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Processo nº 273/2010
(Recurso Cível)

Data: 26/Julho/2012

   
   Assuntos:
- Perda do interesse na celebração do contrato
- Contrato-promessa

    
    SUMÁRIO :
    
    Mostra-se legítima a perda do interesse alegada pelo promitente-comprador, objectivamente analisada, ao recusar-se celebrar a escritura de compra prometida, sobre uma dada fracção, pela qual terá ainda de pagar o preço remanescente de cerca de dois milhões de patacas, se se observa que sobre a mesma, no Registo Predial se mostra inscrita a pendência de uma acção de execução específica sobre a coisa, para mais se expressamente o promitente-vendedor se comprometeu a transmitir a coisa completamente desonerada, justificando-se, assim, compreensivelmente, o receio do promitente-comprador de adquirir a fracção em risco de poder vir a ficar sem ela.
     
O Relator,




Recurso nº 273/2010
Data: 26/07/2012
Recorrentes: A
B
Recorrido : C






    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
C, casado residente em Macau, propuseram acção de condenação com Processo Ordinário contra A e sua mulher B, casados, residentes em Macau, pedindo:
a. que se declare que os RR, por facto voluntário seu que lhes é exclusivamente imputável, não cumpriram as obrigações que haviam assumido para com o A., através do contrato-promessa a que alude nos artigos 1º e 4º desta p. i.;
b. declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e os RR., por incumprimento definitivo e culposo dos RR. e, consequentemente;
c. condene os RR. a pagarem ao A. a quantia de HKD$1.140.000,00. correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal;
d. Devem finalmente os RR. ser condenados no pagamento das custas.

Citados os réus, estes contestaram e, deduzindo a reconvenção, pediram a condenação do autor a pagar-lhe o montante de MOP$4.316,00, despendido com a marcação da escritura pública de compra e venda a que o autor faltou e ainda declarando resolvido o contrato promessa de compra e venda por incumprimento definitivo e culposa do autor com a consequente perda do sinal.
Correndo os normais termos processuais, finalmente a Mmª Juíza Presidente proferiu a sentença julgando procedente a acção e
a) Declarou resolvido o contrato celebrado entre o A. e os Réus no dia 28 de Março de 2007, melhor identificado na supra al. B) dos factos assentes.
b) Condenou os Réus a pagar ao A. a quantia total de HKD$1,140,000.00, (um milhão e cento e quarenta mil patacas), correspondente ao sinal já pago, em dobro, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito da presente sentença, até integral e efectivo pagamento.
2. Julgou improcedente a reconvenção e absolveu o Autor do pedido reconvencional.
Com esta decisão não se conformaram os réus e, recorrendo para esta Instância, alegam:
A. Não são aplicáveis aos factos dados como assentes por provados, os arts. 790º e 797º do Código Civil da forma constante da douta sentença proferida;
B. Os RR. não estiveram impossibilitados de, tempestiva e legalmente, celebrarem o contrato definitivo, nem incorreram em mora;
C. Os RR. tentaram celebrar o contrato prometido, o que não aconteceu porque o A. o não cumpriu, embora estivesse devidamente interpelado para o fazer;
D. Os RR. interpelaram admonitória e finalmente o A. e, mesmo assim, ele não cumpriu;
E. O A. manteve-se sempre silente e inactivo, nada dizendo ou fazendo;
F. Não se apuraram os factos essenciais a aferir objectivamente da perda de interesse do A. no cumprimento do contrato;
G. Ainda que se tivessem apurado, nunca estariam cumpridos os requisitos dos arts. 790º e 797º do C.C.;
H. O A. incumpriu definitiva e culposamente o contrato, nos termos do disposto nos arts. 400º, 752º, 790º e 797º do C.C.;
I. A Sentença proferida é nula por violação do art. 571º, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser a acção julgada improcedente, por não provada, devendo ser julgado procedente o pedido reconvencional e ser declarado resolvido o contrato de promessa celebrado e o A. condenado a perder a favor dos RR., recorrentes, o sinal presente.

A recorrida não contra-alegou.

Foram colhidos os vistos legais.

II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Factos assentes
- EM 28 de Março de 2007, o Autor celebrou com os Réus um contrato-promessa.
- Nos termos do qual aquele prometeu comprar, e estes prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos e devoluta, a fracção autónoma designada por “AD9” do 9º andar, para habitação, do prédio com o nº XX da Rua de XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21820 (cfr. Docs. n.ºs 1 a 3 junto com a p.i.)
- Conforme resulta do contrato celebrado entre o Autor e os Réus, as partes acordaram expressamente que o preço do imóvel seria de HKD$2,850,000.00 (cfr. Doc. n.º 1 junto com a p.i.)
- O Autor proceder ao pagamento de HKD$570,000.00 - HKD$520,000.00 mediante o cheque visado n.º H306992 e HKD$50,000.00 em numerário – aos Réus, em 28 de Março de 2007, a título de sinal. (cfr. Docs. n.º 1 e 4 juntos com a p.i.)
- Tendo ficado acordado entre as partes que o remanescente em dívida, no montante de HKD$2,280,000.00, seria pago pelo Autor aos Réus no acto da celebração pública que titularia o contrato-prometido. (cfr. cláusula 1ª do Doc. n.º 2 junto com a p.i.)
- Ficou igualmente acordado, por escrito, no contrato-promessa, entre o Autor e os Réus que a escritura de compra e venda deveria ser outorgada antes do dia 28 de Maio de 2007.
- Sobre a supra aludida fracção autónoma pendia uma acção junto do Tribunal Judicial de Base que havia sido registada em 25 de Abril de 2007. (cfr. Doc. n.º 3 junto com a p.i.)
- O Autor deixou de ter interesse na compra do apartamento.
Da base instrutória:
- A situação a que alude a alínea G) da matéria dos factos assentes nunca foi comunicada ao Autor pelos ora Réus.
- O Autor quando soube da acção perdeu todo o interesse na aquisição da fracção que prometeu comprar, e que os Réus lhe prometeram vender.
- Os réus marcaram junto de um notário a data para a realização da escritura de compra e venda.
- E comunicaram ao autor através de carta registada datada de 18 de Maio de 2007 que a escritura iria ser celebrada no Cartório Notarial do Notário Privados Sr. Dr. Nuno Simões, no dia 28 de Maio entre as 10:00h e as 11.00h.
- E este recebeu em 26 de Maio de 2007.
- Em 22 de Maio de 2007, os Réus mandaram nova carta registada com aviso de recepção ao autor mais uma vez o notificando da data, hora e local da outorga da escritura pública de compra e venda.
- Os réus conseguiram obter todos os documentos necessário para a realização da escritura de compra e venda, tendo chegado, inclusivamente, a convocar o Banco Tai Fung, S.A.R.L., para distratar a hipoteca que impende sobre a fracção autónoma.
- Autor não compareceu ao notário acima aludido.
- Os Réus pagaram MOP$4,316.00 para a marcação da escritura e do cancelamento da hipoteca.
- Em 11 de Junho de 20a07, os réus voltaram a enviar nova carta registada ao Autor na qual o convocavam para a outorga da escritura pública no dia 20 de Junho de 2007.
- E, expressamente, mencionavam que, caso o Autor desta vez também não comparecesse, considerariam o contrato promessa resolvido, e fariam seu o sinal entregue.
- O Autor recebeu esta carta em 18 de Junho de 2007.
- No dia 20 de Junho de 2007 o Autor voltou a não comparecer no cartório notarial para outorgar a escritura pública de compra e venda.”

    III – FUNDAMENTOS
    
1. Os recorrentes concluíram que a sentença é nula nos termos do artigo 1º als. b), c) e d) do artigo 571º do Código de Processo Civil (apesar de na motivação citarem também a al. a) do mesmo artigo), porquanto todos os factos assentes não conduziriam à decisão proferida.
Desde logo se constata que não concretizam os assacados vícios, não se vislumbrando que a sentença não esteja devidamente fundamentada de facto e de direito, que haja oposição entre a fundamentação e o decidido, que tenha havido qualquer omissão de pronúncia.
De facto, no fundo, não está em causa a nulidade da sentença (pelos vícios formais da mesma), mas sim a errada aplicação da lei, ou seja, tal como os recorrentes também imputaram à sentença, pela violação do disposto nos artigos 752º, 790º e 797º do Código Civil.

2. Atentemos nas razões vertidas na sentença recorrida, no enquadramento que a seguir se transcreve:
    “O Autor fundamenta o seu pedido de resolução do contrato-promessa de compra e venda, no incumprimento culposo por parte dos Réus da sua obrigação prometida e que o A. perdeu interesse em adquirir a fracção autónoma após de ter conhecimento de que tal fracção tinha sido objecto de uma acção judicial. O Autor pediu ainda a devolução do dobro do sinal pago a título de indemnização, acrescido os juros de mora.
    Os RR., em convenção, pediu a resolução do citado contrato-promessa com o fundamento de incumprimento culposo por parte do Autor da sua obrigação prometida, e na consequência, fazendo sua o sinal entregue e lhes serem pago a indemnização das despesas feitas na marcação de escritura pública.
    A questão reconduz-se em saber:
    a) a natureza do contrato;
    b) O direito a resolução do contrato; e
    c) os efeitos dessa resolução.
    1. Do contrato
    No nosso caso, estamos perante um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma.
    Contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.
    Por obrigação do contrato-promessa, os outorgantes do negócio obrigaram-se celebrar o contrato prometido ou, mais concretamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., vol. I, p. 317, Do Contrato-promessa, de Abel P. Delgado, 3ª Edição, págs. 83 e seguintes).
    O Autor e os Réus não questionaram a validade do contrato-promessa em causa, e por outro lado, os mesmos celebraram o respectivo contrato-promessa de compra e venda de imóveis, válido e eficaz - artigo 404° do Código Civil de Macau - que, conforme decorre manifestamente do seu clausulado, é um contrato bilateral.
*
    2. Da resolução do contrato
    2.1. De qualquer maneira, conforme o art. 400°, n.º 1 do Código Civil de Macau, o contrato deve ser pontualmente cumprido, ou seja, o cumprimento deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito.
    Tem direito a resolução do contrato no caso de não cumprimento definitivo, imputável a outra parte contraentes - arts. 426°, n.º 1, 790°, n.º 2 e 797° do Código Civil de Macau.
    Mais, há possibilidade de resolução do contrato fundada em convenção - artigo 426°, n.º 1 do Código Civil de Macau.
    Na resolução do contrato pressupõe a destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato.
    Há resolução do contrato quando:
    1° - se verifique o incumprimento culposo da obrigação por uma das partes;
    2° - se verifique os casos resolutivos convencionados.
    O primeiro caso, trata-se de resolução por incumprimento definitivo e culposo da obrigação por outra parte contraente.
    O segundo caso, trata-se de resolução convencional ou cláusula resolutiva expressa. Nos termos do artigo 432° n.º 1 do Código Civil de Macau, as partes podem convencionar o direito de resolução quando certa e determinada obrigação não seja cumprida conforme o estipulado contratualmente, incluindo o prazo, podendo tal direito ser declarado imediatamente, embora a parte possa se o preferir, optar por exigir o cumprimento retardado.
*
    2.2. Já referimos, não foi questionado a validade do contrato-promessa em causa, impõe-se a apreciação da existência, ou não, de falta de cumprimento ou incumprimento definitivo por contraentes.
    Para a resolução do contrato com o fundamento de incumprimento culposo da obrigação por outra parte, exige o incumprimento ser incumprimento definitivo e culposo do devedor.
    Decorre do art. 752°, n.º 1, do C. Civil de Macau, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
    Conforme A. Varela (in Das Obrigações em Geral, 9ª ed., II, págs. 62 e segs.) e M.J. Almeida Costa (in Direito das Obrigações, T' ed., págs. 927 e segs.), atendendo ao efeito ou resultado, existem três formas de não cumprimento:
    a) na falta de cumprimento ou incumprimento definitivo;
    b) a mora ou atraso no cumprimento; e
    c) o cumprimento defeituoso.
*
    A falta de cumprimento/incumprimento definitivo ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tomar impossível.
    Uma causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato ou quando o promitente vendedor vende a terceiro o imóvel objecto do contrato (v. doutrina o Ac. STJ, CJ/STJ, 1999, I, p. 61).
    Outra causa de incumprimento definitivo pode resultar da falta irreversível de cumprimento, equiparado por lei à impossibilidade, sendo certo que a mora culposa do devedor (artigos 797º n.º 1 do Código Civil de Macau) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do mesmo (retardamento).
    Na lei civil, consagram-se duas causas de inadimplemento definitivo:
    a) quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor, e
    b) quando o devedor moroso não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório (admonitório), fixado pelo credor.
*
    Quanto à causa da falta de cumprimento existem duas modalidades de não cumprimento: inimputável ao devedor e imputável ao devedor.
    Só nos casos de não cumprimento imputável ao devedor se pode rigorosamente falar em falta de cumprimento.
    A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua - artigo 788° do Código Civil de Macau.
*
    In casu, dos factos provados, concluiu-se que:
    - Sobre a fracção autónoma em causa pendia uma acção junto do Tribunal Judicial de Base que havia sido registada em 25 de Abril de 2007. (cfr. Doc. n.º 3 junto com a p.i.).
    - Esta data é posterior a data celebração do contrato-promessa de compra e venda em causa e anterior a data acordada para a escritura pública.
    - O Autor quando soube da acção perdeu todo o interesse na aquisição da fracção que prometeu comprar, e que os Réus lhe prometeram vender.
    - O Autor faltou as escrituras marcas pelos Réus.
    Não ficou provado o alegado pelos réus que "os Réus, na altura em que celebraram o contrato promessa de compra e venda com o Autor, mencionaram expressamente, que tinham, anteriormente, celebrado um outro contrato promessa de compra e venda sobre o mesmo imóvel e que estavam em negociações com esses promitentes-compradores para lhes entregarem o dobro do sinal. e Esta situação foi aceite pelo Autor sem quaisquer problemas."
*
    O contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e os Réus, consta da sua cláusula 3ª que “交易前, 如有抵押或轇轕事情, 蓋有甲方負責理妥, 否則, 乙方因而蒙受損失, 甲方應負賠償之責。”
    OS Réus tinham, anteriormente, celebrado um outro contrato-promessa de compra e venda sobre o mesmo imóvel. À data acordada para a celebração de contrato prometido com o Autor, os Réus não conseguiram resolver o anterior contrato-promessa. E foi registada uma acção judicial de execução específica interposto pelos anteriores promitentes compradores. Assim, o facto colocou os Réus na situação de impossibilidade de cumprir: a cláusula 3ª do contrato, e entregar o imóvel, pelo que constituem os Réus em mora.
    Não deixaram de ser culpado os Réus, uma vez que a situação é previsível para um normal vendedor de um imóvel.
    Ao invés do Autor, parece-nos não existem incumprimento culposo da sua obrigação.
    Conforme os factos provados, considera-se que há perda do interesse na prestação da parte do Autor.
    A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 797° do Código Civil de Macau.
    A perda do interesse na prestação não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de por causa da mora, o negócio já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor. A perda do interesse há-de ser justificada segundo o critério de razoabilidade própria do comum das pessoas.
    No nosso caso, ficou provado que se encontra registada uma acção de execução específica do contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção que os Réus tinham prometido vender a outros indivíduos. Não se vê qualquer justificação em exigir o Autor adquirir um imóvel que é objecto em litígio, porquanto, caso aquela acção será julgada procedente, o Autor não poderia ficar com o imóvel em causa.
    Nesse circunstancialismo concreto, do ponto de vista da generalidade das pessoas, a realização já não satisfaz o interesse do credor, isto é, já não redunda em beneficio do credor porque não lhe proporciona a utilidade conforme ao programa obrigacional. Assim, a mora do devedor, ora os Réus, transformou-se em incumprimento definitivo por o Autor perder interesse na prestação.
    Assim, existe o incumprimento definitivo culposo por parte dos Réus das suas obrigações e não por parte do Auto.
*
    3. Efeitos da resolução do contrato
    A resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado (M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 268).
    Em relação ao contrato-promessa, na resolução é aplicável o regime do sinal.
    O artigo 436º do Código Civil de Macau prevê:
    "1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
    2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por caursai1 que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito e fazer sua a entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
    3. ………..
    4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
    5. ..... "
    Na conformidade do acima exposto:
    - Há incumprimento definitivo e não a simples mora do devedor, e o tal incumprimento definitivo é da culpa do devedor, o A. tem direito à resolução do contrato-promessa, e exigir o dobro do sinal pago.
    - Não há incumprimento definitivo e culpado do A., improcede o pedido reconvencional. “
    
3. No essencial somos a sufragar a posição vertida na parte da sentença acima transcrita.
O que está em causa na acção é apurar se houve incumprimento por parte do A., como defendem os RR, ou se quem incumpriu foi o A.
Mas isso não basta, pois que importa ainda apurar, perspectivando a resolução do contrato, se esse incumprimento é definitivo e, mais ainda, se esse incumprimento foi culposo.
Na verdade, “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – art. 787º do CC.
Há que atentar, ainda, no caso no disposto no artigo 797º, n.º 1, a) segundo o qual
   “Considera-se para os efeitos do art790º como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora: o credor perder o interesse que tinha na prestação”
e o artigo 790º dispõe quanto à impossibilidade culposa de cumprimento da prestação, o que, como está bem de ver, inviabiliza a celebração do negócio.

4. Repesca-se aqui a matéria de facto acima transcrita e ainda aqueloutra factualidade que se mostra pertinente, resulta documentalmente provada nos autos e foi levada à sentença no enquadramento efectuado, em particular, a respeitante à natureza da acção que está pendente e se encontrava registada em inscrição averbada ao registo da fracção. Assinala-se que se trata de uma acção de execução específica que tem por objecto a mesma fracção que o A., enquanto promitente-comprador, pretendia adquirir.

5. O argumento forte dos RR. é que a escritura prometida foi marcada, o A. foi devida e por várias vezes instado a comparecer e, chegado o momento, não compareceu. Terá assim incumprido da sua parte.
Ao invés, o A. contrapõe que assim aconteceu, mas teve uma razão para não celebrar a escritura, razão que assenta no facto de vir a saber que estava pendente a tal acção, donde, em face disso, ter perdido o interesse no negócio.
É evidente que não basta o devedor alegar uma perda de interesse, sendo que essa perda de interesse deve ser analisada objectivamente como flui do artigo 797º, n.º 2 do CC.

   6. Com projecção no contrato sob apreciação regulam-se ainda os efeitos específicos do cumprimento em sede do contrato promessa, em conformidade com o preceituado nos artigos 435º e 436º do Código Civil, através de um regime específico e próprio atinente ao sinal, quando ele tenha sido constituído, mais concretamente no plano do sancionamento, adveniente do não cumprimento, que daí decorre para os contraentes faltosos. Quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, ao invés, verificando-se o incumprimento definitivo da parte de quem o recebeu, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que tiver prestado.
Anotar-se-á que só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no artigo 436º, n.º 2 do Código Civil, não se bastando a lei com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja da ocorrência de mora de qualquer dos contraentes.

   7. In casu, a sentença relevou o facto - documentalmente comprovado nos autos - de se ter registado a pendência de uma acção junto do Tribunal Judicial de Base, relacionada com o imóvel em causa, tal como já acima dito, e concluiu pela perda de interesse do autor na prestação do contrato promessa e a consequente incumprimento definitivo do contrato, resolvendo pela resolução do contrato e a devolução do sinal em dobro.
Para os recorrentes, nuclearmente, a decisão em mira é que não se podia extrair da matéria de facto provada a resolução do contrato-promessa com perda no interesse por parte do promitente-comprador. O mero registo da pendência de uma acção corrida no Tribunal relacionada com o imóvel em causa nunca pode ser considerado como facto determinante da perda de interesse do promitente-comprador no completamento do contrato prometido.
Não se afigura que tenham razão.
E desde logo se coloca a questão? Um qualquer homem medianamente considerado em termos de inteligência, sensatez e diligência consideraria seguro avançar para a escritura, pagando o remanescente do preço de HKD 2.280.000,00, não tendo certeza de que adquiriria com segurança a referida fracção, correndo o risco de na mencionada acção de execução específica, com prévio registo, ser outrem reconhecido como o proprietário da coisa?
Estamos em crer que a resposta pronta não deixará de ser negativa.
8. No caso presente verifica-se até que no contrato celebrado se apôs uma cláusula nos termos da qual o promitente vendedor se comprometia a assegurar que no dia de escritura a coisa devia ser presentada livre de ónus e encargos, o que não se verificou, face ao registo de uma acção da execução específica incidente sobre a fracção.
E daí, porventura, a mora considerada na sentença, em relação a esse particular compromisso, pois que em relação a essa cláusula até se pode considerar que existia mora por parte dos réus pois quem não cumprir em tempo acordado fica obrigado.
Isto, independentemente de se considerar que mesmo sem essa cláusula, tal facto, o registo da acção justificaria objectivamente cumprimento defeituoso e culposo, a avaliar nos termos do art. 787º do Código Civil.
Isto, para já não falar na culpa adveniente de os promitentes terem prometido vender algo em segunda linha, não ignorando ou não devendo ignorar a existência de um outro contrato-promessa prévio.
No caso sub juditio, foi o autor quem não compareceu na data acordada para a escritura pública, apesar de ter sido para tal convocado.
Mais interessa apurar porquê? Por que razão não compareceu à escritura?
O A. alega a perda de interesse e esse perda de interesse deve se apreciada objectivamente, como se viu. Ora, ou tal com se disse na sentença a razão de que da perda de interesse resulta de facto de pender sobre o objecto de promessa um registo de uma acção de execução especifica, o que pode comprometer o êxito quanto à aquisição do imóvel, face até ao disposto o artigo 215º, n.º 3 do C. P. Civil que estipula:
“A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção.”
Desta forma, somos a ratificar a decisão proferida na primeira instância.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.

    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
Macau, 26 de Julho de 2012

_________________________
Choi Mou Pan
(Relator)
(vencido nos termos da declaração que se segue)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)


Recurso nº 273/2010

Declaração de Voto
Sendo embora relator original do processo, ficou vencido nos seguintes termos:
Em primeiro lugar, trata-se manifestamente dos factos conclusivos a matéria de facto que se disse que “o Autor deixou de ter interesse na compra do apartamento (Factos Assentes) ”, “o Autor quando soube da acção perdeu todo o interesse na aquisição da fracção que prometeu comprar, e que os Réus lhe prometeram vender (da base instrutória) ”, devendo por isso dado como não escrito.
Não obstante disso, ainda podemos fazer ilação com os restantes factos provados para saber se o autor perde o interesse objectivamente falando.
Tal como anotou a decisão de maioria, só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no artigo 436º, n.º 2 do Código Civil, ou seja para a resolução do contrato promessa.
In casu, a sentença relevou o facto de ter registado uma pendência da acção junto do Tribunal Judicial de Base relacionada ao imóvel em causa e concluiu pela perda de interesse do autor na prestação do contrato promessa e a consequente incumprimento definitivo do contrato, resolvendo pela resolução do contrato e a devolução do sinal em dobro.
Dispõe o normativo inserto no artigo 797º, nº l do Código Civil que “Se o credor em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
Quer dizer, este normativo pressupõe, em primeira linha, a existência de mora, de onde o credor poder vir a obter a resolução do contrato, caso em consequência daquela perca o seu interesse na prestação, acrescentando o seu nº 2 que tal perda de interesse é apreciada objectivamente.
Independentemente de poder concluir pela perda de interesse com o facto de registo da pendência da acção, pressupõe, antes, a existência da mora no cumprimento do contrato.
Quanto a constituição em mora, prevê o artigo 794º (Momento da constituição em mora):
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
… .”
No caso sub juditio, ao contrário ao poder-se concluir pela mora dos recorridos, foi o autor quem não compareceu na data acordada para a escritura pública, apesar de ter informado a convocação.
Para além desta falta do pressuposto, dos autos também não resultam quaisquer factos que nos permitam aferir da falta de interesse do autor na efectivação do contrato definitivo, e a circunstância de um mero registo “por dúvida” a pendência da acção no Tribunal, sem ter apurado o âmbito da acção e a relação para com o negócio jurídico envolvido no presente caso nunca pode servir suficientemente para a verificação deste desinteresse uma objectividade e esta, tem de estar plasmada em factos concretos, que in casu não se verificam.
Nesta conformidade, não nos parece ser de atender o circunstancialismo focado pela sentença recorrida, por não se verificou um incumprimento definitivo, para chegar a solução pela resolução, por perda de interesse, ao contrário, estando provado a mora e o consequente incumprimento definitivo do autor, tanto por não compareceu na primeira como na segunda marcação da escritura pública.
Deve, assim, com a provimento do recurso, revogar a decisão recorrida, e em consequência, ao regime de substituição, julgar por este Tribunal de recurso, a procedência da reconvenção deduzida pelos réus, e condenar o autor nos pedidos reconvencionados.
RAEM, aos 26 de Julho de 2012




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