali os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de MOP2.000,00, a título de despesas de protecção.
20º
  Como o ofendido K/L disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos.
21º
  E, entre os dias 6 e 7 de Agosto de 2000, o ofendido K/L foi de novo abordado pelos arguidos e estes exigiram-lhe novamente o pagamento da quantia de MOP2.000,00, mas como o ofendido disse outra vez que não tinha dinheiro foi de novo agredido por eles.
22º
  Com medo de ser agredido, o ofendido acabou por prometer entregar o seu “Pxx Txx” aos arguidos.
23º
  No princípio do mês de Julho de 2000, o ofendido M depois de ter sido transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de MOP3.000,00, a título de despesas de protecção.
24º
  Com receio de ser mal tratado, o ofendido M telefonou para a sua irmã N e para ao amigo P, com os nºs 5XXXXX e 66XXXXX, respectivamente, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, para arranjar tal quantia.
25º
  Dias depois, foi o P, amigo do ofendido, entregar tal quantia ao indivíduo desconhecido, indicado pelos arguidos.
26º
  Em Julho de 2000, quando os ofendidos Q, D e R deram entrada para a cela 5º do 4º andar do Bloco 5º, foram de imediato abordados pelos arguidos, e na cela nº 4, os arguidos A, B e F exigiram aos ofendidos, de cada um, o pagamento da quantia de MOP3.000,00 a título de despesas de protecção.
27º
  Como os ofendidos Q, D e R disseram logo aos arguidos que não tinham dinheiro, foram de imediato agredidos a soco e bofetadas.
28º
  Com medo de ser agredido novamente, o ofendido Q, a partir dali teve de entregar aos arguidos mensalmente uma tira de cigarros, fornecido pelo ofendido R.
29º
  Com o mesmo receio, o ofendido D telefonou para o seu tio S com o telemóvel fornecido pelos arguidos, pedindo a este para lhe arranjar tal quantia.
30º
  Em data indeterminada e quando o tio do ofendido D veio a Macau para visitá-lo, fez a entrega de tal quantia a um indivíduo desconhecido, subordinado do arguido A, no Bairro da Areia Preta.
31º
  O ofendido R, igualmente com medo de ser agredido, telefonou para a sua esposa T, com o nº de telefone 4XXXXX, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, pedindo a esta para lhe arranjar a quantia de MOP3.000,00.
32º
  No dia combinado, isto é, no dia 5 de Agosto de 2000, às 18 horas, na entrada do centro comercial ......, a esposa do ofendido entregou tal quantia a um indivíduo, cujas as feições fiscais foram descritas previamente pelo arguido A.
33º
  Entre os dias 24 e 25 de Julho de 2000, o ofendido U, foi transferido para a mesma cela nº 5, os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de $3.000,00, a título de despesas de protecção.
34º
  Como o ofendido U disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos e a partir dali até Outubro do mesmo ano, teve de prestar serviços de limpeza aos arguidos, como limpar cinzeiros, acender cigarros.
35º
  Em Julho de 2000, o ofendido V, foi transferido para a cela nº 5 do 4 andar do bloco 5º.
36º
  Em data indeterminada do corrente mês, na cela nº 4, os arguidos A, B e F agrediram o ofendido V.
37º
  De seguida, os arguidos A, B e F exigiram-lhe como forma de pagamento, a entrega de uma tira de cigarros, mensalmente, a título de despesas de protecção uma vez que o ofendido V alegou que não tinha dinheiro.
38º
  Os arguidos A, B e F agiram livre, voluntária e conscientemente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços, com o perfeito conhecimento que os ofendidos não tinham qualquer obrigação legal para lhes entregar dinheiro ou bem.
39º
  Os arguidos A, B , e F constrangeram os ofendidos, por meio de ameaça e de violência, para lhes exigir a eles ou a terceiros, vantagens patrimoniais, as quais sabiam não ter legalmente direito e com a intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo.
40º
  Fizeram tal como membros de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património.
41º
  Bem sabendo ser proibida e punida por lei as suas condutas.
***
  Imputa-lhes, assim, o M.P. e vêm acusados:
  O arguidos 1º arguido A ou A1 (A), 2º arguido B (B) e 3º arguido F (F), em co-autoria material e na forma consumada:
  - doze crimes de extorsão p. e p. pelos artº 215º nº 2 alínea a) com referência do artº 198º nº 2 alínea g), ambos do CPM.
***
  Mantendo-se inalterados os pressupostos processuais, procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II- FACTOS
1. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

  A partir de data indeterminada os arguidos A com alcunha “A3”, B com alcunha “B1”, F com alcunha “F1”, passaram a controlar o 4º andar do bloco 5º do EPM, sendo o arguido A o “dono da rua”, desempenhava o trabalho de limpeza do referido andar.

  Sob esse pretexto, aos reclusos que para ali eram transferidos os arguidos exigiam a troco de protecção quantias monetárias, ou tiras de maços cigarros.

  A partir do mês de Junho de 2000, o ofendido G depois de ter sido transferido para a cela nº 3 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia entre MOP1.000,00 a MOP2.000,00, a título de despesa de protecção.

  Com medo de ser agredido novamente, o ofendido G acabou por entregar aos arguidos mensalmente uma tira de cigarros.

  Em Junho de 2000, o ofendido C, foi transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, três dias depois, os arguidos B e F disseram ao ofendido que o arguido A queria falar com ele e foi levado à cela n º 4 do mesmo andar, onde já se encontrava o arguido A.

  Foi de imediato agredido por estes arguidos durante 4 a 5 minutos e de seguida foi-lhe exigida a quantia de HKD10.000,00, a título de despesas de protecção.

  Como o ofendido C não tinha familiares em Macau, telefonou a um amigo de Hong Kong com o nome “XX”, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, e o arguido A disse a esse amigo que eles tomavam conta do ofendido C pelo que ele tinha de lhes pagar HKD10.000,00.

  Cinco dias depois, ao ofendido C, na cela nº 4, foi-lhe exigido pelos arguidos para ele telefonar outra vez ao “XX”, pelo nº 90XXXXXX, o que o ofendido fez.

  Dias depois os arguidos disseram ao ofendido C que o amigo “XX” só tinha depositado HKD2.000,00 na conta indicada pelos arguidos, pelo que foi de novo agredido pelos arguidos.
10º
  No dia 6 de Junho de 2000, o ofendido I depois de ter sido transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia entre MOP3.000,00 a MOP5.000,00, a título de despesas de protecção.
11º
  Como o ofendido I disse que não tinha dinheiro, foi-lhe exigido que a partir daquela data teria de lhes entregar mensalmente uma tira de cigarros e com receio de ser agredido, o ofendido I assim o fez.
12º
  Em Julho de 2000, quando os ofendidos Q, D e R deram entrada para a cela 5º do 4º andar do Bloco 5º, foram de imediato abordados pelos arguidos, e na cela nº 4, os arguidos A, B e F exigiram aos ofendidos, de cada um, o pagamento da quantia de MOP3.000,00 a título de despesas de protecção.
13º
  Como os ofendidos Q, D e R disseram logo aos arguidos que não tinham dinheiro, o Q foi de imediato agredido a soco e bofetadas.
14º
  Com medo de ser agredido novamente, o ofendido Q, a partir dali teve de entregar aos arguidos mensalmente uma tira de cigarros, fornecido pelo ofendido R.
15º
  Com o mesmo receio, o ofendido D telefonou para o seu tio S com o telemóvel fornecido pelos arguidos, pedindo a este para lhe arranjar tal quantia.
16º
  Em data indeterminada e quando o tio do ofendido D veio a Macau para visitá-lo, fez a entrega de tal quantia a um indivíduo desconhecido, subordinado do arguido A, no Bairro da Areia Preta.
17º
  O ofendido R, igualmente com medo de ser agredido, telefonou para a sua esposa T, com o nº de telefone 4XXXXX, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, pedindo a esta para lhe arranjar a quantia de MOP3.000,00.
18º
  No dia combinado, isto é, no dia 5 de Agosto de 2000, às 18 horas, na entrada do centro comercial ......, a esposa do ofendido entregou tal quantia a um indivíduo, cujas as feições fiscais foram descritas previamente pelo arguido A.
19º
  Entre os dias 24 e 25 de Julho de 2000, o ofendido U, foi transferido para a mesma cela nº 5, os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de $3.000,00, a título de despesas de protecção.
20º
  Como o ofendido U disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos e a partir dali até Outubro do mesmo ano, teve de prestar serviços de limpeza aos arguidos, como limpar cinzeiros, acender cigarros.
21 º
  Em Julho de 2000, o ofendido V, foi transferido para a cela nº 5 do 4 andar do bloco 5º.
22º
  Em data indeterminada do corrente mês, na cela nº 4, os arguidos A, B e F agrediram o ofendido V.
23º
  De seguida, os arguidos A, B e F exigiram-lhe como forma de pagamento, a entrega de uma tira de cigarros, mensalmente, a título de despesas de protecção uma vez que o ofendido V alegou que não tinha dinheiro.
24º
  Os arguidos A, B e F agiram livre, voluntária e conscientemente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços, com o perfeito conhecimento que os ofendidos não tinham qualquer obrigação legal para lhes entregar dinheiro ou bem.
25º
  Os arguidos A, B e F constrangeram os ofendidos, por meio de ameaça e de violência, para lhes exigir a eles ou a terceiros, vantagens patrimoniais, as quais sabiam não ter legalmente direito e com a intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo.
26º
  Fizeram tal como membros de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património.
27º
  Bem sabendo ser proibida e punida por lei as suas condutas.
***
  Os ofendidos C e D desejam indemnização.
***
  Consta em desabono do 1º arguido A ou A1 (A) do seu CRC junto aos autos, o seguinte:
  - por acórdão de 22/09/2000 do Comum Colectivo, nº PCC-009-00-5 do 5º Juízo, foi condenado na pena de dois anos de prisão, pela pratica de um crime de roubo na forma consumada p. e p. pelo artº 204º nº 1 do Código Penal.
  Quanto aos 2º arguido B (B) e 3º arguido F (F), nada constam em desabono dos seus CRCs juntos aos autos.
***
2. Não se provaram os seguintes factos da douta acusação:
  - Como o ofendido G disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos;
  - Em Junho de 2000, o ofendido H depois de ter sido transferido para a cela nº 3 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram a este ofendido o pagamento da quantia de MOP1.000,00, a título de despesas de protecção;
  - Como o ofendido H disse que não tinha dinheiro, foi-lhe exigido que a partir daquela data teria de lhes entregar mensalmente uma tira de cigarros e com receio de ser agredido, o ofendido H assim o fez;
  - Entre o dia 13 e 15 de Junho de 2000, o ofendido J, já na cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, foi abordado pelo arguido B, sob ordens do arguido A, o qual exigiu ao ofendido o pagamento de MOP3.000,00, a título de despesas de protecção;
  - Como o ofendido J disse ao arguido B que não tinha dinheiro, foi de imediato agredido a soco e bofetadas;
  - Dias depois, o ofendido J foi conduzido pelo arguido B à presença do arguido A, e este disse ao ofendido que era o “dono da rua” e que o arguido B era do seu grupo pelo que lhe tinha de obedecer, dando ordens ao arguido B para ele fazer e decidir o que quisesse com o ofendido J;
  - Assim, a partir dali e como o ofendido J não tinha dinheiro para pagar, servia o arguido B em vários tipos de serviços, limpeza e pessoais;
  - Da mesma forma o ofendido K/L, no dia 20 de Junho de 2000, após ter sido levado à mesma cela nº 4, ali os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de MOP2.000,00, a título de despesas de protecção;
  - Como o ofendido K/L disse que não tinha dinheiro foi de imediato agredido pelos arguidos;
  - E, entre os dias 6 e 7 de Agosto de 2000, o ofendido K/L foi de novo abordado pelos arguidos e estes exigiram-lhe novamente o pagamento da quantia de MOP2.000,00, mas como o ofendido disse outra vez que não tinha dinheiro foi de novo agredido por eles;
  - Com medo de ser agredido, o ofendido acabou por prometer entregar o seu “Pxx Txx” aos arguidos;
  - No princípio do mês de Julho de 2000, o ofendido M depois de ter sido transferido para a cela nº 5 do 4º andar do bloco 5º, os arguidos A, B e F exigiram ao ofendido o pagamento da quantia de MOP3.000,00, a título de despesas de protecção;
  - Com receio de ser mal tratado, o ofendido M telefonou para a sua irmã N e para ao amigo P, com os nºs 5XXXXX e 66XXXXX, respectivamente, com o telemóvel fornecido pelos arguidos, para arranjar tal quantia; e
  - Dias depois, foi o P, amigo do ofendido, entregar tal quantia ao indivíduo desconhecido, indicado pelos arguidos.
  E não se provaram quaisquer outros da douta acusação e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente.
***
3. A convicção do Tribunal baseou-se na análise critica da prova constante nos autos, das leituras de declarações para a memória futura e dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
***
III- ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Antes de mais, e face à matéria de facto provada, o Tribunal entende que deve absolver os arguidos de quatro crimes de extorsão qualificada contra H, J e K, por não provados.
*
  O artº 215º nº 1 e nº 2 alínea a) do CPM preceitua o seguinte:
  “1. Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
  2. Se se verificarem os requisitos referidos:
  a) Nas alíneas a), f) ou g) do nº 2 do artigo 198º, ou na alínea a) do nº 2 do artigo 204º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;
  …”
  E a alínea g) do nº2 do artº 198º do CPM diz:
  “g) como membro de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do grupo, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.”
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  Ora, da factualidade apurada, dúvidas não restam de que os três arguidos apenas praticaram três crimes de extorsão qualificada nas pessoas de C, D e R.
  Por outro lado, atenta o disposto no artº 198º nº 4 do CPM, os três arguidos ainda praticaram quatro crimes de extorsão simples nas pessoas de G, I, Q e V, visto que estes foram obrigados a ceder, cada um, mensalmente, uma tira de cigarros.
  Finalmente, dos factos ilícitos praticados pelos arguidos na pessoa do ofendido U, o Tribunal entende que apenas incorreram na prática de um crime de coacção p.p.p. artº 148º nº1 do CPM.
  Efectivamente, o número um desse artigo dispõe o seguinte: “Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
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  Tal convolação da qualificação jurídica é permissível nos termos do artº 339º do CPPM, uma vez que não corresponde a qualquer alteração substancial dos factos e a própria moldura abstracta das penas são menores.
  Com efeito, e a título de mera referência académica, no entendimento do Supremo Tribunal de Portugal, ao arguido compete defender-se dos factos que lhe são imputados e não da sua qualificação jurídica e, por isso, o tribunal é livre na qualificação jurídica desses factos, podendo mesmo alterar a que lhe foi dada na acusação ou na pronúncia, mas com o limite de que a pena do arguido deve conter-se no limite máximo da incriminação atribuída na acusação ou pronúncia; sendo este também o entendimento da Sra. Prof. Teresa Pizarro Beleza (cf. Ac. STJ Proc. 96P606, de 24/10/96 e Ac. STJ Proc. 120, de 2/5/96; e “As Variações do Objecto do Processo no Código de Processo Penal de Macau” pg. 23, comunicação apresentada em Macau pela Sra. Prof. Teresa Pizarro Beleza.),
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  Encontrado os tipos e vista as molduras abstractas da pena, há agora que apurar a medida concreta da pena.
  Quanto ao crime de coacção, embora seja susceptível de aplicar, em alternativa, uma pena privativa e uma pena não privativa de liberdade, e apesar de a lei dá preferência à segunda (artº 64º do CPM), contudo o Tribunal entende que a multa não assegura, neste caso, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, ou seja a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artº 40º do CPM).
  Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artº 65º do CPM, atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em conta o grau de ilicitude, o modo de execução, gravidade das consequências, o grau da violação dos deveres impostos, intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado.
  O 1º arguido já não é delinquente primário.
  Releva para o caso não só a gravidade dos crimes perpetrados por estes, atenta a sua natureza, mas também e principalmente as exigências da prevenção criminal, mormente ao nível da ordem pública e a própria insegurança pessoal que ressentia no interior de uma instituição prisional.
  Demais, salienta-se o protagonismo do 1º arguido, nomeadamente por arvorar-se como “dono da rua” para extorquir os outros reclusos.
  E a aplicação da pena concreta em relação a cada um dos arguidos, terá de atender, por um lado, em função da culpa concreta de cada um e, por outro, às exigências da prevenção criminal.
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  E ao cometerem os factos ilícitos acima descritos, terão os arguidos incorridos no dever de indemnizarem, solidariamente, aos ofendidos C e D, verificando-se como se verificam os pressupostos da responsabilidade civil à luz do artº 74º do CPPM e dos artºs 477º, 483º e 490º do CCM.
  Tudo visto e ponderado, resta decidir.
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IV- DECISÃO
  Nos termos e fundamentos expostos, na procedência parcial da acusação, operada a convolação, o Tribunal:
  a) Absolve os arguidos de quatro crimes de extorsão qualificada de que vinham imputados, por não provados;
  b) Condena o 1º arguido A ou A1 (A) na pena de três (3) anos e nove (9) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos três crimes de extorsão p. e p. pelos artº 215º nºs 1 e 2 alínea a), com referência do artº 198º nº 2 alínea g), ambos do CPM; na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos quatro crimes de extorsão p. e p. pelo artº 215º nº 1 do CPM; e na pena de nove (9) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção p. e p. pelo artº 148º nº 1 do CPM.
  Em cúmulo, vai o 1º arguido A ou A1 (A) condenado na pena única e global de sete (7) anos de prisão;
  c) Condena o 2º arguido B (B) na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos três crimes de extorsão p. e p. pelos artº 215º nºs 1 e 2 alínea a), com referência do artº 198º nº 2 alínea g), ambos do CPM; na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos quatro crimes de extorsão p. e p. pelo artº 215º nº 1 do CPM; e na pena de sete (7) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção p. e p. pelo artº 148º nº 1 do CPM.
  Em cúmulo, vai o 2º arguido B (B) condenado na pena única e global de seis (6) anos e três (3) meses de prisão;
  d) Condena o 3º arguido F (F) na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos três crimes de extorsão p. e p. pelos artº 215º nºs 1 e 2 alínea a), com referência do artº 198º nº 2 alínea g), ambos do CPM; na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de cada um dos quatro crimes de extorsão p. e p. pelo artº 215º nº 1 do CPM; e na pena de sete (7) meses de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção p. e p. pelo artº 148º nº 1 do CPM.
  Em cúmulo, vai o 3º arguido F (F) condenado na pena única e global de seis (6) anos e três (3) meses de prisão;
  e) Condenam os três arguidos a pagarem, solidariamente, aos ofendidos C e D a indemnização nos montantes de HK$2.000,00 e MOP$3.000,00, respectivamente, a título de danos patrimoniais por estes sofridos. E a tais quantias acrescerão os juros vincendos à taxa legal;
  f) Vão ainda os arguidos condenados em seis Ucs de taxa de justiça (individual) e nas custas do processo (solidárias), com duas mil patacas de honorários (individual) a favor dos Exmºs Defensores a adiantar pelo Gabinete do Presidente do T.U.I, bem como a quantia de setecentas patacas (individual) nos termos do artº 24º da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto.
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  Passe mandados de detenção contra os arguidos nos termos do artº 317º nº2 do CPPM.
  Notifique e boletins ao Registo Criminal.
  [...]>> (cfr. o teor de fls. 733 a 743v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Por outro lado, cabe notar que não tendo os outros dois co-arguidos julgados à revelia sido ainda notificados pessoalmente do acórdão condenatório proferido em primeira instância, não pode o presente Tribunal ad quem conhecer da eventual responsabilidade penal deles dois, mesmo que se trate de situação de co-autoria com o ora recorrente.
É, assim, de começar por analisar a primeira questão posta pelo recorrente, atinente ao vício de erro notório na apreciação da prova.
Em muitos outros recursos penais anteriormente julgados por este TSI, sempre se diz que há vício previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, quando for patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou a Primeira Instância tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
No caso concreto dos autos, após analisados os elementos probatórios então carreados aos autos e referidos na fundamentação do acórdão recorrido, realiza o presente Tribunal ad quem que não é manifesto que o resultado de julgamento da matéria de facto a que chegou os M.mos Julgadores da Primeira Instância tenha sido viciado nos termos acima definidos pelo conceito jurisprudencial do vício da alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Improcede, pois, o recurso nesta primeira parte.
E agora quanto à invocada já prescrição do procedimento penal pelos crimes de extorsão simples e de coacção: assiste razão ao recorrente, mas tão só no referente ao crime de coacção.
De facto, estando os factos do crime de coacção de que foi ofendido U reportados ao período compreendido entre 24 e 25 de Julho de 2000 (cfr. os factos provados 19 e 20, descritos nas páginas 12 a 13 do texto do acórdão recorrido, a fls. 738v a 739 dos autos), e tendo a audiência de julgamento à revelia do recorrente sido marcada em 10 de Novembro de 2003, o prazo normal de cinco anos de prescrição do procedimento penal por este crime tinha que ser contado tudo de novo a partir de 10 de Novembro de 2003 (cfr. os art.os 148.o, n.o 1, e 110.o, n.o 1, alínea d), 111.o, n.o 1, 113.o, n.o 1, alínea d), do CP). E não sendo aplicável a causa de suspensão (por pendência do procedimento) referida no art.o 112.o, n.o 1, alínea b), primeira parte, do CP (por o recorrente ser um “ausente”), o prazo “total” de sete anos e seis meses (i.e., o prazo normal de 5 anos de prescrição, acrescido de metade), contado de 24 de Julho de 2000 (cfr. os art.os 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP), já se completou muito antes da data em que o recorrente foi notificado pessoalmente do acórdão recorrido.
Enquanto para os quatro crimes de extorsão simples, todos com data de prática reportada a Junho ou a Julho de 2000, é manifesto que o procedimento penal do recorrente por estes quatro crimes ainda não está prescrito, precisamente porque o prazo normal de dez anos de prescrição do procedimento do recorrente por estes quatro crimes (cfr. os art.os 215.o, n.o 1, e 110.o, n.o 1, alínea c), do CP), contado tudo de novo a partir de 10 de Novembro de 2003, só se completará em 10 de Novembro de 2013.
Com isso, já fica prejudicada a abordagem da questão então subsidiariamente posta por ele, de pretendida aplicação da pena de multa ao crime de coacção.
No tangente à medida da pena, afiguram-se justas e equilibradas, aos padrões plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, as penas parcelares já achadas pelo Tribunal a quo para o arguido recorrente, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de três crimes de extorsão qualificada do art.o 215.o, n.os 1 e 2, alínea a), do CP (punidos, cada um dos quais, concretamente com pena parcelar idêntica de 3 anos e 6 meses de prisão) e de quatro de extorsão simples do art.o 215.o, n.o 1, do CP (punidos concretamente, cada um dos quais, com pena parcelar idêntica de 2 anos e 6 meses de prisão), vistas as respectivas mulduras penais aplicáveis e tendo em conta também as necessidades de prevenção geral desses crimes.
Em sede de cúmulo jurídico dessas sete penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido ao arguido ora recorrente pelos ditos crimes de extorsão, é de passar a impor-lhe, nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, e, pois, dentro da moldura penal da pena única de prisão de 3 anos e 6 meses a 20 anos e 6 meses, a pena única de 6 (seis) anos e 1 (um) mês de prisão.
Em suma, só se altera a decisão recorrida no respeitante à pena única do recorrente, por efeito da agora declaração de extinção do procedimento penal do crime de coacção por que vinha condenado em primeira instância.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B, declarando já prescrito o procedimento penal pelo crime de coacção por que vinha condenado em primeira instância, e passando a impor-lhe a pena única de 6 (seis) anos e 1 (um) mês de prisão, pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de três crimes de extorsão do art.o 215.o, n.os 1 e 2, alínea a), do Código Penal (punidos, cada um dos quais, com pena de 3 anos e 6 meses de prisão) e de quatro de extorsão do art.o 215.o, n.o 1, do mesmo Código (punidos, cada um dos quais, com pena de 2 anos e 6 meses de prisão).
Pagará o recorrente as custas do recurso na parte que decaiu, com cinco UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 26 de Julho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 429/2011 Pág. 1/29