Processo nº 730/2012 Data: 11.10.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
SUMÁRIO
A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 730/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M. e art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M.; (cfr., fls. 86 a 96 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 129).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão deste T.S.I. de 13.12.2007, foi, B, ora recorrente, condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de “auxílio a imigração”;
– e, em 13.05.2009, por decisão do T.J.B., operou-se o cúmulo jurídico desta pena com uma outra, de 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses, por “detenção ilícita de estupefacientes para consumo”;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.M. em 23.04.2008, e em 29.07.2012, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 09.10.2014;
– durante a reclusão, manteve o comportamento prisional adequado, tem frequentado o ensino recorrente e tem tido visitas frequentes dos familiares;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família em Macau, possuindo perspectivas de trabalho numa loja de fruta dos pais.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, considerando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida, afirmando também que a decisão recorrida viola o art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M..
Vejamos.
Sob a epígrafe “requisitos da sentença”, prescreve o art. 355° do C.P.P.M. que:
“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e da parte civil;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a pronúncia ou, se a não tiver havido, segundo a acusação ou acusações;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos juízes.
4. A sentença observa o disposto neste Código e na legislação sobre custas em matéria de imposto de justiça, custas e honorários”.
No caso, para além de em causa não estar uma “sentença”, evidente é que não deixou o Mmo Juiz a quo de fundamentar a sua decisão de indeferimento do pedido de liberdade condicional, bastando uma mera leitura à decisão recorrida para assim se concluir.
Pode-se não concordar com a fundamentação exposta, porém, tal não equivale a falta de fundamentação.
Continuemos.
— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 23.04.2008, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.01.2011, Proc. nº 30/2011, de 27.01.2011, Proc. nº 25/2011 e o de 03.03.2011, Proc. n.° 116/2011).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Pois bem, cremos que face à conduta pelo ora recorrente desenvolvida em reclusão, (e aos restantes elementos dos autos), demonstrativa de arrependimento do mesmo, viável parece ser um juízo de prognose favorável no que toca à sua futura conduta.
Quanto à compatibilidade de tal libertação antecipada com a ordem jurídica e paz social, cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
De facto, atento o tipo de crime pelo recorrente cometido, “auxílio à imigração”, cometido aquando do seu exercício de funções como agente de autoridade, importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto. Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Nesta conformidade, e porque não preenchidos os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que negar provimento ao recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente com 4UCs de taxa de justiça.
Macau, aos 11 de Outubro de 2012
(Relator) José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto) Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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