Processo nº 985/2009-A
Data do Acórdão: 11OUT2012
Assuntos:
Falta de fundamentação
Violação da lei
SUMÁRIO
No âmbito do contencioso administrativo, nos termos do disposto no artº 578º do CPC, aplicável por força da remissão expressa do artº 1º do CPAC, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 985/2009-A
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, LDA., sociedade devidamente identificada nos autos, recorreu contenciosamente do despacho do Senhor Chefe do Executivo da RAEM, datado de 03SET2009, exarado sobre informação do Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que declarou a nulidade do seu acto de 06OUT2005, que homologou parecer da Comissão de Terras, bem como as condições da minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de revisão de concessão, por aforamento, de um terreno sito na península de Macau, na Rua XX, nºs XX, concluindo e pedindo:
1°
A Decisão Recorrida, supra identificada, foi notificada às Recorrentes, por via do ofício 435/585.05/DSODEO/2009, de 06 de Outubro,
2°
Onde se declara a “nulidade parcial, isto é, declaração de nulidade respectivas licenças de obra e a suspensão de todos os pedidos relacionados com a revisão da referida concessão, só até ao limite da quota altimétrica sugerida pelo Departamento de Planificação Urbana (DPUDEP) e autorizada Pelo despacho de S. Excelência o Chefe do executivo acima referido, isto é, até aos 63 metros de altura (equivalente aos 19 pisos). ”
3°
Existindo alguma divergência ou incompletude entre o conteúdo da notificação e a Informação 113/DSODEP/2009, a Recorrente apresentou um pedido de aclaração à DSSOPT no dia 3 de Novembro de 2009. Não tendo recebido qualquer resposta, à cautela, as Recorrentes vêm impugnar a Decisão do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2009, segundo o entendimento que para si constitui objecto do presente Recurso.
4°
De acordo com o artigo 122.º, n.º1, alínea c) do CPA, são nulos os actos «cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime», devendo ser à luz dos conceitos de acto e de objecto do acto que se deve analisar se o Acórdão do processo 53/2008 pode ou não servir de fundamento à Decisão Recorrida,
5°
Segundo a fundamentação do Acórdão do processo 53/2008, Ao Man Long foi condenado apenas e tão só por ter alegadamente interferido nos procedimentos administrativos, pelo que, e desde logo, o Acórdão daquele Tribunal não pode servir de “fundamento de direito” à Decisão Recorrida.
6°
Ao Man Long não realizou qualquer acto administrativo neste processo, pois o único acto administrativo é do Chefe do Executivo, mostrando-se a todos os títulos, incompreensível e infundamentado que o Chefe do Executivo declare nulo o seu próprio acto, com base no Acórdão do Procº 53/2008.
7°
Já porque o Chefe do Executivo não foi constituído Arguido no processo do nº 53/2008 nem naquele processo foram julgados actos praticados pelo Chefe do Executivo,
8°
Já porque o único arguido naquele processo foi o Ex-Secretário que não foi condenado por quaisquer actos administrativos em concreto, mas tão-só por alegadamente interferir e influenciar nos procedimentos, questão que, ao nível do direito administrativo, acarretaria apenas a sanção da anulabilidade, naturalmente sanada à data da produção da Acusação e daquele Acórdão,
9º
Assim, os actos que a Decisão Recorrida declarou nulos são actos inatacáveis do ponto de vista do direito administrativo e penal porque são actos válidos, legais e lícitos, porque os seus autores não são arguidos no processo 53/2008, porque os actos por si realizados não foram objecto de condenação pelo TUI,
10°
De facto o acto administrativo objecto da declaração de nulidade, é a homologação do Parecer da Comissão de Terras n,º 123/2005, este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo quer do ponto de vista do direito penal.
11°
Este acto nem sequer tem subjacente procedimentos alegadamente inquinados, objecto do processo 53/2008, como se demonstrou e alcança da cronologia dos factos e da sua subsunção ao direito administrativo.
12°
Além disso, a homologação do Chefe do Executivo incide sobre o Parecer da Comissão de Terras nº 123/2005, e não sobre quaisquer parecer do Ex-Secretário,
13°
Porque a homologação do Parecer da Comissão de Terras nº 123/2005 e a aprovação do projecto de arquitectura não têm ligação com qualquer crime, logo não podem ser declarados nulos nos termos do artigo 122.º, n.º2, ali c) do CPA.
14°
Por outro lado, o TUI pretendeu salvaguardar expressamente os processos em que já foram proferidos despachos de deferimento. Bem sabendo o TUI que a homologação do Parecer da Comissão de Terras equivalia a um despacho de deferimento e que este acto não estava envolvido em qualquer procedimento inválido.
15°
No caso concreto da Rua XX já tinha sido proferido despacho de deferimento, mostrando-se por isso uma situação de facto, constituindo uma decisão administrativa estabilizada, que não devia ter sido declarado nulo ainda que parcialmente, também por esta razão.
16°
Consequentemente, o Acórdão do processo 53/2008 não pode servir de fundamento para a declaração de nulidade dos actos objecto da Decisão Recorrida e também não há fundamentos administrativos para declarar o contrato nulo, como se viu.
17°
Termos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada, por violação da lei, nos termos do previsto no art.º 124º do CPA, em virtude de se ter feito uma errada aplicação do artigo 122.º, n.ºl, alínea c) do CPA aos actos declarados nulos pela Decisão Recorrida, isto é, de declarar “nulidade parcial, isto é, declaração de nulidade respectivas licenças de obra e a suspensão de todos os pedidos relacionados com a revisão da referida concessão, só até ao limite da quota altimétrica sugerida pelo Departamento de Planificação Urbana (DPUDEP) e autorizada pelo despacho de S. Excelência o Chefe do executivo acima referido, isto é, até aos 63 metros de altura (equivalente aos 19 pisos)”. E, consequentemente, ser anulada, por violação da lei, nos termos do artigo 21.º, n.l.º, ali d) do CPAC.
Além disso,
18°
No ponto 21 da Informação 113/DSODEP/2009, alega-se que «nos termos do art. 172.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, “Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração”. Pelo que, é também nula a alteração do contrato regulado pelo Despacho n.º 13/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.»
19°
Este fundamento, de direito administrativo, não sustenta a notificação da Recorrente. No entanto, impugna-se que seja suporte da Decisão Recorrida, porquanto.
20°
O contrato foi celebrado pelo Chefe do Executivo, por via da homologação do Parecer n° 123/2005 da Comissão de Terras. E, como já se demonstrou esta homologação do Chefe do Executivo é o único acto administrativo do processo da Rua XX e é um acto legal e lícito, não padecendo de qualquer vício ou invalidade.
21°
Assim sendo, não existem actos nulos ou anuláveis de que dependesse a celebração do contrato, pois os despachos de Ao Man Long são meros actos internos, despachos de remessa aos Serviços para prosseguimento da Instrução do processo, daí que tenha sido julgado por procedimentos e não por actos.
22°
Por isso, não se verificam os pressupostos previstos no nº 1 do artº 172º do CPA para que o contrato de concessão celebrado pela RAEM com a Recorrente possa ser declarado nulo por aquela via do direito administrativo.
E mais,
25°
Na Decisão Recorrida é patente, também, a falta de fundamentação do ponto de vista do direito administrativo, porquanto, nos termos do artigo 115.º, n.ºl do CPA, a fundamentação deve expor expressamente os fundamentos de facto e de direito da decisão e, para além de expressa, a fundamentação deve ser clara, congruente e suficiente
26°
Ora, Como foi demonstrado, o Acórdão do Processo n.º 53/2008 não pode servir de fundamentação à Decisão Recorrida porque os actos declarados nulos não foram objecto de qualquer crime nem objecto de qualquer condenação,
27°
Deste modo, a Decisão Recorrida violou o dever da fundamentação previsto no artigo 114.º, n.º1, ali a) e c) do CPA, temos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada por vício de violação de lei, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 21.º, n.1.º, ali c) do CPAC.
Finalmente,
28°
A Decisão Recorrida, para além de enfermar das ilegalidades supra alegadas, violou ainda o direito ao contraditório cujo exercício se estabeleceu por via do direito de audiência prévia e por via do princípio geral de participação dos administrados no procedimento administrativo, porquanto
29°
O Chefe do Executivo não ouviu previamente a Recorrente antes de proferir o Despacho objecto do presente Recurso.
30°
Pelo que a Decisão Recorrida padece neste ponto do vício de violação de lei, sendo a Decisão Recorrida nula nos termos do artigo 122.º, n.º2, alínea d) do CPA e do artigo 21.º, n.1.º, alínea d) do CPAC, uma vez que aquela decisão ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental que é o direito de audiência prévia tendo em vista o exercício do direito ao contraditório, antes de ser proferida a decisão final.
TERMOS EM QUE
Se requer a V. Exª que, dando provimento ao presente Recurso Contencioso, declare a anulabilidade da Decisão Recorrida, por violação da lei, nomeadamente dos Arts., 21°, 114°, 115°, 122° e 124° do CPA, nos termos supra alegados.
Citado, veio o Senhor Chefe do Executivo contestando pugnando pela improcedência do recurso.
Junta a contestação do Senhor Chefe do Executivo e apenso o processo instrutor, prosseguindo os autos, vieram quer a entidade recorrida quer a recorrente apresentar as alegações facultativas, reiterando cada um deles grosso modo os mesmos argumentos já deduzidos no petitório do recurso e na contestação.
O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, pelo relator foi submetido à conferência o projecto do Acórdão no sentido de julgar totalmente o recurso.
Todavia, o tal projecto não mereceu o voto favorável dos restantes elementos do Colectivo.
Tendo ficado vencido o relator, o Acórdão passou a ser relatado pelo 1º Adjunto de acordo com a posição de vencimento, nos termos da qual o recurso é julgado procedente e é anulado o acto recorrido apenas com fundamento no vício formal de preterição da audição (vide as fls. 327 a 342v dos p. autos).
Inconformada com esse Acórdão do TSI, a entidade recorrida interpôs recurso jurisdicional para o Venerando TUI, concluindo pela não verificação do vício de preterição da audição e pedindo a revogação do Acórdão do TSI.
Por Douto Acórdão do Venerando TUI de 25JUL2012, o recurso foi julgado procedente e foi determinada a revogação do Acórdão do TSI com fundamento na inverificação do vício de preterição da audição (vide as fls. 403 a 428 dos p. autos).
Transitado em julgado o Douto Acórdão do Venerando TUI, baixaram os autos a este TSI.
Pelo sentido do Douto Acórdão do Venerando TUI, que se limitou a pronunciar sobre o invocado vício de preterição da audição, cumpre-nos agora debruçar sobre os vícios de falta de fundamentação e violação da lei, que foram considerados prejudicados pelo Acórdão do TSI, ora revogado.
Ora, fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* Por despacho do SATOP nº 16/2004, foi autorizada a transmissão a favor da ora recorrente dos direitos resultantes da concessão, por aforamento, do terreno situado na Rua XX nºs XX, titulados pelo Despacho nº 36/SATOP/93, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 72/SATOP/96;
* Terreno esse foi anteriormente pelo Despacho nº 36/SATOP/93, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 72/SATOP/96 concedido por aforamento a favor da B, Lda.;
* Nos termos do qual, o aproveitamento consiste na construção de um edifício em regime de propriedade horizontal de dezoito pisos;
* Posteriormente a ora recorrente requereu a revisão dos termos da tal concessão pedindo alteração da forma do aproveitamento do terreno;
* Por despacho datado de 06OUT2005 do Senhor Chefe do Executivo, foi homologado o parecer elaborado pelo então SATOP Ao Man Long sobre o parecer nº 23/2005 da Comissão de Terras, versando sobre a revisão dos termos da concessão por aforamento do terreno acima referido definidos nos despachos nºs 36/SATOP/93 e 72/SATOP/96, no sentido de alterar os termos do aproveitamento do terreno, nomeadamente para a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com seis pisos sobre o qual assentam duas torres com vinte e seis pisos de cada uma;
* Por douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância da RAEM foi condenado ex-SATOP Ao Man Long pela prática, inter alia, de um crime de corrupção passiva pelos factos por ele praticados no procedimento administrativo da revisão dos termos da concessão por aforamento do terreno em causa;
* No Acórdão ficou assente nomeadamente a seguinte factualidade e foram tecidas as seguintes razões de direito da condenação:
204. Consoante os despachos n.º 36/SATOP/93 e n.º 72/SATOP/96 da SSOPT, publicado em 15 de Março de 1993 e 5 de Junho de 1996 pelo Governo Português em Macau, foi autorizada a construção de um prédio com 18 andares para uso residencial, comercial e de estacionamento sobre o terreno localizado na Rua XX n.º XX (vulgarmente designado por Fábrica de C).
205. No início do ano 2004, Lam Wai decidiu, em nome da A, Limitada, construir um prédio que não estaria conforme os padrões fixados no Despacho n.º 72/SATOP/96 para a construção de prédios no terreno acima referido.
206. Em 23 de Março de 2004, Lam Wai e outro, em nome da A, Limitada, entregou directamente o pedido e o plano do estudo preliminar do projecto ao Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pedindo alargar dez vezes maior o plot ratio do terreno em causa, a fim de poder estabelecer ali o prédio que não estaria em conformidade com o padrão fixado no despacho acima referido.
207. No mesmo dia, o arguido Ao Man Long proferiu o despacho: “À DSSOPT para dar seguimento”.
208. Até Junho do ano de 2004, o Departamento de Planeamento Urbanístico, não analisou ainda o referido pedido de Lam Wai, nem apresentou propostas para isso.
209. Para o pedido ser autorizado pelo Governo de Macau, Lam Wai resolveu aproveitar o poder e a influência do arguido Ao Man Long, para, através dele, interferir no respectivo processo administrativo de autorização da DSSOPT, dando-lhe certo benefício a título da retribuição.
210. Depois, Lam Wai combinou com o arguido Ao Man Long para este intrometer e influir no respectivo processo administrativo de apreciação e autorização da DSSOPT, utilizando o seu poder para o seu pedido ser autorizado, prometendo pagar-lhe uma quantia de HKD2.000.000,00.
1.2 Os crimes de corrupção passiva imputados ao arguido – os doze assuntos ligados a Lam Wai
O arguido foi acusado pelo Ministério Público pela prática de 19 crimes de corrupção passiva para acto ilícito previstos e punidos pelo art.º 337.º, n.º 1 do CP, que incidem sobre oito dos doze assuntos ligados a Lam Wai. Os restantes quatro assuntos correspondem aos quatro crimes de abuso de poder previstos e punidos pelo art.º 347.º do CP. Em relação a estes quatro crimes de abuso de poder, o tribunal já notificou o arguido de que são passíveis de integrar nos tantos crimes de corrupção passiva para acto ilícito. Por isso, analisamos agora os doze assuntos ligados a Lam Wai, sob o prisma do crime de corrupção passiva para acto ilícito (factos provados n.º 15 a 284).
São seguintes os respectivos assuntos:
… …
9. Projecto da obra de construção na Travessa XX n.º XX (vulgarmente designado por Fábrica de C);
… …
Nos assuntos de n.º 1, 9, 11 e 12, o arguido aceitou e recebeu os numerários de dólares de Hong Kong prestados por Lam Wai.
No entanto, nos referidos onze assuntos ligados a Lam Wai, mostra-se claramente que Lam Wai já tinha acordado com o arguido de que entregava primeiro os requerimentos directamente no Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, para o arguido proferir logo despacho de deferimento nestes requerimentos, exercendo assim pressão sobre a DSSOPT, no sentido de que esta, nos procedimentos em que se tratam os requerimentos em causa, elabora as análises técnicas e pareceres de apreciação de conteúdo favorável ao deferimento dos referidos assuntos, sem cuidar da regulamentação legal e da exigência técnica. Tudo no sentido de facilitar ao arguido, na qualidade do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a proferir parecer ou decisão de deferimento final, realizando assim os actos no âmbito das suas funções que tinha de fazer a fim de obter a contrapartida de interesse prestada por Lam Wai.
Por meio de inversão dos trâmites do procedimento de apreciação administrativa, o arguido proferia logo despachos claramente com determinado sentido. O exame técnico e administrativo dos requerimentos perdeu assim o inerente efeito de controlo, tornando antes em fundamentos para o deferimento do respectivo requerimento. O procedimento de apreciação da DSSOPT transformou-se, assim, numa mera aparência, passando a ser o meio de legalização dos requerimentos que faltam base legal ou técnica e o instrumento de angariar interesses do arguido e dos corruptores, perdendo completamente o efeito de poder público de garantir a legalidade no âmbito de solo e obras.
Deste modo, ao lançar despachos de abrir processo e dar seguimento nos referidos onze assuntos, o arguido violou manifestamente os deveres que devia cumprir enquanto Secretário para os Transportes e Obras Públicas, nomeadamente os deveres de imparcialidade e justeza.
Por outro lado, com base nos factos provados, o arguido deu ainda instruções à DSSOPT nos assuntos de n.° 1, 4, 6, 7 e 9, para acelerar a respectiva apreciação e facilitar o deferimento, em consequência da contrapartida de interesses que Lam Wai prometeu prestar. A actuação do arguido demonstra que este não cumpriu os deveres que devia assumir no exercício da sua competência.
Nos referidos onze assuntos ligados a Lam Wai, existem situações de violação manifesta de normas legais no procedimento de apreciação em alguns destes assuntos, para além do mencionado vício de violação da lei.
* Na sequência do trânsito em julgado a condenação incorporada no mesmo Acórdão do TUI, foi por despacho do Senhor Chefe do Executivo da RAEM, datado de 03SET2009, exarado sobre a informação do Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que declarou a nulidade do acima referido despacho de 06OUT2005 que homologou a proposta alteração dos termos do aproveitamento; e
* No momento dos factos, Pedro Chiang (Lam Wai) era sócio e representante da sociedade ora recorrente.
Por razões que vimos supra, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Falta de fundamentação;
2. Violação da lei.
Apreciemos.
1. Falta de fundamentação
A recorrente entende que no despacho ora recorrido é patente a falta de fundamentação.
Para sustentar o seu entendimento, a recorrente a afirma que “de facto, é manifesto que a única fundamentação introduzida pela decisão recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008.”.
Ora, essa afirmação em si já pôs a nu a sem razão da recorrente.
Pois uma coisa é a bondade ou não da fundamentação, outra coisa é a existência ou não da fundamentação.
Ao dizer que “a única fundamentação introduzida pela decisão recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008”, a recorrente está a reconhecer a existência da fundamentação.
O que ela de facto quer dizer com isto é a mera não aceitação das razões de facto e de direito consubstanciada na fundamentação.
Aliás, ao contrário do que defende a recorrente, a proposta sobre a qual foi proferido o despacho ora recorrido contem a seguinte análise e sugestões propostas, que acabaram por ser todas acolhidas:
17. 根據終審法院2009年4月22日有關第53/2008號案件的裁決,前運輸工務司司長於澳門XXX地段(俗稱"牛皮廠")的建築發展項目中受賄作不法行為。(附件15 )
18. 根據《行政程序法典》第122條第2款c)項的規定,構成及源自犯罪的行政行為屬無效行為。根據該法典第123條第2款的規定,可宣告該項行政為無效。(附件16 )
19. 按終審法院在第53/2008號案卷作出的裁判,證實上述的建築發展項目涉及前司長歐文龍受賄而作出的不法行為,因此,行政長官 閣下於2005年10月6日,按第123/2005號土地委員會意見書所述的依據及附於該意見書的合同擬本條款,作出上述土地批給修改的許可行為屬無效,因為根據《行政程序法典》第122條第二款c)項的規定,源自犯罪的行政行為屬無效行為。根據該法典第123條第二款的規定,行政長官 閣下可宣告該項行政行為無效。
20. 由於按《土地法》第125條第二款及《行政程序法典》第120條第三款的規定,上述許可行為在《澳門特別行政局公報》公佈後方產生效力,因此宣告其無效的行為也須在《澳門特別行政區公報》公佈。
21. 《行政程序法典》第172條第一款規定:「訂立行政合同所取決之行政行為無效或可撤銷時,該行政合同亦為無效或可撤銷,且適用本法典之規定」。因此,第13/2006號運輸工務司司長批示所規範的土地批給修改合同也屬無效。
22. 根據2009年7月14日第759/DPU/2009號內部通訊(附件17),城市規劃廳建議宣告前運輸工務司司長於2004年11月15日在第76/DPU/2004號報告書上的批示及跟進續後程序的許可行為無效。
27. 綜上所述,現呈上本報告書予 閣下考慮,並建議如下:
27.1 行政長官根據《行政程序法典》第122條第二款c)項及第123條第二款的規定宣告其於2005年10月6日,按第123/2005號土地委員會意見書所述的依據及附於該意見書的合同擬本條款,作出上述土地批給修改的許可行為無效,並維持澳門XXX地段的批給受第36/SATOP/93號批示、第72/SATOP/96號批示及第16/2004號運輸工務司司長批示規範,同時按行政程序法典第123條第3款及第8條的規定,容許承批人暫時保留已建成的建築結構,但承批人必須按該區的城市規劃條件進行土地利用;
Eis a fundamentação.
Obviamente não há falta da fundamentação do despacho recorrido.
Não merece portanto essa parte do recurso de mais considerações, é de a julgar improcedente.
2. Violação da lei
Como argumento principal, a recorrente alega que o acto e os actos subsequentes declarados pelo despacho recorrido não constitui qualquer crime e que ao declarar a nulidade desses actos com fundamento no artº 122º/2-c) do CPA, a entidade recorrida está a violar a lei.
Tal como vimos nas conclusões formuladas pela recorrente no petitório do presente recurso contencioso, na óptica da recorrente, como o condenado Ao Man Long naquela decisão do TUI não praticou qualquer acto administrativo no procedimento administrativo da concessão por aforamento do terreno em causa, mas sim o único acto administrativo praticado é o do Chefe do Executivo que homologou o parecer da Comissão de Terras nº 123/2005 e este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo quer do ponto de vista do direito penal.
Aqui a ora recorrente limitou-se a tecer as suas considerações ignorando de todo em todo a matéria de facto provada no processo nº 53/2008 na parte que diz respeito às vicissitudes ocorridas no procedimento administrativo visando a alteração dos termos do aproveitamento do terreno sito na Rua XX.
Ora, basta uma leitura do fragmento da matéria acima transcrita, salta à vista que foi o ex-Secretário Ao Man Long que, em contrapartida do numerário que recebeu de Pedro Chiang, andava a influenciar, orientar e até comandar, directa ou indirectamente e ilicitamente todos os trâmites, os termos e o sentido de cada um dos actos integrantes do procedimento, que culminou com a elaboração de um parecer da sua autoria, sobre o qual o Senhor
Chefe do Executivo lançou o despacho homologando o parecer da Comissão de Terras.
É verdade que se trata de matéria de facto num outro processo.
Todavia, nos termos do disposto no artº 578º do CPC, aqui aplicável por força da remissão expressa do artº 1º do CPAC, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
Não tendo essa matéria sido objecto de impugnação em sede da presente lide recursória, é totalmente oponível à ora recorrente.
Pelo exposto, é de concluir que bem andou o Senhor Chefe do Executivo ao declarar ex oficio a nulidade do seu acto na sequência do trânsito em julgado da condenação do ex-Secretário Ao Man Long.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente pela improcedência do recurso, com a taxa de justiça fixada em 20 UC.
Notifique.
RAEM, 11OUT2012
Presente Lai Kin Hong
Vítor Coelho Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira