打印全文
Processo nº 667/2012 Data: 20.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Legítima defesa.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Provado estando que o arguido foi o primeiro a agredir, e que não estava em situação de perigo, (nomeadamente de ser agredido), inviável é a consideração no sentido de ter agido em “legítima defesa”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 667/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, veio recorrer da decisão que o condenou como autor de 1 crime de “ofensa à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 120 dias de multa, à taxa de MOP$130,00, perfazendo a multa global de MOP$15.600,00, convertível em 80 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 214-v a 215-v).

*

Na sua motivação de recurso, produziu as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso tem como objecto os vícios na sentença referida, nomeadamente a contradição entre os factos provados e o juízo dos factos, bem como a aplicação do direito ao recorrente na medida concreta.
B. O Tribunal a quo considerou provada a prática dos dois arguidos dum crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo art. 137.° n.° 1 do Código Penal.
C. Entende o recorrente que padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e/ou do erro notório na apreciação da prova previstos no art. 400.° n.° 2 alínea a) e c) do Código de Processo Penal.
D. A respectiva sentença não tomou em consideração a causa, a ocorrência e as circunstâncias do caso, cansando o erro da aplicação da lei.
E. Na matéria de facto provada da sentença recorrida, o Mm.° Juiz do TJB afirmou meramente “……rebentou conflito entre os dois arguidos. O 1° arguido A empurrou o ombro esquerdo da 2ª arguida B, fazendo com que ela perdesse balanço e sofresse entorse da coxa esquerda……”
F. Mas afirmou no juízo dos factos: “……o 1° arguido alegou que a 2ª arguida lhe apontou por varas vezes com dedo e, ao empurrar a mão dela ……” e “…… a 2ª arguida alegou que somente exigiu ao chefe que lhe dissesse o número de telefone de queixa, mas o 1° arguido empurrou por duas vezes o seu ombro esquerdo e, em consequência, caiu no chão……”
G. Na matéria de facto aprovada referida, não foi indicado claramente o objectivo e motivo desta agressão/ofensa, nem o desenvolvimento das circunstâncias na altura do conflito, bem como quem praticou no primeiro estas condutas de ofensa, etc. Estes factos são absolutamente importantes para proferir a decisão.
H. Entretanto, sem apurar estes factos importantes, o Mm.° Juiz do Tribunal a quo proferiu sentença fundamentada pelos factos provados referidos em que existia lacuna, em conjugação com o juízo incompleto de factos.
I. Pelo que a sentença recorrida padece do vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea a) do Código Penal.
J. Indicou-se na sentença recorrida: "rebentou conflito entre os dois arguidos. O 1° arguido A empurrou o 'ombro esquerdo da 2ª arguida B, fazendo com que ela perdesse balanço e sofresse entorse da coxa esquerda", e deu-se como provado que o recorrente praticou o acto de ofensa à 2ª arguida.
K. Afirmou a testemunha que não vi e/ou constatou que o recorrente empurrou com a mão o ombro da 2ª arguida e causou o ferimento dela, mas alegou ainda que o recorrente agiu para defender contra a agressão da 2a arguida;
L. Em conjugação com as informações constantes dos autos, é inegável que já tinha havido ferimento no corpo da 2ª arguida, e o recorrente declarou que a 2a arguida apontou com dedo os olhos e o rosto e raspou o recorrente, que ficou preocupado com a possibilidade da 2a arguida injuriar os olhos dele, nesta situação, o recorrente empurrou e/ou afastou-se da mão da 2ª arguida.
M. Conforme as regras de experiência, não provoca qualquer acto de agressão a simples confrontação entre duas partes. Mas se haver alguns comportamentos corporais (como apontar com dedo o outro), que se mostram excessivos por causa da emoção excitada, é compreensível que uma pessoa média, a fim da auto-protecção, pratica acto de defesa, que provoca contactos corporais.
N. Além disso, partindo do aparecimento, figura física, sexo e as informações dos autos (vide o teor constante a fls. 30 e 31 dos autos), o recorrente sofreu ferimento mais grave do que a 2ª arguida (do sexo feminino); se o recorrente empurrasse a 2ª arguida com dolo (e não para auto-defesa), seria totalmente ilógico que ela precisasse de somente um dia para se recuperar.
O. Disso se pode ver que o recorrente praticou este acto de defesa meramente a fim da auto-protecção.
P. Cabe mencionar que com base na audiência de julgamento e teor dos autos (vide a fls. 2, 3, 10 e 11), se pode perceber bem que o caso ocorreu pelas 21H00, mas não pelas 9H00. Acredita-se que foi apenas um lapso de escrita do Mm.° Juiz do Tribunal a quo.
Q. Tendo em conta os fundamentos acima expostos, pertence à legítima defesa a empurra praticada pelo recorrente à 2ª arguida, devendo, ao abrigo do artigo 30.° n.° 2 alínea a) e artigo 31.°, absolver o recorrente da condenação.
R. Nestes termos, a sentença recorrida padece do vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea c) do Código de Processo Penal, sobretudo retirou-se de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, portanto, existe erro da aplicação da lei quando o Mm.° Juiz do Tribunal a quo proferiu a sentença."
S. Existe erro da aplicação da lei na determinação da medida, sobretudo se violou o disposto do artigo 32.°, 64.° e 65.° do Código Penal e se aplicou a pena demasiadamente severa.
T. A sentença recorrida não ponderou suficientemente as informações constantes dos autos e que o recorrente praticou este acto meramente para a auto-protecção.
U. O recorrente é primário;
V. O recorrente praticou o acto de empurra, como acima alegou, apenas a fim da auto-protecção, pertencendo à legítima defesa.
W. A pena mostra-se evidentemente pesada, violando o disposto do artigo 32.° n.° 1 e artigo 65.° do Código Penal, o princípio de livre convicção e o princípio de legalidade.
X. Entende o recorrente que pela prática dum crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo art. 137.° n.° 1 do C.P., será mais justo, razoável e correspondente ao princípio de legalidade condená-lo numa pena única de somente 80 dias de multa, com a multa diária de MOP$100, e a quantia total é de MOP$ 8,000.
Y. Pelo exposto, a sentença recorrida não correspondeu ao disposto do artigo 400.° n.° 2 alínea a) e c) do Código de Processo Penal e aos pressupostos fáctico e jurídico previsto no artigo 30.° n.° 2 alínea a), artigo 31.°, artigo 32.° n.° 1 e artigo 65.° do Código Penal, violando o disposto jurídico e os princípios de livre convicção e de legalidade”; (cfr., fls. 230 a 235-v e 278-v a 301).

*

Em Resposta, dia o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“1. Pode-se ver de todo o processo e sentença recorrida, sobretudo do que consta da parte dos factos provados na sentença recorrida (vide a fls. 211 e 211v.) tais como a causa do crime, o objectivo e motivo dos arguidos e que a confrontação entre os dois arguidos resultou a mutua agressão; e do juízo de factos (vide a fls. 212 e 212v.), o Tribunal a quo formou a convicção após ter feito sintetizada e objectivamente uma análise das declarações prestadas pelo recorrente e outro arguido na audiência de julgamento, em conjugação com o exame pericial com relatório apreciado, as provas documentais e demais outras provas. O Tribunal a quo já investigou e apreciou completamente todo o objecto da acção, não existindo nenhuma omissão.
2. Pelo que o caso não padece do 「vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada」.
3. É apenas「a convicção do recorrente próprio」a sua versão dos factos, que não pode ser usada para questionar「a convicção do Tribunal」,sob pena da violação do「princípio da apreciação livre de provas」previsto no artigo 114.° do Código de Processo Penal. A convicção da sentença recorrida está em conformidade com as regras de experiência e não padece do vício previsto no artigo 400.° n.° 2 alínea c) do Código de Processo Penal.
4. Pelo exposto, ao abrigo do artigo 415.° n.° 1 do Código Penal (sic.), só quando se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.° 2 do artigo 400.° e houver razões para o Tribunal de Segunda Instância crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo, o Tribunal pode admitir a renovação da prova. Este Ministério Público entende que a sentença recorrida não padece do vício previsto no artigo 400.° n° 2 do Código Penal (sic.), pelo que, não lhe assiste a razão do pedido da renovação de prova.
5. De acordo com o teor dos「factos provados」da sentença recorrida, foi o recorrente que praticou no primeiro o acto da ofensa à integridade física, portanto, não se preenchem os requisitos da「defesa legítima」previstos no artigo 31.° do Código Penal. O acto do recorrente foi mesmo a agressão à 2ª arguida, mas não foi a defesa contra ela!
6. A respectiva medida de pena não precisa de qualquer alteração visto que no ponto de vista deste Ministério Público, não se preenchem os requisitos relativos à defesa legítima previstos no artigo 31.° do Código Penal e não se prova que o acto do recorrente visava à auto-protecção.
7. Ponderando as circunstâncias e as exigências da prevenção geral e especial, é adequada a sentença do Tribunal a quo -「o Tribunal a quo condenou o recorrente pela prática em autoria material, na forma consumada, dum crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo art. 137.° n.° 1 do C.P., numa pena única de 120 dias de multa, com a multa diária de MOP$130, e a quantia total é de MOP$15.600, convertível à pena de prisão de 80 dias se a multa não for paga ou substituída por trabalho」.”; (cfr., fls. 240 a 242 e 302-v a 309).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Pretextando ocorrência de vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova e erro na aplicação do direito, acaba o recorrente por empreender exercício, a nosso ver, inconsistente, sobre o que, em seu entendimento, deveria ter sido a valoração da matéria probatória produzida em tribunal, mormente as declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas, concluindo não suportar tal prova o assentamento feito da matéria factual, concluindo mesmo pela ocorrência de legítima defesa da sua parte.
Mas, sem qualquer razão.
Analisada a douta sentença em crise, constata-se que a mesma é, ao longo da sua exposição e fundamentação, suficientemente clara e expressa (cfr, designadamente, os extractos sublinhados pelo Exmo colega na sua resposta), apresentando-se a matéria dada como provada suficiente para permitir concluir pela participação activa e não meramente reactiva do recorrente ria prática dos factos imputados, em agressão mútua, perfilando-se todos os elementos permissivos de concluir pela subsunção operada, revelando-se a matéria de facto elencada exaustiva em tudo o que é pertinente para a decisão de mérito, vendo-se, por outra banda, bem que com a alegação respectiva, pretende o recorrente manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, melhor dizendo, da interpretação que este faz dessa matéria no que tange à sua responsabilidade, limitando-se, em boa verdade, tão só a expressar a sua opinião 'pessoalíssima" àcerca da apreciação da prova, por forma a configurar a legítima defesa da sua parte, quando, manifestamente, não se vê que do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que o julgador errou ao apreciar como apreciou.
Este, não. se eximiu a expressar, concreta e especificamente a sua valoração da prova produzida e dos motivos que o levaram às conclusões que formulou (sendo, em nosso critério, a decisão sob escrutínio até exemplar no que respeita à análise criteriosa da prova produzida e à justificação da convicção adquirida), não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar o julgador por ter formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, antes as corrobora.
Analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das "legis artis", não passando a invocação do recorrente de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito, sendo que, na falta de ocorrência de qualquer dos vícios imputados, arredada se mostra, obviamente, a necessidade ou oportunidade da almejada renovação da prova.
Finalmente, atenta a moldura penal abstracta do ilícito imputado, todo o circunstancialismo envolvente dos factos consubstanciadores do mesmo e a devida ponderação do disposto nos art° 40° e 65°, C.P.M., afigura-se-nos que a pena concretamente apurada se apresenta como justa e adequada, a não merecer reparo.
Tudo razões por que se entende não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 312 a 314).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:

“No dia de 14 de Janeiro de 2011, pelas 9H00, o 1° arguido A conduziu um autocarro 28 da Companhia Transmac, e pelas 9H10, na Avenida do Ouvidor Arriaga a 2ª arguida B tomou o autocarro 28 referido da Companhia Transmac na paragem do Edifício Nga Lim.
Na altura, a 2ª arguida B perguntou ao 1° arguido A se o autocarro 28 passava pelo Fórum de Macau e o 1° arguido respondeu que sim.
No mesmo dia (14 de Janeiro de 2011), pelas 9H40, chegou o autocarro 28 referido ao Terminal da Travessa da Amizade e a 2ª arguida B foi perguntar ao 1° arguido A porque não parou o autocarro no Fórum de Macau.
O 1° arguido explicou que o autocarro 28 passava pelo Fórum de Macau mas não parava, e mais, disse que "Oh mulher (de Fu Jian), queres que te levo para dentro!"
A 2ª arguida B disse ao 1° arguido A que: "Foda-se a tua mãe! Vou te queixar."
Em seguida, pretendendo apresentar queixa ao chefe do Terminal, a 2ª arguida B deslocou-se imediatamente para ele. Vendo a cena, o 1°arguido seguiu-se à 2ª arguida.
Chegando ao Terminal, a 2ª arguida B exigiu ao chefe
C que lhe dissesse o número de telefone de queixa.
No momento, rebentou conflito entre os dois arguidos. O 1° arguido A empurrou o ombro esquerdo da 2ª arguida B, fazendo com que ela perdesse balanço e sofresse entorse da coxa esquerda. A 2ª arguida raspou a mão direita do 1° arguido e pegou numa cadeira plástica da cor cinzenta, que pertencia à Companhia Transmac, para atacar constantemente várias partes do corpo do 1° arguido.
As condutas referidas do 1° arguido provocaram directa e necessariamente as contusões dos tecidos moles do ombro e quadril do lado esquerdo da 2ª arguida, cujo prazo de recuperação é de 1 dia (vide o exame pericial com relatório a fls. 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
As condutas referidas da 2ª arguida provocaram directa e necessariamente as contusões dos tecidos moles da parede torácica, mão direita e perna do lado esquerdo do 1° arguido, cujo prazo de recuperação é de 3 dia (vide o exame pericial com relatório a fls. 31, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Os dois arguidos agiram voluntaria, livre e conscientemente ao praticar as condutas referidas, tendo como objectivo ofensa ao corpo da contraparte.
Os dois arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.
*
Mais se provou
O 1° arguido é motorista, auferindo mensalmente MOP$ 22,000 a 23,000.
É casado e tem a mãe e a mulher a seu cargo.
Tem como habilitação literária o 3° ano da escola secundária.
Negou os factos acusados.
Conforme o CRC, é primário.
A 2ª arguida é comerciante, auferindo mensalmente MOP$20,000.
É casada, tem uma filha menos a seu cargo.
Tem como habilitações literária o ensino da escola secundária completa.
Negou os factos acusados.
Conforme o CRC, é primária”; (cfr., fls. 211 a 212 e 264 a 267).

Do direito

3. Vem o arguido A recorrer da sentença que o condenou como como autor de 1 crime de “ofensa à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 120 dias de multa, à taxa de MOP$130,00, perfazendo a multa global de MOP$15.600,00, convertível em 80 dias de prisão subsidiária.

E, das conclusões que a final da sua motivação de recurso produziu, resulta que o motivo do seu inconformismo radica no entendimento de que a sentença recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, considerando também excessiva a pena, e pedindo a renovação da prova.

Cremos que nenhuma razão tem o recorrente.

Vejamos.

–– No que tange à “insuficiência”, repetidamente tem este Tribunal afirmado que tal vício apenas ocorre quando não se emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., Ac. de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 01.03.2012, Proc. 62/2012).

No caso, o ora recorrente não apresentou contestação, e como de uma mera leitura à decisão recorrida se pode constatar, sobre toda a matéria objecto do processo emitiu o Tribunal a quo pronúncia, dando-se como “provada” ou “não provada”, evidente sendo assim a improcedência do recurso na parte da questão.

–– Quanto ao “erro notório”.

Ora, tal vício ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 31.05.2012, Proc. n.° 49/2012 do ora relator).

Não se vislumbrando – nem o recorrente esclarecendo – onde, como ou em que termos terá o Tribunal a quo violado “regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis”, o mesmo sucedendo com o assacado vício de contradição, que mais parece um mero desabafo, totalmente inviável é a consideração da existência dos assacados vícios da matéria de facto.

–– Nesta conformidade, e inexistindo vícios da matéria de facto, motivos não há para se proceder à pretendida renovação da prova.

De facto, tem este T.S.I. entendido que:

“O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida.
Não tendo o recorrente indicado as provas que entende deverem ser renovadas, referindo relativamente a cada uma delas, os factos que se destinam a esclarecer (…) é manifesta a improcedência da pretensão.
É que, não sendo a renovação de prova um “novo julgamento” – doutro modo, nada justificaria não reenviar o processo – obviamente, só ao recorrente caberá indicar quais as provas que pretende ver (re)-produzidas no Tribunal de recurso e, não o fazendo, fica de todo comprometida a sua pretensão; vd. neste sentido, os Ac. da Relação de Lisboa de 09.03.94, Proc. nº 0327503; de 21.03.95, Proc. nº 0081955 e de 25.05.99, Proc. nº 0079335, in “www.dgsi.pt”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.03.2001, Proc. n° 32/2001-I, do ora relator, e mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 49/2012).

E, como se viu, reunidos não estando todos os pressupostos que se deixaram elencados, até porque inexistem vícios da matéria de facto, só resta indeferir o peticionado.

–– Por fim, vejamos da pena.

O crime de “ofensa à integridade física” é punido com a pena de prisão até 3 anos ou multa; (cfr., art. 137°, n.° 1 do C.P.M.).

No caso, e em conformidade com o que provado ficou do julgamento no T.J.B., só por manifesto equívoco se poderá considerar que a conduta do arguido integra uma “legítima defesa” ou um “excesso de legítima defesa”; (cfr., art°s 31° e 32° do C.P.M.).

Resulta (contrária e claramente) da factualidade provada, que o arguido ora recorrente foi o primeiro a agredir, não se vislumbrando que estivesse em perigo de ser agredido, pelo que evidente é a improcedência do recurso na parte em questão.

De facto, tem este T.S.I. entendido que:
- “a “legítima defesa”, como causa exclusória da ilicitude, pressupõe uma agressão actual e ilícita e a intenção de defesa por parte do agente”; (cfr., Ac. de 29.06.2006, Proc. n.° 31/2006)
- “só se verifica uma situação de legítima defesa quando a agressão seja ilegal e actual (por em execução ou iminente), não provocada pelo defendente, ocorra a impossibilidade de recurso à força pública e a racionalidade do meio utilizado, estando o elemento subjectivo, preenchido com o animus defendendi”; (cfr., Ac. de 21.02.2008, Proc. n.° 484/2006)
- “a definição legal do art.° 31 do Código Penal de Macau pressupõe sempre a actualidade do ataque do agresor para efeitos de verificação da legítima defesa”; (cfr., Ac. de 24.04.2008, Proc. n.° 164/2008).

E, “sem se verificar uma situação de defesa não existe “excesso de legítima defesa”; (cfr., Ac. de 09.06.2003, Proc. n.° 126/2002).

No que diz respeito à pena de multa, sendo o seu limite máximo de 360 dias, (cfr., art. 45°, n.° 1 do C.P.M.), de forma alguma se pode considerar a pena em causa, de 120 dias, (correspondendo a 1/3 do limite máximo), excessiva.

Quanto à taxa diária, sendo que a mesma é fixada de entre uma quantia de MOP$50.00 e MOP$10.000,00, devendo-se também atender à situação económica e financeira do condenado, (art. 45°, n.° 2), cremos também aqui que excessiva não é a taxa de MOP$130.00.

Na verdade, a pena de multa não pode deixar de acarretar um certo “sacrifício” para o condenado, podendo o ora recorrente, se o pretender, requerer o pagamento da multa total de MOP$15.600,00 em prestações; (cfr., n.° 3 do art. 45°).

Dest’arte, apreciadas que assim ficam as questões colocadas, e concluindo-se ser o recurso manifestamente improcedente, há que decidir pela sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 20 de Setembro de 2012

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



Proc. 667/2012 Pág. 26

Proc. 667/2012 Pág. 1