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Recurso nº 542/2008
Recorrente: A (XXX)
Recorridas : Sociedade de Investimento Predial B, Limitada
(B物業投資有限公司)
Sociedade de Construção e Engenharia C (Macau), Limitada (C建築工程(澳門)有限公司)



A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, casada, residente em Macau, intentou acção de condenação com processo comum ordinário, contra
- Empresa de Construções e Fomento Predial XXX Macau, Limitada”, que depois usa o nome da “Sociedade de Investimento Predial B, Limitada”, sociedade comercial por quotas, com sede em Macau, e
- Sociedade de Construção e engenharia C (Macau), Limitada”, sociedade comercial por quotas, com sede em Macau,
pedindo:
a. declarar-se que as RR., por factos voluntários seus que lhes são exclusivamente imputáveis, não cumpriram as obrigações para com a A., através do contrato – promessa a que se alude nos artigos 6º e 7º desta p.i;
b. declarar-se resolvido o contrato-promessa celebrado entre a A. e a segunda R., por incumprimento definitivo e culposo desta e da primeira R, relativamente à fracção “R20” do 20º andar, para habitação, do prédio com os n.ºs 3 a 125 da Rua Comandante João Belo, Bairro Fai Chi Kei, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21833 a fls. 160v do livro B99;
c. condenarem-se as RR., a pagarem à A. a quantia de MOP$1.301.096,00, correspondente ao dobro do efectivamente prestado, acrescida de juros de mora à taxa legal;
d. condenarem-se as RR., a pagarem à ora A. a quantia de MOP$14.510,00, correspondente às despesas efectuadas com a celebração do contrato-promessa em causa, condomínio, electricidade e água;
e. devem, finalmente as RR. ser condenadas no pagamento das custas e procuradoria condigna.

Citadas as rés (à segunda ré por édito), a primeira ré contestou.
Correndo os termos processuais até ao final em que o Mmº Juiz-Presidente proferiu a sentença decidindo:
1. Declarar-se resolvido o contrato-promessa relativamente à fracção autónoma 20º “R”, do prédio “Tou Pou Fa Un” com os n.ºs 3 a 125 da Rua Comandante João Belo, Bairro Fai Chi Kei, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21833, a fls. 160v do Livro B-99, por facto imputados à 2ª Ré “Sociedade de Construção e Engenharia C (Macau), Limitada (C建築工程(澳門)有限公司), não tendo cumprido as obrigações para com a Autora A (XXX).”
2. Condenar-se a 2ª Ré “Sociedade de Construção e Engenharia C (Macau), Limitada (C建築工程(澳門)有限公司) a devolver à Autora A (XXX) a quantia de MOP$1,301.096.00, correspondente ao dobro da quantia efectivamente paga pela Autora, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde trânsito em julgado da sentença, até integral e efectivo pagamento.
3. Julgar-se improcedentes os demais pedidos da Autora.

Com esta sentença não conformou, recorreu para este Tribunal A, alegando que:
1. Foi o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença que julgou parcialmente procedente a acção por provada, decidindo, no entanto, absolver a 1ª Ré do pedido;
2. A decisão ora recorrida decidiu que: “(...) Ora, como o pedido da Autora é restituir o sinal em dobro e não a outorga da escritura pública e ficaram provados os seguintes factos a propósito do ponto em análise: - Com a outorga da primeira das procurações, a primeira Ré quis transmitir, de modo definitivo, os seus direitos sobre a parcela de terreno onde foi construído o edifício que viria ser designada por 《Tou Pou Fa Un》(...) – Tendo, desde que recebeu o referido preço pela cedência dos seus direitos sobre o terreno, sido completamente alheia à elaboração do projecto e à construção do imóvel em causa como, posteriormente, à respectiva comercialização. (...) Pelo que, é de reconhecer que a 1ª Ré não tem legitimidade substantiva para intervir nestes autos, pois, nunca interveio no acordo celebrado com a Autora, nem há prova de que o sinal recebido pela 2ª Ré fosse entregue à 1ª Ré. Pelo que é de absolver a 1ª Ré do pedido”;
3. Nos termos do disposto no artigo 255º, n.º 1 do Código Civil de Macau, a procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. A procuração não carece de aceitação pelo procurador para que a outorga do poder de representação seja eficaz, pelo que é comummente aceite como negócio jurídico unilateral;
4. O que sucede normalmente quando se outorga uma procuração é que alguém, por alguma razão, decide fazer-se substituir por outrem na prática de um ou mais actos, legitimando essa pessoa para celebrar o negócio em seu nome e no interesse, através da concessão de poderes de representação;
5. No entanto, o Código Civil de Macau, no seu artigo 258º, nº 3, prevê a possibilidade de a procuração ter conferida também no interesse do procurador. A principal consequência dessa alteração no equilíbrio de interesses relevantes na procuração é a irrevogabilidade da procuração. No entanto, apesar de admitir a procuração no interesse do dominus e procurador e de indicar a principal consequência, não refere quando é que se deve considerar que a procuração é no interesse do dominus e procurador, nem o que se deve entender por interesse, nem ainda sobre o que deve recair o interesse, e deixa essa tarefa à Doutrina e Jurisprudência;
6. Ora, quando se convenciona a irrevogabilidade da procuração há necessariamente um interesse subjectivo, por parte do procurador, na conclusão ou na execução do negócio que constitui a relação subjacente;
7. Se o procurador não entendesse que tinha um interesse na conclusão do negócio que constitui a relação subjacente, não teria convencionado a irrevogabilidade;
8. A irrevogabilidade não deve resultar da mera vontade do procurador, sem qualquer ligação ao conteúdo da relação subjacente. O procurador tem de ter um interesse objectivo na conclusão ou na execução do negócio que constitui a relação subjacente, para que, nos termos legais, a procuração possa ser considerada irrevogável. O interesse do procurador não deve ser procurado na sua própria pessoa, mas antes na posição que este ocupa na relação subjacente;
9. Sendo um interesse que atribui ao procurador uma posição própria no âmbito da relação do representação, existirão duas posições autónomas a respeitar no âmbito dessa mesma relação de representação, o que implica a necessidade de ter essas duas posições autónomas, esses dois interesses, em consideração na concretização do regime jurídico aplicável;
10. A procuração é um negócio de legitimação. Através dela o dominus atribui um poder de representação ao procurador que o legitima para agir sobre a sua esfera jurídica. Com base nesse poder e dentro dos seus limites, os actos jurídicos praticados pelo procurador em nome do dominus produzem efeitos directamente na sua esfera jurídica;
11. Ou seja, com uma procuração não é possível a transmissão de um modo definitivo de quaisquer direitos;
12. Ora, salvo o devido respeito, nunca poderia a 1ª Ré ceder os seus direitos de propriedade ou o direito resultante da concessão por arrendamento de um terreno por mera procuração notarial;
13. Com efeito, a procuração mesmo que irrevogável, não transmite o direito de propriedade, nem o direito resultante da concessão por arrendamento de um terreno, apenas permite que a representante, em nome da representada elabore o projecto, proceda à construção do imóvel e à sua posterior comercialização – cfr. a título meramente indicativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Maio de 2005, proferido no processo n.º 3651/2005-6;
14. De facto, quem está obrigada, perante a promitente compradora, ora Recorrente, para vender, para afectar o direito de propriedade, é a proprietária do imóvel em causa, ou seja, a 1ª Ré.
15. Com efeito, dispõe o artigo 94º, nº 1 do Código dos Registos e do Notariado, sob a epígrafe《Exigência de escritura pública》, que《Celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão de coisas imóveis》;
16. Pelo que, não é minimamente possível transmitir a propriedade e um imóvel ou o direito resultante da concessão por arrendamento de um terreno por mera procuração notarial;
17. Razão pela qual, em 5 de Junho de 2003, a 1ª Ré celebrou escritura pública relativamente à fracção autónoma《A12》do 12º andar, para habitação, com a ora Recorrente – cfr. Doc. n.º 12 junta com a p.i;
18. Pelo que, não é explicável que relativamente à fracção《A12》tenha a 1ª Ré celebrado escritura pública e que relativamente à fracção《R20》não tenha esta legitimidade substantiva para intervir;
19. A intervenção da 2ª Ré foi sempre como procuradora da 1ª Ré, apesar de estarmos perante uma procuração conferida também no interesse da procuradora;
20. Atendendo ao exposto, não poderia ser a 1ª ré absolvida do peido mas sim condenada;
21. Assim sendo, a sentença ora recorrida fez, salvo o devido respeito, mais errada valoração dos factos e do direito, violando o disposto nos artigos 255º, n.º 1 e 436º, n.º 2 ambos do Código Civil de Macau e no artigo 94º, n.º 1 do Código dos Registos e do Notariado.
    Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue o pedido da Requerente, ora Recorrente, procedente nos termos então peticionados.

A este recurso respondeu a ré Sociedade de Investimento Predial B, Limitada, alegando que:
A. A ora Recorrida considera que o Tribunal a quo procedeu correctamente ao julgá-la parte ilegítima nos autos à margem identificados.
B. A Recorrente pretende fazer vingar a tese, sem convencer diga-se, que a 2ª Ré agiu sempre na qualidade de representante da Recorrida, pelo que os negócios jurídicos realizados por aquela produz efeitos na esfera jurídica desta.
C. Os factos integrados na matéria assente e os da base instrutória dados como provados demonstram na perfeição o contrário: a 2ª Ré agiu no seu próprio interesse quando prometeu vender a fracção R20 à Recorrente.
D. Por ter pago um montante considerável em dinheiro à Recorrida para poder construir e comercializar o referido edifício, não faria sentido que a 2ª Ré, munida de uma procuração irrevogável, continuasse a agir no interesse exclusivo do dominus.
E. Razão pela qual o Tribunal a quo julgou, e bem, que a ora Recorrida não tinha legitimidade substantiva para intervir nos autos por esta nunca ter intervindo no acordo celebrado com a ora Recorrente e por não se ter provado que o sinal recebido pela 2ª Ré lhe tivesse sido entregue, tendo a final, absolvido-a do pedido.
F. Contudo, o tribunal a quo poderia ter reconhecido essa ilegitimidade ab initio pelo simples facto da 2ª Ré não ter outorgado o contrato promessa de compra e venda da fracção R20 junto aos autos a fls. 35-36 na qualidade de representante da Recorrida, tendo-o feito ao invés em nome próprio.
G. Conforme se depreende dos contratos de fls. 33 e 35-36, a 2ª Ré não surge identificada em lado algum como outorgando na qualidade de representante da Recorrida, nem tão pouco é feita referência a titularidade do imóvel em causa. Com efeito, ao dar o seu consentimento à cessão de posição contratual bem como ao prometer vender a fracção R20 do edifício “Tou Pou Fa Un”, a 2ª Ré fê-lo em nome pessoal.
H. Como tal, por não se tratar de acordo relativamente ao qual a Recorrida esteja vinculada, o dito negócio é lhe ineficaz pelo que não poderá ser responsabilizada pelo incumprimento contratual da 2ª Ré.
I. Mesmo considerando que o contrato promessa de compra e venda de fls. 35-36 foi celebrado pela 2ª Ré na qualidade de representante da ora Recorrida, o que não se concede e se admite somente por mero dever de patrocínio, certo é que à 2ª Ré faltavam poderes para representar a Recorrida na cessão da posição contratual de fls. 33 e na concomitante celebração do referido contrato de fls. 35-36.
J. Isto porque, conforme consta de fls. 229-230, em 29 de Julho de 1994, foi celebrado um contrato ente a 2ª Ré (aqui sim, em representação da Recorrida) na qualidade de promitente-vendedora, os Srs. XXX e XXX como promitentes-compradores e o Banco Luso Internacional Limitada como mutuante.
K. Nos termos das cláusulas 2ª e 3ª desse contrato, os Srs. XXX e XXX cederam os seus direitos enquanto promitentes-compradores da fracção R20 ao Banco Luso Internacional Limitada, tendo ainda a 2ª Ré dado no mesmo articulado o seu consentimento, em conformidade com o artigo 418º n.º 1 do CC.
L. Ora, assim sendo, por terem celebrado posteriormente o contrato de cedência de posição contratual com a Autora de fls. 33, os cedentes violaram, actuando de posição contratual com a Autora de fls. 33, os cedentes violaram, actuando com má-fé, o disposto no artigo 420º n.º 1 do CC, uma vez que já não dispunham a dita posição contratual de promitentes compradores.
M. Como tal, a cessão da posição contratual e fls. 33 e o concomitante contrato promessa de compra e venda de fls. 35-36 deverão ser declarados nulos nos termos do artigos 273º nº 1 do Código Civil.
N. Por outro lado, por ter celebrado, em representação da Recorrida, o contrato de fls. 229-230, os poderes de representação da 2ª Ré referente à fracção R20 extinguiram-se nos termos do artigo 258º n.º 1 do Código Civil.
O. Assim, a 2ª Ré estava desprovida de poderes de representação aquando da celebração do contrato de fls. 35-36 pelo que a promessa de venda deve ser tida como ineficaz em relação à Recorrida, nos termos do artigo 261º n.º 1do Código Civil.
P. O contrato assinado pela 2ª Ré com a Recorrente nunca envolveu a Recorrida, nem nunca foi ratificado por esta.
Q. À Recorrente não aproveita o facto de ser terceiro de boa fé nos termos do n.º 2 do artigo 261º do Código Civil uma vez que a Recorrida nunca contribuiu para fundar a confiança daquela na promessa de venda da fracção R20.
R. Por ter agido desprovida de poderes de representação, a 2ª Ré a única responsável pelo danos causados à Recorrente uma vez que não procedeu segundo as regras de boa fé ao não informar esta última da falta de poderes para o acto, devendo assim, responder pelos danos que culposamente causou à contraparte, nos termos do artigo 219º do Código Civil.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e concomitantemente mantida a decisão proferida na 1ª Instância, condenado-se a Recorrente nas custas.

Cumpre decidir.
Foram colhidos os vistos legais.

À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- As Rés são sociedade regularmente constituídas em Macau, que se dedicam à construção civil, fomento predial ente outras actividades (alínea A da Especificação).
- Por procuração notarial, datada de 11 de Maio de 1990, a primeira Ré constituiu como sua procuradora a segunda Ré, a quem conferiu poderes relativamente ao direito resultante da concessão por arrendamento do terreno em construção, situado na Avenida General Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21833, fls. 160v, do Livro B99, sendo que entre esses se contam os de: a) “vender e de qualquer outra forma alienar, pelo preço e nas condições que entender, os imóveis construídos no terreno (...), incluindo as suas fracções autónomas (...)”; b) “celebrar na qualidade de promitente-vendedora, contratos-promessa de compra e venda, ou contratos-promessa de compra e venda com promessa de hipoteca (...)”, e c) “outorgar escrituras, assinar e requerer tudo o que for necessário para o integral cumprimento do presente mandato”, tudo conforme consta da cópia desse documento de fls. 26 a 31 (alínea B da Especificação).
- Em virtude da procuração notarial referida em B), a segunda Ré desenvolveu e promoveu a construção do complexo habitacional denominado “Tou Pou Fa Un”, sito no Bairro do Fai Chi Kei, constituído por quatro blocos (alínea C da Especificação).
- Em 5 de Junho de 2003 a primeira Ré celebrou escritura pública relativamente à fracção autónoma “A12” do 12º andar, para habitação, do prédio com os n.ºs 3 a 125 da Rua do Comandante João Belo, Bairro Fai Chi Kei, n.ºs 25 a 39 da Avenida do General Castelo Branco e n.º 4 a 88 da Rua do General Ivens Ferraz, Bairro Fai Chi Kei, denominado Edifício “To Pou Garden”’(alínea D da Especificação).
- Em 21 de Março de 2003, através de escritura pública, foi vendida a XXX e XXX a fracção correspondente ao 20º andar “R”, tendo a aquisição sido registada na Conservatória do Registo Predial (alínea E da Especificação).
- Sobre a fracção referida em E) encontram-se registadas duas hipotecas voluntárias a favor do Banco da China (alínea F da Especificação).
Da base Instrutória:
- Em 20 de Novembro de 1992, XXX e XXX celebraram um contrato-promessa com a segunda Ré, nos termos do qual aqueles prometeram comprar, e esta prometeu vender, livre de quaisquer ónus ou encargos e devolutas, as fracções autónomas designada por “A12” do 12º andar e “R20” do 20º andar, para habitação, do prédio com os nsº 3 a 125 da Rua Comandante João Belo, Bairro Fai Chi Kei, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21833 a fls. 160v do Livro B99. (resposta ao quesito 1º).
- Através de contratos, datados de 17 de Abril de 1996, XXX e XXX transmitiram as suas posições contratuais relativamente às duas fracções autónomas referidas em 1) à Autora (cfr. fls. 32 a 33) (resposta ao quesito 2º).
- A segunda Ré concordou com essas transmissões, e para esse efeitos apôs o seu carimbo e a assinatura do seu representante legal (resposta ao quesito 3º).
- A segunda Ré, na sequência do referido em 3), celebrou dois novos contratos promessa de compra e venda com a Autora relativamente às duas fracções autónomas referidas em 1) (cfr. fls. 34 a 41) (resposta ao quesito 4º).
- As partes acordaram expressamente que o preço dos imóveis referidos em 1) seria de MOP$704, 932.00 e MOP$650, 548.00, respectivamente (cfr. fls. 32 e 33) (resposta ao quesito 5º).
- A Autora em 17 de Abril de 1996 pagou a XXX e XXX a totalidade do preço dos dois imóveis em causa (resposta ao quesito 6º).
- As chaves das fracções referidas em 1) foram entregues à Autora e ela passou a residir na fracção “A12” do 12º andar com o seu agregado familiar (resposta ao quesito 8º).
- A Autora contactou com a segunda Ré várias vezes para a celebração das escrituras públicas de compra e venda das fracções sem conseguir (resposta aos quesitos 9º, 11º e 12º).
- A primeira Ré não celebrou a escritura pública relativamente à fracção correspondente ao 20º andar “R” com a Autora, uma vez que essa fracção já tinha sido adquirida pelo Banco Luso (resposta aos quesitos 13º e 20º).
- Em 21/3/1988, a primeira Ré e XXX celebraram um contrato pelo qual a primeira acordou em transmitir para o segundo os direitos de construir sobre uma parcela de terreno dos quais era titular e posteriormente dispor da propriedade sobre o mesmo construída, pelo preço de HKD$45,000,000.00 (resposta ao quesito 14º).
- Na cláusula 4c) deste contrato estipulou-se que após recepção do preço acordado, a primeira Ré procederia de imediato à outorga de uma procuração a favor do outro contratante – XXX – ou de quem este designasse, conferindo por esse meio, entre outros, os poderes referidos em B) (resposta ao quesito 15º).
- Na sequência do acordo referido em 14) e 15) a primeira Ré outorgou à segunda Ré uma primeira procuração em 24/5/1988 (cfr. fls. 105 a 108) (resposta ao quesito 16º).
- Outorgou nova procuração com idênticos poderes em 11/05/1990 (cfr. fls. 109 a 113) (resposta ao quesito 17º).
- Com a outorga da primeira das procurações, a primeira Ré quis transmitir de um modo definitivo os seus direitos sobre a parcela de terreno onde foi construído o edifício que viria ser designado por “Tou Pou Fa Un” (resposta ao quesito 18º).
- Tendo, desde que recebeu o referido preço pela cedência dos seus direitos sobre o terreno, sido completamente alheia à elaboração do projecto e à construção do imóvel em causa como, posteriormente, à respectiva comercialização (resposta ao quesito 19º).

Dos autos, ainda verificamos que XXX e XXX, antes da assinatura do contrato promessa para com a autora, tinham contraído empréstimo ao Banco Luso-Internacional com a constituição da hipoteca das várias fracções entre as quais se encontra a “20/R”. Depois, face à não prestação no pagamento do empréstimo da parte dos mesmos, o Banco propôs acção declarativa e depois executiva contra os mesmos promitentes vendedores XXX e XXX do contrato promessa, até finalmente o Banco Luso-Internacional adquiriu o direito sobre o dito imóvel.

Conhecendo.
Limitou-se a recorrente a discordar com a decisão recorrida na parte da absolvição da primeira ré, porque não podia só condenar o Segundo réu enquanto este era apenas uma procuradora do negócio jurídico da primeira, pelo qual não consubstanciava a transmissão da propriedade dos imóveis em causa.
Vejamos.
O que aconteceu é o seguinte:
A primeira ré era concessionária de um terreno situado na Avenida General Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21833, fls. 160v, do Livro B99.
Em 21/3/1988, a primeira Ré e XXX celebraram um contrato pelo qual a primeira acordou em transmitir para o segundo os direitos de construir sobre uma parcela de terreno dos quais era titular e posteriormente dispor da propriedade sobre o mesmo construída, pelo preço de HKD$45,000,000.00. (Na cláusula 4c) deste contrato estipulou-se que após recepção do preço acordado, a primeira Ré procederia de imediato à outorga de uma procuração a favor do outro contratante – XXX – ou de quem este designasse, conferindo por esse meio, entre outros, os poderes referidos das fls. 26 a 31.)
Na sequência deste acordo, a primeira Ré outorgou à segunda Ré uma primeira procuração em 24/5/1988, pela qual a primeira Ré quis transmitir de um modo definitivo os seus direitos sobre a parcela de terreno onde foi construído o edifício que viria ser designado por “Tou Pou Fa Un” (resposta ao quesito 18º), tendo, desde que recebeu o referido preço pela cedência dos seus direitos sobre o terreno, sido completamente alheia à elaboração do projecto e à construção do imóvel em causa como, posteriormente, à respectiva comercialização.
Em 11/05/1990, a primeira Ré outorgou nova procuração com idênticos poderes (cfr. fls. 109 a 113).
Por esta última procuração notarial de 11 de Maio de 1990, constituiu como sua procuradora a segunda Ré, a quem conferiu poderes relativamente ao direito resultante da referida concessão por arrendamento do terreno em construção de: a) “vender e de qualquer outra forma alienar, pelo preço e nas condições que entender, os imóveis construídos no terreno (...), incluindo as suas fracções autónomas (...)”; b) “celebrar na qualidade de promitente-vendedora, contratos-promessa de compra e venda, ou contratos-promessa de compra e venda com promessa de hipoteca (...)”, e c) “outorgar escrituras, assinar e requerer tudo o que for necessário para o integral cumprimento do presente mandato” (das fls. 26 a 31).
E em virtude desta procuração, a segunda Ré desenvolveu e promoveu a construção do complexo habitacional denominado “Tou Pou Fa Un”, sito no Bairro do Fai Chi Kei, constituído por quatro blocos.
Em 20 de Novembro de 1992, a segunda Ré celebrou com XXX e XXX um contrato-promessa, prometendo vender as fracções autónomas designada por “A12” do 12º andar e “R20” do 20º andar, para habitação, do Edifício “To Pou Garden”.
Por contratos, datados de 17 de Abril de 1996, XXX e XXX transmitiram à Autora as suas posições contratuais relativamente às das referidas duas fracções autónomas “A12” do 12º andar e “R20” do 20º andar, com a concordância da segunda ré, pelo que esta celebrou dois novos contratos promessa de compra e venda com a Autora relativamente às duas fracções autónomas referidas.
A Autora em 17 de Abril de 1996 pagou a XXX e XXX a totalidade do preço dos dois imóveis em causa, obtendo as chaves das fracções e passou a residir na fracção “A12” do 12º andar com o seu agregado familiar.
Em 21 de Março de 2003, através de escritura pública, foi vendida a XXX e XXX a fracção correspondente ao 20º andar “R”, tendo a aquisição sido registada na Conservatória do Registo Predial, e sobre esta fracção encontram-se registadas duas hipotecas voluntárias a favor do Banco da China.
Em 5 de Junho de 2003 a primeira Ré celebrou escritura pública relativamente à fracção autónoma “A12” do 12º andar do Edifício “To Pou Garden”.
A Autora contactou com a segunda Ré várias vezes para a celebração das escrituras públicas de compra e venda das fracções sem conseguir.
A primeira Ré não celebrou a escritura pública relativamente à fracção correspondente ao 20º andar “R” com a Autora, uma vez que essa fracção já tinha sido adquirida pelo Banco Luso.

Conforme esta factualidade, está-se em causa a fracção autónoma “20/R - 20º andar R” que não podia ser objecto do contrato prometido.
Por outro lado, embora a primeira ré transmitisse na totalidade os direitos resultantes da concessão por arrendamento, pela procuração pela qual podia a procuradora fazer negócio consigo próprio, estava presente e nela assinou na elaboração da escritura pública de compra e venda da fracção autónoma de “12/A – 12º, a favor da autora.
Pediu na presente acção a autora a condenação pela resolução do contrato de promessa relativamente à fracção 20/R e a devolução do dobro sinal entregue.
Para saber se a primeira ré é substancialmente legítima, o essencial seria a posição jurídica da primeira ré, que estava a ver com a relação jurídica de procuração, e dependendo ainda em concreto do teor dos pedidos e a causa de pedir.
Comecemos pela procuração.
Na medida em que se prevê no art. 251º do Código Civil que “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”, vem a lei define a procuração como um negócio jurídico unilateral autónomo pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos.
A procuração é um negócio jurídico unilateral pela qual alguém confere poderes de representação… é um negócio unilateral que se completa com a declaração negocial do constituinte. Não carece de aceitação.1 E uma vez que seja aceite, obriga-se o procurador, em princípio, a celebrar o acto em nome do representado.2
Deste conceito jurídico, resulta que, conforme Ferrer Correia, se verificam dois requisitos indispensáveis para que a representação produza o seu efeito típico, que é a inserção directa, imediata, do acto na esfera jurídica do representado (dominus negotii):
a) que o representante aja em nome do representado (contemplatio domini), neste aspecto se distinguindo a representação da chamada comissão;
b) que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante.3
A título da extinção da procuração Prevê o artigo 258º do Código Civil que:
“1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa
4 … .”.
Independentemente de saber se no nosso regime jurídico está ou não vigente um princípio da livre revogabilidade da procuração, pode fazer-se a leitura deste artigo nos seguintes termos:
O regime da revogabilidade da procuração resulta da relação fundamental e depende do âmbito de interesses para cuja satisfação a procuração seja outorgada e os respectivos poderes devam ser exercidos. Por isso, o nº 3 do artigo 258º estatui que não pode ser revogada sem justa causa ou sem o acordo do interessado a procuração que “tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro”.
A irrevogabilidade da procuração nunca é absoluta. Mesmo quando resulta do interesse primário do procurador ou de terceiro, exclusivo ou concorrente com o do constituinte, a procuração pode sempre ser revogada com o consentimento de todos os titulares dos interesses fundamentais e quando ocorra justa causa de revogação.4
Para Vaz Serra, como a lei não define o “interesse do mandatário ou de terceiro” que se deva ter como relevante para exclusão do princípio geral da irrevogabilidade da procuração, sendo de atender, normalmente, à “relação jurídica em que a procuração se baseia”.5
Pelo que o problema não pode deixar de ser apreciado casuisticamente, procurando na relação jurídica em que a procuração se baseia a razão de ser da sua irrevogabilidade, até porque o representante é sempre e só o instrumento legal da vontade jurídica do representado.
Verifica-se, deste modo, que o destino final do negócio causal fica praticamente nas mãos do procurador, que passa a poder “geri-lo” a seu arbítrio.
Foi o que sucedeu no caso ajuizado.
Por um lado, porque houve imediata tradição da coisa, logo aí ficando cumprida, de facto, e por antecipação, no que toca aos promitentes vendedores, a obrigação nuclear inerente ao contrato prometido; por outro lado, porque a procuração irrevogável outorgada, ao atribuir à segunda ré o poder jurídico de vender a si próprio os andares, objecto da promessa, retirou por inteiro à primeira ré a possibilidade de inviabilizar a transferência da propriedade sem a anuência do procurador (no caso a segunda ré), assim colocando na inteira disponibilidade deste, como já se referiu, a decisão de marcar a escritura definitiva a que contratualmente se vinculara.
Porém, o facto de não poder vender definitivamente o andar “20/R” é que o mesmo tinha sido adquirido por outrém, a imputabilidade desta impossibilidade objectiva no cumprimento do contrato definitivo podia ser uma saída ou solução razoável para o problema resultante do negócio jurídico em que a autora estava envolvida, recorrendo ao instituto jurídico que não tinha sido invocado no presente caso.
Pois, a eventual culpa no desencadeamento da referida impossibilidade objectiva da elaboração da escritura pública relativa ao 20/R podia provocou a responsabilidade pelos danos indevidamente causados deste negócio frustrado.
Como a autora se limitou a pedir a devolução do dobro sinal entregue, e quem recebeu o seu sinal foi precisamente quem celebrou o contrato de promessa consigo.
Dos factos resultaram que “[p]or contratos, datados de 17 de Abril de 1996, XXX e XXX transmitiram à Autora as suas posições contratuais relativamente às das referidas duas fracções autónomas “A12” do 12º andar e “R20” do 20º andar, com a concordância da segunda ré, pelo que esta celebrou dois novos contratos promessa de compra e venda com a Autora relativamente às duas fracções autónomas referidas. A Autora em 17 de Abril de 1996 pagou a XXX e XXX a totalidade do preço dos dois imóveis em causa, obtendo as chaves das fracções e passou a residir na fracção “A12” do 12º andar com o seu agregado familiar”.
Com os pedidos que deduziu e a alegação dos factos provados que serviam da causa de pedir nunca podia conduziu a condenação da primeira ré na devolução dobro do sinal recebido, pois, por um lado, o seu poder sobre o imóvel em causa já se transmitiu à segunda ré e esta podia fazer negócio consigo mesmo, por outro lado, o contrato prometido da venda do fracção em causa não podia ser completada pelo facto de não poder vendê-lo, não pela culpa imputável à primeira ré, uma vez que XXX e XXX, antes da assinatura do contrato promessa para com a autora, tinham contraído empréstimo ao Banco Luso-Internacional com a constituição da hipoteca das várias fracções entre as quais se encontra a “20/R” e depois, face à não prestação no pagamento do empréstimo da parte dos mesmos, o Banco propôs acção declarativa e depois executiva contra XXX e XXX do contrato promessa, até finalmente o Banco Luso-Internacional adquiriu o direito sobre o dito imóvel, ou seja, pelo menos, no contexto da aquisição do Banco Luso do imóvel 20/R a primeira ré no âmbito da execução, não tinha qualquer culpa pela impossibilidade da venda do mesmo imóvel e pelos danos causados.
E o facto de ter a primeira ré assinado a escritura pública de venda da fracção “12/A” à autora não é relevante para a causa de pedir na devolução do dobro sinal, quanto muito, poderia servir da causa de pedir na eventual execução específica, questão distinta da presente causa.
Assim sendo, afigura-se ser correcta a solução jurídica da sentença recorrida, que não merece de qualquer reparo.
Ponderado resta decidir.

Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso interposto pela autora A, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
RAEM, aos 26 de Julho de 2012
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

1 Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito” - 2005 – 3ª edição, págs. 716 e segs.
2 P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, II, nota 3 ao art. 1178.
3 Vide Ferrer Coreia, A procuração na teoria da representação voluntária, em Estudos Jurídicos, II, pags. 19 e segs.
4 Vide neste sentido o Acórdão do STJ
5 Vaz Serra, R.L.J., ano 109º, pág. 124.
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