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Processo nº 565/2012 Data: 26.07.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “detenção de estupefaciente para consumo”.
Medida da pena.
Teoria da margem de liberdade.

SUMÁRIO

Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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Jose Maria Dias Azedo

Processo nº 565/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em processo sumário respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “detenção de estupefaciente para consumo”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; (cfr., fls. 59 a 62 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu para, em síntese, manifestar a sua discordância com a pena fixada, pedindo também a suspensão da sua execução; (cfr., fls. 67 a 69).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela total confirmação da sentença recorrida; (cfr., fls. 73 a 79).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cinge-se o inconformismo do recorrente à medida concreta da pena de 2 meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada, que considera exagerada, pugnando ainda pela suspensão de execução da mesma, fundado, no essencial, na confissão, contrição e submissão voluntária a desintoxicação.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Por um lado, atenta a moldura penal abstracta aplicável, os circunstancialismos concretos apurados e todos os elementos relevantes a que se reporta o art° 65°, CP, de que cumpre destacar o largo passado criminal do visado, afigura-se-nos que a medida concreta alcançada, “malgré” a confissão e contrição anunciadas, a sofrer de algum reparo seria certamente por excessiva benevolência.
Depois, o julgador “a quo” não se furtou a expressar, de forma clara, suficiente e congruente, os motivos por que entendeu não suspender a execução da pena aplicada, motivos esses que não podem deixar de merecer a nossa aquiescência e que se prendem, no essencial, com o já apontado passado criminal do recorrente (12 condenações sofridas, quer com penas de multa, quer de prisão suspensa, quer de prisão efectiva), tendo o mesmo praticado os actos delituosos sob escrutínio menos de 1 ano após ter saído da prisão, tudo apontado, pois, claramente, no sentido de que a simples censura do facto e a mera ameaça da prisão não serão passíveis de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, sendo que, além do mais, fortes razões de prevenção, quer geral, quer especial, vivamente desaconselham a suspensão almejada.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, entendemos não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 238 a 239).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está dada como provada a seguinte factualidade:

“Em 7 de Maio de 2012, à 01H10, os guardas do Corpo da Polícia de Segurança Pública, ao realizarem a operação stop na Rua da XX, nas proximidades do Edf. XX, viram que o arguido estava com um comportamento suspeitoso e, consequentemente, interceptaram-no. Na altura, os guardas encontraram no bolso dianteiro do lado direito das calças do arguido uma palhinha transparente e completamente selada, onde continha um comprimido azul e dois objectos brancos que foram suspeitos de substâncias psicotrópicas – “Midazolam (designada vulgarmente por Nam Cheng Leng)” e “Heroína”.
Após ter sido examinado no laboratório da Polícia Judiciária, averiguou-se que o referido comprimido azul continha Midazolam, com peso líquido de 0,186 gramas, sendo substância abrangida pela tabela IV anexa à Lei n.º 17/2009; e os dois objectos brancos continham Heroína e Nicotinamida, com peso líquido de 0,056 gramas, cuja Heroína é a substância abrangida pela tabela I-A anexa à Lei n.º 17/2009.
Os medicamentos sob controlo apreendidos aos autos foram adquiridos pelo arguido, no dia 6 de Maio de 2012, por volta das 23H00, na Areia Preta, no Jardim Triângulo, a um indivíduo de sexo masculino que se chama “Ah Wai”, por um preço de MOP80,00, para o fim de consumo pessoal.
O arguido tinha perfeito conhecimento da natureza das substâncias supramencionadas, bem como detinha-as com a finalidade de consumo pessoal.
O arguido agiu consciente, livre e voluntariamente o referido acto, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provaram:
O arguido confessou sem reservas os factos que lhe foram imputados.
O arguido alegou que tinha começado consumir drogas há 10 anos.
O arguido tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário, alegou que exercia funções de auxiliar de limpeza, auferindo o salário mensal de cerca de MOP3.000,00, e com a esposa que tinha emprego, gerou um filho que andava na escola.
Conforme o certificado de registo criminal, o arguido não é delinquente primário.
1) Pela prática de um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, o arguido foi condenado, em 12 de Novembro de 2004, pelo processo n.º CR3-04-0089-PCC (o original processo n.º PCC-058-04-3), na multa de MOP1.000,00 (é convertível em 6 dias de prisão), cujo respectivo acórdão foi transitado em julgado em 22 de Novembro de 2004. A pena aplicada foi englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR3-04-0259-PCS (o original processo n.º PCS-156-04-2).
2) Pela prática de um crime de detenção de utensilagem para consumo de droga, o arguido foi condenado, em 10 de Junho de 2005, pelo processo n.º CR3-04-0259-PCS (o original processo n.º PCS-156-04-2), na multa de MOP2.000,00 (é convertível em 13 dias de prisão) e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n.º CR3-04-0089-PCC (o original processo n.º PCC-058-04-3), foi condenado numa multa de MOP2.700,00 (é convertível em 18 dias de prisão), cuja sentença foi transitada em julgado em 20 de Junho de 2005; e, por sua vez, o arguido prestou trabalho forçado em substituição da multa que lhe foi aplicada.
3) Pela prática de um crime de detenção ilícita de medicamentos ilegais para consumo pessoal e dum crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, em 6 de Abril de 2007, pelo processo n.º CR4-07-0026-PSM (o original processo n.º CR2-07-0060-PSM), na pena de prisão de 4 meses, com suspensão da execução da pena de prisão por 2 anos sob condição de se submeter à terapia de desintoxicação e ser sujeito ao regime de prova que era acompanhado por técnico social, cuja sentença foi transitada em julgado em 19 de Abril de 2007. Dado que o arguido voltou a cometer crime no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, foi revogada a suspensão da execução da pena. O arguido completou o cumprimento da pena que lhe foi aplicada.
4) Pela prática de um crime de furto, o arguido foi condenado, em 27 de Novembro de 2007, pelo processo n.º CR1-07-0231-PSM, na pena de 2 meses de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 10 de Novembro de 2008, e, posteriormente, a pena aplicada foi englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR1-07-0552-PCS.
5) Pela prática de um crime de furto (em tentativa), o arguido foi condenado, em 5 de Dezembro de 2008, pelo processo n.º CR1-07-0516-PCS, na pena de 3 meses de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 15 de Dezembro de 2008, e, posteriormente, a pena aplicada foi englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR1-07-0552-PCS.
6) Pela prática de um crime de furto (em tentativa), o arguido foi condenado, em 19 de Dezembro de 2008, pelo processo n.º CR1-07-0552-PCS, na pena de 2 meses de prisão efectiva, e, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos n.ºs CR1-07-0516-PCS e CR1-07-0231-PSM, foi condenado numa pena única de 6 meses de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 29 de Dezembro de 2008. O arguido completou o cumprimento da pena que lhe foi aplicada.
7) Pela prática de um crime de traficante-consumidor, o arguido foi condenado, em 25 de Março de 2010, pelo processo n.º CR1-08-0453-PCS, na pena de 4 meses de prisão efectiva e na multa de MOP4.000,00 (é convertível em 26 dias de prisão), cuja sentença foi transitada em julgado em 5 de Agosto de 2010, e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n.º CR3-08-0043-PCS, foi condenado numa pena única de 6 meses de prisão efectiva e na multa de MOP4.000,00 (é convertível em 26 dias de prisão), sendo esta, posteriormente, englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR2-08-0093-PCC.
8) Pela prática de um crime de furto, o arguido foi condenado, em 25 de Junho de 2010, pelo processo n.º CR3-08-0043-PCS, na pena de prisão de 4 meses, com suspensão da execução da pena de prisão por 1 ano sob condição de se submeter à terapia de desintoxicação organizada pelo Departamento de Reinserção Social, cuja sentença foi transitada em julgado em 5 de Julho de 2010. A referida pena foi, posteriormente, englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR1-08-0453-PCS e depois no processo n.º CR2-08-0093-PCC.
9) Pela prática de um crime de furto, o arguido foi condenado, em 13 de Dezembro de 2010, pelo processo n.º CR2-10-0269-PCS, na pena de 3 meses de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 24 de Janeiro de 2011. A pena aplicada foi, posteriormente, englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR2-08-0093-PCC.
10) Pela prática de um crime de furto, o arguido foi condenado, em 17 de Janeiro de 2011, pelo processo n.º CR4-10-0170-PCS, na pena de 3 meses de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 27 de Janeiro de 2011. A pena aplicada foi, posteriormente, englobada no cúmulo jurídico operado no processo n.º CR2-08-0093-PCC.
11) Pela prática de um crime de furto (em consumação) e dum crime de furto (em tentativa), o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, em 28 de Janeiro de 2011, pelo processo n.º CR2-08-0093-PCC, na pena de 4 meses e 15 dias de prisão efectiva, cuja sentença foi transitada em julgado em 14 de Fevereiro de 2011, e, posteriormente, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos n.ºs CR1-08-0453-PCS, CR3-08-0043-PCS, CR2-10-0269-PCS e CR4-10-0170-PCS, numa pena única de 6 meses e na multa de MOP4.000,00 (é convertível em 26 dias de prisão). O arguido completou o cumprimento da pena que lhe foi aplicada.
A par disso, existem ainda os seguintes processos pendentes contra o arguido:
(1) No processo n.º CR1-09-0169-PCC, ao arguido foi imputada a prática de dois crimes de furto qualificado. A audiência foi marcada para o dia 15 de Outubro de 2012.
(2) No processo n.º CR1-12-0096-PCS, ao arguido foi imputada a prática de um crime de furto (em tentativa). A audiência foi marcada para o dia 26 de Abril de 2012, não tendo presentemente o resultado”; (cfr., fls. 59 a 60-v).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “detenção de estupefaciente para consumo”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão.

E, como se deixou relatado, coloca só a questão de adequação da pena em que foi condenado.

Cremos porém que nenhuma razão lhe assiste, passando-se a tentar explicitar este nosso ponto de vista.

No caso, assim fundamentou o Tribunal a quo a pena de 2 meses de prisão que decretou:

“Pelos factos provados acima expostos, este Tribunal considera que o arguido cometeu, em autoria material e nas formas deliberada e consumada, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto no art.º 14º da Lei n.º 17/2009, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.
***
Nos termos do art.º 64º do Código Penal, este Tribunal optou por aplicar pena de prisão ao arguido, uma vez que o mesmo não é delinquente primário, razão por que o Tribunal considerou que a aplicação da pena não privativa da liberdade, ou seja a multa, não realizava de forma suficiente as finalidades da prevenção criminal.
Nos termos dos artigos 40º e 65º do Código Penal, na determinação da medida da pena concreta, o tribunal deve ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, a par disso, deve atender também ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, ao grau da intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou motivos que o determinaram, às condições pessoais do arguido e à sua situação económica, bem como à conduta anterior ao facto e a posterior a este.
***
In casu, atendendo às circunstâncias supramencionadas, este Tribunal conclui que é mais adequado condenar o arguido, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto no art.º 14º da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 2 meses.
Quanto à questão de suspender ou não a execução da pena de prisão, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, verifica-se que o arguido não é delinquente primário, tem antecedentes criminais da mesma natureza e dedicou-se novamente à criminalidade em menos de um ano após a saída de prisão, a partir daí, demonstra-se a insuficiência da vontade do arguido, revelando-se que o mesmo não aprendeu lição suficiente com as penas que lhe foram aplicadas anteriormente, e que a suspensão da execução da pena de prisão não é suficiente para prevenir a criminalidade, pelo que este Tribunal determina executar efectivamente a aludida pena que foi aplicada ao arguido (art.º 48º do Código Penal)”.

Será de alterar o assim entendido?

Pois bem, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e de 29.09.2011, Proc. n° 483/2011).

E, nesta conformidade, cremos que sem esforço se mostra de concluir que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, o arguido ora recorrente não é primário, tendo já sido por diversas (bastantes) vezes condenado em penas não privativas da liberdade e em penas de prisão, constatando-se que a pena ora em questão foi-lhe aplicada pela prática de 1 crime cometido pouco tempo depois de ter sido libertado, o que demonstra ter uma personalidade com “tendência para a prática de crime”, fortes sendo assim as necessidades de prevenção criminal, especial e geral.

Nesta conformidade, e sendo de subscrever, na íntegra, o douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto que atrás se deixou transcrito, censura não merece a decisão recorrida, pois que adequada foi a opção por uma pena privativa da liberdade, mostrando-se, atenta a moldura penal aplicável, justa na sua medida, e igualmente correcta na parte em que se decidiu não substituir por outra, ou suspender a sua execução, dado haver a necessidade de “prevenir o cometimento de futuros crimes” (art. 44° do C.P.M.), não sendo igualmente de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição; (art. 48° do C.P.M.).

Bem se sabe que se devem evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, no caso, tendo em conta que o ora recorrente insiste em levar uma vida com quase permanente prática de crimes, outra solução não parece haver.

Dest’arte, estando a decisão em questão em sintonia com o estatuído nos art°s 64°, 40°, 65°, 44° e 48° do C.P.M., e evidente sendo a improcedência do presente recurso, impõe-se a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 2 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 26 de Julho de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


Proc. 565/2012 Pág. 18

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