打印全文
Processo nº 379/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV2-09-0011-LAC, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por B, devidamente id. nos autos, contra a GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, na audiência de julgamento foi pela Ré formulado o pedido de ampliação da base instrutória, pedido esse que foi indeferido pelo seguinte despacho:

---Os factos que a Ré pretende aditar à base instrutória são factos principalmente relativos às condições de trabalho dos outros contratos de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
---Esses factos nunca foram alegados pela Ré na contestação nem em qualquer dos articulados e esses factos não são factos novos, ou seja, ocorridos posteriormente ao momento dos articulados nem os factos de conhecimento posterior por parte da Ré e que por motivo que não se explicou, a Ré não alegou esses factos no momento próprio, ou seja, na contestação.
---- Por força do princípio de concentração, toda a defesa deve ser feita na contestação. O princípio não é permitido a Réu resguardar a defesa para momento posterior com surpresa para a contraparte. A disciplina da regra processual é para se observar com rigor, não tendo a Ré actuado, por negligência ou por intenção, de acordo com a regra processual, há de sujeitar às consequências legais.
---- Em relação aos factos sobre os contratos de prestação de serviço entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., com base na qual o Autor foi recrutado pela Ré, de facto, a Ré reconheceu expressamente os factos alegados pelo Autor na contestação.
---- Com os alegados factos novos efectivamente o que a Ré pretende não é mais de ter por não dito o que tinha admitido na contestação. O que não é admitido sob pena de inutilizar a disciplina da ordem processual.
----Nem se afigura que este caso esteja enquadrado no n.º 1 do art.º 41.° do C.P.T., se bem que por força do princípio da verdade material, seja admissível a ampliação da base instrutória. Os factos em causa devem ser os factos surgidos na produção da prova. Os factos alegados pela Ré não são factos desconhecidos e surgidos na produção de prova, mas os factos trazidos pela Ré com vista a provar com provas eventualmente apresentadas.
---- Nestes termos, indefiro o requerido pela Ré.

Inconformada, a Ré interpôs logo na audiência o recurso desse despacho.

Por despacho ditado para a acta de audiência de julgamento, foi admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida e a Ré veio depois no prazo legal apresentar as alegações de recurso concluindo e pedindo que:

CONCLUSÕES
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede, apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
II. Em face dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 29/08/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 351) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu, deveria aquele douto Tribunal deferir a pretensão da ora Recorrente e proceder à ampliação da base instrutória nos termos requeridos, ou noutros que considerasse mais apropriados.
III. A ampliação da base instrutória nos termos requeridos não comportaria qualquer desvio ao principio da concentração.
IV. Se é certo que, ao autor cabe o ónus de alegar os factos constitutivos do direito que pretende valer na acção, ou seja, os factos que integram a causa de pedir, e que ao réu cabe o ónus de alegar os factos em que baseia a sua defesa, e que o juiz, ao decidir, só pode em princípio atender a estes factos, também é certo que esse princípio não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho.
V. O douto Tribunal a quo não se debruçou minimamente sobre a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi requerido pela ora Recorrente, tendo-se limitado, a lançar mão de princípios processuais em detrimento do direito substantivo que se visa aplicar e alcançar, sendo que a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere a lei processual laboral (artigo 41.º, n.º 1 do CPT),
VI. Em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz são mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil, permitindo-se ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele.
VII. O facto da matéria em apreço nunca ter sido alegada de forma suficientemente explanatória por nenhuma das partes em sede dos seus articulados, não deve prejudicar a tarefa do Tribunal a quo em alcançar a verdade material e uma justa solução para o litígio que lhe foi apresentado, para o que estaria melhor apetrechado caso deferisse a ampliação da matéria de facto nos termos requeridos pela ora Recorrente.
VIII. O juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
IX. A verdade material foi proclamada como um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados.
X. Seria assim de extrema relevância saber-se ao abrigo de que Contratos de Prestação de Serviços o Autor permaneceu ao serviço da Ré de 27 de Fevereiro de 1993 a 31 de Maio de 2008, para, a partir das condições salariais estipulados nos mesmos, na hipótese de o douto Tribunal a quo os considerar fonte de direitos para o Autor, calcular os montantes a que este terá eventualmente direito por contraposição aos seus contratos individuais de trabalho.
XI. Na verdade, o Autor formulou um pedido com expressão numérica e monetária e que se encontra impugnado e a prova desse pedido (e desses valores) terá que ter em consideração elementos de prova dos quais resulte o mesmo, pelo que, não se tendo apurado ao abrigo de que contratos de prestação de serviço celebrados entre a Recorrente e Agência de Emprego o Autor permaneceu ao serviço da Ré e estando impugnado o valor peticionado, o Tribunal não poderá condenar a Ré com base na simples alegação do Autor, necessitando de título do qual resulte essa pretensa obrigação.
XII. Sendo os factos que constam da Base Instrutória (e a sua correlação com os documentos) insuficientes para suportar o pedido, impunha-se, não havendo oposição da Recorrente (que deveras a requereu), a ampliação da base instrutória por forma a permitir a descoberta dessa verdade obscura de saber que contratos de prestação de serviços afinal vigoraram durante o período que o Autor esteve ao serviço da Recorrente e que valores os mesmos reflectem.
XIII. Nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPT, e ao contrário daquilo que é afirmado na decisão ora sob recurso, a ampliação da base instrutória não necessita de ser decorrente do surgimento de factos supervenientes - factos novos, ou seja, ocorridos posteriormente ao momento dos articulados ou factos de conhecimento posterior por parte da Ré -, mas sim de factos relevantes.
XIV. Se assim fosse, não teria razão de ser a norma especial constante do artigo 41.º, n.º 1 do CPT, podendo sempre, quantos ao factos supervenientes, o Tribunal a quo no âmbito de uma acção laboral lançar mão da regra geral de processo civil e ampliar a base instrutória.
XV. A matéria confessada pela Ré, ora Recorrente, em sede da sua contestação e espelhada na especificação elaborada no âmbito dos presentes autos, não é de forma alguma contraditória com os factos cujo aditamento a ora Recorrente requereu e sendo verdadeiros os factos constantes da especificação, nem pretendeu a Recorrente formular qualquer nova excepção relativamente a qualquer facto anteriormente confessado.
XVI. O que está em causa, isso sim, é a total omissão de título ou documento que suporte o pedido do Autor referente aos anos que ultrapassem a validade dos contratos de prestação de serviços mencionados na especificação.
XVII. Não resulta de parte alguma da Base Instrutória ou Factos Assentes qual terá sido o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente e nem ao abrigo de qual ou de quais o mesmo se manteve ao seu serviço entre Fevereiro de 1993 e Maio de 2008.
XVIII. Para além de relevantes, os factos cujo aditamento se requereu, em nada contraditórios com o alegado pelas partes em sede de articulados, seriam, como supra se disse, essenciais para suportar o pedido do Autor.
XIX. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.º1 do Código de Processo do Trabalho.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho sub judice ser revogado e substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela ora Recorrente.
Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu o Autor pugnando pela total improcedência – vide as fls.431 a 449 dos p. autos.

Continuou a marcha processual na sua tramitação normal, veio a final proferir a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

I) RELATÓRIO
   B, de nacionalidade filipina, titular do passaporte filipino n.º UU05XXXXX, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 2 de Março de 2007, residente na Rua ……, n.º …, edifício ……, …º andar …, Macau, veio intentar a presente

   Acção de Processo Comum do Trabalho contra

   Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança - Limitada (衛安(澳門)有限公司), com sede na Avenida ……, …, edifício Industrial ……, Fase …, …º andar …, Macau, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 25.
   Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) A quantia de MOP$136,920.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) A quantia de MOP$49,420.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré pelo trabalho extraordinário prestado ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) A quantia de MOP$83,685.00, a título de subsídio de alimentação devido e não pago, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
d) A quantia de MOP$66,960.00, a título de subsídio de efectividade devido e não pago, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
e) A quantia de MOP$13,140.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
f) A quantia de MOP$6,570.00, relativa à falta de gozo de um dia de descanso compensatório que o Autor deveria ter gozado pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
g) Em custas e procuradoria condigna.
***
   Juntou os documentos constantes de fls. 28 a 86.
*
   A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 117 a 139 dos autos.
   Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
   Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
***
   O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente.
   O processo é próprio.
   As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
   Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
   Repara-se, agora, que existe uma discrepância pequena relativa à data do início da relação de trabalho entre os factos constantes na alínea G) dos factos assentes (27 de Fevereiro de 1993) e nas alíneas N) e T) bem como na resposta ao quesito 16º da base instrutória (22 de Fevereiro de 1993).
   Atentos os factos alegados pelas partes, verifica-se que a discrepância se resulta de mero erro de escrito na elaboração de saneador. Pois, na p.i., foi descrito no art.º 9º que o autor esteve ao serviço ao ré, entre 22 de Fevereiro de 1993 e 31 de Maio de 2008, facto este foi admitido por esta.
   E nos articulados, nenhuma das partes chegou a alegar facto quanto à data de 27 de Fevereiro de 1993. Assim sendo, a data de início de trabalho constante da alínea G) dos factos assentes devia ser 22 e não 27 de Fevereiro de 1993.
   Por se tratar de manifesto erro de escrito, não se vê obstáculo para proceder oficiosamente à sua correcção nesse momento, até que, por razão de lógica, se impunha a tal correcção.
***
II) FACTOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
   A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
   A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
   A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dos factos assentes)
   Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
   Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (alínea E) dos factos assentes)
   A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
   Entre 22 de Fevereiro de 1993 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea G) dos factos assentes)
   Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
   Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea I) dos factos assentes)
   Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea J) dos factos assentes)
   O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alínea K) dos factos assentes)
   O Autor foi convidado a assinar outros cinco contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
   Os cinco contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alínea M) dos factos assentes)
   Entre 22 de Fevereiro de 1993 e 30 de Setembro de 1995, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.500,00 mensais. (alínea N) dos factos assentes)
   Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a titulo de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
   Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais. (alínea P) dos factos assentes)
   Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
   Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea R) dos factos assentes)
   Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alínea S) dos factos assentes)
   Para o período de 22 de Fevereiro de 1993 a 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora. (alínea T) dos factos assentes)
   Para o período de Julho de 1997 a Junho de 1999, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea U) dos factos assentes)
   Para o período de Julho de 1999 a Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea V) dos factos assentes)
   Para o período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora. (alínea W) dos factos assentes)
   Para o período de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alínea X) dos factos assentes)
   Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea Y) dos factos assentes)
   Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora. (alínea Z) dos factos assentes)
   A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
   O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
   A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 3º da base instrutória)
   Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
   Aquando do início da prestação de trabalho do Autor para a Ré, esta apresentou àquele um contrato individual de trabalho cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor. (resposta ao quesito da 5º da base instrutória)
   Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré facultou ao Autor uma cópia dos contrato de prestação de serviço. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória)
   O Autor só teve conhecimento do conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços assinados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau já depois de cessada a relação a relação de trabalho com a Ré., mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, facultada a pedido do Autor em Julho de 2008. (resposta ao quesito da 7º da base instrutória)
   Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória)
   Nem sempre o montante do salário constante dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor correspondem aos valores efectivamente pagos ao Autor pela Ré a título de salário. (resposta ao quesito da 9º da base instrutória)
   Entre 22 de Fevereiro de 1993 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 1 hora de trabalho extraordinário nas segunda-feiras a sexta-feiras e 4 horas de trabalho extraordinário nos sábados e domingos. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
   Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o Autor fez 1 hora de trabalho extraordinário nas segunda-feiras a sexta-feiras e 4 horas de trabalho extraordinário nos sábados e domingos. (resposta ao quesito da 11º da base instrutória)
   Entre Julho de 1999 e Junho de 2002, o Autor fez 3.341 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
   Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 33,75 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória)
   Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 1.895,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
   Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 26,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
   Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 202 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
   Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
   Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
   Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
   Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 20º da base instrutória)
   Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 21º da base instrutória)
   Entre 13 de Abril de 2000 e 15 de Janeiro de 2002, o Autor somente por 15 vezes descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento. (resposta ao quesito da 22º da base instrutória)
   Sem que a Ré tivesse proporcionado qualquer acréscimo no salário do Autor. (resposta ao quesito da 23º da base instrutória)
***
III) FUNDAMENTOS
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Atentas as posições tomadas pelas partes, são seguintes questões essenciais a decidir nos presentes autos:
a) Caracterização do contrato celebrado entre A. e R;
b) Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e os efeitos jurídicos na relação jurídica existente entre o A. e a R;
c) As indemnizações a que o autor tem direito sobre a Ré:
i. Diferenças salariais;
ii. Horas extraordinárias;
iii. Subsídios de alimentação;
iv. Subsídios de efectividade;
v. Compensação pelos trabalhos prestados em dias de descanso semanal.

   Caracterização do contrato celebrado entre o autor e a ré
   Nos termos do art°1079°, n°1 do C.C., “contrato do trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
   Flui desse preceito que são elementos do contrato de trabalho: a prestação da actividade; a subordinação jurídica e a retribuição.
   A prestação da actividade a que o trabalhador está obrigado consiste em actuar ou colocar-se na disponibilidade do empregador por forma a que este possa, conjugando essa faculdade com os outros meios de produção, obter o resultado pretendido.
   Conforme os factos assentes, ficou demonstrado que, entre 22 de Fevereiro de 1993 e 31 de Maio de 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções “guarda de segurança”, trabalhando sobre as ordens, direcção, instrução e fiscalização da ré, era a ré quem fixava o local e horário de trabalho do autor, de acordo com as sua exclusivas necessidades, pela contraprestação, foi a ré quem pagou o salário ao autor.
   Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o autor e a ré.
***
   Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e os efeitos jurídicos na relação jurídica existente entre o A. e a R.
   O autor pretende que seja retribuído pelas actividades prestadas à ré de acordo com as condições mínimas fixadas nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau.
   Sobre essa matéria, ficaram provados os seguintes factos:
   “A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros.
   A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros.
   A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: n.º 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, em 27 de Dezembro de 1994.
   Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré.
   Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré.
   A Ré apresentou juntou da entidade competente, máxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, copia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.”
   Estamos perante um contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, nos termos do qual esta recrutará trabalhadores não residentes a favor daquela e se estipulam as condições remunerátórias mínimas que a Ré se obriga a atribuir aos trabalhadores recrutados por essa sociedade e afectados aos serviços da Ré.
   Esse contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda poderá ser qualificado como contrato a favor de terceiro?
   Vejamos
   Dispõe-se o art°437° do C.C. que:
   “1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
   2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.”
   Ensina-se o Prof. Antunes Varelas, o contrato a favor de terceiro é o contrato em que um dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual. (Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 7ª Edição, pág.393)
   O contrato a favor de terceiro pode ser definido como o contrato em que uma das partes (o promitente) se compromete perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (o terceiro). ( L.Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol.I., pag 249)
   No contrato a favor de terceiro, existem três elementos pessoas, dois contraentes, ( o promitente e o promissório) e o beneficiário.
   No caso em apreço, verificam-se esses três elementos pessoais. Portanto, a Ré promete perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau a contratar trabalhadores não residentes que venham a ser recrutados por esta com as condições mínimas remuneratórias aí estipuladas, assim, a Ré adquire a qualidade de promitente enquanto a Sociedade a de promissório. Os trabalhadores não residentes recrutados por essa Sociedade a favor da Ré, incluindo o autor é entendido como beneficiário.
   Discuta-se a questão a saber se a obrigação de contratar alguém com certas condições salariais pode ser qualificada como realização de uma prestação.
   Sobre essa questão, as jurisprudências têm pronunciado, de forma unânime, nos processos congéneres, no sentido de dar emprego, a alguém ou contratar alguém, nas determinadas condições é uma prestação de facere e que qualificar o contrato celebrado entre a ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada como contrato a favor de terceiro.
   “Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas. (Acórdão do T.S.I., Processo n°574/2010, de 19 de Maio de 2011)
   Portanto, através do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ré obrigou-se não só a empregar os trabalhadores recrutados por aquela sociedade mas também os empregar nas condições aí estipuladas. O que não deixa de ser entendida como uma prestação de facto exigida à Ré por força de tal contrato de prestação de serviços.
   Verificados os requisitos essenciais, é de concluir que o contrato de prestação de serviços celebrados entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau é um contrato a favor de terceiro.
   Os efeitos jurídicos de contrato na relação laboral entre a Autor e a Ré.
   De acordo com do disposto do n°1 do art°438° do C.C., “O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação.”
   Caracterizado o contrato de prestações de serviço como contrato a favor de terceiro, o autor, sendo beneficiário deste contrato, adquire o direito imediatamente à prestação ( direito a ser empregado pela Ré nas condições estipuladas no referido contrato), dispensando-se qualquer outra declaração negocial.
   Assim, o autor tem direito de ser recrutado pela Ré e nos mesmos termos em que se estipulam no contrato de prestação de serviços.

   As indemnizações a que o autor tem direito sobre a Ré
i. Diferenças salariais
   Vem o autor a reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais que recebeu entre o período 22 de Fevereiro de 1993 e Dezembro de 2006 e o que foi estipulado nos contratos de prestação de serviço.
   Segundo as condições fixadas nos contratos de prestação de serviço, o autor tem direito ao salário, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês.
   Está provado que a Ré pagou ao autor, a título de salário mensal, nos seguintes períodos as quantias:
- De Fevereiro de 1993 a Setembro de 1995----MOP$1.500,00
- De Outubro de 1995 a Junho de 1997----MOP$1.700,00
- De Julho de 1997 a Março de 1998----- MOP$1.800,00
- De Abril de 1998 a Fevereiro de 2005----- MOP$2.000,00
- De Março de 2005 a Fevereiro de 2006----- MOP$2.100,00
- De Março de 2006 a Dezembro de 2006----- MOP$2.288,00
   Está registada uma diferença entre o salário mensal efectivamente pago pela Ré ao autor pelo trabalho prestado e o salário mínimo clausulado nos contratos de prestações de serviço de cada período:
- De Fevereiro de 1993 a Setembro de 1995----MOP$1.200,00
- De Outubro de 1995 a Junho de 1997----MOP$1.000,00
- De Julho de 1997 a Março de 1998----- MOP$900,00
- De Abril de 1998 a Fevereiro de 2005----- MOP$700,00
- De Março de 2005 a Fevereiro de 2006----- MOP$600,00
- De Março de 2006 a Dezembro de 2006----- MOP$412,00
   O autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a formula: número dos meses de cada período (A) x a diferença salarial (B) :

Períodos
Meses

(A)
Diferença salarial
(B)
Quantia
indemnizatória
A x B
22/02/1993
a
30/09/1995
31 meses 7 dias
MOP$1,200.00
MOP$37,480.00
Out/95
a
Jun/97
21
MOP$1,000.00
MOP$21,000.00
Jul/97
a
Mar/98
9
MOP $900.00
MOP$8,100.00
Abr/98
a
Fev/05
83
MOP $700.00
MOP$58,100.00
Mar/05
a
Fev/06
12
MOP $600.00
MOP$7,200.00
Mar/06
A
Dez/06
10
MOP $412.00
MOP$4,120.00




Total :
MOP$136,000.00

ii. Horas extraordinárias
   O autor vem reclamar ainda o pagamento da diferença do salário, a título de horas extraordinárias, calculado entre o que lhe era devido de acordo com o salário clausulado nos contratos de prestação de serviços e o que lhe foi efectivamente pago pela Ré, com um acréscimo de uma pataca por cada hora extraordinária.
   De acordo com os factos assentes, o horário de trabalho do autor é de 8 horas, assim, as horas para além do período normal de trabalho, são consideradas como horas extraordinárias.
   Conforme se dispõe o n°2 do art°11° do D.L. n°24/89/M, pela prestação de trabalhos extraordinários, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.
   Quanto ao acréscimo de uma pataca, o autor só justifica por dever acrescer um diferencial especial.
   Cremos que não lhe assiste qualquer razão o tal acréscimo, por carecer de qualquer base legal e não se mostrar que havia qualquer acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, pelo que há de improceder esse pedido de acréscimo de MOP$1.00 por hora.
   Porém, como entendemos que a Ré se obrigava a pagar ao autor um salário diário de MOP$90.00, a remuneração por cada hora de trabalho extraordinário devia ser calculado com base na remuneração por hora de MOP$11,25, correspondente a MOP$90,00/8 horas.
   Assim, nos períodos de trabalho em que o autor apenas foi retribuído pela quantia inferior de MOP$11,25 por cada hora extraordinária, este tem direito ao pagamento das indemnizações resultantes da diferença entre o que foi efectivamente remunerado por cada hora extraordinária e a quantia que devia ser pago à razão de MOP$11,25.
   Refere-se ainda que nos períodos entre 22 de Fevereiro de 1993 a Junho de 1997 e entre Julho de 1997 a Junho de 1999, como ficou provado que o autor prestou 1 hora extraordinária por dia nos dias de semana e 4 horas de trabalho extraordinário nos sábados e domingos nesses períodos, o número das horas extraordinárias é calculado com a fórmula de: número de horas extraordinárias = número de dias de semana nesses períodos x 1 + número de dias de sábado e de domingo nesses períodos x 4.
   Porém, no que respeitante aos períodos entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 e entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo autor à razão de MOP$11,30 e MOP$11,50 por hora, respectivamente, valores estes já eram superiores a MOP$11,25, não havendo nenhuma diferença que é devida ao autor, pelo que o autor não tem direito a receber mais.
   Assim, o autor tem direito a pagamento das indemnizações resultantes de seguinte fórmula: número de horas extraordinárias x diferença salarial por hora:
   (dias de semana)
   
   
Períodos
Dias

Número de Horas
extraordinárias

(A)
Salário que o autor recebeu por cada hora extraordinária
(B)
Diferença
salarial*

(C)

Quantia
indemnizatória

A x C
22/02/1993 a 30/06/1997
(dias de semana)
1136
(1136x1)
1,136.00
MOP$8.00
MOP$3.25
MOP$3,692.00
22/02/1993 a 30/06/1997
(sábados e domingos)
454
(415x4)
1,816.00
MOP$8.00
MOP$3.25
MOP$5,902.00
22/02/1993 a 30/06/1997
(dias de semana)
522
(522x1)
522.00
MOP$9.30
MOP$1.95
MOP$1,017.90
22/02/1993 a 30/06/1997
(sábados e domingos)
208
(208x4)
832.00
MOP$9.30
MOP$1.95
MOP$1,622.40
Jul/1999
a
Jun/2002


3,341.00
MOP$9.30
MOP$1.95
MOP$6,514.95
Jul/2002
a
Dez/2002


33.75
MOP$10.00
MOP$1.25
MOP$42.19
Jan/2003
a
Fev/2005


1,895.50
MOP$11.00
MOP$0.25
MOP$473.88
Mar/2005
a
Fev/2006


26.50
MOP$11.30
(>$11.25)
 
Mar/2006
a
Dez/2006


202.00
MOP$11.50
(>$11.25)
 






Total :
MOP$19,265.31
* C =
$11.25
- B
***
iii. Subsídios de efectividade
   Conforme os contratos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, o autor tem direito a um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço.
   Está provado que nunca o autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho e que nunca a Ré atribui ao autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade.
   Como ficou demonstrada a condição de que dependia a atribuição de subsídio, que é não deu qualquer falta ao serviço, assiste ao autor o direito de receber tal subsídio, calculado por 4 dias de salário, à razão de MOP$90,00 por dia, por cada mês que o autor trabalhou para a Ré.
   
Período
Meses

A
Retribuição diária
B
Quantia
indemnizatória
A x B x 4
22/02/1993
a
31/05/2008
183 meses 7 dias
MOP$90.00
MOP$65,970.00
***
iv. Subsídios de alimentação
Conforme os contratos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, os trabalhadores recrutados por esta e afectados à Ré, teria quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação.
   Portanto, o autor tem direito a auferir uma quantia diária de MOP$15,00, a título de subsídio de alimentação durante a relação laboral mantida com a Ré.
   Está provado que a Ré nunca pagou qualquer quantia a título de alimentação, há de julgar procedente o pedido de subsídio de alimentação, pois sendo dever da Ré como entidade patronal e não cumpriu o seu dever, tem o autor o direito a receber os subsídios que não lhe foram pagos durante toda a relação laboral.
   Assim, o autor tem direito de receber o subsídio de alimentação calculado pela fórmula de: número de dias de trabalho de toda a relação laboral x MOP$15,00
   
Período
Números de dias
A
Subsídio diário
B
Quantia
indemnizatória
A X B
22/02/1993
a
31/05/2008
5,578
MOP$15.00
MOP$83,670.00
   ***
v. Descansos Semanais
   Por último, o autor reclama o crédito resultante de compensação pecuniária pelos trabalhos prestados em dias de descanso semanal não gozado no período de 13 de Abril de 2000 e 15 de Janeiro de 2002.
   O regime jurídico aplicável.
   Não obstante o disposto da alínea d) do n°2 do D.L. n°24/89/M, ao presente caso é aplicável o disposto previsto no art°17° do aludido decreto-lei, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o autor e a ré, tendo em conta o período de prestação de serviço que está em causa.
   Nos termos do art°17°, n°1 e n°4 do D.L. n° 24/89/M:
   “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dais, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição
   4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, os trabalhadores tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.”
   Prevê-se no n°6 do mesmo artigo, na redacção dada pelo D.L. n°32/90/M,
“a) o trabalho prestado em dias de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição mensal;
    b) aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.”
   Face ao regime diferente de retribuição, releva-se saber se o autor auferia um salário mensal ou um salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
   Da factualidade apurada, a Ré pagou sempre ao autor mensalmente uma quantia fixa, está demostrado que ao autor era pago um salário mensal.
   Portanto, ao presente caso deve aplicar o disposto da alínea a) do n°6 do art°17° do RJRL, ou seja, os trabalhos prestados em dias de descanso semanal será pago pelo dobro da retribuição diária.
   Assim, sobre a compensação do trabalho prestado voluntariamente pelos trabalhadores nos dias de descanso semanal, tem entendido que os trabalhadores têm direito a um dia de descanso com o pagamento de retribuição, mesmo sem trabalhar e mais o dobro da retribuição pela prestação de trabalho nesses dias.
   O autor foi pago pela Ré pelo trabalho prestado nesses dias em singelo, tem ainda o direito de receber o dobro de retribuição.
   No que tocante ao não gozo de descanso compensatório, o autor vem pedir a indemnização pela falta de atribuição de outro dia compensatório dos descansos semanais não gozados, a Ré excepcionou pela voluntariedade da prestação de serviços nos descansos semanais pelo autor, facto este que não se ficou provado.
   Aliás, nos autos também não se mostra provado o facto de que ao autor não foi compensado outro dia de descanso pela prestação de serviços nos dias de descansos semanais.
   Como não ficou provado facto essencial na qual se assenta o direito reclamado pelo autor, essa parte de pedido há de se julgar improcedente.
   *
   Portanto, pela prestação de serviço de cada dia de descanso semanal, o autor tem direito a receber a quantia calculado de seguinte fórmula: 2 x salário diário x números de dias de prestação de trabalho em descanso semanal.
   Ficou provado que entre o dia 13 de Abril de 2000 e 15 de Janeiro de 2002, o autor só gozou 15 dias de descansos.
   Como se entende que o salário diário que o autor devia receber é de MOP$90,00, tem direito a receber:
   
Periódo
Números de dias de descansos semanais
A
Números de descansos semanais gozados
B

Retribuição diária

C

Quantia
indemnizatória

(A-B) x C x 2
13/04/2000
a
15/01/2002
91
15
MOP$90.00
MOP $13,680.00
   ***
   Juros de mora
   O autor pede ainda a condenação da Ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, mas sem dizer o momento a partir do qual se conta os juros.
   Ao abrigo do disposto do 795° do C.C., “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.” Porém, dispõe-se o n°4 do art°794° que “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
   Conforme os factos articulados e as posições tomadas pelas partes, não é difícil de reparar que estamos perante créditos ilíquidos, cuja liquidação só se efectua com a decisão judicial.
   De acordo com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 02 de Março de 2011, no processo n°69/2010, “a indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.
   Pelo que, a todas as quantias acima referidas devem acrescentar juros de mora, à taxa legal, contados a partir de data da presente sentença.
   *
   Em sumo, o autor tem direito a:
- MOP$136.000.00 , a título de diferenças salariais;
- MOP$19,265.31, a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário;
- MOP$83,670.00, a título de subsídio de alimentação;
- MOP$65,970.00, a título de subsídio de efectividade;
- MOP$13.680.00, pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal.
   
IV) DECISÃO
   Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provado e consequentemente:
a) Condena-se a Ré, Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança - Limitada(衛安(澳門)有限公司)a pagar ao Autor, C, a quantia de MOP$318,585.31 (trezentos e dezoito mil, quinhentos e oitenta e cinco patacas e trinta e um avos), acrescida de juros de mora contado à taxa legal, desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
b) Absolva a Ré dos restantes pedidos.
***
   Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento.
****
   Notifique e registe.


Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela concluindo e pedindo que:

Conclusões:
I) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$318,585.31 (trezentas e dezoito mil, quinhentas e oitenta e cinco patacas e trinta e um avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II) Andou mal o douto tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no quesito 4.º da base instrutória, porquanto não foi produzida qualquer prova documental, testemunhal ou outra, relativa à renovação dos contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes.
III) Por outro lado, a resposta positiva a tal quesito encontra-se em manifesta contradição com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, a lista dos contratos de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau donde resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, da mesmas resultando que nenhum desse contratos de prestação de serviços vigorou até 31 de Maio de 2008.
IV) Assim, deveria antes o douto Tribunal a quo ter considerado não provado o facto constante do quesito 4.º da Base Instrutória.
V) Nos presentes autos não se apurou ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições, e até quanto vigorou.
VI) Cada um dos contratos de prestação de serviços referidos na alínea C) da matéria de facto assente, têm datas ou períodos de validade diferentes, bem como preveem uma série de formalidades para a sua renovação que, não se tendo apurado, não podem ser ultrapassadas nem sequer por via judicial, nos termos do principio geral da liberdade contratual e da prova.
VII) Pelo que sem a prova de tais factos nunca poderia o Tribunal a quo ter aplicado um qualquer contrato de prestação de serviços - seja ele qual for - à relação laboral inicialmente estabelecida entre Autor e Ré, fazê-lo estender a todo o período de tempo em que o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo de autorizações para contratação distintas e limitadas no tempo, e condenar a Ré nos moldes em que o fez.
VIII) Assim, e não obstante as tentativas nesse sentido realizadas pela ora Recorrente, nomeadamente, ao requerer a ampliação da base instrutória para se aferir ao abrigo de que contrato de prestação de serviços o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente, até quando permaneceu ao seu serviço ao abrigo desse mesmo contrato de prestação de serviços e se outros houve que sustentaram a sua permanência como trabalhador não residente ao serviço da Ré até Maio de 2008, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos, reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo.
IX) Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
X) Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância:"[ ... ] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor ( ... ) desta acção não é parte do mesmo, como tal o contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." ( ... ) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores ( ... ) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [ ... ]"
XI) À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XII) Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XIII) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XIV) Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes-ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XV) De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XVI) Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XVII) Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes são fonte dos direitos reclamados pelo Autor, por se tratarem de contratos a favor de terceiro, sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se ao abrigo de que o contrato de prestação de serviços o Autor foi contratado, e nem se tal contrato de prestação de serviços foi renovado e em que condições o terá sido até 31 de Maio de 2008 .
XVIII) A interpretação dos factos que foi levada a cabo pelo douto Tribunal a quo de presumir a renovação até 31 de Março de 2008 dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) dos factos assentes, é feita totalmente ao arrepio de qualquer prova produzida nos presentes autos., sendo que era ao Autor a quem cabia o ónus de alegação e prova destes mesmos factos.
XIX) Pelo que, a conclusão de que foi sempre ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2008 e que, como tal, durante todo o período que durou a relação laboral o Autor é titular do direito às diferenças salariais existentes entre um daqueles contratos de prestação de serviços e os vários contratos de trabalho que foi celebrando com a Recorrente, não tem suporte factual, e trata-se de uma mera presunção que, ao arrepio da lei, o douto Tribunal a quo lançou mão para "acomodar" a pretensão do Autor.
XX) A Ré, ora Recorrente, não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 27 de Fevereiro de 1993 e 31 de Maio de 2008 e nem o Autor invoca tal facto.
XXI) Assim, não poderia o douto Tribunal a quo ter extrapolado o alegado pelas partes e nem os elementos probatórios existentes nos autos e condenado a ora Recorrente a pagar ao Autor um montante a título de diferenças salariais existentes entre um contrato de prestação de serviços, cuja identificação, duração e renovação não se apuraram, e os contratos de trabalho que foram sendo celebrados entre as partes.
XXII) Pelo que, não se tendo apurado a verdadeira extensão e condições da promessa (contida nos contratos que o douto Tribunal a quo qualificou como contratos a favor de terceiros), o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
XXIII) O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
XXIV) Entendeu o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral, o que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
XXV) Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu, tendo ademais apurado, nomeadamente que, no período entre 13 de Abril de 2000 e 15 de Janeiro de 2002, o Autor não prestou trabalho efectivo em 15 dias.
XXVII)Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo e substituída por douto Acórdão que absolva a ora Recorrente do pedido.
Termos em que farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!


Notificado o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso (vide as fls. 489 a 507 dos p. autos).

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Do recurso interlocutório

Em plena audiência de julgamento, foi formulado pela Ré o pedido de ampliação de base instrutória nos seguintes termos:

   “..Atentos os documentos recentemente juntos pela Ré e a relevância que os mesmos assumem na presente sede, vem ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e do disposto no artigo 41.° do C.P.T., requerer mui respeitosamente a V. Ex.ª se digne ordenar a ampliação da Base Instrutória por forma a nela se incluírem os seguintes factos controvertidos:
1. Ao abrigo de que contraltos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, se manteve o Autor ao serviço da Ré durante o período de 1 de Setembro de 1994 a 31 de Maio de 2008?
2. O contrato de prestação de serviço nº1/1 é para 240 TNR, para 240 vagas, foi aprovado em 15 de Janeiro de 2001 pelo prazo de um ano, renovável por igual período?
3. O contrato de prestação de serviço n.º 14/1 é de 70 vagas e foi aprovado em 3 de Abril e 7 de Junho de 2001 com duração de um ano, renovável por igual período?
4. As condições da renumeração dos contratos acima referidos, n.ºs 1/1 e 14/1 são iguais, o salário é por hora e corresponde a um mínimo de MOP$2000/ para 215 horas de trabalho por mês?
5. As vagas dos contratos n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1, passando todos os TNR ao serviço da Ré a estar abrangidos nestes contratos?
6. Os contratos n.ºs 1/1, 14/1, 12/4,36/5,9/5 e 35/5 foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006 nas mesmas condições inicialmente estabelecidas?
7. O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 foi ainda renovado em 15 de Março de 2006 para durar até 31 de Março de 2007, e previa a utilização de 340 vagas?
8. O contrato de prestação de serviço n.° 19/SS/2006 prevê a renovação de 100 vagas até 31 de Março de 2007?
9. A partir de 15 de Março de 2006, as condições de renumeração dos contratos n.ºs 1/1 e 19/SS/2006 são iguais, o salário mensal é MOP$4000 e o tempo de trabalho é 312 horas?
10. A partir de 31 de Março de 2007, as condições de renumeração dos contratos n.ºs 1/1 e 14/SS/2007 são iguais, o salário mensal é MOP$5070, incluindo a renumeração por trabalho suplementar e subsídios?
   O ora requerido, salvo melhor opinião, irá coadjuvar este douto Tribunal na tarefa de descortinar o que justificou que o Autor permanecesse ao serviço da Ré durante tantos anos, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi inicialmente contratado tinha um período de validade de um ano, bem como, caso assim se considere ser a solução a dar ao presente caso, proceder ao cálculo das diferenças salariais existentes entre os vários contratos de prestação de serviços celebrados com a Agência de Emprego e aprovados pelo Gabinete de Recursos Humanos e os vários contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor.”

Dada a palavra ao Autor representado pelo seu Mandatário, este opôs-se ao pretendido pela Ré por falta de fundamento legal a tal pretensão.

Cumprido o contraditório, diz a Exmª Juiz a quo o seguinte indeferindo a pretendida ampliaçao:

---Os factos que a Ré pretende aditar à base instrutória são factos principalmente relativos às condições de trabalho dos outros contratos de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
---Esses factos nunca foram alegados pela Ré na contestação nem em qualquer dos articulados e esses factos não são factos novos, ou seja, ocorridos posteriormente ao momento dos articulados nem os factos de conhecimento posterior por parte da Ré e que por motivo que não se explicou, a Ré não alegou esses factos no momento próprio, ou seja, na contestação.
---- Por força do princípio de concentração, toda a defesa deve ser feita na contestação. O princípio não é permitido a Réu resguardar a defesa para momento posterior com surpresa para a contraparte. A disciplina da regra processual é para se observar com rigor, não tendo a Ré actuado, por negligência ou por intenção, de acordo com a regra processual, há de sujeitar às consequências legais.
---- Em relação aos factos sobre os contratos de prestação de serviço entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., com base na qual o Autor foi recrutado pela Ré, de facto, a Ré reconheceu expressamente os factos alegados pelo Autor na contestação.
---- Com os alegados factos novos efectivamente o que a Ré pretende não é mais de ter por não dito o que tinha admitido na contestação. O que não é admitido sob pena de inutilizar a disciplina da ordem processual.
----Nem se afigura que este caso esteja enquadrado no n.º 1 do art.º 41.° do C.P.T., se bem que por força do princípio da verdade material, seja admissível a ampliação da base instrutória. Os factos em causa devem ser os factos surgidos na produção da prova. Os factos alegados pela Ré não são factos desconhecidos e surgidos na produção de prova, mas os factos trazidos pela Ré com vista a provar com provas eventualmente apresentadas.
---- Nestes termos, indefiro o requerido pela Ré.

Ora, as doutas e sensatas considerações tecidas no despacho recorrido já põem a nu a sem razão da recorrente, cremos que podemos poupar trabalho e aderimos integralmente a elas para arrumar este recurso interlocutório.

Assim, dando aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos invocados no despacho ora recorrido, negamos provimento ao recurso, nos termos permitidos pelo artº 631º/5 do CPC.

Ex abundantia, só queríamos dizer que aqui se põe a questão de saber se ao abrigo do disposto no artº 41º/1 do CPT a Ré pode ou não aditar factos não alegados nos articulados.

Reza o artº 41º do CPT que:
(Discussão e julgamento da matéria de facto)
1. Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, é ampliada a base instrutória.
2. Se a base instrutória for ampliada nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de 5 dias.
3. Realizada a produção da prova e não havendo razões para a interrupção da audiência, é dada a palavra aos mandatários das partes para, por uma só vez e por tempo não superior a uma hora, apresentarem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4. Encerrada a discussão, é decidida a matéria de facto, por despacho ou por acórdão se o julgamento tiver decorrido perante o tribunal colectivo.
Da leitura do disposto no nº 1 resulta que para a ampliação é preciso que os “novos factos” surjam do decurso da produção da prova.

In casu, conforme se vê na acta de audiência, o pedido de ampliação precedeu a produção da prova, pois foi logo após a declaração da abertura de audiência e antes da produção de prova que a Ré formulou o pedido.

Naturalmente os “novos factos” que a Ré pretendia ver incluídos na base instrutória não resultam do decurso da produção da prova.

Portanto o recurso interlocutório não pode deixar de improceder como já concluímos supra.

III

Do recurso da sentença final

Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica como contrato individual de trabalho do celebrado entre o Autor e a Ré.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda..

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.

Então vejamos.

Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula compromissória nunca poderia vinculá-lo.

O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.

De resto, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso que passamos a apreciar:

1. Do facto provado constante do quesito 4º;
2. Da insuficiência da matéria de facto apurada; e
3. Do subsídio de alimentação.

Passemos então a apreciá-las.

Do facto provado constante do quesito 4º e da insuficiência da matéria de facto apurada

A propósito das questões 1 e 2 acima elencadas, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou no Acórdão de 28JUN2012, tirado no processo nº 398/2012, de que é juiz adjunto o ora relator.

Ai, foram tecidas as seguintes considerações:

2.1 Do erro de julgamento do quesito 4º
Para a Ré, houve erro de julgamento do quesito 4º da base instrutória porque o Tribunal a quo não dispunha de nenhum elemento probatório para dar como provado o facto vertido no referido quesito 4º.
O quesito 4º foi considerado como provado pela forma seguinte:
   “Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.”
Ficaram assentes que:
   “A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.” (alínea C) dos factos assentes)
    “A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.” (alínea F) dos factos assentes)
Ora, com base nos factos acima transcritos, achamos que é da consequência lógica para o Tribunal a quo considerar como provado o facto vertido no referido quesito 4º.
Pergunta-se o seguinte:
Se não é para apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para que a Ré apresentasse àquela Direcção cópia dos referidos contratos de prestação de serviço?
Por outro lado, não se esqueça que quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos conferem à DSTE a competência para verificar e informar se os contratos de prestação de serviço celebrados se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88) – v. facto provado nº 28.
Nesta conformidade, é de julgar improcedente o recurso final nesta parte.
2.2 Da insuficiência da matéria de facto apurada:
Na óptica da Ré, a matéria de facto apurada não é suficiente para a sua condenação, já que não foi apurado ao abrigo de qual contrato de prestação de serviço foi o Autor contratado; se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado; por quantas vezes; em que condições e até quando vigorou.
Mais uma vez não lhe assiste a razão.
Ficaram assentes que:
   “A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.” (alínea C) dos factos assentes)
   “Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré.” (alínea E) dos factos assentes)
   “A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.” (alínea F) dos factos assentes)
Ora, os factos acima transcritos, conjugados com a posição tomada pela Ré na contestação, que afirmou que “... à data de assinatura dos mesmos o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o Contrato de Prestação de Serviço nº 2/94, ...” (artº 39º da Contestação), não temos qualquer dúvida de que a contratação do Autor e as posteriores renovações foram feitas ao abrigo do contrato de prestação de serviço nº 2/94.
Vejamos a razão de ser.
Em primeiro lugar, foi a Ré que confirmou que o Autor foi contratado ao abrigo do contrato de prestação de serviço nº 2/94.
De seguida, ficou assente que a cópia deste contrato foi apresentada à DSTE para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.
A relação laboral entre a Ré e o Autor só cessou em 31 de Maio de 2008.
Perante este quadro fáctico, é lógico e correcto para o Tribunal a quo concluir que a relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré foi sucessivamente renovada ao abrigo do contrato nº 2/94, até ao seu termo.
Pois, é lícito ao Tribunal “tirar conclusões em matéria de facto que, não alterando os factos provados e nestes se apoiando, sejam consequência lógica dos mesmos”1.
Não se verifica, portanto, a alegada insuficiência da matéria de facto.

Tratam-se das soluções correctamente dadas às questões idênticas às aqui em apreço, demos mutatis mutandis integralmente reproduzido aqui este fragmento do Acórdão acima transcrito para julgar improcedente o recurso nessa parte.

Assim sendo, passemos a debruçarmo-nos sobre a última questão do subsídio de alimentação.

Do subsídio de alimentação

A propósito desta questão, a Sentença ora recorrida decidiu atribuir o subsídio de alimentação em todos os dias da duração da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré.

O que na óptica da recorrente não é correcta.

Para a recorrente, o Autor só tem direito a receber o tal subsídio nos dias que efectivamente trabalhou, pois só a prestação efectiva do trabalho justifica o direito ao subsídio de alimentação.

Nota-se que, in casu, o “quando” é pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.

Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.

In casu, foi apenas estipulada a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Desta maneira, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.

Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.

Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.

Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Mas ficamos sem saber se era devido enquanto relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.

Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 1º, por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, como foi dito supra, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.

Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.

Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.

Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.

E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.

Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque a legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.

Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.

Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de justificar o pagamento do subsídio de alimentação nos dias em que trabalha, muito menos nos dias em que não trabalha.

Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.

Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

Além disso, ficou também provado que a Ré recorreu muito frequentemente ao serviço em horas extraordinárias prestado pelo Autor, quase sempre quatro horas por dia.

As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador assim como a grande frequência do recurso por parte da Ré ao serviço prestado em horas extraordinárias, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.

Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.

Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.

Assim sendo, é de proceder o recurso nesta parte e alterar a sentença recorrida em conformidade.

Tendo sido provado que o Autor descansou pelo menos por 15 vezes um período consecutivos de 24 horas no período compreendido entre 13ABR2000 e 15JAN2002, não andou bem o Tribunal a quo ao arbitrar o subsídio em todos os dias ao longo de toda a extensão temporal da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré e há que abater MOP$225,00 (MOP$15,00 x 15) da quantia de MOP$83.670,00, fixada pela primeira instância a título de compensações de subsídio de alimentação não pago e passar a condenar a Ré a pagar ao Autor a este título o valor de MOP$83.445,00.

Tudo visto resta decidir.

IV

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento parcial ao recurso interposto pela Ré, reduzindo a condenação a favor do Autor a título de subsídio de alimentação para MOP$83.445,00, e mantendo na íntegra a restante parte da sentença recorrida.

Custas pela recorrente e pela recorrida na proporção do decaimento.

Notifique.

RAEM, 20SET2012


(Relator) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

(Segundo Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira

1 Ac. do STJ, de 13/01/1999, referenciado no CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Abílio Neto, 21ª Edição, pág. 1094, ponto nº17 da anotação do artº 712º.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Ac. 379/2012-1