Processo n.º 543/2008
Recorrente : A
Recorrido: Secretário para a Segurança (保安司司長)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, casado, residente em Macau, vem interpor Recurso Contencioso de Anulação do Despacho do Exmº Senhor Secretário para a Segurança, alegando que:
1. No caso “sub judice’’, a não comparência ao turno de serviço nocturno para o qual foi escalado por determinação superior constitui uma conduta unitária violadora do dever de zelo.
2. O dever de zelo abarca e inclui a necessidade de conhecer e acatar as instruções dadas pelos seus superiores hierárquicos, pelo que, a infracção em causa esbarrou frontalmente com o dever de zelo.
3. A conduta do ora recorrente não constitui a prática de uma pluralidade de infracções, mas sim apenas de uma, e violadora, apenas, do dever de zelo, que, neste caso, consome o dever de obediência.
4. O despacho recorrido, ao referir que houve pluralidade de infracções, errou nos pressupostos de facto que lhe serve de fundamento, e, ainda, violou a lei, ao entender que a conduta unitária em causa violou 2 deveres gerais, quando, correctamente, apenas houve violação do dever de obediência, previsto no artigo 279º, nº 2, alínea c), e n.º 5, do referido ETAPM.
5. Pelo que, nesta parte, o despacho recorrido errou nos pressupostos de facto, e, concomitantemente, violou a lei, as normas consagradas no artigo 279º, n.º 2, alíneas b e c), e n.ºs 4 e 5, do referido ETAPM.
6. O despacho recorrido em causa não valorou devidamente um alargado conjunto de circunstâncias atenuantes existentes a favor do recorrente, nomeadamente, ser primário, com mais de 10 anos de serviço com classificação não inferior a “Bom”, ter sido galardoado com vários louvores colectivos, a não publicidade da infracção e a ausência de prejuízo efectivo causado ao Serviço, pelo que a pena de suspensão de funções por 210 dias aplicada é severíssima, assim, se violando o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5º do CPA em vigor.
7. Devendo, pois, ser o acto recorrido anulado “in totum”.
Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido e, a final, ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser anulado o despacho de 31 de Julho de 2008 do Senhor Secretário para a Segurança, que aplicou ao ora recorrente a pena disciplinar de suspensão de funções por 210 dias, atento aos vícios acima apontados.
Citada a entidade recorrida, esta contestou, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.1
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“Vem A impugner o despacho do Secretário para a Segurança da RAEM de 31/7/08 que, em sede de procedimento disciplina, lhe aplicou pena de suspensão pelo período de 210 dias, assacando-lhe, nos seus próprios termos, vício de erro nos pressupostos de facto, com violação dos disposto nas als b) e c) do n.º 2 do artº 279º ETAPM e afronta do princípio da proporcionalidade consagrado no artº 5º, CPA, alegando, em síntese, que, por um lado, através da matéria factual apurada não poderiam ter-se como afrontados, simultâneamente, os deveres de obediência e zelo, entendendo que, no caso, aquele consome este, sendo que, por outra banda, não terão, em seu critério, na dosimetria disciplinar alcançada, sido levadas em devida conta algumas circunstâncias atenuantes da sua responsabilidade, que enumera.
Não cremos, porém, que lhe assista qualquer razão.
Desde logo, da factualidade apurada, é possível retirar com clareza, tratando-se, aliás, de matéria que não vemos contestada pelo recorrente, que o mesmo não só não obedeceu à ordem superior para comparência no hospital à hora designada (1.00 horas de 18/4/09) para iniciar a guarda de um suspeito, como, apesar dos diversos contactos telefónicos estabelecidos e tentados, quer por colegas, quer por superior hierárquico para o efeito, nunca se deslocou àquele local durante todo o período que lhe fora estipulado para essa guarda (até às 4.00 horas do mesmo dia), demonstrando, assim, claramente, não só não acatar e cumprir as ordens expressas dos seus superiores, como não revelar qualquer empenhamento no exercício das suas funções.
Daí que não vejamos que a conduta apurada não preencha, simultâneamente, a ofensa dos dois deveres em causa, ficando, assim, arredada a assacada ocorrência nos pressupostos (que, pensamos, sempre se tratariam de pressupostos de direito, que não de facto, como invocado).
Depois, da análise do externado pelo acto punitivo colhe-se com clareza terem sido levados em conta, na medida concreta da pena, as atenuantes essenciais a que o recorrente se reporta, designadamente o tempo de serviço, classificações respectivas e louvores colectivos, não se vendo que naquela medida alcançada se haja excedido o razoável, tendo designadamente em conta os circunstancialismos específicos do caso, agravativos da responsabilidade do agente, de que nos permitimos destacar a vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviços, já que bem sabia ter-lhe sido atribuído serviço cujo incumprimento poderia acarretar quebra de segurança, quer quanto à guarda do suspeito, quer quanto à salvaguarda dos seus colegas, isto, apesar das advertências telefónicas dos mesmos, facto que, aliás, constitui em si mesmo agravante autónoma, nos termos da al 1) do n.º do artº 283º, ETAPM, também considerada.
Razões por que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
Fundamentação.
O recorrente foi imputado pelo seguintes factos:
a. Em 17 de Abril do corrente ano, cerca das 21h30, no Edifício XX situado na Rua XX, um investigador da Secção de Investigação e Combate ao Roubo (4.ª Secção) da Polícia Judiciária deteve um homem suspeito de furto à mão armada numa residência por arrombamento;
b. Devido à resistência do dono da referida residência, o referido suspeito foi ferido no momento de executar o furto com faca e, ao mesmo tempo, por não se sentir bem por causa da toxicodependência, por isso, o suspeito teve de ficar internado no hospital para receber tratamento e observação médicos;
c. Tendo em consideração a natureza do crime praticado pelo referido suspeito e a certa perigosidade do mesmo por ter agredido o dono da residência com faca, o subinspector da referida Secção, C, decidiu, após contacto com seu superior, destacar investigadores para guardar o suspeito por turno desde as 22H00 daquela noite, sendo dois investigadores em cada turno de 3 horas;
d. O arguido A foi designado para guardar o suspeito com o investigador estagiário B da 01h00 às 04h00 do dia 18 de Abril. O referido trabalho de turno foi informado pelo investigador D ao arguido A cerca das 22h00 do dia 17 de Abril, através do telemóvel;
e. Quer segundo as declarações prestadas pelas testemunhas, quer segundo os autos de interrogatório do arguido, quer segundo o registo de chamadas do seu telemóvel, verificou-se que o arguido sabia perfeitamente que ele foi incumbido de guardar o aludido suspeito da 01h00 às 04h00;
f. Porém, o arguido A não chegou ao Centro Hospitalar Conde de São Januário à hora indicada para prestar o trabalho que lhe foi incumbido e ausentou-se durante todo o período acima referido;
g. No dia 18 de Abril, o investigador D telefonou ao arguido entre as 00h55 e as 00h58 (duração de chamada: 3 minutos e 1 segundo), lembrando o arguido de ir ao trabalho. No diálogo entre eles, o arguido respondeu “estou no caminho” (segundo os depoimentos prestados por D)/“quase estou a chegar” (conforme os depoimentos prestados pelo arguido) e depois desligou o telefone;
h. O investigador estagiário B também telefonou ao arguido às 00h59 do dia 18 de Abril (duração de chamada: 22 segundos), lembrando o arguido de ir ao trabalho. No diálogo entre eles, o arguido respondeu que estava no caminho no hospital;
i. Depois de saber que o arguido não prestou serviço conforme a hora indicada, o subinspector, C, telefonou várias vezes ao telemóvel do arguido desde 03h30 do dia 18 de Abril, porém, ninguém atendeu as chamadas;
j. Segundo o registo de chamadas do telemóvel do arguido, o arguido teve quatro contactos telefónicos com outrém entre as 23h10 do dia 17 de Abril e as 00h42 do dia 18 de Abril e também teve três contactos telefónicos com outrém entre as 04h03 e as 04h15;
k. Após o serviço às 21h00 do dia 17 de Abril, o arguido jantou com amigos num restaurante coreano perto da sua casa. No jantar, o arguido bebeu cerveja e voltou para casa cerca das 22h00.
Compulsado o certificado de registo biográfico e de registo disciplinar do recorrente, ao longo de mais de 10 anos de serviços, o recorrente comportou-se bem e foi classificado respectivamente de “bom”, “muito bom”, “muito satisfeito” e “satisfeito”, bem como não publicou a referida infracção. Durante 1999 e 2005, foram concedidos ao recorrente 8 louvores colectivos.
Por estes factos, ao recorrente foi pelo despacho ora recorrido aplicada, pelas infracções previstas no artigo 279º nº 2 /b) e nº4 do ETAPM e no nº 2 /c) e nº 5 do mesmo artigo, na pena de suspensão de serviços por 210 dias, nos termos dos artigos 314º e 316º do ETAPM.
Conhecendo.
No presente contencioso, o recorrente impugnou o acto punitivo com duas partes dos fundamentos: um vício do erro nos pressupostos de facto por a conduta do recorrente não podia integrar duas infracções simultaneamente, mas sim uma da violação do dever de zelo com a consumação da violação do dever de desobediência; outro, o acto punitivo não ponderou as circunstâncias atenuantes nomeadamente a duração dos serviços que prestou por mais de 10 anos, com 8 louvores e classificação não inferior ao bom.
De facto, a primeira questão que se colocou tem a ver com a questão da subsunção dos factos ao que o recorrente considerou que os factos praticados pelo recorrente não é subsumível à violação de dois deveres, mas uma única, sendo neste caso, não prende com o erro, a existir, nos pressupostos de facto.
Aos factos acusados de falta de comparecer na escala de serviço no Hospital, o recorrente aceitou por não ter contestado, limitando-se a explicar com fundamento de ter adormecido após os 12 horas do serviço (o que não foi aceite pela entidade recorrida).
Assim sendo, da factualidade apurada, não resta margem para as dúvidas sobre a conclusão que podemos facilmente retirar: o recorrente por um lado não obedeceu à ordem superior para comparência no hospital à hora designada (1.00 horas de 18/4/09) para iniciar a guarda de um suspeito, faltando à escala do serviço, facto este que inevitavelmente integra a infracção de desobediência da ordem superior. Por outro lado, apesar dos diversos contactos telefónicos estabelecidos e tentados, quer por colegas, quer por superior hierárquico para o efeito, nunca se deslocou àquele designado local durante todo o período que lhe fora estipulado para essa guarda, com o qual se demonstrava inequívoca e deliberadamente, não ter acatado e cumprido as ordens expressas dos seus superiores proferido, no contacto nalguns minutos antes da mesma escala, nem ter revelado qualquer empenhamento no exercício das suas funções – a exigência do zelo ao exercício das funções desempenhadas.
Quer isto dizer, a conduta apurada preencha, simultaneamente, a infracção tanto ao dever de zelo como ao dever de obediência, ficando logo, falível a assacada ocorrência do erro nos pressupostos de direito.
Quanto à segunda questão, do contexto do acto punitivo, consta claramente que a entidade recorrida ponderou as circunstâncias referidas, designadamente a duração do serviço, 8 louvores colectivos concedidos e a classificação de não inferior ao “bom”, tendo ainda relevado os mesmos factores como atenuantes (constante das fls. 15 e 16 da cópia do acto punitivo apresentado). Por outro lado, não se mostra que a medida concreta da pena se tenha excedido o razoável, tendo em atenção às circunstâncias agravantes, na palavra do douto parecer do Ministério Público, “de que nos permitimos destacar a vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviços, já que bem sabia ter-lhe sido atribuído serviço cujo incumprimento poderia acarretar quebra de segurança, quer quanto à guarda do suspeito, quer quanto à salvaguarda dos seus colegas, isto, apesar das advertências telefónicas dos mesmos, facto que, aliás, constitui em si mesmo agravante autónoma, nos termos da al 1) do n.º do artº 283º, ETAPM, também considerada”.
Nesta conformidade e sem fundmentos delongados, é de improceder o recurso contencioso.
Ponderado resta decidir.
Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em improceder o recurso contencioso interposto pelo A.
Custas pelo recorrente.
RAEM, aos 20 de Setembro de 2012
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Choi Mou Pan Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 A versão chinesa da sua contestação tiraram-se as seguintes conclusões:
1. 上訴人A,司法警察局二等刑事偵查員,因2008年4月18日未依指示到達當值崗位而被提起紀律程序,並根據保安司司長同年7月31日批示被科處二百一十日處分停職。
2. 該批示乃根據客觀事實依法作出,其內已詳細闡述相關的事實依據和法律依據。
3. 在相關的紀律程序中,清晰查明及證實上訴人未有依合法指示在4月18日零晨1時至4時於山頂醫院看守一名持械入屋行劫的犯罪嫌疑人,該嫌疑人在犯案時曾持刀襲擊戶主,具相當的危險性,而與上訴人一同執勤的為一名實習刑事偵查員(B)。
4. 事實上,不論在紀律程序調查階段或在起訴狀中,上訴人均明確承認缺席執勤的事實。
5. 具體而言,為查明違紀事實及確定嫌疑人的紀律責任,紀律程序預審員依職權作出了一系列的調查搜證工作,尤其是上訴人的手提電話記錄及多名證人的證言。
6. 根據調查所得,保安司司長批示對上訴人科處二百一十日的停職處分,該批示乃根據上訴人的兩項違紀行為而作出,即:
a. 上訴人在完全知悉的情況下未按指示當值:此行為明顯地違反《澳門公共行政工作人員通則》第279條第2款b)項及第4款所指的“熱心義務”-“熱心之義務,係指以有效之方式及盡心的態度執行其職務.....”;
b. 上訴人在完全知情的情況下,故意不接聽其上級(C副督察)的來電,無視上級並以消極方式不遵守上級以工作目的而發出的、可預科的命令:此不為明顯地違反《澳門公共行政工作人員通則》第279條第2款c)項及第5款所指的“服從義務”-“服從之義務,係指尊重及遵守其正當上級以法定方式及以工作為目的而發出之命令。”
7. 縱使上訴人在起訴狀主張其僅作出了一項涉及熱心義務的違紀行為,非屬違紀行為的競合情況,然而,我們對此絕不能表示認同。
8. 因為上訴人不僅不依預先安排前往山頂醫院執勤,違反熱心義務,更在整件事件的過程中,故意作出不接聽上級的來電,無視上級及以消極方式不遵守上級以工作目的而發出的可預料的命令,此主觀違紀意願完全獨立於不依時執勤的事實,構成一項獨立的違紀行為,無容置疑,不依時執勤的違紀事實及無視上級並以消極方式不遵守上級以工作目的而發出的可預料的命令之違紀行為並存。
9. 在違法行為的競合理論中1,宏觀地可分為法條競合(concurso legal, aparente ou impuro)及實質競合(concurso efectivo, verdadeiro ou puro),而後者可再細分為想像競合(concurso ideal)和真實競合(concurso real)。無容置疑,上訴人具有兩個不同的違紀主觀意願,亦作出了兩個獨立的違紀客觀行為,屬真實競合(concurso real)情況,須知為違紀的主意願、所作出行為的數目與違法行為數目相一致。
10. 綜觀而言,不存在適用法律上錯誤的問題,上訴人對其所作的兩項違紀行為負有不可推卸的紀律責任。
11. 關於上訴人指爭議中的批示違反適度原則,處罰過重且未有適當衡量適用於上訴人的減輕情節,尤其過往十多年在部門工作期間表現良好,均獲不低於“良”的評核,以及多次獲集體嘉奬等事實。對此,我們必須提出反駁。
12. 首先,根據《澳門公共行政工作人員通則》第314條第1款,對上訴人適用停職處分。上訴人的兩項違紀行為構成合併情況,按該《通則》第316條第2款及第4款規定,並結合第314條第3款,上訴人可被科處停職一百二十一日至二百四十日的紀律處分。
13. 我們必須指出,受爭議的批示已深入考慮上訴人的減輕情節,但此等情節亦非被上訴人唯一須考慮的事宜。
14. 為更好地行使處罰權限,作出公平且符合公益的決定,被上訴人應詳細評價個案中的各個方面,包括上訴人的減輕情節和加重情節、上訴人的過錯程度和可譴責性,以及違紀行為的嚴重性等等。
15. 毫無疑問,與上訴人一同被安排執行看守犯罪嫌疑人的為一名實習刑事偵查員,而犯罪嫌疑人曾作出持刀暴力施襲行為,具相當的危險性,上訴人不依安排到達執勤崗位,置公共利益、部門利益以至同僚安全於不顧,對此等情節不能不嚴肅處理。
16. 再者,上訴人多次接獲電話通知後,不但沒有即時把違紀行為糾正過來,相反作出謊言及拒接上司來電,此等行為正好反映上訴人毫無悔意,此等情節必須受到強烈的譴責,不能不嚴肅處理。
17. 必須再次申明,在本個案中被上訴人已充份考慮了上訴人的減輕情節,故此從原建議的240日停職處分下調至210日停職處分。
18. 因此,上訴人所主張的受爭議批示違反適度原則不反映事實,而上訴人對此問題亦未能提出任何實質的相反證據。
19. 總結而言,受爭議的行為完全具備事實依據及法律依據,絕不存在任何瑕疵以及不合理行使自由裁量權等影響行為法律效力的問題。
20. 基此,鑒於事實及法律依據清晰無疑,謹懇請中級法院法官 閣下裁定上訴的理由不成立,駁回本司法上訴,並維持上訴所針對之行為。
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TSI-543/2008 Página 1