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Processo nº 191/2010
Data do Acórdão: 11OUT2012


Assuntos:

Créditos documentários
Exame formal da documentação
Fraude
Aceitação dos documentos
Recusa dos documentos
Prazo razoável

SUMÁRIO

No âmbito dos créditos documentários regulados pelo UCP 500, face ao estipulado no seu artº 13º-b), tanto o banco negociador como o banco emitente têm o poder-dever de proceder ao exame formal da conformidade aparente dos documentos com as exigências do crédito num tempo razoável não excedendo sete dias úteis (a reasonable time, not to exceed seven banking days).

Com essa redacção, a mens legislatoris subjacente ao estipulado no artº 13º-b) é procurar tirar uma ilação de um facto (decurso de sete dias úteis) para firmar um juízo de razoabilidade do prazo com duração de sete dias úteis para o efeito.

Razoabilidade que consiste na suficiência do tempo que permite os bancos intervenientes concluir o exame com o cuidado exigível da conformidade aparente da documentação e exercer as faculdades previstas no artº 14º do UCP 500 com vista à tutela dos seus interesses nas relações de um crédito documentário.

Todavia, o simples facto de conseguir concluir o exame e comunicar dentro de sete dias úteis não significa necessariamente que o prazo razoável tenha sido cumprido, pois pode acontecer que atendendo às circunstâncias concretas de um determinado caso que evidenciam a manifesta clareza da documentação e simplicidade da operação de exame, não se mostra necessário nem justificável esgotar a totalidade do período de tempo de sete dias úteis para a conclusão de tal operação de exame e a comunicação.

E neste caso, a outra parte tem o ónus de alegar e provar factos demonstrativos da simplicidade ou do carácter rotineiro da operação, ou da ausência de dificuldades anormais no exame, por forma a convencer o Tribunal de ser exigível uma decisão célere antes do decurso de sete dias úteis.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 191/2010


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

WING HANG BANK LIMITED, devidamente identificado nos autos, veio intentar contra BANCO DA CHINA uma acção declarativa ordinária, que veio a ser registada no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base sob o nº CV1-98-0010-CAO, pedindo que seja condenado o Réu a pagar as quantias de HKD$10.447.170,00 e juros de mora com fundamento no incumprimento por parte do Réu das três cartas de crédito, assim como as custas, selo e procuradoria.

A requerimento do Réu, foram admitidos a intervir na acção A e B, ambos devidamente identificados nos autos.

Devidamente tramitados os autos, veio a final proferida a sentença julgando parcialmente procedente a acção nos termos seguintes:

I - RELATÓRIO:
  Wing Hang Bank Limited (永亨銀行), banco comercial constituído como sociedade de responsabilidade limitada ao abrigo das leis de Hong Kong, sediado em 161 Queen's Road Central, Hong Kong, vem intentar
ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO COM PROCESSO ORDINÁRIO
  contra:
  Banco da China, sucursal de Macau, banco comercial estatal constituído ao abrigo das leis da Republica Popular da China, cuja sede em Macau se situa na Av. Dr. Mário Soares, Edifício Banco da China.
  Alegando que:

  Em 5 de Maio de 1998, a pedido de uma empresa denominada "XXX & Co.", com sede em Macau, na Avenida da Amizade, n° XXX, Edifício XXX, X° "B", o R. abriu uma carta de crédito, também designada por crédito documentário, em benefício de uma empresa denominada "XXX Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XXX, XXth Floor, XXXX Building, XXX Queen's Road Central,

  Com a ref. LC 98074867, no montante de HK $2,499,000.00,

  Valor de uma transação comercial entre o requerente do crédito, importador em Macau, e o beneficiário do mesmo, exportador de Hong Kong (doc, 1).

A abertura da carta de crédito pelo R. foi avisada, isto é, atestada como genuína, por um banco seu correspondente em Hong Kong, o The Ka Wah Bank, com sede em 232 Des Voeux Road Central (doc. 2).

A carta de crédito era irrevogável,

  podia ser negociada por qualquer banco no território do beneficiário, ou seja, Hong Kong

  e regulava-se pelos Costumes e Prática Uniformes Relativos a Créditos Documentários, Revisão de 1993, em inglês "Uniform Customs and Practice for Documentary Credits, 1993 Revision", codificados pela Câmara de Comércio Internacional na sua publicação nº 500, abreviadamente designados por UCP 500, de que se junta uma versão oficial inglesa com tradução não oficial para chinês (doc. 3).

  Entende-se por negociação o dar valor por documentos ou, por outras palavras, pagar contra documentos (UCP 500, artigo l0°.b.ii),

  contanto que esses documentos correspondam aos estipulados na carta de crédito, desde que os termos e condições do crédito sejam satisfeitos (UCP 500, artigo 2°.iii).
10º
  O beneficiário solicitou ao A. que negociasse o crédito e o A. aceitou intervir como banco negociador.
11º
  Ao associar-se, por essa via, à operação, o A. entrou num contrato juntamente com os outros dois bancos, a saber o R. e o The Ka Wah Bank, e com o importador e o exportador, pautado pelas regras do UCP 500, regras que todas as cinco partes aceitaram como disciplina geral desse contrato e que passaram a obrigá-las na mesma medida (UCP 500, artigo 1°).
12º
  A carta de crédito definia os termos e condições do crédito e os documentos exigíveis para a sua negociação.
13º
  Eram esses documentos uma factura em triplicado assinada, uma apólice ou certificado de seguro em duplicado e um jogo de três originais do conhecimento de embarque, designado em inglês por "bill of lading", passados à ordem do banco emitente da carta de crédito, portanto o R.
14º
  O beneficiário apresentou os documentos estipulados no crédito ao A. para negociação (artigo l0°.b.i e l0°.c, segundo período).
15º
  Uma vez recebidos os documentos, o processo de negociação implicava examiná-los com razoável cuidado para conferir se aqueles aparentavam, no seu aspecto exterior, estar em conformidade com os termos e condições do crédito (artigo 13°.a),
16º
  conformidade que se determinaria pelo padrão da prática bancária internacional reflectido no UCP 500 (ut artigo 13°.a).
17º
  O A. devia fazer o dito exame num prazo razoável para o efeito de decidir se os tomava ou recusava, informando o beneficiário em conformidade (artigo 13°.b).
18º
  Se decidisse tomá-los, por achar que aparentavam, no seu aspecto exterior, estar em conformidade com os termos e condições do crédito, tinha que pagar ao beneficiário contra a entrega dos documentos.
19º
  Por seu turno, o R., enquanto banco emitente do crédito, assumira um compromisso firme de pagar ao banco negociador o valor da carta de crédito contra a apresentação dos documentos (artigos 9º.a.iv e 10°.d).
20º
  O beneficiário apresentou os documentos estipulados no crédito ao A. que decidiu tomá-los depois de verificar, com razoável cuidado, que eles aparentavam, o seu aspecto exterior, conformar-se com os termos e condições do crédito.
21º
  Em consequência, o A. pagou o crédito ao beneficiário, deduzido de comissões, despesas e juros, e passou os documentos ao R. que os recebeu em 8 de Maio (docs, 4 e 5).
22º
  O R. tinha o poder de verificar a adequação dos documentos num prazo razoável, não excedente a sete dias de expediente bancário contados sobre o dia da recepção dos documentos (artigo 14°.b e ainda artigo 13°.a e 13°.b),
23º
  sendo a razoabilidade do prazo apreciada, designadamente, pelo tempo que os bancos da praça de Macau gastam em média com o exame de documentos semelhantes, em casos análogos, e pelas condições e volume de trabalho do R.
24º
  O exame dos documentos devia ser feito com razoável cuidado para conferir se os documentos aparentavam, no seu aspecto exterior, estar em conformidade com os termos e condições do crédito (artigo 13°.a),
25º
  conformidade que se determinava pelo padrão da prática bancária internacional reflectido no UCP 500 (ut 13°.a).
26º
  Caso considerasse haver discrepâncias nos documentos e decidisse, por tal, rejeitá-los, devia o R. telecomunicar o facto ao A. ou, não sendo isso possível, comunicar-lho por outra via expedita, sem demora e, em todo o caso, não depois do fecho do sétimo dia de expediente bancário posterior àquele em que tivesse recebido os documentos (artigo 14°.d.i).
27º
  Nessa comunicação, devia indicar todas as discrepâncias que motivavam a rejeição dos documentos e se os conservava à disposição do A. ou lhos devolvia (artigo 14°.d.ii).
28º
  Se o R. não observasse estes procedimentos e/ou não mantivesse os documentos à sua guarda ou não os devolvesse ao A, perderia a faculdade de invocar a sua desconformidade com os termos e condições do crédito e consequentemente o direito de não pagar ao A o valor da carta de crédito, mesmo que, de facto, houvesse desconformidade (artigo 14°.e).
29º
  Em 16 de Maio, o R. comunicou ao A, em inglês, ter encontrado discrepâncias, nos termos seguintes: 1. "Correcção do consignatário no conhecimento de embarque não autenticada pelo transportador"; 2. "Factura mostra quatro alterações, mas só exibe três carimbos de aprovação" (doc. 6).
30º
  Do mesmo passo, fez a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles" (ut doc. 6).
31º
  Vê-se por observação dos três conhecimentos de embarque que a primeira discrepância apontada pelo R. se refere à frase "To order of Bank of China, Macau" e consiste em a parte "To order" aparecer ligeiramente descaída relativamente ao resto da frase, em um dos exemplares, e escrita duas vezes em sobreposição, em outro exemplar(docs. 7,8 e 9)
32º
  Esta imperfeição dactilográfica ou de impressão é um pormenor insignificante e não constitui uma correcção do consignatário ou não é uma correcção capaz de fundamentar a rejeição do conhecimento de embarque por desconformidade com os termos e condições do crédito.
33º
  Olhando agora para a factura e atenta a explicação ulterior fornecida pelo R., verifica-se que a sua rejeição resultou de duas "alterações", que consistem na circunstância de dois traços eliminando palavras numa mesma frase e linha, adiante da palavra pré-impressa "Packing", estarem só ressalvados por um carimbo (docs. 10 e 11).
34º
  Porém, tendo o carimbo sido aposto por baixo e entre os dois traços, é manifesto que houve em vista ressalvar ambos os traços, não havendo qualquer desconformidade entre a factura e os termos e condições do crédito.
35º
  Já a menção de que o conhecimento de embarque não foi emitido pelo transportador que figura nesse documento como tendo-o produzido nem sequer apela a uma ideia de discrepância ou desconformidade, antes alertando para uma fraude e falsificação.
36º
  Se existe essa fraude ou falsificação, o A. desconhecia-a em absoluto quando pagou o crédito ao beneficiário, não tinha o dever de a conhecer e não podia suspeitá-la pelo mero exame cuidadoso do aspecto exterior do conhecimento de embarque.
37º
  Seja como for, o carácter distintivo dos créditos documentários é que eles só se baseiam em documentos, sendo essa a razão do seu nome.
38º
  quer o A. quer o R. estavam obrigados estritamente a apreciar os documentos no seu aspecto exterior apenas (ut artigo 14º.b),
39º
  não assumindo qualquer responsabilidade pela genuinidade ou falsificação dos documentos (artigo 15°)
40º
  e lidando sempre, exclusivamente, com os documentos e não com os bens, serviços e/ou outras prestações a que os mesmos se referiam (artigo 4°).
41º
  Por conseguinte, a possível falsidade do conhecimento de embarque não era oponível ao A, como também não eram as discrepâncias invocadas pelo R., o qual estava vinculado pelo contrato que firmou com o A a pagar-lhe o valor da carta de crédito.
42º
  Acresce que, por só ter comunicado a sua posição ao A. em 16 de Maio, o sétimo dia de expediente bancário após aquele em que recebera os documentos, o R. ultrapassou o seu prazo razoável de exame e comunicação de não aceitação dos mesmos, ainda que sem exceder o limite temporal absoluto de sete dias.
43º
  Com efeito, o tempo médio de reacção dos bancos de Macau para exame e notificação de recusa de documentos semelhantes, em casos análogos, é significativamente inferior a sete dias de expediente bancário e
44º
  as condições e volume de trabalho do R. permitia-lhe responder em não mais que três dias de expediente bancário, por paralelo com o que aconteceu relativamente a outra carta de crédito, adiante identificada e também objecto desta acção, em que o R. recebeu os documentos em 11 de Maio e comunicou a sua rejeição em 14. de Maio,
45º
  sendo desnecessário e injustificável o dispêndio de sete em vez de três dias para a resposta pelo incumprimento da obrigação.
46º
  Deve o R., por isso, ser condenado a pagar ao A. o valor da carta de crédito e indemnizá-lo pelo incumprimento da obrigação.
47º
  Também em 5 de Maio de 1998, a pedido de uma empresa denominada "B Co. Ltd.", com sede em Macau, na Rua de Pequim, nos XXX, Macau XXX Centre, XX° andar "XX", o R. abriu uma carta de crédito em benefício de uma empresa denominada "XXX Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XXXX, XXth Floor, XXX Centre, 6 XXX Street, Chai Wan,
48º
  com a ref. LC 98074879, no montante de HK $3,000,010.00,
49º
  valor de uma transacção comercial entre o requerente e o beneficiário do crédito (doc. 12).
50º
  A abertura da carta de crédito pelo R. foi avisada, isto é, atestada como genuína, pelo The Ka Wah Bank (doc. 13).
51º
  A carta de crédito era irrevogável,
52º
  Podia ser negociada por qualquer banco em Hong Kong.
53º
  e regulava-se pelo UCP 500.
54º
  O beneficiário solicitou ao A que negociasse o crédito e o A. aceitou intervir como banco negociador.
55º
  Formou-se pois um contrato entre o A, os outros dois bancos, a saber o R. e o The Ka Wah Bank, e o importador e o exportador, sujeito às regras do UCP 500.
56º
  A carta de crédito definia os termos e condições do crédito e os documentos exigíveis para a sua negociação.
57º
  Eram esses documentos uma factura em triplicado assinada, uma apólice ou certificado de seguro em duplicado e um jogo de três originais do conhecimento de embarque à ordem e endossados em branco.
58º
  o beneficiário apresentou os documentos estipulados no crédito ao A. que decidiu tomá-los depois de verificar, com razoável cuidado, que eles aparentavam, no seu aspecto exterior, conformar-se com os termos e condições do crédito.
59º
  Em consequência, o A pagou o crédito ao beneficiário, deduzido de comissões, despesas e juros, e passou os documentos ao R. (doc. 14)
60º
  que os recebeu em 8 de Maio de 1998 (doc. 15).
61º
  O limite absoluto do prazo para o R. comunicar ao A. a detecção de eventuais discrepâncias e a consequente rejeição dos documentos era o dia 16 de Maio.
62º
  Em 21 de Maio, o R. comunicou ao A, em inglês, o seguinte: " ... segundo informado pela XXX Shipping Co. Ltd., o conhecimento de embarque ao abrigo do título supra não foi emitido por eles e era fraudulento. Conservamos os documentos à vossa disposição e aguardamos as vossas instruções" (doc. 16).
63º
  O A. desconhecia em absoluto esse presumível vício quando pagou o crédito ao beneficiário, não tinha o dever de o conhecer e não podia suspeitá-lo pelo mero exame cuidadoso do aspecto exterior do conhecimento de embarque (doc. 17).
64º
  O R. não podia rejeitar os documentos porque deixou passar o prazo de notificação ao A. e porque o fundamento invocado não constitui uma discrepância.
65º
  Por esta razão, ficou-lhe precludida a prerrogativa de negar o pagamento ao A. com base em desconformidade dos documentos, ainda que realmente existisse qualquer desconformidade.
66º
  Por conseguinte, deve ser condenado a pagar ao A. o valor da carta de crédito e a indemnizá-lo pelo incumprimento dessa prestação.
67º
  Em 8 de Maio de 1998, a pedido da "B Co. Ltd.", o R. abriu uma carta de crédito em benefício da "XXX Ltd.", ambas já referidas,
68º
  com a ref. LC 98074948, no montante de HK $4,948,160.00,
69º
  valor de uma transacção comercial entre o requerente e o beneficiário do crédito (doc. 18).
70º
  A abertura da carta de crédito pelo R. foi avisada, isto é, atestada como genuína. pelo The Ka Wah Bank (doc. 19).
71º
  A carta de crédito era irrevogável,
72º
  podia ser negociada por qualquer banco em Hong Kong
73º
  e regulava-se pelo UCP 500.
74º
  O beneficiário solicitou ao A. que negociasse o crédito e o A. aceitou intervir como banco negociador.
75º
  Entrou assim num contrato com os outros dois bancos, a saber o R. e o The Ka Wah Bank, com o importador e com o exportador, sujeito às regras do UCP 500.
76º
  A carta de crédito definia os termos e condições do crédito e os documentos exigíveis para a sua negociação
77º
  Eram esses documentos uma factura em triplicado assinada, uma apólice ou certificado de seguro em duplicado e um jogo de três originais do conhecimento de embarque à ordem e endossados em branco.
78º
  O beneficiário apresentou os documentos estipulados no crédito ao A. que decidiu tomá-los depois de verificar, com razoável cuidado, que eles aparentavam, no seu aspecto exterior, conformar-se com os termos e condições do crédito.
79º
  Em consequência, o A. pagou o crédito ao beneficiário, deduzido de comissões, despesas e juros, e passou os documentos ao R. que os recebeu em 11. de Maio de 1998 (docs. 20 e 21).
80º
  Em 14 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, ter encontrado discrepâncias, nos termos seguintes: "Este aviso constitui a nossa recusa dos documentos e é enviado de acordo com o artigo 14° do UCP 500. Entretanto, conservamos os documentos por vosso risco e à vossa disposição ... A factura indica banco emitente da carta de crédito diferente da carta de crédito - Bank of China, Macau Barnch em vez de Bank of China, Macau Branch" (doc. 22).
81º
  E fez ainda a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XXX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles" (ut doc. 22).
82º
  Ora, a simples troca de letras na palavra "Branch" que aparece "Barnch" na factura não constitui uma discrepância para os efeitos do UCP 500 (doc, 23).
83º
  Por outro lado, a menção de que o conhecimento de embarque não foi emitido pelo suposto transportador nem sequer apela a uma ideia de discrepância ou desconformidade, alertando antes para uma fraude e falsificação.
84º
  O A. desconhecia em absoluto esse presumível vício quando pagou o crédito ao beneficiário, não tinha o dever de o conhecer e não podia suspeitá-lo pelo mero exame cuidadoso do aspecto exterior do conhecimento de embarque (doc. 24).
85º
  O R. não podia rejeitar os documentos porque o erro de dactilografia que apontou não constitui uma discrepância e porque a possível falsidade do conhecimento de embarque não é oponível ao A.
86º
  Por conseguinte, deve ser condenado a pagar ao A. o valor da carta de crédito e a indemnizá-lo pelo seu incumprimento.
87º
  Estima-se que o prejuízo do A. pelo incumprimento do R. nos três contratos identificados corresponde aos juros legais calculados sobre cada uma das quantias não pagas e contados a partir do momento em que o R. devia ter procedido à respectiva liquidação, ou seja, desde quando recebeu do A. os documentos referentes a cada um dos créditos.
***
Concluindo por pedir que a presente acção seja julgada procedente, por provada, decretando-se em consequência que o R.:
a) incumpriu a obrigação, a que estava adstrito, de pagar ao A. o valor das cartas de crédito com as ref.s LC 98074867, LC 98074879 e LC 98074948, nas datas em que recebeu daquele os documentos pedidos por cada um dos créditos, isto é, o dia 8 de Maio de 1998, no caso das duas primeiras cartas de crédito, e o dia 11 de Maio de 1998, no que respeita à última;
b) deve, portanto, pagar ao A. as quantias de HK$2,499,000.00, HK$3,000,010.00 e HK$4,948,160.00 que correspondem, pela ordem de designação, aos valores das aludidas cartas de crédito, totalizando HK$10,447,170.00; e
c) deve indemnizar o A. pelo prejuízo resultante do seu incumprimento, em quantia equivalente aos juros legais calculados sobre cada uma das três quantias em dívida e contados desde o dia 8 de Maio de 1998, quanto às duas primeiras, e o dia 11 de Maio de 1998, relativamente à terceira.
***
Regularmente citado, o réu deduziu o incidente de chamamento à autoria de A, XXX Limited, B Co. Ltd. e XXX Trading Ltd, a fls. 120 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Sobre o qual mereceu o despacho judicial no sentido de apenas admitir o chamamento de A e B Co. Ltd., ordenando a citação dos mesmos (cfr. fls. 129 e 129v).
A fls. 132 e ss., veio o R. apresentar a sua contestação, requerendo ainda a final a sustação dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Notificada, o A. respondeu a fls. 158 e 158v., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
A fls. 181, foi decretada por despacho judicial a suspensão da instância dos autos.
Inconformado, o A. recorreu ao Venerando Tribunal de Segunda Instância, onde, depois de ordenar a junção de uma certidão de sentença a fls. 203 e ss., pronunciou pela procedência do recurso e ordenada o prosseguimento dos autos (cf. fls. 210 e ss.)
*
No seguimento, foi proferido o despacho saneador-sentença, onde foi julgado procedente a excepção peremptória de caso julgado material invocada e, por conseguinte, absolveu os R. e Chamados do pedido. (cf. fls. 219 e 219v).
Não resignado com a decisão, recorreu o A. para o Venerando Tribunal de Segunda Instância, donde mereceu provimento com a revogação da sentença recorrida (cfr. fls. 247 a 254).
*
Posto isto, foi organizada a especificação e questionário a fls. 259 e ss., de que houve reclamações e que foram decididas por despacho judicial a fls. 301 e ss.
Foi cumprido o disposto no art° 512° do CPC antigo e, posteriormente, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.
***
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia .
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam",
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem á apreciação "de meritis".
***
III-FACTOS
  Vêm reconhecidos os seguintes factos:
Factos Assentes
A) O R. abriu as seguintes cartas de crédito:
  a) Em 5 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074867, no montante de HK$2,499,000.00, a pedido de uma empresa denominada "XX & Co.", com sede Macau, na Avenida da Amizade, n° XXX, Edifício XXX, X° "X", em benefício de uma empresa denominada "XX Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XXX, XXth Floor, XXX Building, XXX Queen's Road Central;
  b) Em 5 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074879, no montante de HK$3,000,010.00, a pedido de uma empresa denominada "B Coo Ltd.", com sede em Macau, na Rua de Pequim, nos XXX, XXX Centre, XX° andar "XX", em beneficio de uma empresa denominada "XX Trading Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XX, XXth Floor, XXX Centre, X XX Street, Cahi Wan;e
  c) Em 8 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074948, no montante de HK$4,948,160.00 a pedido da "B Co. Ltd.", em benefício da "XX Ltd.", empresas essas ambas já acima referidas.
B) A abertura das cartas de crédito pelo R. foi avisada, isto é, atestada, como genuína, por um banco seu correspondente em Hong Kong, o The Ka Wah Bank, com sede em 232 Des Voeus Road Central.
C) As cartas de crédito eram irrevogáveis.
D) Podiam ser negociadas por qualquer banco no território dos beneficiários, ou seja, Hong Kong.
E) Os beneficiários solicitaram ao A. que negociasse os créditos e o A. aceitou intervir como banco negociador.
F) Os beneficiários apresentaram os documentos estipulados no crédito ao A. que decidiu tomá-los.
G) Em consequência, o A. pagou os créditos aos beneficiários, deduzidos de comissões, despesas e juros, e passou os documentos ao R. que os recebeu em 8 de Maio de 1998, para as cartas de crédito nos LC98074867 e LC98074879, e em 11 de Maio de 1998, para LC98074948.
H) Em 16 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, ter encontrado discrepâncias nos documentos apresentados para a carta de crédito n" LC98074867, nos termos seguintes: 1. "Correcção do consignatário no conhecimento de embarque não autenticada pelo transportador"; 2. "Factura mostra quatro alterações, mas só exibe três carimbos de aprovação."
I) Do mesmo passo, fez a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles"
J) Vê-se por observação dos três conhecimentos de embarque que a primeira discrepância apontada pelo R. se refere à frase "To order of Bank of China, Macau" e consiste em a parte "To order" aparecer ligeiramente descaída relativamente ao resto da frase, em um dos exemplares, e escrita duas vezes em sobreposição, em outro exemplar.
L) Em relação à factura, as "alterações" consistem na circunstância de dois traços eliminados palavras numa mesma frase e linha, adiante da palavra pré-impressa "Packing", estarem só ressalvados por um carimbo.
M) Em 21 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, reportando à carta de crédito nº LC98074879, o seguinte: " ... segundo informado pela XX Shipping Co. Ltd., o conhecimento de embarque ao abrigo do título supra não foi emitido por eles e era fraudulento. Conservamos os documentos à vossa disposição e aguardamos as vossas instruções" .
N) Em 14 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, ter encontrado discrepâncias, nos documentos apresentados para a carta de crédito n° LC98074948, nos termos seguintes: "Este aviso constitui a nossa recusa dos documentos e é enviado de acordo com o artigo 14 do UCP 500. Entretanto, conservamos os documentos por vosso risco e à vossa disposição ... A factura indica banco emitente da carta de crédito diferente da carta de crédito - Bank of China, Macau Barnch em vez de Bank of China, Macau Branch".
O) E fez ainda a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles".
P) As fotocópias dos documentos de embarque juntas aos autos com petição inicial, são reproduções mecânicas fieis e exactas dos seus originais que instruíram as operações das cartas de crédito em referência, cujo teor e aparência externa aqui se dão integralmente reproduzidos.
Factos Provados
1º O tempo médio de reacção dos bancos de Macau para exame e notificação de recusa de documentos semelhantes aos apresentados, em casos análogos, é inferior a sete dias de expediente bancário.
2º Em relação aos documentos semelhantes aos apresentados, o R. conseguia responder em não mais de 3 dias de expediente bancário, face às suas condições e volume de trabalho.
3º É mais usual que só depois do beneficiário ser notificado da emissão da carta de crédito é que procede ao empacotamento da mercadoria, à sua marcação e embarque no navio, à obtenção do seguro, ao pagamento do frete marítimo, junto do transportador, dos conhecimentos de embarque.
7º Os conhecimentos de embarque que instruíram as operações das 3 cartas de crédito em causa não foram emitidos pelo transportador XX Shipping Coo.
10º Veio a apurar-se que nunca houve qualquer embarque da mercadoria contratada, a qual não existe.
11º Os funcionários do R. andavam particularmente atarefados em virtude do facto de, naquela altura, se terem detectado diversas fraudes envolvendo cartas de crédito por si emitida.
12º Pelo que o R. tem de tomar precauções acrescidas no exame dos documentos.
13º Havendo mesmo necessidade de, com frequência, contactar os ordenantes e as empresas transportadoras.
14º O que foi feito no presente caso.
15º Pelo que levou mais tempo para notificar a recusa ao A.
***
IV -DIREITO
  Na presente lide, de acordo com a matéria de facto provada, podemos constatar que os contratos em causa são os de crédito documentário.
  E que se traduz numa operação bancária formal pela qual um banco (o banco emitente/emissor - in casu, o R. -) agindo por mandato, ou instruções dos seus clientes (ordenador/ordenante do crédito, in casu: "XX & Co." – LCnº98074867; e "B Co. Ltd." – LCnº98074879 e LCn098074948) se obriga, mediante um seu negócio jurídico unilateral - a carta de crédito -, a pagar ou mandar pagar a terceiro (beneficiário - in casu, "XX, Ltd." – LCnº98074867 e LCnº98074948; e "XX Trading, Ltd." –LCnº98074879) uma quantia determinada (in casu HK$2,499,000.00, HK$3,000,010.00 e HK$4,948,160.00, respectivamente), à vista, ou na data determinada; sob a condição de o beneficiário lhe entregar os documentos exigidos (representativos de mercadoria comprada pelo ordenador ao beneficiário).
  Mais, no presente, o R. designou como seu banco correspondente em Hong Kong "The Ka Wa Bank" para notificar os beneficiários dos créditos.
  Estas operações bancárias, normalmente associadas às compras e vendas internacionais de mercadorias, visam, por um lado, assegurar ao exportador/beneficiário o pagamento das suas mercadorias em todas as circunstâncias, mesmo no caso da falência do comprador/ordenante e, por outro lado, concede a este último a certeza de que o banco emitente só pagará ao exportador aquando este apresentar em prazo determinado os documentos acordados, comprovativos de que as mercadorias já foram expedidas e que correspondam às características acordadas (cf. Gonçalo Andrade e Castro "O Crédito Documentário Irrevogável", Porto, 1999, pp. 15 e ss.).
  E, antes de avançar mais, convenhamos reter, de acordo com o acima expendido, essa ideia basilar da figura de crédito documentário que é o de assegurar, por um lado, ao vendedor o pagamento da mercadoria vendida e, por outro, ao comprador a entrega dessa mesma mercadoria, derivando daí que a obrigação do banco emitente perante o beneficiário apenas se autonomiza no que diz respeito às relações entre o banco e o ordenante e entre o beneficiário e o próprio ordenante e não quanto ao seu dever de cumprir e fazer cumprir pelo beneficiário os termos e condições inseridas na carta de crédito, mormente quanto à documentação a apresentar por este.
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  Caracterizado, em termos gerais, o contrato de abertura de crédito documentário, este encontra-se regulamentado de acordo com as "Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários" (adiante abreviado por UCP500), elaborada pela Câmara de Comércio Internacional em 1929 e com a última revisão em 1993.
  E embora as regras da UCP500 não possuam valor legislativo per si, podem, no entanto, ser aplicadas ao contrato de crédito documentário, caso este as tenha incorporado no seu texto, aliás bastante comum na prática do trato comercial internacional.
  Ao nível de ordenamento jurídico da RAEM, semelhante ao ordenamento jurídico português, dada as suas afinidades, o contrato de abertura de crédito documentário é um contrato atípico, ao abrigo do princípio de liberdade contratual, consagrado nos termos do art° 405° do Código Civil de 1966, aplicável ao caso por força do art° 6° nº2 do DL nº39/99/M, de 3 de Agosto (cfr. neste sentido os Ac. do STJ, de 16 de Junho de 1970, in RLJ nº3452, pg. 162; Ac. do STJ, de 23/11/95, in "webpage: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf”; e Ac.doT.S.I, de ZZ-11-01, a fls. 247 a 254v dos presentes autos).
  Portanto, quando as partes, ao celebrarem entre si um contrato de abertura de crédito documentário, podem declarar, expressamente, as suas intenções de incorporarem no seu texto a adesão às regras do UCP500 e foi o que aconteceu nos três casos sub judice (cf. fls. 11,86 e 95, respectivamente).
  E tendo em consideração a irrevogabilidade dos três créditos documentários, (v. al. C) da Especificação), podemos afirmar que o R., mediante a abertura dos créditos documentários, assumiu perante os beneficiários o compromisso "firme" de pagamento a favor destes nas condições estipuladas nas respectivas cartas de crédito - daí a literalidade desse compromisso/garantia.
  Destes negócios jurídicos unilaterais praticados pelo R. nascem, cada um, uma nova obrigação que é autónoma em relação ao contrato de compra e venda subjacente entre o ordenante e os beneficiários acima identificados (cfr. neste sentido o supra mencionado Ac. do STJ, de 23/11/95; art°s 3°, 4° e 9° do UCP500; e Gonçalo Andrade e Castro, op. cit. pp. 31 a 33).
  Por outro lado, por serem negociáveis as ditas cartas de crédito (cf. als. d) e f) da Especificação) é que o A. aceitou intervir como banco negociador/designado nos termos do art° 9° al. b) §iv e 10°. A6. b) §i in fine do UCP500, pagando os respectivos créditos aos beneficiários depois do exame de documentos estipulados nas referidas cartas de crédito e que agora vem pedir, ao abrigo dos art°s 10° al. d) e 14° al. a) i do UCP500, o reembolso dos. pagamentos efectuados ao R.
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  Traçado, assim, o enquadramento jurídico da presente lide, é agora o momento propício para proceder à análise individual de cada um dos casos, ou melhor, de cada uma das cartas de crédito em causa.
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  Em relação à carta de crédito n° LC98074867, o Tribunal entende que o A. actuou em conformidade com o art° 13° al. a) do UCP500, procedendo com diligência e cuidado razoável no exame dos documentos exibidos pelo beneficiário, visto que, mesmo face a uma análise concatenado dos factos provados, designadamente, os factos constantes nas als. j) e 1) da Especificação e 3° do Questionário, e atento ainda ao disposto no art° 22° do UCP500 onde admite expressamente a validade de documentos ante-datados, em nada se pode prenunciar para a existência de uma aparente desconformidade dos documentos apresentados com os termos e condições estipulados na carta de crédito.
  No entanto, foi provado que, efectivamente, houve fraude, mais concretamente, as mercadorias, objecto do contrato de compra e venda subjacente, nunca foram embarcadas.
  Quanto a isto, contrapõe o A., dizendo: "apesar de ter estabelecido a existência de fraude, o R. não provou que os documentos recebidos pelo A. o fizeram suspeitar de fraude, ... Não era, pois, admissível exigir ao A. que, pela simples análise dos documentos, descobrisse aquilo de que o R. só por informação privilegiada ficou a saber.
  Por outro lado, o R. não provou nem sequer alegou que o A. tivesse notícia da fraude através das suas próprias fontes ou que houvesse participado na sua preparação ou consumação." (cfr. fls. 500)
  Cremos, entretanto, que ao A. não lhe assiste razão.
  Na verdade, se bem que nem o A., banco negociador/designado, nem o R., banco emitente, tenham que se preocupar com as questões inerentes ao contrato de compra e venda celebrado entre o beneficiário e o ordenante, mormente quanto às mercadorias transaccionadas, contudo teriam de analisar os documentos a que essas mercadorias se reportam.
  É que, nos termos dos art°s 13° als, a) e b) e 14° do UCP500, cabem aos bancos emitente e negociador examinarem, individualmente, os documentos apresentados com razoável cuidado, de modo a ficarem seguros de que, aparentemente, estão em conformidade com os termos e condições da carta emitida (neste sentido cf. Gonçalo Andrade e Castro, op. cito pp. 269).
  Designadamente, no caso vertente, cabe ao R. o dever de verificar se os documentos apresentados correspondiam ou não àqueles literalmente indicados na carta, e, aproveitando da sua posição privilegiada junto do ordenante, corno afirmara o A., para esclarecer junto do ordenante - no âmbito do seu dever obrigacional e de acordo com a al. c) do art° 14° de UCP500- das pequenas discrepâncias/irregularidades, eventualmente, existentes.
  E segundo Gonçalo Andrade e Castro, op. cit. pp. 263, este procedimento do banco emitente "é mesmo extremamente frequente na prática sempre que o banco detecta pequenas irregularidades nos documentos e procura desta forma obter o consentimento daquele (ordenante) para efectuar o pagamento do crédito documentário."
  Aliás, não seria despiciendo mencionar que à data dos factos, os funcionários do R. tinham detectado vários casos de fraudes, portanto, teria o R., necessariamente, de redobrar os cuidados quando encontravam discrepâncias ou irregulariedades nos documentos facultados.
  Caso contrário, poderia o ordenante invocar o incumprimento ou cumprimento deficiente das obrigações assumidas pelo R. para se exonerar da obrigação de o reembolsar das quantias pagas ao beneficiário ou a quem apresentou os documentos (cfr. neste sentido o Ac. do STJ, de 16 de Junho de 1970, in RLJ nº3452, pg. 162; e Gonçalo Andrade e Castro, op. cit., pp. 181).
  E nas palavras lapidares de Carlos Costa Pina "A fraude tem sempre que ver com os; documentos apresentados e implica, além disso, a existência de aparente conformidade - a nível formal - com os termos do crédito, pois caso esta não exista a invocação da fraude torna-se desnecessária. Para além disso, implica ainda, da parte do banco em causa, o conhecimento de que, se expressos, imporiam que os documentos fossem rejeitados" (sublinhado nosso) in "Créditos Documentários", Coimbra Editora, pp. 106 e 107.
  Deste modo, o procedimento do R. em consultar o ordenante "XX & Co." e a empresa transportadora "XX Shipping", depois de verificadas as pequenas discrepâncias nos documentos apresentados pelo A., em 8 de Maio de 1998, quadra-se perfeitamente no seu dever obrigacional de actuar com cuidado razoável e na prática bancária internacional (v. ainda art° 14° al. c do UCP500).
  Obtendo daí provas líquidas de se tratar de uma fraude, nomeadamente, informações do ordenante e da empresa transportadora de que o documento de conhecimento de embarque que instruía a referida carta de crédito não foi emitido pela transportadora, o R. comunicou, em 16 de Maio de 1998, ao A. nos termos constantes das alíneas H) e I) da Especificação.
  Nesta conformidade, e apesar da cláusula de irrevogabilidade da carta, o R. pode recusar os documentos apresentados, uma vez que estes não tinham correspondência com a realidade dos factos (cfr. Gonçalo Andrade e Castro, op. cit., pp. 300 e 301).
  E, diga-se de passagem, aquela suspeita concretizou-se com a prova dos quesitos 7° e 10° do Questionário, ou seja, houve mesmo fraude, visto que as mercadorias contratadas pelo ordenante nunca foram embarcadas.
  Esclarecido o poder-dever do R. em recusar, in casu, os documentos apresentados, cabe ao Tribunal apreciar se ainda subsistia o dever do R. em reembolsar o A., visto que este agiu de boa fé.
  Ora, dispõe o art° 13° al. b) do UCP500 o seguinte:
  "O Banco Emitente, o Banco Confirmador, se houver, ou um Banco Designado actuando por conta daqueles, disporão cada um de um tempo razoável, não excedendo sete dias úteis (dias em que o banco trabalha) seguintes ao dia da recepção dos documentos, para examinar os documentos e determinar a aceitação ou recusa dos mesmos e informar da sua decisão a entidade que lhe enviou os ditos documentos."
  E o art° 14° do UCP500:
  "a) Quando o Banco Emitente autoriza um outro Banco a pagar, a comprometer-se a efectuar um pagamento diferido, a aceitar Saque (s), ou a negociar contra documentos que aparentem estar em conformidade com os termos e condições do Crédito, o Banco Emitente e o Banco confirmador, se houver, são obrigados:
  i. a reembolsar o Banco Designado que tenha pago, assumindo um compromisso de pagamento diferido, aceitado Saque(s) ou negociado,
  ii. a aceitar documentos.
b) Ao receber documentos, o Banco Emitente e/ou o Banco Confirmador, se houver, ou um Banco Designado actuando por conta daqueles, deve determinar, apenas com base nos documentos, se eles se encontram ou não em aparente conformidade com os termos e condições do Crédito. Se os documentos não se encontrarem em aparente conformidade com os termos e condições do Crédito, tais bancos podem recusar-se a aceitar os documentos.
c) Se o Banco Emitente considerar que os documentos não aparentam estar em conformidade com os termos e condições do Crédito, pode por sua própria iniciativa contactar o ordenador a fim de obter deste a aceitação da(s) divergência (s). Tal não implica, contudo, a prorrogação do período mencionado no artigo 13° (b).
d)
  i. Se o Banco Emitente e/ou o Banco Confirmador, se houver, ou um Banco Designado actuando por conta daqueles, decidir recusar os documentos, deve dar disso aviso imediato por telecomunicação ou, se não for possível; sem demora por outro meio rápido, o mais tardar no fecho do sétimo dia útil a partir do dia da recepção dos documentos. Este aviso deverá ser comunicado ao banco de quem recebeu os documentos; ou ao Beneficiário, se tiver recebido os documentos directamente deste.
  ii. Esta notificação deve indicar todas as irregularidades em virtude das quais o banco recusa os documentos e deve igualmente indicar que os documentos ficam à disposição do apresentador ou que lhe estão sendo devolvidos.
  iii. O Banco Emitente e/ou o Banco Confirmador, se houver, terão então o direito de reclamar do banco remetente a restituição, com juros, de todo e qualquer reembolso que tenha sido efectuado àquele banco.
  e) No caso do Banco Emitente e/ou o Banco Confirmador, se houver, não actuar em conformidade com as disposições deste Artigo e/ou não prevenir o apresentador que conserva os documentos à disposição deste último, ou que lhos está devolvendo, o Banco Emitente e/ou o Banco Confirmador, se houver, perdem o direito de sustentar que os documentos não estão conformes com os termos e condições do Crédito.
  f) ... ".
Veio o A. invocar que o R. ultrapassou o prazo razoável estipulado na al. b) do art° 13° do UCP 500 para exame dos documentos e notificação de recusa.
Porém, atento a factualidade provada, podemos concluir que no caso não merece nenhuma censura o facto de o R. ter notificado o A. apenas no sétimo dia útil, visto que para além do exame dos documentos apresentados e da consulta do ordenante e da companhia transportadora, teve ainda de debater, na altura, com problemas relacionados com casos de fraudes de cartas de crédito, o que sobrecarregava os seus funcionários com um volume anormal de trabalho (neste sentido ver ainda a posição de Carlos Costa Pina quanto à interpretação da al. c) do art° 14° in op. cit., pp. 95 e 96).
Deste modo, embora o A. tenha agido de boa fé e em conformidade com as regras no exame dos documentos apresentados pelo beneficiário, contudo ao descontar a referida carta de crédito ao beneficiário antes do fim do prazo estipulado no art° 13° al. b) do UCP500 assumira o risco da eventual possibilidade de ser recusado o seu pedido de reembolso junto do banco emitente em casos de fraude.
De facto, o A, ao não ter aguardado o dito prazo, ficou com o ónus de pedir ao beneficiário a restituição do montante entretanto pago no caso de uma não aceitação válida por parte do banco emitente.
  Por conseguinte, e nos termos do art° 493° nº3 do CPC antigo, ex vi art° 2° nº2 do DL nº55/99/M, de 8 de Outubro, improcede esta parte do pedido por ter verificado a excepção peremptória da existência de fraude invocada pelo R.
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  Quanto à carta de crédito n° LC98074879, face à matéria de facto acima provada, o Tribunal também entende que o A actuou de acordo com o disposto nos art°s . 13° al. a) e 22° do UCP500 no exame dos documentos apresentados e procedeu ao pagamento em conformidade.
  Ficou ainda provado que, em 8 de Maio de 1998, o A disponibilizou ao R. os documentos da dita carta e recebeu a comunicação da sua recusa apenas no dia 21 de Maio (cfr. al. M da Especificação), isto é, depois de decorrido o prazo referido no art° 13° al. b) e 14° al. d) §i do UCP500.
  Mais, também não se provou que o A tinha agido de má fé, ou seja, que tinha conhecimento da fraude.
  Ora, de harmonia com o acima exposto, a relação entre o banco emitente e o banco negociador é autónoma e independente das relações estabelecidas entre o ordenante e o banco emitente ou entre o ordenante e o beneficiário, e deve ser apreciada à luz das regras constantes do UCP500.
  Logo, tratando-se o presente caso de uma fraude objectiva e tendo o A. pautado a sua conduta de acordo com o disposto nos art°s 13° e 14° do UCP500,não lhe é justo assacar responsabilidade.
  Neste sentido, a posição Carlos Costa Pina, op. cit. pp.108, é clara:
  "Já quanto às posições entre os bancos não adoptamos a mesma posição. Nestas, a boa fé do banco designado deve, quanto a nós, relevar, não podendo o banco confirmador ou emitente recusar-se a cumprir a sua obrigação com base na mera situação de fraude objectiva, tanto mais que a designação daquele foi por este efectuada. Assim, para que nas relações entre bancos possam os documentos ser recusados, deve exigir-se ao banco designado, não só aquele requisito objectivo, mas também, e pelo menos, o conhecimento ou a existência de um dever de averiguação face à existência de motivos que determinassem a suspeição justificada de que os mesmos são fraudulentos. "
  E quanto ao alcance das providências cautelares é útil citar a passagem longa mas, quiçá cristalina de Gonçalo Andrade e Castro in op. cit., pp. 311 a 312:
  "A concessão das providências cautelares faz sentido enquanto o pagamento -rectius, a realização do crédito documentário - não tem lugar em ordem a evitar a produção do facto danoso para o ordenante, embora o objecto dessa providência, em tese, tanto possa ser proibir o pagamento ao beneficiário, ou impedi-lo de o solicitar, como evitar que esse pagamento afecte o ordenante através do exercício do direito de reembolso. O problema complica-se quando intervém um banco confirmador, perguntando-se se será legítimo um procedimento cautelar destinado a impedir o reembolso banco a banco. Parece-nos que, tendo sido o pagamento efectuado pelo banco confirmador realização do crédito documentário e não mera antecipação de fundos ao beneficiário, é indiscutível que a medida cautelar inibitória só poderá ter êxito caso o ordenante prove a má fé do banco confirmador, ou seja, que ele, estando a par (designadamente através de informações fornecidas pelo banco emitente) da existência de provas inequívocas da fraude, haja decidido, não obstante, efectuar o pagamento, eventualmente em conluio com o próprio beneficiário. Caso não se consiga provar que o banco confirmador conhecia os indícios seguros de utilização abusiva do crédito quando pagou não deverá o tribunal impedir o reembolso, uma vez que, tendo ele assumido obrigação paralela à do banco emitente, cumpre o mandato que lhe foi conferido caso aceite documentos que aparentemente estão em conformidade com as condições do crédito documentário, não fazendo sentido que recaia sobre o banco, nessa hipótese, o risco da existência de fraude."
  Para além disso, não podemos deixar de chamar à atenção que, in casu, o A. nem sequer interveio na referida providência cautelar. Com efeito, a providência foi requerida pela ordenante B Coo Ltd." contra as beneficiárias "XX, Ltd." e "XX Trading, Ltd."
  Demais a mais, pese ainda os argumentos judiciosamente tecidos no Venerando Acórdão do T.S.I. a fls. 253v a 254v dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos.
  Assim sendo, entendemos que o pedido do A. deve proceder nesta parte, não obstante a decisão judicial lavrada no Procedimento Cautelar nº194/98/A, do 2° Juízo, (cf. fls. 162 a 164) e a existência de fraude objectiva, assistindo-lhe ainda, nos termos dos art°s 804°, 805° n° 2 al. a) e 806° do CC66, o direito de ressarcir dos prejuízos causados pelo incumprimento no tempo devido.
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  Finalmente, quanto à carta de crédito n" LCnº98074948, o Tribunal entende que, face à matéria de facto assente, é de improceder o pedido do A. pelos mesmíssimos fundamentos que abalaram a sua posição quanto à carta de crédito n° LC98074867.
  Dito de outro modo, ao não ter aguardado pelo decurso do prazo do art° 13° al. b) do UCP500 (cf. als. G e N da Especificação), o A. ficou com o ónus de se sujeitar às consequências de uma não aceitação válida por parte do R., como é o caso.
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  E sem necessidade de outros desenvolvimentos, resta decidir.
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V-DECISÃO
  Nos termos e fundamentos expostos, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e por conseguinte:
  a) Absolve o Réu, Banco da China, Sucursal de Macau, da parte do pedido referente às cartas de crédito nºs LC 98074867 e LC 98074948; e
  b) Condena o Réu a pagar ao Autor, Wing Hang Bank, Limited, o montante de HK$3,000,010.00 (três milhões e dez dólares), correspondente ao incumprimento da obrigação em 8 de Maio de 1998 e referente à carta de crédito n° LC 98074879, acrescidos de juros legais calculados desde o dia 8 de Maio de 1998 até o seu efectivo e integral pagamento.
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  Custas pelas partes intervenientes na proporção dos respectivos decaimentos.
  Notifique e registe.
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Não se conformando com essa sentença, vêem o Chamado B e o Autor recorrer para este Tribunal de Segunda Instância.

Concluindo e pedindo B:

1. Face à comprovada situação de fraude associada à carta de crédito n.º LC 98074879 (vide especialmente as alíneas o), r) e s) dos FACTOS ASSENTES E PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA O RECURSO) - que poderia e deveria ter sido discernida pelo Autor, ora Recorrido, o Tribunal ad quo deveria ter absolvido o Réu do pagamento da importância titulada nessa carta de crédito;
2. É incontroverso que em razão das respostas aos quesitos 7.° e 10.°, conjugadas com a factualidade constante da alínea M) dos Factos Assentes, ficou provada no processo a existência de uma fraude, cujo objectivo era defraudar o Banco Emitente;
3. Para além da mercadoria contratada não ter sido embarcada, por não existir sequer, foram ainda fabricados documentos sem correspondência com a realidade dos factos (mais concretamente os conhecimentos de embarque), com a intenção de induzir o Banco Emitente em erro quanto à aparente conformidade dos documentos com os termos e condições das cartas de crédito - vide resposta aos quesitos 10.° e 7.°;
4. Pese embora esta questão da fraude não estar regulamentada nas RUU, não se pode de todo afirmar - sem prejuízo do princípio da autonomia das relações contratuais estabelecido nos artigos 3.° e 4.° das RUU, e também da posição restritiva prevista na alínea a) do artigo 14.° -, que a sua relevância esteja prejudicada, ou que fique afastada por força do disposto no artigo 13.0 do dito RUU;
5. A omissão de regulamentação específica da fraude é intencional e se deve, precisamente, ao facto do legislador considerar que essa questão deve ser objecto de apreciação judicial pela jurisdição competente, segundo critérios estabelecidos pela ordem interna;
6. Está comprovado que, entre os documentos apresentados ao Banco Emitente, existem documentos falsos, quer no que respeita às mercadorias em si - que, simplesmente, não existem e, consequentemente, não foram embarcadas (logo, não podiam constar nos conhecimentos de embarque);
7. Está igualmente comprovado que, por terem sido emitidos por entidades não legitimadas para o efeito, os mesmos documentos não podem deixar de ser, como efectivamente o são, falsos- resposta ao quesito 7.°;
8. Ficou ainda comprovada a actuação de boa fé do Banco Emitente, que fez uma averiguação cuidada e diligente em ordem a averiguar da efectividade da fraude - resposta aos quesitos 12.°, 13.° e 14.°;
9. Ao contrário do que sucedeu com o Banco Autor e ora Recorrido que pagou, precipitadamente, a carta de crédito ao beneficiário, numa altura em que foram frequentes situações de fraude envolvendo cartas de crédito emitidas pelo Banco Réu - vide, especialmente, respostas dadas aos quesitos 11.° a 13.°;
10. Ficou comprovado que a alegação de fraude pelo Banco Réu ocorreu antes da propositura de qualquer acção judicial - alíneas H), M) e N) da Especificação;
11. Tem vindo a ser defendido que a simples existência de documentos falsos, fabricados com o propósito de defraudar, ou seja, causar um prejuízo patrimonial a alguém, implica a nulidade dos mesmos, no sentido de que ficam desprovidos do seu efeito legal (PETER Ho, Barrister at Law, in Documentary Credit: Null Documents, Hong Kong Law Journal, Fev. 1997, p. 32);
12. Um documento falso enferma do vício da nulidade, não podendo o mesmo ser considerado como um documento estipulado no crédito, para os efeitos previstos nas RUU, sendo mesmo inaplicável o artigo 15.º das RUU porquanto a exclusão de responsabilidade ali prevista não exime o Banco por actuação negligente perante a Ordenadora do crédito;
13. Caso o Banco Réu, actuando com cuidado razoável, detecte ou venha a conhecer, por qualquer meio, a falsidade do documento ou a natureza fraudulenta da operação antes de proceder ao pagamento, deve recusá-lo (cfr. JOÃO JOSÉ PIRES DUARTE REDONDO, in O Crédito Documentário (seu enquadramento jurídico), relatório do Curso de Mestrado, p. 29 e 30);
14. Ao contrário do decido na decisão recorrida é manifesto que o prazo previsto na alínea b) do artigo 13.0 das RUU nao se aplica a casos de fraude, quando estejam em causa normas de ordem pública do direito interno - as quais, aliás, prevalecem, na escala de hierarquia das normas, sobre as regras das RUU, de natureza convencional - na medida em que esta constitui um factor sistemático de limitação da autonomia privada (MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português, Almedina, I, Tomo I, Parte Geral, p.440);
15. É assim verdadeiramente irrelevante, o facto de ter ficado provado que o tempo médio de reacção dos bancos de Macau é inferior a sete dias de expediente bancário, ou até que o Banco Réu conseguia responder em não mais de três dias;
16. Uma situação de fraude - que é aceite unanimemente por toda a doutrina e jurisprudência como excepção de ordem pública (de direito interno e internacional) - não pode, de forma alguma, ser sancionada pela mera caducidade de um prazo previsto nas RUU, o qual, recorde-se, tem natureza meramente convencional;
17. Ao ter-se decido de forma distinta, na decisão ora posta em crise, incorreu-se, salvo o devido respeito, em erro de julgamento;
18. A invocada - e manifestamente provada - excepção de fraude não poderia ter deixado de ser julgada procedente, também em relação à carta de crédito a que diz respeito o presente recurso, tendo-se por conseguinte na decisão recorrida incorrido em erro de julgamento e violação dos artigos 2.°, 10.º e 13.° das RUU quando se decidiu em sentido contrário.
Nestes termos, terá de proceder o presente recurso, que acarretará a revogação da sentença na parte posta em crise, com a consequente absolvição do Réu do pedido de pagamento ao Autor, ora Recorrido, do montante referente à carta de crédito n.º LC 98074879.
Com tal decisão será feita, como é timbre deste Tribunal JUSTIÇA!

Concluindo e pedindo o Autor:

I. A regra de exame "em tempo razoável” constante do artigo 13.°, b), das RUU impõe ao Banco Negociador (ao qual, por ser próprio da função de banco negociador, o beneficiário haja entregado os documentos referidos na carta de crédito para que lhe seja pago o respectivo valor) que examine os documentos em prazo não excedente a sete dias úteis bancários, não se considerando nesse cômputo o dia da recepção dos mesmos;
II. Se o banco puder rever os documentos em menos de sete dias é nesse tempo mais curto que deve efectuar o exame, sob pena de violar a dita regra das RUU;
III. Tal era a obrigação do Recorrente, enquanto Banco Negociador da carta de crédito n.º 980 74 867 e da carta de crédito n.º 980 74 948;
IV. O Recorrente actuou em consonância com essa obrigação;
V. Ficou provado na acção que o Recorrente examinou os documentos que lhe foram submetidos ao abrigo das duas cartas de crédito referidas em estrita observância da regra do artigo 13.°, a), das RUU;
VI. Com efeito, a sentença de que se recorre consigna: "Em relação à carta de crédito n.º LC980 74 867,6 o Tribunal entende que o A. actuou em conformidade com o art.º 13.° aI. Ca) do UCP500, procedendo com diligência e cuidaddo razoável no exame dos documentos exibidos pelo beneficiário, visto que, mesmo face a uma análise concatenada dos factos provados, designadamente, os factos constantes nas als. J) e I) da Especificação e 3.° do Questionário, e atento ainda ao disposto no art.º 22.° do UCP 500 onde expressamente se admite a validade dos documentos antedatados, em nada se pode prenunciar a existência de uma aparente desconformidade dos documentos apresentados com os termos e condições estipulados na carta de crédito."
VII. A sentença recorrida considerou provada a boa fé do Recorrente;
VIII. Reunidos todos estes aspectos, a saber:
- o cumprimento das regras sobre o modo exame dos documentos;
- o cumprimento da regra do prazo de exame dos documentos;
- o desconhecimento da fraude pelo Recorrente;
- o carácter não evidente ou ostensivo da fraude, e
- a boa fé do Recorrente,
estava o Recorrido obrigado, por força do disposto nos artigos 9.°, a), iv e 10.°, d), das RUU, a reembolsar ao Recorrente os montantes que este já pagara aos beneficiários das cartas de crédito;
IX. O risco bancário decorrente do eventual não pagamento voluntário do crédito pelo ordenador está adstrito ao Banco Emitente, pois que é este quem concede o crédito;
X. O Banco Emitente tem a possibilidade de diminuir ou até eliminar esse risco através da exigência de garantias ao ordenador, que é seu cliente;
XI. O Banco Negociador não concede crédito, é um mero instrumento da viabilização do esquema da carta de crédito, onde só intervém porque o Banco Emitente lho pediu ou o designou como negociador, e executa um mandato para pagar ao beneficiário por ordem do mandante, o Banco Emitente;
XII. O Banco Negociador confia na segurança do sistema bancário e é graças a isso que se dispõe a participar na operação;
XIII. A confiança do Banco Negociador baseia-se:
- na convicção de que o Banco Emitente honrará o compromisso que assume quando abre a carta de crédito, e
- na consciência de que, por não ser o concedente do crédito e agir como simples mandatário, está a salvo do risco bancário, que é inerente ao negócio, de não cobrança do crédito junto do ordenador, seja por falta de fundos, seja por qualquer outro motivo, como por exemplo, o argumento da fraude do beneficiário;7
XIV. A obrigação de reembolso do Banco Negociador pelo Banco Emitente, querendo estabelecer um paralelo com o direito interno de Macau, pode radicar-se no dever do mandante de pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir e indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, dever que é estatuído no artigo 1093.°, b) e d), do Código Civil de Macau.
XV. Pelo exposto, a decisão recorrida fez uma interpretação errónea e desviante do disposto na alínea a) iv do artigo 9.°, na alínea d) do artigo 10.° e nos artigos 13.°, 14.° e 15.°, todos das Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários, e, bem assim, do disposto no artigo 1093.° do Código Civil.
Deve assim julgar-se o recurso provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte, delimitada no início, que é desfavorável ao Recorrente, e declarando-se a procedência total do pedido, como formulado na petição inicial, por ser de inteira
JUSTIÇA!

Notificado da motivação do recurso interposto pelo Autor, veio Chamado B responder com as seguintes conclusões:

1. Nas suas doutas alegações o Recorrente defende não ter ficado provado nos autos que o tempo por si gasto para negociar os documentos atinentes às cartas de crédito sub judice foi inferior ao que seria razoável, mas da matéria de facto provada nos autos resulta, salvo devido respeito, o contrário;
2. Resulta provado que o Recorrente passou ao BANK OF CHINA LIMITED os documentos atinentes à carta de crédito LC 98074867 em 8 de Maio de 1998 e os atinentes à carta de crédito LC 98074948 em 11 de Maio de 1998 (Cfr. alínea G dos Factos Assentes), sendo que o Réu BANK OF CHINA LIMITED comunicou ao Recorrente em 14 de Maio de 1998 ter encontrado discrepâncias nos documentos apresentados para a carta de crédito LC 98074948 (Cfr. alíneas N e O dos Factos Assentes), tendo-lhe comunicado a verificação de discrepâncias nos documentos referentes à carta de crédito LC 98074867 em 16 de Maio de 1998 (Cfr. alínea H dos Factos Assentes);
3. Num lapso de tempo curto e razoável o Réu BANK OF CHINA LIMITED comunicou ao ora Recorrente os factos indiciadores da existência de fraude associada a ambas as cartas de crédito, em cumprimento do disposto na alínea b) do artigo 13.º das UCP 500;
4. Ao pagar ao beneficiário na altura em que o fez, ou seja antes do fim do prazo para o BANK OF CHINA LIMITED examinar os documentos pertinentes, o Recorrente assumiu um comportamento precipitado no processo de negociação, e por isso de certa forma negligente, que permitiu a consumação da fraude;
5. Caso o Recorrente tivesse aguardado pelo decurso do prazo de que beneficiava o Réu BANK OF CHINA LIMITED para examinar os documentos muito provavelmente a fraude não se teria consumado;
6. Ao ter pago ao beneficiário antes do fim do prazo estipulado na alínea b) do artigo 13.° das UCP 500 o Recorrente tornou impossível aquilo que o BANK OF CHINA LIMITED almejava com as comunicações de 14 e 16 de Maio de 1998: evitar a consumação da fraude; Mais,
7. Está assente por provado nos autos que o Réu BANK OF CHINA LIMITED notificou o ora Recorrente da existência de fraude numa altura em que se debatia. com diversos problemas relacionados com fraudes relativas a cartas de crédito por si ordenadas;
8. E essas comunicações que foram feitas ao Recorrente ocorreram após consulta ao ordenante das cartas e à empresa transportadora, ou seja, numa altura em que a fraude era já uma quase certeza (Cfr. artigos 11.º a 15.º dos Factos Provados);
9. Por todas estas razões deve ser o Recorrente a assacar com o ónus associado à imprudente conduta de pagar as cartas de crédito ao beneficiário antes do decurso do prazo para o Réu BANK or CHINA LIMITED lhe comunicar a sua eventual não aceitação dos documentos relevantes, como acertadamente se decidiu na decisão sob recurso;
10. A sentença recorrida fez pois, nesta parte, correcta e inatacável interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do artigo 13.° das UCP 500 e ao contrário do que refere o Recorrente, não violou o disposto na alínea a) do artigo 9.° e nos artigos 13.°, 14.° e 15.° das UCP 500 nem o disposto no artigo 1093.° do Código Civil;
11. Acresce que ficou provada nos autos a existência de uma fraude, cujo objectivo era defraudar o Banco Emitente (o aqui Réu BANK OF CHINA LIMITED então denominado Banco da China) nas quantias das cartas de crédito;
12. A omissão de regulamentação específica da fraude nas UCP 500 é intencional e deve-se ao facto do legislador considerar que essa questão deve ser objecto de apreciação judicial pela jurisdição competente, segundo critérios estabelecidos pela ordem interna;
13. Ora, no caso dos autos a fraude assume uma relevância decisiva, desde logo porque está comprovado que, entre os documentos apresentados ao Banco Emitente, existem documentos falsos, quer no que respeita às mercadorias em si - que, simplesmente, não existem e, consequentemente, não foram embarcadas (logo, não podiam constar nos conhecimentos de embarque) - resposta ao quesito 10.°;
14. Está igualmente comprovado que, por terem sido emitidos por entidades não legitimadas para o efeito, os mesmos documentos não podem deixar de ser, como efectivamente o são, falsos- resposta ao quesito 7.°;
15. Ficou ainda comprovada a actuação de boa fé do Banco Emitente, que fez uma averiguação cuidada e diligente em ordem a averiguar a fraude, que veio efectivamente a detectar - resposta aos quesitos 12.°, 13.° e 14.°;
16. Verificou-se também que o Banco Recorrente pagou, precipitadamente, ao beneficiário as cartas de crédito sub judice, numa altura em que foram frequentes situações de fraude envolvendo cartas de crédito emitidas pelo Banco Réu – vide, especialmente, respostas dadas aos quesitos 11.° a 13.° - antes do fim do prazo estipulado na alínea b) do artigo 13.º das UCP 500 para o Banco emitente recusar os documentos atinentes às ditas cartas de crédito;
17. Por estas razões ter-se-á sempre de acolher como acertada a decisão recorrido quando absolveu o Réu BANK OF CHINA LIMITED do pagamento ao ora Recorrente das quantias tituladas pelas cartas de crédito sub judice; Finalmente,
18. Tem vindo a ser defendido que a simples existência de documentos falsos, fabricados com o propósito de defraudar, ou seja, causar um prejuízo patrimonial a alguém, implica a nulidade dos mesmos, no sentido de que ficam desprovidos do seu efeito legal;
19. Pois sendo um documento nulo, não pode o mesmo ser considerado como um documento estipulado no crédito, para os efeitos previstos nas UCP 500, sendo mesmo inaplicável o artigo 15.º, porquanto a exclusão de responsabilidade ali prevista não exime o Banco por actuação negligente perante a Ordenadora do crédito;
20. Também por esta razão, e atentando comparativamente naquilo que foi o comportamento e o grau de diligência e cuidado patenteado face à fraude pelo Recorrente e pelo Réu BANK OF CHINA LIMITED, é de louvar a decisão tomada pela sentença recorrida, que nesta parte não merece qualquer reparo.
Nestes termos, deverá improceder o presente recurso, o que acarretará a manutenção na Ordem Jurídica da decisão recorrida nos seus precisos termos, ou seja, com a absolvição do Réu BANK OF CHINA LIMITED do pedido de pagamento ao Recorrente das quantias tituladas pelas cartas de crédito com os n.ºs LC 98074867 e LC 98074948.
  Com tal decisão será feita, como é timbre deste Tribunal, JUSTIÇA!

O Autor, por sua vez, notificado da motivação do recurso interposto pelo Chamado B, respondeu concluindo que:

1. O Recorrido actuou por conta do Réu, cumprindo instruções contidas na autorização a que se refere o artigo ... das RUU, de modo a viabilizar a execução do mecanismo próprio da carta de crédito n.º LC 98074879;
2. A relação que se formou entre o Réu e o Recorrido a coberto da carta de crédito n.º LC 98074879 pode equiparar-se a um mandato;
3. Como mandatário do Réu, assistia ao Recorrido o direito de ser reembolsado de pagamentos que fizesse ao beneficiário da carta de crédito, com observância das instruções do mandante e respeitando as RUU no exame prévio dos documentos, ainda que viesse a apurar-se que esses documentos eram falsos;
4. O Recorrido actuou de acordo com as regras das RUU que disciplinam o exame dos documentos pelo banco negociador, imbuído de boa fé e não se precipitando no pagamento que efectuou ao beneficiário;
5. O Réu está, pois, obrigado a reembolsar o Recorrido do valor do crédito que este adiantou ao beneficiário;
6. O Réu tem direito de regresso sobre a Recorrente para se ressarcir desse reembolso;
7. O risco de não obter esse ressarcimento cabe com inteiro acerto ao Réu porque a operação de crédito lhe pertence e o crédito foi aberto por si.

Deve, pois, julgar-se não provado e improcedente o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença que constitui seu objecto.

Ao recurso interposto pelo Autor, respondeu também o Réu que concluiu nos termos seguintes:

A)
Os documentos apresentados pelas beneficiárias ao abrigo das cartas de crédito LC 98074867 e LC 98074948 apresentavam discrepâncias relevantes nas facturas e nos conhecimentos de embarque.
B)
Tais discrepâncias impunham que o Banco Recorrente recusasse os documentos, ao abrigo do disposto no artigo 14.°, al. b), das RUU.
C)
O Banco Recorrido cumpriu as formalidades exigidas pelas RUU, designadamente quanto ao prazo, quando recusou os documentos que lhe haviam sido remetidos pelo Banco Recorrente.
D)
Tendo em atenção todas a circunstâncias específicas deste caso (nomeadamente a existência de diversas fraudes, a crise que se vivia, a necessidade de contactar o ordenador e transportador) a notificação foi feita no "tempo razoável" e não foi excedido o prazo máximo de 7 dias, referido no artigo 13°, al. b), das RUU.
E)
O Banco Recorrente perdeu o direito ao reembolso por força do disposto no artigo 10°, al. d) das RUU.
F)
As beneficiárias dos créditos documentários não expediram a mercadoria que constituía a razão de ser da sua abertura.
G)
Estamos perante uma operação fraudulenta, cujas únicas beneficiárias são precisamente as beneficiárias dos créditos documentários.
H)
Trata-se, simultaneamente, de uma fraude documental e de uma fraude na transacção subjacente.
I)
A excepção da fraude encontra, no direito de Macau, fundamento legal na cláusula geral da proibição do abuso de direito.
J)
O Banco Negociador, ao optar pela antecipação de pagamento do crédito, fê-lo por sua conta e risco.
K)
O Banco Emitente, mandatário do ordenador, deve tudo fazer no sentido de procurar salvaguardar os direitos e interesses legítimos do seu mandante.
L)
Essa obrigação, quando numa situação delituosa típica de um crime de burla, é de valor necessariamente superior ao da obrigação de pagar o crédito documentário ao Banco Negociador.
M)
Assim sendo, deverá o Banco Emitente dar primazia às suas obrigações perante o ordenador por força das regras de colisão de direitos.
N)
Face aos indícios existentes, o Banco Recorrente tinha a obrigação de averiguar da genuinidade dos documentos, em cumprimento dos seus deveres acessórios de conduta - deveres de protecção, de informação e de averiguação.
O)
As irregularidades constatadas, conjugadas com o facto anormal de os conhecimentos de embarque conterem uma data de emissão anterior à data de abertura de crédito, acrescidos do facto de se estar num época em que era frequente haver burla devido à crise financeira que assolava o Sudeste Asiático, eram motivos suficientes para originar a suspeição da existência de fraude.
P)
Cabia ao Recorrente um verdadeiro dever de averiguação que, preterido, conduz à relevância da fraude na relação com o Banco Emitente.
Q)
Se a fraude é aparente e o Banco Negociador negligentemente a deixa passar, o Banco Emitente pode recusar-se a aceitar os documentos e reembolsar o Banco que realizou o crédito.
R)
Não foram pois violadas quaisquer normas de direito pela sentença recorrida, na parte em que absolve o Recorrido do pedido.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida, absolvendo-se o Réu do pedido e assim se fazendo Justiça.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Na sentença recorrida, foi dada assente a seguinte matéria de facto:
Factos Assentes
A) O R. abriu as seguintes cartas de crédito:
a) Em 5 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074867, no montante de HK$2,499,000.00, a pedido de uma empresa denominada "XX & Co.", com sede Macau, na Avenida da Amizade, n° XXX, Edifício XXX, X° "X", em benefício de uma empresa denominada "XX Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XXXX, XXth Floor, XXX Building, XXX Queen's Road Central;
b) Em 5 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074879, no montante de HK$3,000,010.00, a pedido de uma empresa denominada "B Coo Ltd.", com sede em Macau, na Rua de Pequim, nos XXX, XXX Centre, XX° andar "XX", em beneficio de uma empresa denominada "XX Trading Ltd.", com sede em Hong Kong, Room XX, XXth Floor, XXX Centre, X XX Street, Cahi Wan;e
c) Em 8 de Maio de 1998, com a ref. LC 98074948, no montante de HK$4,948,160.00 a pedido da "B Co. Ltd.", em benefício da "XX Ltd.", empresas essas ambas já acima referidas.
B) A abertura das cartas de crédito pelo R. foi avisada, isto é, atestada, como genuína, por um banco seu correspondente em Hong Kong, o The Ka Wah Bank, com sede em 232 Des Voeus Road Central.
C) As cartas de crédito eram irrevogáveis.
D) Podiam ser negociadas por qualquer banco no território dos beneficiários, ou seja, Hong Kong.
E) Os beneficiários solicitaram ao A. que negociasse os créditos e o A. aceitou intervir como banco negociador.
F) Os beneficiários apresentaram os documentos estipulados no crédito ao A. que decidiu tomá-los.
G) Em consequência, o A. pagou os créditos aos beneficiários, deduzidos de comissões, despesas e juros, e passou os documentos ao R. que os recebeu em 8 de Maio de 1998, para as cartas de crédito nos LC98074867 e LC98074879, e em 11 de Maio de 1998, para LC98074948.
H) Em 16 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, ter encontrado discrepâncias nos documentos apresentados para a carta de crédito n" LC98074867, nos termos seguintes: 1. "Correcção do consignatário no conhecimento de embarque não autenticada pelo transportador"; 2. "Factura mostra quatro alterações, mas só exibe três carimbos de aprovação."
I) Do mesmo passo, fez a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles"
J) Vê-se por observação dos três conhecimentos de embarque que a primeira discrepância apontada pelo R. se refere à frase "To order of Bank of China, Macau" e consiste em a parte "To order" aparecer ligeiramente descaída relativamente ao resto da frase, em um dos exemplares, e escrita duas vezes em sobreposição, em outro exemplar.
L) Em relação à factura, as "alterações" consistem na circunstância de dois traços eliminados palavras numa mesma frase e linha, adiante da palavra pré-impressa "Packing", estarem só ressalvados por um carimbo.
M) Em 21 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, reportando à carta de crédito nº LC98074879, o seguinte: " ... segundo informado pela XX Shipping Co. Ltd., o conhecimento de embarque ao abrigo do título supra não foi emitido por eles e era fraudulento. Conservamos os documentos à vossa disposição e aguardamos as vossas instruções" .
N) Em 14 de Maio, o R. comunicou ao A., em inglês, ter encontrado discrepâncias, nos documentos apresentados para a carta de crédito n° LC98074948, nos termos seguintes: "Este aviso constitui a nossa recusa dos documentos e é enviado de acordo com o artigo 14 do UCP 500. Entretanto, conservamos os documentos por vosso risco e à vossa disposição ... A factura indica banco emitente da carta de crédito diferente da carta de crédito - Bank of China, Macau Barnch em vez de Bank of China, Macau Branch".
O) E fez ainda a seguinte menção: "Segundo informado pelo transportador, XX Shipping Co., o respectivo conhecimento de embarque não foi emitido por eles".
P) As fotocópias dos documentos de embarque juntas aos autos com petição inicial, são reproduções mecânicas fieis e exactas dos seus originais que instruíram as operações das cartas de crédito em referência, cujo teor e aparência externa aqui se dão integralmente reproduzidos.
Factos Provados
1º O tempo médio de reacção dos bancos de Macau para exame e notificação de recusa de documentos semelhantes aos apresentados, em casos análogos, é inferior a sete dias de expediente bancário.
2º Em relação aos documentos semelhantes aos apresentados, o R. conseguia responder em não mais de 3 dias de expediente bancário, face às suas condições e volume de trabalho.
3º É mais usual que só depois do beneficiário ser notificado da emissão da carta de crédito é que procede ao empacotamento da mercadoria, à sua marcação e embarque no navio, à obtenção do seguro, ao pagamento do frete marítimo, junto do transportador, dos conhecimentos de embarque.
7º Os conhecimentos de embarque que instruíram as operações das 3 cartas de crédito em causa não foram emitidos pelo transportador XX Shipping Coo.
10º Veio a apurar-se que nunca houve qualquer embarque da mercadoria contratada, a qual não existe.
11º Os funcionários do R. andavam particularmente atarefados em virtude do facto de, naquela altura, se terem detectado diversas fraudes envolvendo cartas de crédito por si emitida.
12º Pelo que o R. tem de tomar precauções acrescidas no exame dos documentos.
13º Havendo mesmo necessidade de, com frequência, contactar os ordenantes e as empresas transportadoras.
14º O que foi feito no presente caso.
15º Pelo que levou mais tempo para notificar a recusa ao A.

1. Recurso do Chamado B

O recurso tem por objecto a sentença na parte que condenou o Réu Banco da China a pagar ao Autor Banco Wing Hang Bank, o montante de HDK3.000.010,00, correspondente ao incumprimento da obrigação referente à carta de crédito nº LC 98074879, acrescidos de juros legais calculados desde o dia 8 de Maio de 1998 até ao efectivo e integral pagamento.

Pediu ao Tribunal de recurso para revogar a sentença nessa parte, tendo-se apoiado a sua pretensão no seguinte:

i) Falsidade dos documentos; e
ii) Não aplicação in casu do UPC 500.


i) Falsidade dos documentos

Neste recurso interposto pelo chamado B, está em causa apenas a carta de crédito nº LC 98074879.

Antes de mais, convém relembrar o papel que cada um dos intervenientes desempenhava no âmbito dessa carta de crédito.

A pedido do ora recorrente o Chamado B, o Banco da China (o Banco Réu) abriu uma carta de crédito a favor de um beneficiário denominado XX TRADING, LTD..

A abertura da carta de crédito foi avisada pelo The Ka Wah Bank.

O beneficiário XX, solicitou ao Autor Wing Hang Bank Ltd. (ora recorrido) que negociasse o crédito.

O Wing Hang Bank Ltd. aceitou intervir como banco negociador.

As tais relações têm por base um alegado contrato de compra e venda de determinadas mercadorias, celebrado entre o Chamado B (comprador com sede em Macau) e o beneficiário XX (vendedor com sede em Hong Kong).

Para o recorrente, existe in casu uma manifesta fraude cujo objectivo era defraudar o Banco Emitente nas quantias das cartas de crédito, pois de acordo com a matéria de facto provada, a mercadoria contratada não foi embarcada e os conhecimentos de embarque eram falsos por não terem sido emitidos pelo transportador.

Fraude essa que, na óptica do recorrente, poderia e deveria ter sido discernida pelo banco negociador Wing Hang Bank.

E por isso, o Tribunal a quo deveria ter absolvido o Réu, Banco da China, do pagamento da importância titulada na carta de crédito.

Vejamos.

É verdade que ficou provado que o conhecimento de embarque não foi emitido pelo transportador e nunca houve qualquer embarque da mercadoria contratada.

Mas dada a autonomia existente entre as obrigações assumidas pelo comprador e pelo vendedor da mercadoria no contrato de compra e venda e as estipuladas na carta de crédito, as obrigações do banco negociador são definidas na carta de crédito e portanto ao banco negociador compete o exame do aspecto formal dos documentos estipulados na carta de crédito, documentos esses que lhe são apresentados pelo beneficiário contra o pagamento.

Ora, uma coisa é o conhecimento da existência da fraude mediante o exame do aspecto da documentação, outra coisa é a existência objectiva da fraude.

São coisas distintas.

Portanto, o que interessa aqui saber é apenas se o banco negociador cumpriu o seu dever de análise formal da documentação apresentada pelo beneficiário XX, quanto à existência, à qualidade e à entrega da mercadoria.


A este propósito, é de transcrever as sensatas observações na sentença recorrida:

Quanto à carta de crédito n° LC98074879, face à matéria de facto acima provada, o Tribunal também entende que o A actuou de acordo com o disposto nos art°s . 13° al. a) e 22° do UCP500 no exame dos documentos apresentados e procedeu ao pagamento em conformidade.
Ficou ainda provado que, em 8 de Maio de 1998, o A disponibilizou ao R. os documentos da dita carta e recebeu a comunicação da sua recusa apenas no dia 21 de Maio (cfr. al. M da Especificação), isto é, depois de decorrido o prazo referido no art° 13° al. b) e 14° al. d) §i do UCP500.
Mais, também não se provou que o A tinha agido de má fé, ou seja, que tinha conhecimento da fraude.
Ora, de harmonia com o acima exposto, a relação entre o banco emitente e o banco negociador é autónoma e independente das relações estabelecidas entre o ordenante e o banco emitente ou entre o ordenante e o beneficiário, e deve ser apreciada à luz das regras constantes do UCP500.
Logo, tratando-se o presente caso de uma fraude objectiva e tendo o A. pautado a sua conduta de acordo com o disposto nos art°s 13° e 14° do UCP500, não lhe é justo assacar responsabilidade.
……

Este fragmento na sentença recorrida pôs a nu a sem razão do ora recorrente, pois se o banco negociador não tiver o conhecimento da fraude mediante o exame do aspecto formal da documentação nem o dever de averiguar face à inexistência de motivos, no exame formal, que determinassem a suspeição da fraude, tal como sucedeu in casu com o Wing Hang Bank, o dever do banco negociador considera-se cumprido face ao estipulado no artº 13º-a) do UCP500.

Ficou provado que a fraude foi resultado da investigação que o banco emitente levou a cabo, com os seus esforços, junto do transportador.

Todavia, o banco emitente, ora Réu, só comunicou ao banco negociador a recusa dos documentos, com fundamento na falsidade, depois de ter sido decorrido o prazo de sete dias úteis, o que, face ao disposto no artº 14º-d) do UCP500, implica a preclusão do seu direito de invocar a desconformidade entre os documentos que recebeu do banco negociador e os estipulados na carta de crédito, com vista à recusa de pagamento ao banco negociador que pagou ao beneficiário

Assim, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu condenando o Réu a pagar ao Autor as quantias que este entretanto já pagou ao beneficiário, e improcede esta parte do recurso.

ii) Não aplicação in casu do UPC 500

Alega aqui o recorrente que, ao contrário do que decidiu na sentença recorrida, é manifesto que o prazo previsto no artº 13º-b) do UCP500 não se aplica a casos de fraude, quando estejam em causa normas de ordem pública do direito interno – as quais, aliás, prevalecem, na escala de hierarquia das normas, sobre as regras do UCP500, de natureza convencional.

Para o recorrente, dada a sua natureza convencional do normativo do artº 13º-b) do UCP500, este não pode prevalecer sobre as normas de ordem pública do direito interno, na medida em que esta constitui um factor sistemático de limitação da autonomia privada.

Não tem razão o recorrente.

Conforme se vê nas fls. 87 dos p. autos (doc. 12 junto pelo Autor à petição inicial), e no doc. 13 mediante o qual o banco avisador KA WAH BANK LTD avisou o beneficiário XX sobre a abertura da carta de crédito a seu favor pelo banco emitente Banco da China, a carta de crédito rege-se pela regulamentação do UCP 500.

Por força do princípio de autonomia privada não vemos obstáculo ao desejo dos intervenientes de se vincularem àquela regulamentação estipulada no UCP500.

Fica estipulado no artº 13º-b) do UCP500, na sua versão inglesa oficial, que “The Issuing Bank, the Confirming Bank, if any, or a Nominated Bank acting on their behalf, shall each have a reasonable time, not to exceed seven banking days following the day of receipt of the documents, to examine the documents and determine whether to take up or refuse the documents and to inform the party from which it received the documents accordingly.”.

Ou seja, de acordo com o ai estipulado, a tomada da decisão pelo banco emitente, quanto à aceitação ou à recusa dos documentos não pode exceder um prazo razoável de sete dias úteis após a recepção dos documentos do banco negociador.

De acordo com a matéria de facto provada, o Autor passou os documentos ao Réu que os recebeu em 08MAIO1998.

Mas só em 21MAIO1998 é que comunicou ao Autor a recusa, isto é, já decorrido o prazo de sete dias úteis.

Conjugando o estipulado no artº 13º que estabelece o dever de o banco emitente examinar os documentos e de comunicar se os aceitar ou recusar e o no artº 14º que regula a forma como o banco emitente deve actuar quando se detectarem discrepâncias entre o teor dos documentos e os termos do crédito, a não comunicação tempestiva deve ser equiparada, em termos da consequência, à não actuação de acordo com o estipulado no artº 14º em caso da verificação de discrepância, o que implica, como vimos supra, a preclusão do direito de invocar a discrepância com vista à recusa do pagamento ao banco negociador - o artº 14º-d) do UCP 500.

E de facto, como se sabe, a simples exigência da análise do aspecto formal dos documentos e a fixação de um prazo razoável de sete dias úteis para comunicar a recusa da documentação, conforme o estipulado nos artºs 13º e 14º do UCP500, têm em vista efectivar o fácil, eficiente e célere pagamento ao beneficiário.

A aceitar a tese do recorrente no sentido de afastamento da aplicação desse prazo de sete dias com o pretexto de salvaguardar a dita prevalência de normas de ordem pública do direito interno, a utilidade e a função de uma carta de crédito seriam catastroficamente afectadas, senão retiradas.

Pelo que, improcede o recurso do Chamado B nesta parte.


2. Recurso do Autor

Inconformado com a sentença do Tribunal a quo no que diz respeito à absolvição do Réu do pedido na parte referente às cartas de crédito nºs LC98074867 e LC98074948, veio o Autor recorrer para esta segunda instância.

A sentença recorrida decidiu pela absolvição com fundamento na circunstância de o Autor, enquanto banco negociador, ter descontado as cartas de crédito aos beneficiários antes do decurso do prazo de sete dias úteis a que se refere o artº 13º-b) do UCP500, à luz do qual o banco emitente dispõe de um tempo razoável, não excedendo sete dias úteis seguintes ao dia da recepção dos documentos, para examinar os documentos e determinar a aceitação ou recusa dos mesmos e informar da sua decisão a entidade que lhe enviou os ditos documentos.

E porque pagou antes do decurso do tal prazo, deveria assumir o risco da eventual possibilidade de ser recusado o seu pedido de reembolso junto do Banco da China, Réu e banco emitente.

Para o recorrente, o Tribunal a quo interpretou mal a “regra de exame em tempo razoável” estipulada no citado artº 13º-b) do UCP500, pois, na óptica dele, se o banco puder rever os documentos em menos de sete dias é nesse tempo mais curto que deve efectuar o exame, sob pena de violar a dita regra.

Vejamos.

Ora, está estipulado no artº 13º-b) do UCP500 que “the Issuing bank, the Confirming Bank, if any, or a Nominated Bank acting on their hehalf, shall each have a reasonable time, not to exceed seven banking days following the day of receipt of the documents, to examine the documents and determine whether to take up or refuse the documents and to inform the party from which it received the documents accordingly.”.

E o artº 14º, sob a epígrafe Discrepant documents and Notice, estipula que:

a) When the Issuing Bank authorizes another bank to pay, incur a deferred payment undertaking, accept Draft(s), or negotiable against documents which appear on their face to be in compliance with terms and conditions of the Credit, the Issuing Bank and the Confirming Bank, if any, are bound:
i. To reimburse the Nominated Bank which has paid, incurred a deferred payment undertaking, accepted Draft(s), or negotiated,
ii. To take up the documents.
b) Upon receipt of the documents the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, or a Nominated Bank acting on their behalf, must determine on the basis of the documents alone whether or not they appear on their face to be in compliance with the terms and conditions of the Credit. If the documents appear on their face no to be in compliance with the terms and conditions of the Credit, such banks may refuse to take up the documents.
c) If the Issuing Bank determines that the documents appear on their face not to be in compliance with the terms and conditions of the Credit, it may in its sole judgment approach the Applicant for a waiver of the discrepancy(ies). This does not, however, extend the period mentioned in sub-Article 13(b).
d) i. If the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, or a Nominated Bank acting on their behalf, decides to refuse the documents, it must give notice to that effect by telecommunication or, if that is not possible, by other expeditious means, without delay but no later than the close of the seventh banking day following the day of receipt of the documents. Such notice shall be given to the bank from which it received the documents, or to the Beneficiary, if it received the documents directly from him.
ii. Such notice must state all discrepancies in respect of which the bank refuses the documents and must also state whether it is holding the documents at the disposal of, or is returning them to, the presenter.
iii. The Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, shall then be entitled to claim from the remitting bank refund, with interest, of any reimbursement which has been made to that bank.
e) If the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, fails to act in accordance with the provisions of this Article and/or fails to hold the documents at the disposal of, or return them to the presenter, the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, shall be precluded from claiming that the documents are not in compliance with the terms and conditions of the Credit.
f) If the remitting bank draws the attention of the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, to any discrepancy(ies) in the document(s) or advises such banks that it has paid, incurred a deferred payment undertaking, accepted Draft(s) or negotiated under reserve or against an indemnity in respect of such discrepancy(ies), the Issuing Bank and/or Confirming Bank, if any, shall not be thereby relieved from any of their obligations under any provision of this Article. Such reserve or indemnity concerns only the relations between the remitting bank and the party towards whom the reserve was made, or from whom, or on whose behalf, the indemnity was obtained.

Face ao estipulado no artº 13º-b), tanto o banco negociador como o banco emitente têm o poder-dever de proceder ao exame formal da conformidade aparente dos documentos com as exigências do crédito num tempo razoável não excedendo sete dias úteis (a reasonable time, not to exceed seven banking days).

Com essa redacção, parece que a mens legislatoris subjacente ao estipulado no artº 13º-b) é procurar tirar uma ilação de um facto (decurso de sete dias úteis) para firmar um juízo de razoabilidade do prazo com duração de sete dias úteis para o efeito.

Razoabilidade que consiste na suficiência do tempo que permite os bancos intervenientes concluir o exame com o cuidado exigível da conformidade aparente da documentação e exercer as faculdades previstas no artº 14º do UCP 500 com vista à tutela dos seus interesses nas relações de um crédito documentário.

Coloca-se assim a questão de saber qual a natureza da ilação da razoabilidade de sete dias úteis estabelecida no artº 13º-b) do UCP 500, isto é, se é ilidível ou não ilidível.

Se se tratar de ilação não ilidível, o banco age sempre bem desde que consiga examinar e comunicar até ao termo do sétimo dia útil.

Caso se esteja em face de uma ilação ilidível, o simples facto de conseguir concluir o exame e comunicar dentro de sete dias úteis não significa necessariamente que o prazo razoável tenha sido cumprido, pois pode acontecer que atendendo às circunstâncias concretas de um determinado caso que evidenciam a manifesta clareza da documentação e simplicidade da operação de exame, não se mostra necessário nem justificável esgotar a totalidade do período de tempo de sete dias úteis para a conclusão de tal operação de exame e a comunicação.

A propósito de essa dupla referência, ou seja, ao “reasonable time” e ao “not to exceed seven banking days”, é de citar os Doutos ensinamentos de Carlos Costa Pina que defende:

“Esta dupla referência ao prazo de decisão é também exemplar no que diz respeito à necessidade de celeridade a imprimir à utilização do crédito documentário, dado que, apesar do estabelecimento de um prazo limite de sete dias úteis, o banco não se encontrará numa situação de incumprimento apenas depois de este prazo ter sido ultrapassado. Pode, efectivamente, encontrar-se nessa situação antes desse momento se, pelo carácter rotineiro da operação, ou pela ausência de dificuldades anormais, for exigível uma decisão antes desse momento.” – vide Carlos Costa Pina, Créditos Documentários, pág. 95.

Na esteira desses Doutos Ensinamentos que subscrevemos, parece que se trata de uma ilação ilidível.

Assim, se pretender que o Réu seja condenado a reembolsá-lo das quantias que já pagou aos beneficiários, o Autor tem o ónus de alegar e provar factos demonstrativos da simplicidade ou do carácter rotineiro da operação, ou da ausência de dificuldades anormais no exame, por forma a convencer o Tribunal de ser exigível uma decisão célere antes do decurso de sete dias úteis – artº 335º/1 do CC.

É verdade que ficou provado que:

“O tempo médio de reacção dos bancos de Macau para exame e notificação de recusa de documentos semelhantes aos apresentados, em casos análogos, é inferior a sete dias de expediente bancário.
Em relação aos documentos semelhantes aos apresentados, o R. conseguia responder em não mais de 3 dias de expediente bancário, face às suas condições e volume de trabalho.”

Só que tais factos provados não se referem às cartas de crédito ora em apreço, mas sim a situações semelhantes ou em geral.

Antes pelo contrário, o Réu alegou e provou que, face à existência das discrepâncias e alterações nos documentos que recebeu do banco negociador (o Autor) e tendo em conta que na altura dos factos foram já detectadas diversas fraudes envolvendo cartas de crédito por ele (Réu) abertas, o Réu suspeitou da genuinidade dos documentos e procurou investigar a suspeita fraude junto do transportador.

A actuação cuidadosa do Réu, tal como descrita na matéria de facto provada, justifica-se perfeitamente pelas circunstâncias de terem sido detectadas diversas fraudes na altura e discrepâncias e alterações dos dizeres nos documentos no caso concreto e justifica a necessidade de mais tempo para levar a cabo o exame e a comunicação.

De acordo com a matéria de facto provada, o Réu recebeu do Autor os documentos referentes às cartas de crédito LC98074867 e LC98074948, respectivamente em 08MAIO1998 e 11MAIO1998, e o Réu comunicou ao Autor a recusa em 16MAIO1998 e 14MAIO1998, respectivamente.

O que significa que, apesar dessas dificuldades anormais, o Réu conseguiu comunicar dentro do prazo de sete dias úteis (no sétimo dia útil em relação à carta de crédito LC98074867 e no terceiro dia útil no que respeita à carta de crédito LC98074948) ao Autor a recusa com fundamento nas discrepâncias verificadas e na falsidade dos conhecimentos de embarque.

Em vez de aguardar pela comunicação do Réu até ao terminus do prazo de sete dias úteis, o Autor optou por pagar primeiro aos beneficiários com base apenas no exame que fez aos documentos exigidos nas cartas de crédito.

Ao agir como agiu, o Autor deveria saber que iria assumir o risco de pagar mal e de perder o direito de reembolso contra o banco emitente, pois contava ou poderia sempre contar com a possibilidade de recusa dos documentos por parte do banco emitente.

E em face à recusa tempestivamente comunicada, o Autor perde o direito de reivindicar o reembolso perante o Réu, banco emitente.

Foi o que aconteceu.

Portanto, não merece reparo a sentença que absolveu o Réu do pedido referentes às cartas de crédito LC98074867 e LC98074948.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.

RAEM, 11OUT2012

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira

6 Esta apreciação vale também para a carta de crédito n.º 980 74 948, dados os termos em que a sentença se lhe refere (v. pág. 35 da sentença).
7 Este argumento, de qualquer modo, também não é oponível pelo ordenador ao Banco Emitente.
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