打印全文
Processo nº 250/2012 Data: 27.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de ofensa à integridade física por negligência.
Pena.
Pedido civil.
Execução da sentença.



SUMÁRIO

1. Não se mostra excessiva a pena de multa de 180 dias de multa, (à taxa de MOP$100.00 por dia), achada dentro de uma moldura com um limite mínimo de 130 dias e máximo de 360, aplicada ao autor da, prática de um crime de “ofensa à integridade física por negligência” e que causou lesões consideráveis ao ofendido, nomeadamente, a incapacidade parcial permanente de 30%.

2. No que toca a “danos patrimoniais”, provada a sua ocorrência, mas não estando apurado o seu valor, deve o Tribunal condenar no que se vier e liquidar em sede de execução da sentença.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 250/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar B (B), arguida com os sinais dos autos, como autora da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 e 3 do C.P.M. na pena de 180 dias de multa, à razão de MOP$100.00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$18,000.00, convertível em 120 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 6 meses.

Quanto ao pedido civil pela demandante C (C) enxertado nos autos, julgou-o o Colectivo parcialmente procedente, condenando a demandada ‘COMPANHIA DE SEGUROS XXX S.A.R.L.” no pagamento de MOP$965,029.92 e juros; (cfr., fls. 391-v a 392 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformadas com o assim decidido, recorreram a arguida e a demandada seguradora, tendo a demandante interposto também recurso subordinado.

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 383-v a 385-v, que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Mostra-se de começar pelo “recurso da arguida”.

Coloca tão só a mesma a questão da adequação da pena que lhe foi imposta.

Pede a redução da pena de multa para a de 90 dias de multa, o mesmo sucedendo com a de inibição de condução, pedindo a sua redução para 3 meses.

Pois bem, ao crime de “ofensa grave à integridade física por negligência” cabe a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

Adequada se nos afigurando a opção feita ao abrigo do art. 64° do C.P.M. pela pena não privativa de liberdade, importa ter presente que nos termos do art. 45° do mesmo Código:

“1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 65.º, tendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

3. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.

4. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes”.

Por sua vez, estatui o art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 que:

“1. Os crimes por negligência cometidos no exercício da condução são punidos com as penas cominadas na lei geral agravadas, no seu limite mínimo, com um terço da sua duração máxima, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal”.
(…)

Perante isto, e sendo assim o limite mínimo aqui em causa de 130 dias de multa, não parece de considerar a pena de 180 dias de multa excessiva, sendo de se julgar improcedente o recurso na parte em questão.

Quanto à pena acessória de “inibição de condução”.

Estatui o art. 94° da Lei n.° 3/2007 que:

“Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por:

1) Qualquer crime cometido no exercício da condução;

2) Fuga à responsabilidade, nos termos do artigo 89.º;

3) Falsificação, remoção ou ocultação de elementos identificadores de veículos;

4) Falsificação de carta de condução ou de documento substitutivo ou equivalente;

5) Furto ou roubo de veículo;

6) Furto de uso de veículo;

7) Qualquer crime doloso, desde que a posse da carta de condução seja susceptível de oferecer ao seu titular oportunidades ou condições especialmente favoráveis para a prática de novos crimes”.

E, atenta a moldura penal em questão, (2 meses a 3 anos), e à gravidade das lesões causadas, também aqui não se mostra de considerar inflacionada a pena de 6 meses de inibição de condução, com o que improcede o recurso da arguida.

3.1. Do “recurso da seguradora”.

Coloca a mesma a questão da adequação da proporção de culpas fixada pelo Colectivo a quo, em 80% para a arguida e 20% para a ofendida demandante, pedindo uma repartição igualitária para ambos, considerando também não justificada a indemnização no que toca aos danos patrimoniais e excessiva a indemnização por danos não patrimoniais.

Certo sendo que inexistem vícios da matéria de facto, (cfr., art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do C.P.P.M.), vejamos se tem a demandada seguradora razão.

No que toca à repartição de culpas, cremos que motivos não há para se alterar o decidido pelo Tribunal a quo que fixou em 80% a culpa da arguida, e 20% a da ofendida.

De facto, está provado que a ofendida atravessou a via fora da passadeira para peões, fazendo-o de forma cruzada.

Como tal, e sendo evidente que deu também causa ao acidente, mostra-se-nos porém de considerar que, in casu, a maior percentagem da culpa deve ser atribuída a arguida, já que provado está que circulava com “velocidade excessiva”, em dia que o pavimento estava molhado e escorregadio, portanto, quando devia circular com “cuidados acrescidos”.

Quanto aos montantes indemnizatórios.

O Colectivo a quo fixou o quantum total de MOP$1.206.287,40. resultante da soma das seguintes parcelas:
- MOP$281.990,50, como “indemnização das despesas de tratamento e equipamento médico, curso de natação e perda de rendimento”;
- MOP$320.000,00, como “indemnização pela perda de rendimentos futuros”;
- MOP$540.000,00, a título de “indemnização por danos não patrimoniais”;
- MOP$10.043,00, a título de “indemnização por custas acrescidas de tratamento”;
- MOP$482.90, a título de indemnização por custas acrescidas de medicamentos;
- MOP$705.00, a título de “indemnização por custas de trânsito”; e
- MOP$400.00, a título de indemnização do curso de natação acrescidas.

Seguidamente, atenta a percentagem de culpa da ofendida (20%), decidiu arbitrar o quantum de MOP$965.029,92 a título de indemnização patrimonial e não patrimonial; (MOP$1,206,287.40 × 80%)

Começando pela indemnização por “danos não patrimoniais”, fixada em MOP$540.000,00; tendo em conta as lesões sofridas, o tempo de recuperação – 720 dias – e que sofre a demandante de uma “deficiência”, (incapacidade permanente parcial de 30%), cremos que adequado é o montante em questão.

Quanto à “indemnização pela perda de rendimentos futuros” fixou-se o montante de MOP$320.000,00.

Pedia a demandante MOP$2.520.000,00, e, como se viu, arbitrou o Colectivo um quantum bem mais inferior, (MOP$320.000,00).

A factualidade provada dá-nos apenas conta que a demandante auferia MOP$10.000,00 por mês, não existindo, em nossa opinião, outros elementos úteis para a decisão.

Perante a falta de elementos, afigura-se-nos mais adequado, fazer intervir o preceituado no art. 564°, n.° 2 do C.P.C.M. – onde se prescreve que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida” – remetendo-se tal decisão para execução da sentença.

Como em Ac. deste T.S.I. de 29.03.2012, Proc. n.° 31/2012, se decidiu: “no que toca a “danos patrimoniais”, provada a sua ocorrência, mas não estando apurado o seu valor, deve o Tribunal condenar no que se vier e liquidar em sede de execução da sentença”.

Quanto à indemnização das despesas de tratamento e equipamento médico, curso de natação e perda de rendimentos, verifica-se que o Colectivo a quo chegou ao quantum de MOP$281.990,50 considerando o que segue:

“Foi de MOP$43,582.00 a custa de internamento até 13 de Julho de 2009 e do tratamento após sair do hospital, de MOP$43,558.00 a custa de internamento no Centro Hospitalar Conde S. Januário e de tratamento nas clínicas, de MOP$3,910.50 a custa de medicamentos, de MOP$70 a custa de pneu, de MOP$2,100.00 a custa dos equipamentos médicos, de MOP$284.00 a custa dos equipamentos de natação, de MOP$1,680.00 o curso de natação, de MOP$2,806.00 a custa de tomar táxi, de MOP$700.00 a custa de tomar autocarro e de MOP$183,300.00 a perda de rendimento”.

Atenta a factualidade dada como provada, cremos que se mostra de confirmar o montante de MOP$43,582.00, relativo às despesas no Hospital Kiang Wu, o de MOP$3,900.50 a título de medicamentos conforme instruções do médico, o de MOP$70.00, pelo preço do pneu para aliviar o sofrimento, o de MOP$2,100.00, por equipamentos médicos e os de MOP$1,680.00 e MOP$284.00 pelo curso de natação e equipamentos, não se mostrando de confirmar o montante de MOP$43,558.00, alegadamente gasto no Centro Hospitalar Conde S. Januário, porque não provado, assim como o de MOP$2,806.00 a título de despesas de táxi, pois que provado não está tal quantum, pelo que na parte em questão, adequada nos parece a solução atrás avançada de se remeter para execução da sentença.

Resta o montante de MOP$183,300.00 a título de perda de rendimentos, e provado estando que a ofendida auferia MOP$10,000.00 por mês, e que não pode trabalhar por 18 meses e 20 dias, censura não merece o decidido.

Por fim, quanto aos montantes de MOP$10,043.00, MOP$ 482.90, MOP$705.00, MOP$400.00 e MOP$52,666.00, arbitrados a título de indemnização por “despesas acrescidas várias”, afigura-se que a decisão do seu arbitramento não se pode manter, pois que a mesma não tem apoio na matéria de facto provada.

Assim, o presente recurso procede parcialmente.

3.2. Do “recurso subordinado”.

No seu recurso (subordinado), pede a demandante que o quantum fixado a título de perda de rendimentos seja aumentado de MOP$320,000.00 para MOP$700,000.00.

Ora, não se mostrando de censurar a decisão da matéria de facto, pois que não padece a mesma de qualquer dos vícios do art. 400.°, n.° 2 do C.P.P.M., e tendo em conta o decidido quanto a esta questão no âmbito do recurso da demandada seguradora – onde se entendeu remeter a mesma para execução da sentença – visto está que sobre a mesma nada mais há a dizer.

Pretende também a ora recorrente que seja a demandada condenada no pagamento de uma indemnização pelas despesas que teve com o “período posterior a 08.07.2011”; (cfr., concl. 9).

Ora, inexistindo factualidade que suporte tal pretensão, haverá que julgar improcedente o recurso nesta parte.

Apreciadas ficando assim todas as questões colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso da arguida, julgando-se parcialmente procedente o recurso da demandada seguradora, e parcialmente improcedente o recurso subordinado da demandante.

Pagará a arguida a taxa de justiça de 5 UCs, respondendo também as recorrentes civis pelas custas que lhes couberem de acordo com a proporção do seu decaimento.

Honorários aos Exmos. Defensores da arguida e do ofendido, no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 27 de Setembro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido parcialmente quanto à solução da causa civil enxertada nos autos penais subjacentes, nos termos vertidos na declaração ora apendiculada).





Declaração de voto ao Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 250/2012
Votei parcialmente vencido no Acórdão hoje emitido por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos de recurso penal n.o 250/2012 na solução aí dada ao recurso da companhia seguradora e ao recurso subordinado da demandante civil ofendida, por seguintes razões, essencialmente:
1. Nos art.os 21.o a 28.o da motivação do recurso da seguradora (concretamente a fls. 420 a 421 dos autos), esta arguiu expressamente o vício de nulidade previsto no art.o 571.o, n.o 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por entender que a decisão final do Tribunal recorrido sobre os pedidos suplementares de indemnização cível foi tomada com base em factos não descritos como provados na fundamentação fáctica (na Parte II) do acórdão impugnado.
2. A este propósito, constato, depois de lido o teor do acórdão recorrido, que o Tribunal recorrido chegou a referir, na parte da fundamentação jurídica (Parte III) da sua decisão final sobre os ditos pedidos suplementares de indemnização (cfr. os pontos 5 a 9 das páginas 17 a 18 do acórdão recorrido, concretamente a fls. 390 a 390v dos autos), factos tidos por reconhecidos mas não previamente referidos na fundamentação fáctica (cfr. o teor do acórdão recorrido, a partir dos últimos quatro parágrafos da sua página 4 até aos dois primeiros parágrafos da página 8, concretamente a fls. 383v a 385v dos autos) do seu mesmo acórdão.
3. Como realizo que esses “factos tidos por reconhecidos”, então inclusivamente articulados nos pedidos suplementares em questão, não são materialmente incompatíveis com o teor daqueles factos concretamente descritos como provados na fundamentação fáctica do acórdão, o teor dos mesmos “factos tidos por reconhecidos” não devem ser considerados como abrangidos nas seguintes passagens escritas de modo genérico pelo Tribunal recorrido para indicar os factos não provados na parte final da fundamentação fáctica do seu acórdão (cfr. o teor das 7.a e 8.a linhas da página 8 do acórdão, a fl. 385v dos autos): Consideram-se não provados os restantes factos constantes da petição cível, das contestações cíveis, do pedido superveniente de ampliação e da resposta a este que sejam incompatíveis com os factos dados por provados.
4. Nesses parâmetros, perante a redacção actual da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, e a objecção concreta da recorrente seguradora, opino que o Tribunal recorrido não cumpriu o seu dever de responder aos sujeitos processuais do pedido civil, na parte da fundamentação fáctica do seu aresto, se os “restantes” factos articulados no pedido superveniente de ampliação e na resposta a este que fossem materialmente compatíveis com os factos já dados por provados devessem ser dados também por provados. Nesta perspectiva, o Tribunal recorrido incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como tal referida no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
5. Daí que há que reenviar todo o objecto do pedido superveniente de ampliação do pedido cível de indemnização para novo julgamento pelo Tribunal Judicial de Base (art.o 418.o, n.o 1, do CPP), o que prejudica o conhecimento do pedido formulado na motivação do recurso subordinado da ofendida demandante no tangente à pretendida procedência total do seu pedido de ampliação do pedido cível.

O primeiro juiz-adjunto,
                
Chan Kuong Seng

Proc. 250/2012 Pág. 20

Proc. 250/2012 Pág. 1