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Processo nº 430/2012 Data: 18.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Transgressão laboral.
“Bónus”.



SUMÁRIO

Comete a infracção p. e p. pelo art. 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, o empregador que não efectuar o pagamento de um “bónus” prometido pagar ao trabalhador por altura do Ano Novo Chinês.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 430/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar a “B JOGOS MACAU S.A.” pela prática de uma contravenção ao art. 77° da Lei n.° 7/2008 (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$7,000.00, e no pagamento de MOP$5,690.00 a C; (cfr., fls. 163-v a 164 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada a arguida recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença que condena a Recorrente pela prática de uma contravenção laboral prevista e punida nos artigos 77.º e 85.º, n.º 3, alínea 5 da Lei n.º 7/2008, na pena de MOP$7.000,00 e no pagamento à queixosa C de uma indemnização no montante total de MOP$5.690,00, acrescido de juros legais a contar da sentença, isto porque à Queixosa não foi paga qualquer importância a título de bónus relativamente ao ano de 2010;
2. Na sentença recorrida considerou-se que existiria um direito ao percebimento da quantia de MOP$5.690,00 corresponde a uma obrigação de pagamento de bónus da Recorrente devida à Queixosa. Não tendo essa quantia sido paga violou-se o disposto no artigo 77.º da Lei n.º 7/2008, diz-se na sentença recorrida;
3. A questio iuris no presente consiste em saber se existia efectivamente in casu um direito legalmente tutelado da Queixosa em receber uma quantia pecuniária a título de bónus;
4. Na sentença recorrida, a passo algum é feita uma caracterização jurídica aceitável desta suposta obrigação de pagamento. Não refere a sentença qual a fonte da invocada obrigação de pagamento, se a lei se o contrato de trabalho se um documento junto aos autos abundantemente referido no corpo da sentença;
5. Está assim a sentença ora posta em crise eivada do vício da falta de fundamentação, tendo-se assim violado o disposto no artigo 355.º, n.º 2 do CPP;
6. O certo é que a lei de Macau não prevê a obrigatoriedade de pagamento por parte do empregador de um bónus anual;
7. Por outro lado, da relevante cláusula no contrato de trabalho resulta que não se contrata qualquer direito ao bónus anual e se deixa absolutamente no poder discricionário no empregador a decisão de pagar ou não tal bónus anual;
8. No contrato prevê-se a possibilidade de em certas condições e sujeito ao poder discricionário da Recorrente a Queixosa poder vir a receber um bónus anual numa cláusula que simplesmente assinala a possibilidade de o trabalhar poder vir a beneficiar de um bónus;
9. Do texto da cláusula resulta que tal bónus, a ser atribuído, ficará sempre depdendente da decisão discricionária da parte empregadora, que se pode basear desde logo na sua apreciação do desempenho profissional do trabalhador (e em factores como a circunstância de este estar ou não em situação de pré-aviso para cessação da relacção laboral, como ocorreu in casu) nos termos das regras em vigor na empresa, relevantes para a atribuição ou não atribuição do bónus;
10. Todos estes factores são poderados até à altura do pagamento do bónus, nos anos em que este é atribuível (pois nem isso é garantido, como já sucedeu em anos em que nem sequer foi atribuído bónus a qualquer trabalhador, por decisão do empregador) e sempre até à altura do seu pagamento, por volta do Ano Novo Chinês;
11. Na referida cláusula prevê-se ainda, não é demais repeti-lo, para desfazer o equívoco que perpassa por toda a sentença recorrida e a sua (falta de) fundamentação, que as regras relacionadas com o bónus estão na total discricionariedade da Recorrente, podendo a mesma alterá-las nos termos que entender. Isto até à data em que efectivamente o bónus é (ou não) pago;
12. No sentido de que as regras respeitantes à atribuição do bónus estabelecidas pelo empregador funcionam como condições de elegibilidade ou não do trabalhador para receber o bónus, em particular a circunstância de o trabalhador não ter apresentado comunicação para rescisão do contrato de trabalho até à data de pagamento do bónus, veja-se a douta sentença datada de 22.11.2011, proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau, 2° Juízo Criminal, no âmbito do Processo n.º CR2-11-0047-LCT;
13. Do supra resulta que a atribuição do referido Bónus não pode ser configurado, como erradamente subjaz à decisão ora posta em crise, como um direito atribuido contractualemente ao trabalhador;
14. O pagamento ou não pagamento do bónus por parte da entidade empregadora aos seus empregados assenta exclusivamente numa decisão unilateral, discricionária, não sindicável, sem carácter de norma que garante um direito a uma prestação pecuniária, que esta inexoravelmente tem nos termos contratados com os empregados;
15. É assim totalmente errada, salvo o devido respeito, a ideia que prepassa por toda a sentença recorrida de que estaria a Recorrente obrigada, força de lei ou do contrato de trabalho (a sentença não esclarece) a proceder ao pagamento do bónus;
16. Este bónus nunca teve, nem tem carácter regular ou periódico, dada a sua natureza discricionária e já houve mesmo um ano em que não foi atribuido bonús a qualquer trabalhador da empresa, por decisão discricionária da entidade empregadora;
17. Assim sendo, a invocação na sentença recorrida do disposto no no artigo 77.º da Lei n.º 7/2008 apenas faria sentido se estivéssemos perante uma obrigação por parte da Recorrente de proceder ao pagamento de uma prestação cujo pagamento fosse obrigatório nos termos do contrato ou na lei, o que no caso em apreço não sucede;
18. Por todo o exposto e salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Meretissimo Juiz a quo incorreu num claro erro de interpretação da lei, nomeadamente, do vertido no artigo 77.º da Lei n.º 7/2008, ao considerar que a Recorrente não procedeu ao pagamento da prestação a que alegadamente estava obrigada;
19. Finalmente, e no que toca à carta de 18 de Novembro de 2010, junta aos autos e abundantemente referida na sentença recorrida, resulta da leitura da mesma, trata-se de uma carta emitida pelos Serviços de Recursos Humanos da Recorrente e que foi dirigida a todos os empregados activamente ao serviço nessa data e que se destinava primordialmente a comunicar o aumento (por decisão unilateral da empresa, mais uma vez, mas aqui em beneficio do trabalhador) salarial;
20. Não é referido na carta qualquer montante de bónus até porque se trata de uma carta datada de Novembro de 2010 e o pagamento do bónus ocorreu apenas no final de Janeiro de 2011, como está provado nos autos. Na data em que a carta foi emitida nem se sabia ainda quais os empregados que iriam completar o ano efectivo de trabalho em 2010. Deste modo a invocação deste primeiro parágrafo da carta para daqui se inferir que a carta significa uma revogação do regime contratado quanto ao bónus, transformando a descricionaridade acordada num direito garantido por via da declaração na carta, não pode colher;
21. Mas mesmo admitindo por mera hipótese de raciocínio que essa carta vale juridicamente como uma declaração geradora de uma obrigação para o emitente de realizar uma prestação pecuniária ao destinatário, mesmo assim, nesse cenário que se admite apenas por hipótese de raciocínio, sempre nos termos da alínea c) da cláusula 3 do contrato de trabalho sempre assistiria ainda à Recorrente o direito de unilateralmente, discricionariamente, posteriormente, vir a alterar a sua decisão anterior de pagar o bónus e finalmente não proceder ao pagamento do bónus para algum caso concreto, como sucedeu in casu, porque a Queixosa decidiu por fim à relação laboral, nos termos do direito que lhe assiste nos termos da cláusula sub judice.
Entende a Recorrente que a sente;a ora posta em crise fez errónea e desviante interpretação e aplicação do disposto no artigo 77.º da Lei n.º 7/2008. Acresce que a fundamentação da decisão recorrida, na parte em que deveria justificar o porquê do sustentar-se que existia uma obrigação jurídica de pagamento de bónus pela ora Recorrente é absolutamente inexistente ou pelo menos claramente deficiente. Nessa medida na sentença recorrida violou-se o disposto no artigo 355.º, n.º 2 do CPP
Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada e substituida por outra nos termos da qual a Recorrente seja absolvida da contravenção de que vem acusada e do pagamento de qualquer multa e do pagamento da indemnização arbitrada à Queixosa C.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, no sentido de absolver a Recorrente da prática da contravenção de que vem acusada nos presentes autos, por errada aplicação e interpretação da lei, designadamente, do disposto no artigo 77.º da Lei n.º 7/2008 e, consequentemente, absolver-se a Recorrente da sanção que lhe foi aplicada, revogando-se a decisão de condenação da Recorrente no pagamento da indemnização cível no valor de MOP$5.690,00, acrescido de juros legais a contar da sentença, arbitrada a favor de C”; (cfr., fls. 167 a 173-v).

*

Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:

“1- Dentro dos limites estipulados na Lei de Relações de Trabalho (L.R.T.), Lei n°. 7/2008 de 18 de Agosto de 2008, os empregadores e trabalhadores podem celebrar livremente contratos de trabalho reguladores de condições de trabalho, vigorando o princípio de liberdade contratual (art°. 14° n°. 1 da Lei n°. 7/2008, Lei das relações de trabalho (L.R.T.).
2- Os empregadores e trabalhadores podem acordar cláusulas contratuais dispondo de modo diferente do estabelecimento na Lei de Relações de Trabalho, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as previstas na Lei das Relações de Trabalho. (L.R.T.), ou seja, nada impede que os empregadores e trabalhadores acordar condições de trabalho mais favoráveis que seja estipuladas na lei (L.R.T.) (art°.14° n°. 2 da Lei n°. 7/2008, Lei das relações de trabalho (L.R.T.).
3- É o que acontece nos presentes autos.
4- Conforme o contrato de trabalho celebrado de fls. 115 a 120, no seu ponto 3, estipula que a trabalhadora reúne condições de participar o plano de prémio anual, o chamado Annual Bonus Plan.
5- O prémio anual é uma condição mais favorável acordada pela recorrente e a trabalhadora.
6- Que é uma remuneração de modalidade variável. (art°. 58° n°. 1 da Lei de Relações de Trabalho).
7- Nos termos do art°. 2° n°. 5) “Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por: “Remuneração variável, todas as prestações não periódicas pagas casuisticamente pelo empregador, nomeadamente subsídios, prémios e comissões que tenham natureza de gratificação, bem como as gorjetas cuja cobrança seja incontrolável pelo empregador.”
8- A fonte de obrigação do prémio anual resulta do contrato.
9- No caso presente, conforme a carta de 18 de Novembro de 2010, de fls. 126, o prémio anual (bonus) foi já confirmada pela recorrente, sem que a carta se estabelece qualquer condição de pagamento.
10- Nem foi verificada qualquer condição de pagamento no referido contrato.
11- A posterior modificação unilateral do pagamento de prémio anual pela recorrente não foi notificada à trabalhadora, pelo que, não foi produzido qualquer efeito.
12- O não pagamento do prémio anual implica uma violação das condições de trabalho resultante do contrato de trabalho, i.e, a falta de pagamento de remuneração.
13- A recorrente não concorda com a fundamentação exposta na decisão do Tribunal a quo.
14- Como se sabe “Em matéria de fundamentação devem-se afastar-se perspectivas maximalistas, e que o facto de não se concordar com a fundamentação exposta numa decisão não implica que se considere a mesma inexistente.” (acordão de 2011/9/29 Processo 515/2011).
15- Não se verifica quaisquer vícios suscitados pela recorrente”; (cfr., fls. 176 a 180-v).

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Neste T.S.I., e em douto Parecer, considera o Ilustre Procurador Adjunto que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 207 a 208).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Vem dada como provada a factualidade seguinte:

“1. Empregada C (C), titular do BIRPM n.° XXXXXXX(X), residente em Macau, no Istmo ......, Bairro …… Bloco …, andar …°, …, (sic.) telemóvel: XXXXXXXX, contratada pela arguida entre 01/09/2009 e 13/02/2011, como empregada de limpeza do bar, local de trabalho no Casino ...... do Hotel ......, auferindo mensalmente MOP$5,659.
2. A empregada acima referida apresentou em 28/01/2011 uma queixa junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. Para o efeito, a Direcção procedeu uma investigação.
3. A empregada recebeu em 18/11/2010 uma carta, na qual a arguida confirmou o seu direito ao bónus de 2010.
4. Em 12/01/2011, a empregada pediu a demissão à arguida e afirmou que ia trabalhar até 13/02/2011. Cerca de uma semana após o pedido de demissão, a empregada foi notificada, por via telefónica, pelo seu gerente de que a arguida não ia pagar o bónus de 2010 a ela.
5. Em Janeiro de 2011, as colegas da empregada acima referida receberam cartas da arguida, nas quais foram notificadas de que o bónus de 2010 ia ser pago em 331/01/2011. Mas a empregada não recebeu esta carta.
6. Em 27/01/2011, o departamento de recursos humanos do Casino ...... elaborou um aviso, alegando que os empregados qualificados tinham que ser em serviço no dia de pagamento e qualquer empregado que estivesse no período da notificação da desligação do serviço não seria pago do bónus esta vez.
7. A arguida não pagou o bónus no montante de MOP$5,690 (cinco mil, seiscentas e noventa patacas) à empregada acima referida.
8. A empregada confirmou o montante constante na tabela de contabilização e esperou que a arguida fosse julgada pelo Tribunal no pagamento da compensação pecuniária.
A arguida não tem pago a compensação à empregada.
A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente praticando os actos acima referidos, bem sabendo que estes são proibidos pela lei.
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Mais se provou:
A empregada acima referida recebeu em 118/11/2010 uma carta, na qual a arguida confirmou o seu direito ao bónus de 2010 e o bónus equivalia ao seu vencimento de Dezembro de 2010 que ia ser pago durante o ano novo lunar”.

Do direito

3. Vem a arguida “B JOGOS MACAU S.A.” recorrer da decisão que a condenou pela prática de uma contravenção ao art. 77° da Lei n.° 7/2008 (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$7,000.00, e no pagamento de MOP$5,690.00 a C.

Pede a sua absolvição.

Como questões a apreciar, e atentas as conclusões oferecidas a final da sua motivação de recurso, coloca duas: a “falta de fundamentação” da decisão recorrida, e o “erro de direito” (na aplicação do art. 77° da Lei n.° 7/2008).

–– Comecemos pela questão de “falta de fundamentação”.

Vejamos.

No caso dos presentes autos, após decisão quanto à matéria de facto, consignou-se, (no “ponto III”) da sentença recorrida o que segue:

“III. Aplicação de Direito:
Dispõe o art. 77º da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho: (Pagamento)
“O empregador é obrigado ao pagamento total, no prazo de nove dias úteis contados a partir da cessação da relação de trabalho, das importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas a remuneração, indemnizações e outras compensações por direitos vencidos.”
Dispões o art. 85º, n.º 3, al. 5) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho: (Contravenções)
“1. É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) Tratar um trabalhador ou candidato a emprego de forma discriminatória injustificada, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 6.º;
2) Violar as garantias do trabalhador previstas no artigo 10.º;
3) Contratar menor para prestar trabalho, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 27.º e artigo 28.º;
4) Negar, total ou parcialmente, o direito ao gozo da licença de maternidade, em violação do disposto nos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 54.º;
5) Incumbir trabalhadora a desempenhar tarefas em violação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º;
6) Negar, total ou parcialmente, o direito à retribuição, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 62.º e artigo 64.º
2. É punido com multa de $ 10 000,00 (dez mil patacas) a $ 25 000,00 (vinte e cinco mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) Determinar a prestação de trabalho de menores, em violação das proibições previstas no artigo 29.º;
2) Negar, total ou parcialmente, o direito ao descanso, em violação do disposto no artigo 33.º, n.º 3 do artigo 36.º, n.os 1 a 3 do artigo 38.º, n.os 3 e 4 do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.º 3 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 44.º, n.os 1 e 2 do artigo 46.º e artigo 49.º;
3) Incumprir o dever de pagamento da remuneração durante o período da licença de maternidade, em violação dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º;
4) Incumprir as regras sobre o local e a forma de pagamento da remuneração, previstas nos n.os 1 a 5 do artigo 63.º
3. É punido com multa de $ 5 000,00 (cinco mil patacas) a $ 10 000,00 (dez mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) Incumprir o dever de pagamento da compensação por falta de aviso prévio nos contratos de trabalho a termo incerto, previsto no n.º 3 do artigo 24.º;
2) Incumprir as regras de cálculo da remuneração, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º, n.º 2 do artigo 39.º, n.os 1 e 3 do artigo 41.º, n.os 2 e 4 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 45.º e artigo 60.º;
3) Incumprir o dever de pagamento de faltas remuneradas, previsto no n.º 2 do artigo 53.º;
4) Incumprir o dever de compensação das férias não gozadas, previsto no artigo 75.º;
5) Incumprir, total ou parcialmente, o dever de pagamento tempestivo das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, previsto no artigo 77.º.”
***
A convicção do Tribunal baseou-se em:
A empregada C (C) prestou depoimento na audiência, relatando a condição e o tratamento oferecidos pela arguida quando estava contratada pela arguida. Ela alegou ainda que tinha trabalhado pela arguida durante todo o ano de 2010 e que já foi notificada, pela carta da arguida, de que tinha direito ao bónus de 2010 e, por isso, entendeu ela que tinha direito ao bónus de 2010. No entanto, a arguida não lhe pagou o bónus. A empregada pediu ao Tribunal o julgamento da arguida no pagamento da compensação relativa.
O inspector especialista principal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais prestou depoimento na audiência, alegando o decurso da investigação deste caso, os fundamentos e entendimento sobre o não pagamento do bónus feito pela arguida e os fundamentos e regras de contabilização das compensações.
D (D), vice-presidente do departamento de recursos humanos da arguida, prestou depoimento na audiência, confirmando que a companhia tinha pago o bónus de 2010 aos empregados, mas os quais tinham que estar em serviço e não tinham submetido carta de demissão aquando da data do pagamento do bónus. Se não correspondessem a estas condições, a companhia não lhes pagaria o bónus. A testemunha disse que a companhia publicou oralmente as condições e não havia qualquer prova por escrito. A testemunha expressou que não se lembrava quando a companhia publicou as condições. Expressou ainda que era em 31/01/2011 que a companhia pagou o bónus aos empregados. Embora quando a companhia pagou o bónus de 2010 a empregada neste caso ainda trabalhasse na companhia, mas já tinha submetido a carta de demissão, pelo que não tinha direito ao bónus de 2010.
F (F), assessor do departamento de recursos humanos da arguida, prestou depoimento na audiência, confirmando que a companhia tinha pago o bónus aos empregados, mas que os empregados tinham que entrar em serviço antes de Janeiro de 2010, a data do contrato tinha que ser em vigor aquando do pagamento do bónus, os empregados tinham que estar em serviço aquando do pagamento do bónus e não no período da notificação da desligação do serviço. Se não correspondessem estas condições, a companhia não lhes pagaria o bónus. A testemunha disse que a companhia publicou oralmente as condições e não havia qualquer prova por escrito.
G (G), gerente do bar da arguida, prestou depoimento na audiência, confirmando que a companhia tinha pago o bónus ao empregados, mas que os empregados tinham que trabalhar pelo menos três meses no ano 2010, ainda estar contratos pela companhia aquando do pagamento do bónus e não no período da notificação da desligação do serviço. Se não correspondessem estas condições, a companhia não lhes pagaria o bónus. A testemunha disse que o seu superior notificou oralmente, em Dezembro de 2010, os gerentes (incluindo a testemunha) das condições e no mesmo mês, a testemunha convocou os empregados do bar (era incerto se a empregada deste caso estivesse presente) e notificou-os oralmente das condições. Mas nessa altura, a testemunha notificou os empregados apenas das duas condições que “os empregados tinham que trabalhar pelo menos três meses no ano 2010, ainda estar contratos pela companhia aquando do pagamento do bónus”, omitindo a 3ª condição que “não no período da notificação da desligação do serviço”. E depois, em 14/01/2011, a empregada deste caso submeteu-lhe a carta de demissão. A testemunha disse à empregada que se estivesse no período da notificação da desligação do serviço, a companhia não lhe pagaria o bónus de 2010.
A carta constante a fls. 126 dos autos – carte emitida pela arguida à empregada deste caso em 18/11/2011, confirmou expressamente o bónus de 2010 desta empregada.
De acordo com o documento constante a fls. 113 dos autos – em 27/01/2011, o departamento de recursos humanos do Casino ...... elaborou um aviso, indicando que os empregados qualificados deviam ser em serviço na data do pagamento do bónus, e qualquer empregado que estivesse no período da notificação da desligação do serviço não seria pago do bónus dessa vez. No aviso também constava palavras de “faço o favor de manter o aviso postado até 01/02/2011”.
Analisando objectiva e sinteticamente as provas documentais constantes nos autos e os depoimentos prestados pelo inspector especialista principal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, pela empregada e pelas demais testemunhas, formou este Tribunal a convicção.
No documento constante a fls. 113 dos autos contam palavras de “faço o favor de manter o aviso postado até 01/02/2011”. As testemunhas prestadas pela arguida alegaram que de acordo com o aviso da companhia, os empregados tinham que ser em serviço e ainda não submeter a carta de demissão aquando do pagamento do bónus. Se não correspondessem as duas condições, a companhia não lhes pagaria o bónus. Mesmo assim, as testemunhas expressaram que a companhia publicou oralmente as condições e não havia nenhuma prova escrita. Não se provaram na audiência que o aviso foi postado para notificar os empregados, nem para quem foi publicado o aviso, como foi publicado, que teor foi publicado e quando entraria em vigor, etc.. Ademais, o superior da testemunha alegou que não sabia se a empregada estava presente aquando da publicação das condições e que omitiu a condição de “não no período da notificação da desligação no serviço”. Assim, entende este Tribunal que não é provado que quando a empregada pediu demissão, a arguida já tinha publicado todo o teor do aviso aos empregados ou nessa altura já tinha notificado a empregada de todo o teor do aviso. Por isso, entende este Tribunal que o aviso – condições limitativas contra os empregados do recebimento do bónus não tem efeito sobre a empregada neste caso.
Pelo contrário, na audiência já foi provado que a empregada esteve contratada pela arguida por todo o ano 2010. A arguida confirmou que a empregada tinha a qualificação de receber o bónus de 2010. Quando a arguida pagou o bónus de 2010, a empregada ainda estava em serviço, mas não foi paga do bónus. Assim, entende este Tribunal que a arguida deve pagar à empregada acima referida o bónus de 2010.
Em base disso, entende este Tribunal procedente a contravenção “não pagar bónus”, da qual é acusada a arguida, prevista pelo art. 77º da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho e punida pelo art. 85º, n.º 3, al. 5) da mesma lei.
*
Atento aos factos provados e à contravenção da arguida, em conformidade com o critério da determinação da pena, considerando os factos e as circunstâncias relativas à contravenção, o grau da responsabilidade da arguida e a sua capacidade económica, bem como o tempo em que não pagou à empregada o bónus e o consequente montante devido, este Tribunal condena a arguida de:
– uma contravenção “não pagar bónus” prevista pelo art. 77º da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho e punida pelo art. 85º, n.º 3, al. 5) da mesma lei, na pena de multa com MOP 7,000.
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No que diz respeito à indemnização (…)”; (cfr., fls. 161 a 163 e 196 a 203).

E, no que tange ao vício em questão, diz a ora recorrente que “na sentença recorrida, a passo algum é feita uma caracterização jurídica aceitável desta suposta obrigação de pagamento. Não refere a sentença qual a fonte da invocada obrigação de pagamento, se a lei se o contrato de trabalho se um documento junto aos autos abundantemente referido no corpo da sentença”, (concl. n.° 4), afirmando que violado foi o art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M.; (concl. n.° 5).

Pois bem, nos termos do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M.:

“Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Atento o assim estatuído, (e como salienta o Exmo. Magistrado do Ministério Público na sua resposta, sendo de se entender – como o tem feito este T.S.I. – que “em matéria de fundamentação devem-se afastar-se perspectivas maximalistas, e que o facto de não se concordar com a fundamentação exposta numa decisão não implica que se considere a mesma inexistente”), cremos que é de dar por observado o comando do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M..

Reconhece-se que na sentença, e e em termos de fundamentação, adopta o Mmo Juiz do T.J.B. um modelo (algo) diferente do habitual, e que mais se poderia dizer acerca do “porquê” da decisão condenatória.

Todavia, não se pode olvidar que em matérias como as ora em questão não há padrões inalteráveis ou imutáveis, e que de uma leitura à dita fundamentação se colhe, com a razoável e necessária segurança, que a condenação se deveu à “falta de pagamento do bónus pela arguida antes assumido como uma obrigação sua para com os seus trabalhadores”.

Nesta conformidade, e na parte em questão, improcede o recurso.

–– Do “erro de direito”: aplicação do art. 77°da Lei n.° 7/2008.

Ora, idêntica questão foi tratada no âmbito dos Autos de Recurso n.° 550/2012, onde por recente Acórdão deste T.S.I., de 04.10.2012, do ora relator, se decidiu nos termos seguintes:

Preceitua o art. 77° da Lei n.° 7/2008:

“O empregador é obrigado ao pagamento total, no prazo de nove dias úteis contados a partir da cessação da relação de trabalho, das importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas a remuneração, indemnizações e outras compensações por direitos vencidos”.

E preceitua o art. 85° da mesma Lei que:

“1. É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Tratar um trabalhador ou candidato a emprego de forma discriminatória injustificada, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 6.º;

2) Violar as garantias do trabalhador previstas no artigo 10.º;

3) Contratar menor para prestar trabalho, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 27.º e artigo 28.º;

4) Negar, total ou parcialmente, o direito ao gozo da licença de maternidade, em violação do disposto nos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 54.º;

5) Incumbir trabalhadora a desempenhar tarefas em violação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º;

6) Negar, total ou parcialmente, o direito à retribuição, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 62.º e artigo 64.º

2. É punido com multa de $ 10 000,00 (dez mil patacas) a $ 25 000,00 (vinte e cinco mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Determinar a prestação de trabalho de menores, em violação das proibições previstas no artigo 29.º;

2) Negar, total ou parcialmente, o direito ao descanso, em violação do disposto no artigo 33.º, n.º 3 do artigo 36.º, n.os 1 a 3 do artigo 38.º, n.os 3 e 4 do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.º 3 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 44.º, n.os 1 e 2 do artigo 46.º e artigo 49.º;

3) Incumprir o dever de pagamento da remuneração durante o período da licença de maternidade, em violação dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º;

4) Incumprir as regras sobre o local e a forma de pagamento da remuneração, previstas nos n.os 1 a 5 do artigo 63.º

3. É punido com multa de $ 5 000,00 (cinco mil patacas) a $ 10 000,00 (dez mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Incumprir o dever de pagamento da compensação por falta de aviso prévio nos contratos de trabalho a termo incerto, previsto no n.º 3 do artigo 24.º;

2) Incumprir as regras de cálculo da remuneração, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º, n.º 2 do artigo 39.º, n.os 1 e 3 do artigo 41.º, n.os 2 e 4 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 45.º e artigo 60.º;

3) Incumprir o dever de pagamento de faltas remuneradas, previsto no n.º 2 do artigo 53.º;

4) Incumprir o dever de compensação das férias não gozadas, previsto no artigo 75.º;

5) Incumprir, total ou parcialmente, o dever de pagamento tempestivo das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, previsto no artigo 77.º”.

Entendeu o Tribunal a quo que a arguida violou o prescrito no art. 77°, assim a punindo nos termos do art. 85°, n.° 3, al. 5).

E importa atentar que o art. 77° se refere a “importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas à remuneração, indemnização, e outras compensações por direitos vencidos”, afigurando-se-nos de considerar que as quantias que a arguida se comprometeu a pagar por altura do Ano Novo Chinês se integram em tais “importâncias”.

Com efeito, nos termos do art. 2°, n.° 4:

“«Remuneração de base», todas as prestações periódicas em dinheiro, independentemente da sua designação ou forma de cálculo, devidas ao trabalhador em função da prestação do trabalho e fixadas por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por norma legal”.

E, nos termos do mesmo art. 2°, n.° 5:

“«Remuneração variável», todas as prestações não periódicas pagas casuisticamente pelo empregador, nomeadamente subsídios, prémios e comissões que tenham natureza de gratificação, bem como as gorjetas cuja cobrança seja incontrolável pelo empregador”.

Face ao estatuído neste n.° 5, quer-nos parecer que as quantias prometidas, (“bonus”), são passíveis de ser consideradas “prémios”, ou “prestações não periódicas pagas casuisticamente pelo empregador” (…) com “natureza de gratificação”.

E, sendo que estes “prémios” ou “prestações” integram a “remuneração variável”, certo sendo que o art. 77° não faz a distinção entre “remuneração base” e “remuneração variável”, referindo-se apenas a “remuneração”, (e sendo de notar também que nos termos do art. 58°, n.° 1 “a retribuição do trabalho compreende a remuneração de base e a remuneração variável”), motivos não existem para se proceder à sua distinção. Assim, visto está que razões não existem para não se considerar a ora recorrente autora da contravenção ao dito art. 77°, pela qual foi condenada nos presentes autos.

Dest’arte, e censura não merecendo a decisão recorrida, improcede o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 18 de Outubro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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