打印全文
Processo n.º 51/2012 Data do acórdão: 2012-7-26
  Assuntos:
– condução em estado de embriaguez
– suspensão da execução da prisão
– art.o 101.o, n.o 1, do Código Penal
– declaração de perdimento do veículo
S U M Á R I O
Se o tribunal a quo já decidiu suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez, isto representou naturalmente para esse tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já conseguiriam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e se assim fosse, então já seria pouco razoável concluir o mesmo tribunal, ao decidir pela declaração de perdimento do veículo então conduzido pelo arguido, que a posse do veículo pelo arguido “traduz um perigo sério de o arguido o vir a utilizar novamente para a prática de ilícito semelhante...”, daí que há que revogar a decisão de declaração de perdimento do veículo, então tomada com citação do art.o 101.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 51/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (XXX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguido já melhor identificado no Processo Sumário n.º CR2-11-0190-PSM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), da sentença proferida a fls. 17 a 21 desses autos, na parte em que se declarou perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.o MJ-XX-XX, na sequência da condenação dele como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da vigente Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de seis meses de prisão (suspensa na sua execução por três anos, sob condição de entrega, dentro de noventa dias, de doze mil patacas de contribuição à Caritas de Macau), e na inibição de condução pelo período de dois anos, para rogar a revogação de tal declaração de perdimento do veículo, por entender, em síntese, que essa decisão judicial, para além de ter duvidosa razoabilidade, é rara na jurisprudência dos tribunais de Macau, e que não se verificam in casu os presspostos de aplicação do art.o 101.o do Código Penal (CP) (cfr. a motivação de recurso a fls. 25 a 33 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público no sentido de procedência da pretensão do recorrente, por se lhe afigurar excessiva e não justificada a decisão impugnada (cfr. a resposta de fls. 40 a 43 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fl. 51 dos autos), opinando pela manifesta desproporção da decisão de declaração de perdimento do carro.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e com audiência realizada, cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. O Tribunal a quo deu materialmente por provado que:
– no dia 8 de Outubro de 2011, cerca das 23:43 horas, o arguido ora recorrente conduziu numa avenida o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.o MJ-XX-XX, sob 1,31 gramas por litro de álcool no sangue, e o fez de modo livre, consciente e deliberado, sabendo que a sua conduta era proibida;
– o arguido foi condenado em 14 de Abril de 2011 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de três meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de cem patacas, e na inibição de conduzir pelo período de um ano e três meses, suspensa na sua execução por dezoito meses, tendo utilizado ele o veículo automóvel de matrícula n.o MJ-XX-XX;
– o arguido, por factos praticados em 3 de Maio de 2010, conduziu o veículo automóvel de matrícula n.o MJ-XX-XX, com uma taxa de álcool de 1,1 gramas por litro, tendo pago seis mil patacas de multa.
2. O Tribunal a quo acabou por condenar o arguido como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR, na pena de seis meses de prisão (suspensa na sua execução por três anos, sob condição de entrega, dentro de noventa dias, de doze mil patacas de contribuição à Caritas de Macau), e na inibição de condução pelo período de dois anos, com simultânea declaração de perdimento do veículo automóvel n.o MJ-XX-XX.
3. E o mesmo Tribunal fundamentou a dita decisão de declaração de perdimento nos seguintes termos:
– <> (Cfr., em especial, o teor do 3.o parágrafo de fl. 20 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que no fundo, o arguido se limitou a atacar, no recurso, a justeza da decisão de declaração de perdimento do veículo automóvel ligeiro n.o MJ-XX-XX.
Ante os elementos já acima coligidos dos autos, afigura-se ao presente Tribunal ad quem que se o Tribunal a quo já decidiu suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido (sob condição de entrega de uma contribuição pecunária a favor da Caritas de Macau), isto representou naturalmente para o próprio Tribunal a quo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já conseguiriam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. o critério material para a suspensão da execução da pena de prisão, exigido no art.o 48.o, n.o 1, do CP), e se assim fosse, então já seria pouco razoável concluir esse mesmo Tribunal, ao decidir pela declaração de perdimento do veículo, que a posse do veículo pelo arguido “traduz um perigo sério de o arguido o vir a utilizar novamente para a prática de ilícito semelhante...”.
Dest’arte, é de revogar a decisão de declaração de perdimento, sem mais outra indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso, revogando a decisão recorrida que declarou perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.o MJ-XX-XX.
Sem custas pelo recurso.
Fixam em mil patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso que minutou o recurso, e em trezentas patacas os do Ex.mo Defensor que representou o arguido na audiência desta Segunda Instância, tudo a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 26 de Julho de 2012.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 51/2012 Pág. 1/7