Processo n.º 707/2011 Data do acórdão: 2012-7-26 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– crime de condução durante o período de inibição
– cassação da carta de condução
– suspensão da execução da cassação da carta
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
Estando provado que o arguido é piloto de avião, o tribunal não pode suspender a execução da sua pena de cassação da carta de condução aplicada pelo cometimento do crime de condução durante o período de inibição de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 707/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguido já melhor identificado no Processo Sumário n.º CR1-11-0166-PSM do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), da sentença proferida a fls. 19 a 21 desse processo, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de condução durante o período de inibição de condução, p. e p. pelo art.o 92.o, n.o 1, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), em conjugação com o art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal (CP), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, ao montante diário de 300 (trezentas) patacas, o que perfaz 36000 (trinta e seis mil) patacas de multa, convertível em 80 (oitenta) dias de prisão no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, bem como na cassação da carta de condução.
Para o feito, alegou e peticionou, na sua essência, o seguinte na sua motivação de recurso (com original apresentado a fls. 47 a 66 dos presentes autos correspondentes):
– a dosimetria da pena aplicada em concreto ao próprio recorrente, graduada em 120 dias, dentro da moldura legal da multa que vai até aos 240 dias, mostra-se excessiva e transcende a medida da culpa documentada pelos actos e desconsidera as suas circunstâncias pessoais, sendo, pois, suficiente uma pena de multa fixada abaixo de 80 dias ;
– além de excessiva, tal pena de 120 dias, por ter sido tributada por cada dia em 300 patacas, desconsidera ainda as suas circunstâncias económicas;
– por fim, merece ele também a suspensão da execução da pena de cassação da carta de condução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, porquanto por ser um piloto de avião a prestar funções em regime de 24 horas “on demand”, tem ele de se apresentar prontamente no Aeroporto de Macau logo que para tal seja informado pela sua entidade patronal, o que se torna mais penoso quando tal ocorra de madrugada, como é, aliás, frequente.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 68 a 70v dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 81 a 83 dos autos), pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Flui da matéria de facto materialmente dada por assente na recorrida sentença o seguinte (cfr. concretamente o teor de fl. 19v dos autos), com pertinência à solução do recurso:
– em 13 de Setembro de 2011, cerca das 04:35 horas da tarde, o veículo automóvel de chapa de matrícula n.o MM-47-XX conduzido pelo arguido numa via pública da cidade de Macau foi interceptado por um guarda policial, e o arguido na altura não conseguiu exibir qualquer documento de habilitação de condução;
– por decisão de 17 de Fevereiro de 2011 do Tribunal Judicial de Base no Processo Contravencional n.o CR1-10-0750-PCT, foi imposta ao arguido a interdição de condução pelo período de sete meses, que começou a partir do dia 1 de Março de 2011;
– o arguido é piloto de avião, auferindo por mês, e em média, 50000 (cinquenta mil) patacas, e precisa de sustentar o seu pai;
– o arguido tem por habilitações literárias o ensino universitário completo;
– segundo o certificado de registo criminal, o arguido é delinquente primário.
Por outra banda, consta da acta de audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal a quo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos (cfr. em especial, o teor de fl. 18v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido começou por apontar, no recurso, a injusteza da medida concreta da sua pena de multa.
O crime por que ele vinha condenado na sentença recorrida é punível alternativamente com pena de multa até 240 dias (cfr. a moldura penal do crime de desobediência qualificada do art.o 312.o, n.o 2, do CP, para a qual se remete materialmente a punição prevista no art.o 92.o, n.o 1, da LTR).
Assim sendo, ante os elementos fácticos acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, afigura-se mais justo impor ao arguido 80 dias de multa à luz dos padrões da medida da pena plasmados em termos gerais nos art.os 45.o e 65.o do CP, que é convertível, sob a égide do art.o 47.o, n.o 1, do CP, em 53 dias de prisão, se não for paga nem substituída por trabalho.
Quanto ao montante diário da multa, já se mostra equilibrada, aos olhos do art.o 45.o, n.o 2, do CP, a taxa diária achada pelo Tribunal a quo, atendendo a que o arguido aufere, em média, 50000 patacas de rendimento mensal, embora tenha o pai a seu cargo.
O mesmo crime é punível também com cassação da carta de conducão.
Nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, o tribunal pode suspender a execução nomeadamente da sanção de cassação da carta de condução por um período de seis meses a dois anos, quando existirem motivos atendíveis.
In casu, como está provado que o arguido é piloto de avião, é patente que não se pode suspender a execução da sua pena de cassação da carta de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos (nesse sentido, cfr., de entre outros, o acórdão do TSI, de 17 de Julho de 2008, no Processo n.o 424/2008).
Sendo de realçar, por fim, que é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da pena de cassação da carta de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção, pelo que não se pode invocar tais inconvenientes para sustentar a pretensão de suspensão da execução da sanção, sob pena de petição de princípio.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, passando a reduzir o número de dias da multa por que vinha condenado o arguido na sentença recorrida, de 120 (cento e vinte) dias para 80 (oitenta) dias apenas, com o que fica o arguido finalmente condenado em 24000 (vinte e quatro mil) patacas de multa e na cassação efectiva da carta de condução, convertível essa multa em 53 (cinquenta e três) dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho.
Pagará o arguido dois terços das custas do recurso, com quatro UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 26 de Julho de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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