Processo n.º198/2012
(Recurso cível)
Data : 26/Julho/2012
ASSUNTOS:
- Execução específica
- Contrato-promessa
- Depósito do preço; natureza do prazo
- Decisão surpresa; nulidade da sentença
- Contrato-promessa celebrado apenas por um dos cônjuges em relação a bem comum do casal
SUMÁRIO:
1. O prazo fixado pelo juiz para depósito do remanescente do preço em acção de execução específica de contrato-promessa é prorrogável na medida em que seja compatível ainda com o princípio decorrente da reciprocidade das prestações.
2. A sentença é nula se contém decisão-surpresa sobre questão de direito nunca arguida ou abordada pelas partes, devendo sobre a matéria em questão garantir-se o exercício do contraditório.
3. Não obstante o contrato-promessa de venda de bem comum do casal ser válido, se assinado apenas por um dos cônjuges, ele obriga apenas o outorgante interveniente que assim fica responsável por ele, mas não é passível de execução específica, se o cônjuge não outorgante do contrato a tal se opõe.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 198/2012
(Recurso Civil)
Data: 26/Julho/2012
RECORRENTES :
Recurso Final
A
Recurso Interlocutório
B e C
RECORRIDOS :
Os Mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, residente de Macau, mais bem identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra B e C, residentes de Macau, melhor identificados nos autos (doravante designados por 1º e 2º Réus - RR.), alegando aquela que celebrou com o 1º R. um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, nos termos do qual a A. prometeu comprar e o 1º R. prometeu vender a fracção autónoma designada por "B15", para habitação, tendo a promitente-compradora ora A. pago o montante de HKD$100.000,00, a título de sinal e adiantamento do preço, mas os RR. recusaram até ao momento de outorgar o contrato definitivo, tudo melhor consta da petição inicial de fls. 2 e seguintes.
Concluindo, pede, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do R. faltoso, transmitindo-se à A. livre de quaisquer ónus ou encargos, o direito de concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, da fracção autónoma designada por “B15”, do 15° andar “B”, para habitação, devidamente descrita nos autos.
2. A (0149 3276 2404), A. nos autos à margem referenciados, inconformada com a sentença que julgou improcedente a acção em que peticionara a execução específica de um contrato-promessa de compra e venda relativa à referida fracção,
vem apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, concluindo:
I. Por documento escrito assinado por ambas as partes o 1.º R. obrigou-se a vender à A. e a A. obrigou-se a comprar ao 1.º R. a fracção dos autos pelo preço total de HKD$518,888.00, havendo na mesma data prestado sinal de HKD$50,000.00, que dois dias mais tarde veio a reforçar em igual quantia, com aceitação e declaração de recebimento do 1.º R. exarada por escrito, e em que ambos se comprometeram a celebrar o negócio definitivo de transmissão, cujas despesas e honorários de advogado correriam por conta da A., no prazo máximo de 25 dias, o que determina a qualificação jurídica negócio celebrado entre as partes como sendo um contrato promessa de compra e venda, apesar de as partes o haverem intitulado de compra e venda-entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 404.º do C.C..
II. O 1.º R. apesar de à data do contrato já ter adquirido o direito de propriedade da fracção dos autos por usucapião, pois a data do início da sua posse sobre a mesma, com as características exigidas por lei, remontava a 20.10.1992, não havia ainda obtido título que lhe permitisse o registo a seu favor do direito sobre a mesma; de todo o modo, porque o contrato promessa só cria a "obrigação de contratar", ou seja, uma obrigação de prestação de facto positivo de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, a celebrar com diferimento ou dilação no tempo, e porque sendo o contrato prometido um contrato de compra e venda e as disposições que se referem à transmissão da propriedade, por exemplo, não se aplicam ao contrato promessa, não lhe são aplicáveis as disposições que declaram nula a alienação de coisa alheia - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 404.º, n.º 1, e 882.º do C.C..
III. No caso dos autos, estando provada a mora no cumprimento do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor, o 1.º R., assiste à A. o direito de pedir a execução específica do contrato-prometido, como o fez nestes autos, e o juiz do processo já se pronunciou de forma definitiva sobre assistir o referido direito à A. no despacho saneador (apesar da propositura anterior de acção em que a mesma requeria a resolução do contrato e a condenação do 1.º R. em indemnização equivalente ao dobro do sinal), que já transitou em julgado, e que, portanto tem força obrigatória nos autos - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 787.º, 436.º, n.º 2, e 820.º do C.C. e ainda, do arte 575.º do CPC.
IV. Porque a A. já consignou em depósito o remanescente do preço devido no momento da celebração do contrato definitivo - que, na presente acção, equivalerá ao momento da prolacção da sentença em que o tribunal substituindo-se às partes declarará o contrato definitivo como celebrado - inexiste o obstáculo oposto pelos RR. na sua contestação da excepção de não cumprimento do contrato, estando o tribunal em condições de proferir sentença que declare transmitido para a A. o direito de concessão por arrendamento da fracção "B15 do prédio descrito sob o n.º 21671-XVI na Conservatória do Registo Predial de Macau, como pedido - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 820.º, n.º 6, e 422º do C.C..
V. A sentença é nula por conter decisão-surpresa sobre questão de direito, nunca arguida ou abordada pelas partes, pelo que, se impunha, nos termos do art. 3.º, n.º 3, notificar as partes para exercer o contraditório relativamente à mesma, sob pena de ao juiz não ser lícito conhecer de tal questão - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 3.º, n.º 3 e 571.º, n.º 1, al. d), do CPC.
VI. Existem declarações da 2.ª R. no âmbito da acção que revelam com toda a probabilidade ter dado a mesma o seu consentimento ao contrato-promessa de venda celebrado por seu marido, o 1.º R., nomeadamente, nos artigos 14.º a 17.º 19.º e 21.º da contestação - interpretação diversa faria indevida interpretação e aplicação do art. 209.º, n.º 1, do C.C..
VII. Embora a lei exija para tal consentimento ao contrato promessa a forma escrita, nos termos do art. 404.º, n.º 2 do C.C.; nada obsta a que mesma seja emitida tácitamente, quando a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz, e tais factos constam do articulado escrito de contestação subscrito em nome e em representação da 2.ª R. por mandatário por si validamente constituído, e foram especificadamente aceites pela A. no articulado de réplica entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 209.º, n.º 2, do C.C.. e 489.º, n.º 2, do CPC.
VIII. O regime de invalidade imposto pela lei, anulabilidade, para a alienação de bem comum feita por um só dos cônjuges é muito diverso do regime concebido para a venda de bem alheio, por se entender que a contitularidade sobre os bens comuns do casal é uma comunhão de "mão comum ", uma forma de propriedade colectiva, sobre a qual marido e mulher conjuntamente têm um único direito, produzindo o negócio todos os seus efeitos até ao momento em que o outro cônjuge venha a juízo requerer a anulação do acto, sob pena de se vir a tornar definitivamente válido - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 1554.º, n.ºs 1 e 2, e ainda n.° 4, "a contrario"
IX. Só têm legitimidade para arguir tal anulabilidade o cônjuge e, no caso de já ter falecido, os seus herdeiros, não podendo o tribunal substituir-se ao cônjuge no exercício de tal direito - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 1554.º, n.° 1 e 280. º, n.° 1 do CC, de que é concretização.
X. Ainda que se entendesse que a transmissão do bem comum que viesse a ser declarada por sentença no âmbito da presente acção de execução específica seria anulável, por o tribunal se não poder substituir na declaração da 2.ª R. que não interveio no contrato promessa, seria um manifesto abuso de direito, um "venire contra factum proprium ", a 2.ª R. vir posteriormente arguir a anulabilidade de tal acto, quando devidamente citada para intervir na acção de execução específica não houvesse arguido a sua oposição ou falta de consentimento ao acto - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 326. ° do C.C..
Termos em que,
Se requer se revogue a sentença proferida em primeira instância e em sua substituição se profira acórdão que considere totalmente procedente o pedido formulado pela A.
B e C, ora recorridos, identificados nos autos, face ao recurso interposto pelo recorrente, vêm, nos termos dos factos e fundamentos abaixo citados, apresentar as contra-alegações, dizendo, em síntese final:
1. O objecto do recurso é a sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido intentado pelo recorrente.
2. As sentenças dos tribunais devem ser fundamentadas pelos factos provados nos autos, em vez de serem fundamentadas pelos factos inferidos ou pelos factos que não foram dados como provados.
3. A 2ª recorrida sublinhou que nunca consentiu no acto de alienação praticado pelo 1º recorrido, nem se manifestou, tanto no aspecto de declaração de vontade como no aspecto formal, o seu consentimento.
4. Nestes autos não se verifica, de forma nenhuma, a violação do princípio do contraditório, já que o processo judicial foi integralmente elaborado em conformidade com o procedimento estipulado no Código de Processo Civil.
5. Não há nenhum facto nestes autos que comprove o atraso no cumprimento dos recorridos.
6. Mais, a execução específica só pode ser intentada quando houver incumprimento definitivo, pelo que o pedido do recorrente é notoriamente improcedente.
7. Pelo exposto, vêm requerer aos Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância que julguem improcedente o recurso interposto, mantendo-se a sentença do Tribunal a quo.
Nestes termos, vêm requerer que se julgue improcedente o recurso, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
3. B e C, réus, nos autos melhor identificados interpuseram ainda recurso interlocutório do despacho que deferiu a prorrogação do prazo de consignação do depósito do remanescente do preço na acção de execução específica de contrato-promessa, dizendo, em síntese conclusiva:
1. Os réus não estão conformes com o despacho do tribunal a quo que defere a prorrogação do prazo de consignação da autora por mais dez dias, vêm, desse modo, interpor recurso ao Tribunal da Segunda Instância.
2. Ao abrigo do art. 820.°, n.º 6 do Código Civil, o MM.º Juiz fixou vinte dias para a autora consignar em depósito a importância em causa no despacho saneador.
3. Posteriormente, atendendo ao requerimento da autora, o MM.º Juiz prorrogou o prazo por mais dez dias.
4. À luz da jurisprudência, o prazo supra citado é de natureza substantiva, sendo improrrogável.
5. O MM.º Juiz fixou um prazo de vinte dias para a consignação, tal prazo é equivalente à data limite do cumprimento do contacto.
6. Para o efeito, o despacho que defere a prorrogação do prazo de consignação da autora por mais dez dias, proferido pelo MM.º Juiz, viola o art. 820.°, n.º 6 do Código Civil, o qual deve ser cancelado.
A, A. contrapõe, em síntese:
I. Não havendo sido fixado na lei limite de tempo para o prazo assinalado pelo juiz para a prática de determinado acto, o mesmo é prorrogável a pedido devidamente fundamentado da parte interessada, já que a sua fixação é discricionária, só visando pois satisfazer os fins determinados na lei, podendo o juiz considerar na revisão da sua fixação circunstâncias factuais relevantes que lhe não haviam sido disponibilizadas no momento da prolacção do despacho que primeiramente o havia fixado - art. 97.°, n.º 1 do CPC "a contrario".
II. Só a verificação do termo do prazo da prorrogação sem que a parte pratique o acto, faz com que o seu direito de o praticar se extinga - art. 94.°, n.º 3, do CPC.
III. A lei não fixa prazo ou seu limite, para a parte dar cumprimento à consignação em depósito do preço ainda em dívida, prevista pelo art. 820.°, n.º 6, do C.C. como condição de procedência da acção.
IV. Mas remetendo para o regime da excepção de não cumprimento do contrato (arts. 422.° e ss. do C.C.), com o qual a disposição deve ser integrada, verifica-se que, nos contratos bilaterais, inexistindo prazos diferentes para o cumprimento das prestações, têm os contraentes a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto a contraparte não efectuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo,
V. Verifica-se pois que a parte só está obrigada a oferecer a sua prestação em momento em que seja certo e seguro, que o contrato vai ser realizado, seja através das necessárias declarações das partes para o efeito ou através de imposição de sentença constitutiva, que substitui as suas declarações - entendimento contrário faz indevida interpretação e aplicação do art. 820.°, n.º 6 do CPC.
VI. Se a falta de depósito da contraprestação que deva ser prestada antes da ou simultâneamente com a prestação do promitente faltoso (que consiste na declaração negocial necessária à realização do negócio definitivo), no prazo designado pelo juiz, tem por consequência, a perda do direito à procedência da acção de execução específica, a notificação à parte do referido prazo tem que conter a cominação de que o seu direito à procedência da execução específica se extinguirá com a não realização da prestação a que está adstrito no prazo designado.
VII. A notificação pessoal da parte ou pessoa interessada impõe-se sempre que a lei assim expressamente o exija e, ainda, em todos os casos em que esteja em causa a garantia do exercício do direito de defesa ou naqueles em que da falta de comparência ou da omissão de um acto da parte resulte um efeito cominatório, perda de direito ou perda da faculdade de o exercer.
VIII. A consignação em depósito do preço em falta, como no caso dos autos, depende de uma actividade material da parte de disponibilizar o dinheiro no prazo designado para o efeito e consigná-lo em depósito, sob pena de o seu direito à execução específica se extinguir, é pois facto de que deve ser dado conhecimento por notificação pessoal à parte, seguindo a referida notificação as formalidades da citação pessoal e devendo ter o conteúdo previsto na lei, de que se a parte não der cumprimento ao dispositivo do despacho, assumirá as consequências da cominação, quais sejam, a de que o seu direito à execução específica se extinguirá -como o impõe o art. 820.°, n.º 6, do C.C.
Termos em que deverá improceder o recurso apresentado pelos RR. / Recorrentes.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Em 13 de Setembro de 2007, a A. e o 1° R. celebraram um acordo escrito, por ambos assinado, que denominaram de "Compra e venda" através do qual o R. declarava vender à A. a fracção "B" do 15º andar, do Bloco 16 do Edifício "XXX" pelo preço de HKD$518.888,00 e recebia da mesma o sinal de HKD$50.000,00. (A)
Acordaram ainda A. e 1º R. que após receber o sinal a A. pagaria as despesas com a transmissão e os honorários e que o prazo de validade do sinal seria de 25 dias. (B)
A fracção identificada no contrato é a fracção autónoma "B15", do 15º andar "B", para habitação, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado "Jardim Cidade Nova - XXX", s /nº da Rua Onze do Bairro Tamagnini Barbosa e s s/nº o n.º 21671/XVI, a fls. 18v do Livro B61 na Conservatória do Registo Predial de Macau, com a constituição do regime do propriedade horizontal registada pela inscrição n.º 21603F. (C)
O prédio encontra-se inscrito sob o artigo n.º 73279P tendo a fracção o valor matricial de MOP$116.760,00. (D)
Em 15 de Setembro de 2007, a A. entregou ao R. o montante adicional de HKd$50.000,00 (cinquenta mil dólares de Hong Kong) a titulo de reforço de sinal e adiantamento do preço, tendo o R. efectuado uma adenda ao referido contrato, onde inscreveu e assinou: "Em 15.09.2007 recebi mais HKD$50.000,00, recebi no total HKD$100.000,00." (E)
Em 27.09.2007, A. e l° R. compareceram no escritório do advogado Pedro Leal. (F)
Nessa data, o 1º R. exibiu ao aludido advogado o contrato de compra que havia celebrado com o original promitente-comprador da fracção D. (G)
Até à presente data o R. não devolveu à A. o sinal por ela pago para a compra da fracção autónoma acima referenciada. (H)
A A. propôs uma acção declarativa ordinária que corre seus termos nesse tribunal sob o n.° CV1-09-0026-CAO pedindo se declarasse resolvido o acordo aludido em A) por incumprimento definitivo e culposo do R., com a consequente condenação do R., ao pagamento à A. da quantia de HKD$200.000,00 (duzentos mil dólares de Hong Kong), equivalente ao dobro da quantia que lhe havia sido entregue a título de sinal, acrescida de juros à taxa legal desde a data do incumprimento. (I)
Na pendência da referida acção o 1° R. intentou a acção declarativa ordinária n.º CV2-09-0032-CAO contra a "Sociedade de Investimento Veng Lei, Limitada" na qual pediu fosse reconhecido como proprietário da fracção em causa por a haver adquirido por usucapião. (J)
A referida acção foi julgada procedente e por decisão transitada em julgado, foi declarada a aquisição originária - usucapião - por B, da fracção autónoma designada por "B15", do 15° andar, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Macau, denominado Edifício Jardim Cidade Nova, "XXX", Bloco 16, na Rua Onze do Bairro Tamagnini Barbosa. (L)
O registo da referida aquisição a favor dos RR. foi requerido pela Ap. 91 de 11.06.2010 na Conservatória do Registo Predial de Macau. (M)
A acção ordinária aludida em L) foi suspensa até ao trânsito em julgado da decisão que conhecer do mérito desta acção. (N)
A A. comprou um cheque caixa do remanescente do preço aludido em A), no valor de HKD$418.888,00 e notificou o 1° R. para se deslocar ao escritório do advogado Pedro Leal, no dia 27 de Setembro de 2007, a fim de tratarem dos procedimentos necessários à escritura. (1º)
Nessa data o aludido advogado questionou o 1° R. sobre a procuração que o D lhe deveria ter outorgado para poder formalizar a cessão da sua posição contratual ou celebrar a escritura de compra e venda, tendo o mesmo afirmado que não estava na posse de qualquer procuração. (2°) “
III - FUNDAMENTOS
A - Recurso interlocutório
1. Objecto do recurso
Em 13 de Abril de 2011, o Tribunal a quo proferiu despacho que deferiu a prorrogação do prazo por mais dez dias para a consignação do preço em falta do contrato prometido, tendo em vista o pedido de execução específica do mesmo.
Os réus, aqui recorrentes, B e C invocam violação de lei, porquanto afirmam , tendo o MM.º Juiz fixado, no despacho saneador, vinte dias para a autora consignar em depósito a respectiva importância, findando tal prazo em 11 de Abril de 2011, solicitado a autora no último dia deste prazo a prorrogação do supracitado , a tal acedeu a Mma Juíza, prorrogando-o por mais dez dias.
Tal prazo é de natureza substantiva, sustentam os recorrentes, sendo improrrogável violando manifestamente o n.º 6 do art. 820.° do Código Civil, o qual deve ser cancelado.
Não têm razão os recorrentes.
No fundo, a questão passa por determinar a natureza desse prazo e determinar o momento em que tal depósito deve ser efectuado ou quando é que o juiz deve ordenar que se proceda ao depósito.
2. Sobre o momento em que deve ser efectuado o depósito.
Começaremos por constatar que nã têm sido raros os casos em que se tem condicionado a eficácia da sentença de execução específica ao depósito do preço devido a efectuar em prazo ali fixado.1
É certo que quando o contrato prometido envolva para o autor da acção judicial uma prestação de cumprimento imediato que este ainda não haja satisfeito sob a forma de cumprimento antecipado, deve o tribunal fixar um prazo para ele consignar em depósito essa prestação, e a acção não procederá desde que a consignação não seja realizada dentro desse prazo (artº 820º, nº 6 do CC). O réu poderá vir a achar-se constituído no direito de opor ao autor, em relação ao contrato prometido, a chamada excepção de não cumprimento, o que quer dizer que lhe assistirá a faculdade de se recusar a cumprir aquele contrato enquanto o autor o não cumprir de seu lado (artº 416º, nº 1).
Do facto de ter sido notificada até a A. para depositar o preço em falta não se pode retirar que não seja proferida sentença com eficácia subordinada a um prazo que ali se venha a fixar. Não estabelecendo a lei um prazo ou momento processual para depósito do preço, entendemos que nada obsta a que ele possa ser fixado na sentença ainda antes do trânsito da mesma. O sentido e razão de ser do despacho proferido para depósito do preço não poderá ter o efeito cominatório pretendido de extinção do direito, visando-se com ele criar as condições para que, quando da prolação da sentença, por via do depósito efectuado, se evite uma sentença subordinada a tal condição.
É nesse sentido que vai uma jurisprudência significativa do STJ (aqui citada como referência de Jurisprudência comparada)23.
Isto, não sem que se observe que visando-se com o disposto no n.º 6, do art. 820.° evitar que uma das partes fique impossibilitada de invocar a excepção de não cumprimento a que tivesse direito, ficando despojada da coisa, sem recebimento simultâneo do preço correspondente (ou da parte do preço ainda em falta) o que importa garantir é a contraprestação do pagamento do preço pela cedência da coisa.
Aliás, estando o contraente cumpridor obrigado a cumprir muito antes do promitente faltoso, tal consistiria em mais um "sacrifício" injustificado para o promitente cumpridor, a acrescer ao decorrente da mora ou da recusa injustificada do promitente faltoso em cumprir, pressupostos da acção de execução específica, o que repugna aos princípios da boa fé.
A este propósito e sobre a justeza do procedimento o Prof. Galväo Telles4 diz"em princípio, parece que o problema só deveria pôr-se quando, depois de emitida sentença favorável ao promitente-comprador, este, já na qualidade de comprador outorgada pela sentença, se apresentasse a reclamar a entrega da coisa, em cumprimento da compra e venda consubstanciada na mesma sentença. O promitente-vendedor, entretanto transformado em vendedor por força desta, poderia - entäo e só entäo - prevalecer-se da excepçäo de näo cumprimento, furtando-se legitimamente a proceder àquela entrega até lhe ser pago o preço (suposto que o näo fora antecipadamente, ou na parte em que o näo fora).(...)
Pensamos que de iure constituendo a melhor soluçäo seria a seguinte:
Quando o juiz, reunidos os elementos necessários para decidir, formasse convicçäo favorável à procedência do pedido, proferiria sentença provisória decretando essa procedência e marcando prazo para o depósito. Efectuado o depósito em tempo útil, a sentença seria convertida em definitiva (sem prejuízo do recurso que coubesse)."
Tudo isto para se concluir que a lei não determina qual o momento em que o juiz deve ordenar o depósito, não se podendo afirmar categoricamente que o despacho foi extemporâneo, ainda que porventura algo prematuro.
3. O ponto estará então em saber se esse prazo dado pelo juiz é ou não prorrogável.
Nos termos do art. 94.º, n.º 1 do CPC, os prazos processuais ou são estabelecidos por lei ou fixados por despacho do juiz, e podem ser dilatórios - diferindo para um certo momento a prática de determinado acto - ou peremptórios - fazendo o seu decurso extinguir o direito de praticar o acto, excepto no caso de justo impedimento (art. 95.º do CPC).
E, o artigo 97.º, n.º 1, do CPC ao dispor que "o prazo processual fixado pela lei é prorrogável, nos casos nela previstos", faz extrair a regra de que os prazos processuais fixados por lei são em regra improrrogáveis, e a contrario sensu,5 implica que os prazos fixados pelo juiz são prorrogáveis, excepto se a lei determinar que o não são.
Não havendo sido fixado na lei limite de tempo para o prazo assinalado pelo juiz para a prática de determinado acto, este pode sempre reponderar a sua decisão, desde que tal lhe seja solicitado em pedido devidamente fundamentado, já que a sua fixação é discricionária, só visando pois satisfazer os fins determinados na lei, que, como acima se viu, residem em assegurar a contraprestação devida pelo comprador.
Neste sentido, a Jurisprudência comparada.6
Como se verifica do teor do art. 820.°, n.º 6, a falta de depósito da contraprestação que deva ser prestada antes ou simultaneamente com a prestação do promitente faltoso (que consiste na declaração negocial necessária à realização do negócio definitivo), no prazo designado pelo juiz, tem por consequência, a perda do direito à procedência da acção de execução específica, mas daí não decorre necessariamente a impossibilidade de prorrogação de um prazo que visa o cumprimento da contraprestação devida em momento relevante e compaginável com a reciprocidade das prestações, que não deixará de decorrer no momento da prolação da sentença a proferir.
Nesta conformidade julga-se improcedente o recurso interlocutório interposto.
B - Do recurso da sentença proferida a final
1. Da nulidade da sentença
Foi oportunamente arguida a nulidade da sentença por conter decisão-surpresa, pois a questão jurídica em que se louvou o Mmo Juiz para se decidir pela absolvição dos RR. do pedido - considerando a impossibilidade de execução específica por a cônjuge - mulher não ter intervindo no contrato-promessa - nunca havia sido levantada ou abordada pelas partes, pelo que, se impunha, nos termos do art. 3.°, n.º 3 do CPC, notificar as partes para exercer o contraditório relativamente à mesma.
Tal arguição de nulidade foi considerada improcedente e da decisão foi apresentado recurso, não aceite com fundamento que do despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma da sentença não cabe recurso e, que de qualquer forma, o recurso ordinário da sentença pode ter por fundamento qualquer nulidade que lhe seja assacada.
Na verdade, o art. 571.°, n.º 1, al. d), do CPC, exara que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e o art. 3.°, n.º 3, diz não ser lícito o juiz decidir de questões de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A sentença é nula por conter decisão-surpresa sobre questão de direito, nunca arguida ou abordada pelas partes, pelo que, se impunha, nos termos do art. 3.º, n.º 3, a notificação das partes para o exercício do contraditório relativamente à mesma, sob pena de ao juiz não ser lícito conhecer de tal questão, mesmo que se tratasse de conhecimento oficioso.
Afigura-se, assim, numa primeira abordagem, que assiste razão à recorrente, pois que a questão do consentimento na alienação não foi abordada nos articulados, só agora em sede de alegações e contra alegações essa matéria veio a ser discutida.
E se falamos numa primeira abordagem é porque, se por um lado, só com a sentença se fala do consentimento de ambos os cônjuges na alienação de bem do casal - bem que se encontra registado em nome de ambos os cônjuges na sequência de uma acção em que foi reconhecido ao 1º R a sua aquisição por usucapião -, por outro, trata-se de um pressuposto do exercício do direito à execução específica que o juiz tem de conferir no momento em que se substitui à vontade negocial dos faltosos.
Correlacionada com esta questão vem ainda aqueloutra que se traduz em saber se a falta desse pressuposto - consentimento conjugal - pode ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal.
Ora, parece que estaremos perante uma questão nova se considerarmos que a A. pôs a acção contra ambos os RR. e não alegou esse pressuposto decorrente do artigo 1458º do CC, nem os RR. a colocaram expressamente.
Mas será que o juiz, confrontado com o facto de estar perante um bem comum do casal, como tal registado na Conservatória, perante um contrato assinado só pelo cônjuge marido não teria de curar o direito aplicável e concluir pela impossibilidade de execução específica por falta de manifestação expressa de vontade nesse sentido por banda do cônjuge-mulher?
Estamos em crer que sim, embora talvez devesse ouvir as partes sobre esse pressuposto do exercício da execução específica, prevenindo eventual alegação e interpretação contrária àquela que se divisava.
Estaremos aí efectivamente perante uma decisão-surpresa e as partes devem ter a possibilidade de se defender antes que o juiz pronuncie o seu julgamento.
Tal falta, a configurar-se como tal, constitui uma nulidade inominada prevista no artigo 147º, n.º 1 do CPC, na medida em que tal omissão é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.7
Importa, portanto, prevenindo esse entendimento, suprir essa insuficiência e o que se constata é que, perante o desenvolvimento do processo, as partes não deixaram já, neste momento, de tomar posição sobre esse fundamento da sentença. A recorrente defendendo um consentimento tácito; ao invés, os recorridos, apoiando o decidido, dizem que nunca existiu tal consentimento.
Não há, pois, razões para ordenar a audição das partes, uma vez que o fizeram já, razão por que não se deixará de conhecer dessa questão se ela dever ser conhecida.
2. Do contrato celebrado
Foi celebrado um contrato-promessa entre a A. na qualidade de promitente compradora de fracção bem comum do casal e só o R. marido prometeu vender.
O contrato promessa de compra e venda é um contrato através do qual uma parte se obriga a vender e outra parte se obriga a comprar determinada coisa ou direito, mediante um preço (art. 404.°, n.º 1).
Ao contrato promessa é aplicável o regime do contrato prometido, excepto as disposições relativas à forma que deva revestir, e aquelas que, pela sua razão de ser, se não devam considerar extensivas ao contrato de promessa (art. 404.°, n.º 2, do C.C.).
Porém a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento autêntico ou particular só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas as partes do contrato (art. 404.°, n.º 2, do C.C.),
Estamos perante um contrato celebrado entre duas partes e por ambas assinado, que foi denominado de compra e venda, no qual o primeiro outorgante, o 1.º R., declarou vender à segunda outorgante, a ora. A, a fracção autónoma acima identificada, pelo preço total de HKD$518,888.00, recebendo a título de sinal, a quantia de HKD$50,000.00, ficando a cargo da segunda outorgante, a ora A., as despesas com a transmissão e os honorários, e fixando-se o prazo de validade do sinal em 25 dias.
O que tudo quer dizer que as partes celebraram um contrato em que o 1.º R. prometeu vender e a A. prometeu comprar a fracção pelo preço total mencionado, havendo na data prestado sinal, que dois dias mais tarde veio a reforçar em igual quantia, com aceitação e declaração de recebimento do 1.° R. exarada por escrito, e em que ambos se comprometeram a celebrar o negócio definitivo de transmissão, cujas despesas e honorários de advogado correriam por conta da A., no prazo máximo de 25 dias.
Apesar do "nomen juris" que as partes lhe atribuíram, o contrato que celebraram não é um contrato de compra e venda, pois por ele o 1.º R. não pretendia com esse acto transmitir para a A. a propriedade da coisa e proceder à sua entrega, nem a A. pretendia entregar ao 1.º R. a totalidade do preço (efeitos essenciais da compra e venda, nos termos do artigo art. 869º do C.C.).
No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (art. 435.º do c.c.).
4. Da validade do contrato celebrado apenas pelo o 1.º R. e da sua legitimidade para se obrigar a celebrar compra e venda de bem do casal
Porque o contrato promessa só cria a "obrigação de contratar", ou seja, uma obrigação de prestação de facto positivo de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, contrato futuro, a celebrar com diferimento ou dilação no tempo, desde logo, à partida não se vê que cada um dos cônjuges, por si, não se possa comprometer a dispor de um dado bem comum do casal. O ponto estará em saber se esse compromisso pode vincular o outro cônjuge, sendo que aí esbarramos com a limitação da lei, decorrente do artigo 1554º do CC que torna anulável a disposição de bem comum, sendo certo que a disposição só opera com o contrato de alienação em si e já não com a promessa desta.
Não é preciso elucubrar tão abundante e doutamente quanto a recorrente o faz, para se concluir que esse contrato, ainda que assinado só, pelo cônjuge-marido é um contrato válido.
Na verdade, o contrato-promessa para alienação de bens comuns do casal é válido, ainda que celebrado por apenas um dos cônjuges sem a intervenção do outro.
Segundo a mais pacífica doutrina, tal contrato-promessa é válido, porquanto nele o promitente vendedor não emite uma declaração de alienação do bem, mas apenas se limita a prometer realizar, no futuro, o contrato-prometido, cabendo-lhe envidar os esforços para que na data da realização do acto negocial de compra e venda o outro cônjuge venha a prestar o seu consentimento.
É de referência o estudo dos Professores Antunes Varela e Henrique Mesquita, segundo o qual, “ Nos casamentos cujo regime de bens seja a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, nenhum dos cônjuges pode alienar bens imóveis, próprios ou comuns, sem o consentimento do outro ( artº 1682º-A). Mas nada impede que qualquer dos cônjuges assuma, em contrato-promessa, a obrigação de alienar bens desta natureza – assim como nada obsta a que, por exemplo, um comproprietário assuma, sozinho, a obrigação de alienar a coisa comum ou parte especificada dela, ou que alguém assuma a obrigação de alienar coisa alheia”. 8
5. Da possibilidade de execução específica
A execução específica do contrato-promessa de compra e venda, porém, não é possível se o cônjuge do promitente vendedor não se tiver obrigado conjuntamente com ele, ainda que este venha a falecer, pois tal execução seria uma violência contra a vontade e contra o livre exercício do direito de propriedade do cônjuge supérstite, violência inadmissível na ordem jurídica que nos rege. 9
Se não cumprida a promessa, pode o contraente fiel, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (art. 820º, nº. 1, do C. Civil).
Não tendo o cônjuge mulher assinado o contrato promessa, não assumiu ela, nos termos desse preceito, qualquer obrigação a cuja satisfação o tribunal se possa substituir.
E não há, nesta sede, que chamar à colação o disposto nos arts. 1548 e 1554º, nº. 1, do C. Civil, pois que se trata de um domínio meramente obrigacional que não da oneração ou alienação de um qualquer direito real sobre imóvel. Ainda que seja válida a promessa feita por um só dos cônjuges isoladamente de acto que requeira a outorga de ambos, a mesma só vincula, em princípio, o cônjuge que se obrigou, que não também o cônjuge não outorgante.
Sendo comum o imóvel objecto do contrato, não se torna possível obter execução específica da promessa de venda desse prédio, se a Ré mulher não se houver vinculado ao cumprimento da promessa nem houver consentido na alienação. 10
O que pode ocorrer é que poderá assim uma das partes estar obrigada eventualmente a indemnizar, cobrindo o chamado interesse no cumprimento ou o interesse contratual negativo, o dano de confiança, conforme o caso.11 Não pode é o juiz proferir sentença, suprimindo a vontade negocial de alguém que não se obrigou a tal e que não pretende transmitir coisa que também lhe pertence.
É, pois, válido o contrato promessa celebrado pelo cônjuge marido, sem autorização da mulher, relativamente a um bem imóvel comum do casal, produzindo efeitos obrigacionais entre as partes subscritoras da promessa; porém, esse contrato não produz efeitos reais, nomeadamente translativos da propriedade ou da posse a favor do promitente comprador.12 O contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel não é afectado pelo facto de o contrato ter sido celebrado por um dos cônjuges, como promitente vendedor, sem o consentimento do outro; mas, para a venda prometida, falta legitimidade a cada um dos cônjuges outorgantes no contrato-promessa sem o consentimento do outro. A falta de legitimidade substantiva de cada um dos cônjuges outorgantes no contrato-promessa para a venda prometida, sem o consentimento do outro, torna impraticável a execução específica do mesmo contrato- -promessa, se válido.13
Podemos concluir assim no sentido de que
- é pacífico o entendimento de que é válido o contrato-promessa de compra e venda de bens imoveis comuns do casal celebrado pelo marido sem o consentimento da mulher;
- quando um dos cônjuges não haja outorgado no contrato-promessa, nem dado o seu assentimento a ele, a execução especifica facultada pelo artigo 820 do Código Civil, não é exercitável, havendo apenas lugar a indemnização devida pelo incumprimento, em caso de recusa na outorga da escritura.14 15
6. Do consentimento na alienação
A sentença recorrida declara o pedido improcedente por a fracção dos autos se encontrar registada a favor do 1.º R., casado com a 2.ª R. no regime de comunhão de adquiridos e esta não haver intervindo no contrato-promessa ou haver consentido que o contrato fosse celebrado em seu nome, e, portanto, tal contrato não a vincular,
Carecendo do consentimento de ambos os cônjuges a alienação de direitos pessoais de gozo sobre bem imóvel comum, nos termos do art. 1548.°, n.º 1, do C.C.
Importa então conhecer desta questão, tanto mais que, alegada a nulidade da sentença por efeito de uma decisão-surpresa, estamos em condições de dela conhecer, havendo-se as partes pronunciado sobre tal vexata quaetio.
Como se viu, a Jurisprudência (comparada) tem entendido que caso o cônjuge com meação no bem, objecto da promessa de compra e venda, não haja intervindo no contrato promessa de venda, o Tribunal não se pode substituir ao mesmo na prolação de sentença que substitua a sua declaração, por o mesmo nunca se haver vinculado a proferir a mesma,
E que se não houver consentimento prévio, contemporâneo ou posterior do mesmo cônjuge à promessa de venda feita pelo outro cônjuge a acção de execução específica não pode proceder, declarando normalmente a improcedência da acção de execução específica logo no despacho saneador.
Mais se tem entendido que o silêncio do cônjuge não pode ser tido como declaração negocial de consentimento, por a lei, uso ou convenção lhe não atribuir tal valor (art. 210.° do C.C.).
Defende a recorrente que esse consentimento existe no caso presente e que a Ré, expressamente, "assumiu", nos arts. 14.° a 17.°, 19.°, 21.°, 22.° da contestação apresentada, o negócio prometido como seu, o que significa que prestou o seu consentimento ao contrato promessa celebrado pelo seu cônjuge com a A., pretendendo "arrecadar", para o património comum as prestações de sinal e adiantamento do preço feitas pela A.
Mas, analisando bem esse articulado, daí não resulta que se possa retirar um reconhecimento, sequer tácito, no sentido de que mulher autorizou a alienação do referido bem ou tenha consentido ou de alguma forma aderido à promessa de alienação.
A acção foi proposta, como se impunha , contra ambos os cônjuges e a mulher, acompanha o marido numa defesa que tem em vista o enfoque numa argumentação que procura afastar os pressupostos que conduzem à execução específica, em particular, a inexistência de incumprimento ou a existência de um pedido formulado noutra acção em que se pedia a resolução do contrato.
É certo que não se levanta a questão da falta de consentimento, mas daí não se pode retirar que a cônjuge-mulher autorizou na venda.
Aliás, a contestação é bem demonstrativa de qyue se opõe a tal alienação.
Nem tal consentimento se pode retirar das seguintes passagens que não podem deixar de ser entendidas em sede de uma contestação formulada por ambos, devendo elas ser processualmente contextualizadas:
- Nos termos do contrato celebrado entre A. e RR, ainda que os RR. hajam declarado vender o imóvel à A. (art. 14.° da contestação)
- O que é certo é que os RR. ainda não eram proprietários do imóvel de facto e nos termos da lei (art. 15.° da contestação)
- A A. soube naquele momento que os RR. não tinham a propriedade do imóvel, mas somente direito de posse e, ainda assim, celebrou o negócio, por isso, não pode ser considerada terceiro de boa fé (art. 16.° da contestação)
- Assim, os RR. estavam a vender uma coisa alheia nesse momento, facto de que a A. tinha pleno conhecimento à altura (art. 17.° da contestação).
- Os RR. aceitam os factos dos artigos 1.º a 6.º, 8.º, 9.º, 13.º e 16.º da petição inicial (art. 19.º contestação)
- Os RR. só aceitam que foram a um escritório de advogado para completar as formalidades da transmissão, o que se não conseguiu (art. 21.° da contestação).
- Devido ao facto de não poder completar as formalidades para a transmissão da propriedade a A. não quis continuar o negócio, exigindo aos RR. a restituição do original sinal, MOP$100,000.00, mas tal foi recusado pelos RR. por a A. saber da situação do imóvel desde o início e depois recusar-se a completar o negócio, pelo que foi a A. quem violou o contrato, não os RR, pelo que não se restituiu o sinal (art. 22.° da contestação).
Tais afirmações não revelam, como se pretende, que a 2.ª R.. deu o seu consentimento ao contrato promessa celebrado pelo seu cônjuge, o 1.º R., e que se considere vinculada a celebrar o contrato prometido. Essa pretensa vontade negocial não deixa de ser manifestamente contrariada pela letra e conteúdo do contrato celebrado em que só um dos cônjuges outorgou.
7. E ainda da forma
De qualquer forma, a lei exige para tal declaração negocial de consentimento ao contrato promessa a forma de documento escrito e subscrito pela 2.ª R., não servindo de argumento a invocação do n.º 2 do art. 209.° do C.C. que só deve vigorar quando não a forma escrita para a manifestação da vontade negocial não seja imposta por lei.
O contrato promessa de venda de imóvel carece de forma escrita, não sendo admissível prova testemunhal para a suprir.
Nem a pode suprir uma declaração num articulado da acção em que se pretende executar especificamente o contrato que deve reunir os pressupostos que permitem tal execução específica.
A promessa formal de venda de imóvel comum do casal feita apenas pelo cônjuge meeiro, sem declaração negocial correspondente do outro cônjuge, não confere ao promitente comprador o direito potestativo à execução específica do prometido.
Não é tanto a ausência de assinatura mulher que está em causa. É a falta absoluta de forma negocial, do seu lado, relativamente ao prometido pelo marido.
O artigo 404º, n.º 2 do Código Civil, exige que a declaração negocial do promitente seja reduzida a escrito “... a promessa só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincular ...”.
Não pode haver execução específica porque o contrato promessa celebrado pelo réu (só pelo réu) relativo a uma fracção comum não existe, não vincula em relação à meeira. Ela, formal e validamente não se comprometeu. Não prometeu nada.
A lei não contempla o suprimento na obtenção de meia promessa, porque só ambas as vontades formalizadas é que integrariam, no caso, a validade e eficácia de corpo inteiro do contrato promessa, e, consequentemente, o dito efeito jurídico - prático, tal como é convocado pelo artigo 820º-1, ao configurar o direito potestativo à execução especifica do contrato prometido. E aqui, repita-se, não houve verdadeiramente, um contrato promessa, na plenitude que o preceito supõe ao facultar o suprimento da vontade de negociar.
O que significa ainda, insistindo, que a promessa do marido não afecta a esfera jurídica da mulher.
Esta nada prometeu que tenha validade e eficácia negocial, idóneas, porque é irrelevante a prova obtida relativamente ao consentimento, alegadamente dado por ela, à promessa unilateral do marido, já que a promessa dela carecia de forma negocial imperativa.
Por conseguinte, não tendo a ré dado forma legal à sua alegada vontade de prometer vender o terreno, património comum do casal, não podendo a promessa feita pelo seu marido, isoladamente, agilizar a aplicação do artigo 830º-, não podendo uma afirmação de um articulado desgarrada do contexto da contestação e desmentida pelo conteúdo do contrato ter o valor negocial pretendido, não pode o tribunal substituir-se-, a ela,, para os efeitos nele previstos, relativamente à execução específica do prometido só pelo réu marido.16
Donde, sermos a considerar, como se considerou na sentença recorrida que não se verificam os pressupostos da execução específica, qual seja a falta de uma vontade negocial prometida em relação a ambos os cônjuges.
8. Da pretensa questão da anulabilidade e de que a mesma não é de conhecimento oficioso.
Hábil e doutamente vem a recorrente invocar uma anulabilidade do negócio e porque esta não seria de conhecimento oficioso dela não podia a sentença ter conhecido.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 1554.º do CC a sanção para o negócio de alienação de bem imóvel comum celebrado por um dos cônjuges sem o consentimento do outro (consentimento que pode ser prestado no acto de alienação, ou antes ou depois do mesmo) é a anulabilidade, produzindo o negócio todos os seus efeitos até ao momento em que o outro cônjuge venha a juízo requerer a anulação do acto, sob pena de se vir a tomar definitivamente válido.
E só têm legitimidade para arguir a anulabilidade, de acordo com o critério geral fixado no art. 280.°, n.º 1, do Código Civil, o cônjuge e, no caso de já ter falecido, os seus herdeiros, no prazo curto de seis meses a contar do conhecimento do acto, mas nunca depois de três anos da realização do mesmo, com vista à salvaguarda dos interesses do outro contraente, parte no acto impugnado, à certeza e à segurança no comércio jurídico.
Daqui que só a cônjuge não outorgante do contrato promessa tem legitimidade para arguir a anulabilidade, não podendo o tribunal substituir-se na arguição de tal invalidade por a lei a tal se opôr (arts. 280.°, n.º 1 e 1554.°, n.º 1, do C.C.).
Mas não assiste razão à recorrente, na medida em que esta argumentação só relevaria num momento posterior à celebração do negócio.
Aqui estamos numa fase prévia. O negócio celebrado, o contrato-promessa, foi válido como se viu; agora, o que se pretende é obter sentença que substitua o negócio que opere a transmissão. Esse negócio ainda não foi celebrado ou suprido, donde não se poder falar de vício invalidante do negócio, qual anulabilidade.
Estamos é perante a análise dos pressupostos que o juiz deve indagar, referentes aos pressupostos do direito potestativo à execução específica, mais concretamente aos da legitimidade substantiva passiva e foi isso mesmo que o Mmo Juiz fez na sentença que proferiu.
Nem se venha com o argumento de que nos casos dos notários não devem eles recusar uma escritura ferida de anulabilidade. Aí a situação é completamente diferente; os outorgantes comparecem perante o notário e este limita-se a consignar o que, na sua presença, outorgado foi, sujeitando-se as partes às consequências dos vícios verificados. No caso dos autos, o juiz tem de suprir a vontade das pessoas que têm legitimidade para alienar e se sabe que só um dos cônjuges não pode alienar tal bem não pode declarar a coisa como transmitida. A palavra do juiz é a palavra faltosa dos outorgantes; no caso do notório, este não tem palavra; quem fala são os outorgantes ou o outorgante, limitando-se aquele a atestar autenticamente o que perante ele foi dito.
A situação é completamente diferente.
8. Do incumprimento
Como está bem de ver, não interessa mais indagar da situação do alegado incumprimento e da incompatibilidade entre esta acção, ou melhor, do pedido aqui formulado e daqueloutro na acção de resolução, entretanto suspensa, concluindo-se, como se concluiu no sentido da impossibilidade de fazer actuar uma execução específica por falta de consentimento na alienação ou no compromisso desta por banda de ambos os cônjuges.
Tudo visto e ponderado não se deixará de julgar improcedente o presente recurso
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso da sentença, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Custas do recurso interlocutório, que se julga improcedente, como acima visto, pelos recorrentes.
Macau, 26 de Julho de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - cfr Ac. da RP de 15/12/83 in CJ 1983,V,236 e 1984,V,26, RL de 16/10/84 in CJ 1984,IV,233; CJ 1985,V,26; CJ 1991,IV,174.
2 - Ac. S.T.J. de 2-12-92, Bol. 422-435; Ac. S.T.J. de 8-7-03, Col. Ac. S.T.J., XI, 2º, 146 e 08A3949, de 2/3/09
3 - Não obstante a posição contrária do Prof. Almeida Costa, expressa na R.L.J. Ano 129-196 e Ano 133-254
4 - Dto das Obrigaçöes, 6ª ed,
5 - CPC de Macau, Ant. e Com.,I, 2006, 299 e 300
6 Ac. do STJ, proc. 067725 de 19/4/79 e proc. 97 A571, de 21.10.1997 e não o já citado, proc. 08A3949, de 2/3/09 porquanto aí estava em causa o depósito a realizar antes da sentença, tendo-se entendido que esta não podia ser proferida condicionalmente.
7 - Soveral Martins, Dto Proc Civil, Noções Gerais, 1995, 144
8 - Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1993, Revista de Legislação e Jurisprudência, n 3385, pg 296 e segs
9 - Ac STJ, proc.850/2001.C1.S1, de 3/11/2011, http://www.dgsi.pt
10 - Ac STJ, proc.04B1774, de 1/07/2004, http://www.dgsi.pt
11 - Ac STJ, proc.04ª2765, de 5/01/2004, http://www.dgsi.pt
12 - Ac STJ, proc.04B3339, de 13/01/2005, http://www.dgsi.pt
13 - Ac STJ, proc97B183, de 2/10/1997, http://www.dgsi.pt
14 - Ac STJ, proc.072106, de 21/03/985, http://www.dgsi.pt
15 - Ac STJ, proc.071816, de 28/06/984, http://www.dgsi.pt
16 - Ac STJ, proc.04B3535, de 9/12/2004, http://www.dgsi.pt
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198/2012 1/39