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Processo nº 368/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 25 de Outubro de 2012

ASSUNTO:
- Legitimidade activa
- Finalidade do recurso contencioso
- Erro na forma do processo
SUMÁRIO :
- Dispõe o artº 33º do CPAC que têm legitimidade para interpor recurso contencioso:
a) As pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;
b) Os titulares do direito de acção popular;
c) O Ministério Público;
d) As pessoas colectivas, ainda em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpra defender;
e) Os municípios, também em relação aos actos que afectem o âmbito da sua autonomia.
- A recusa da publicação do contrato celebrado entre a recorrente e a RAEM no BO não lesa o verdadeiro estatuto jurídico da recorrente a que tem direito.
- O recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica – artº 20º do CPAC – e não visa reconhecer qualquer direito ou interesse legalmente protegido, pelo que é, de todo em todo lado, meio inepto e incapaz de alcançar ao efeito subjacente da recorrente, efeito que, no fundo, consiste em lhe vir a ser reconhecido o estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 368/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 25 de Outubro de 2012
Recorrente: Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A.
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

  I – Relatório
  Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A., melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário dirigido ao Secretário para a Economia e Finanças, concluíndo que:
1. A Recorrente requereu, junto da DSF, a publicação no Boletim Oficial da Região do Contrato outorgado em 4/01/2011 com o Governo da RAEM designado "Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros", mediante escritura exarada a fls. 91 a 100 do Livro n.º 21A da Divisão de Notariado da DSF, pedido sustentado na alínea c) do artigo 24.° da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio.
2. Por despacho de 5/07/2011, exarado na Informação n.º 089/NAJ/SM/2011, a Directora da DSF indeferiu o pedido, com fundamento na natureza do contrato celebrado, que qualificou como uma prestação de serviços, sustentando-se na análise vertida na informação n.º 044/DCP/2011.
3. Da decisão da Directora da DSF foi interposto, em 12/08/2011, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, ao abrigo do artigo 153.º do CPA.
4. Este recurso hierárquico não foi objecto de decisão nos prazos previstos nos números 1 e 2 do artigo 162.º do CPA.
5. A Recorrente não foi notificada da decisão sobre o pedido formulado naquele recurso e desconhece o momento da remessa a que alude o n.º 1 do artigo 162.° do CPA, bem como a realização (ou não) dos procedimentos a que alude o n.º 2 do mesmo artigo e Código.
6. Presume-se a ocorrência do indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário em 10/11/2011, data do término do prazo de 90 dias contado a partir da data da apresentação do requerimento de recurso hierárquico necessário, sendo tempestivo o presente recurso contencioso do indeferimento tácito, atento o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC, conjugado com o n.º 4 do artigo 26.º do mesmo Código
7. Do indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário decorre a subsistência de todos os vícios alegados na impugnação administrativa, atendendo à falta de decisão expressa sobre o pedido naquele âmbito formulado, vícios que ferem de ilegalidade o acto ora recorrido.
8. O acto recorrido sustentou o indeferimento do pedido em legislação relativa a matéria fiscal, configurando a Lei n.º 12/2003 e o Decreto-Lei n.º 16/84/M como diplomas susceptíveis de enquadrarem jurídicamente o pedido formulado, como se emitido ao abrigo de competências em matéria fiscal e como se de matéria fiscal se tratasse.
9. O pedido de publicação do Contrato foi formulado ao abrigo da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, que define os "Princípios gerais a observar nas concessões de obras públicas e serviços públicos", estando subtraído às regras especiais da impugnação tributária.
10. O acto recorrido, porque praticado ao abrigo de normas fiscais, está ferido de vício de incompetência e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo por isso anulável.
11. O acto recorrido apreciou o requerimento apresentado em 13/06/2011, pela Recorrente, como se integrado numa fase de impugnação graciosa, facto sustentado na referência à regra estabelecida no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, errando, por isso, nos pressupostos de facto e de direito.
12. O acto recorrido conferiu à Recorrente o prazo de 35 dias para a apresentação do recurso hierárquico necessário, com base no n.º 3 do artigo 2.° do DL n.º 16/84/M, norma que, presumindo a recepção das notificações no 5.° dia posterior ao do registo postal, concede uma dilação de 5 dias para o início da contagem dos prazos de impugnação, os quais são de 30 dias.
13. Assentando o acto recorrido em legislação que versa matéria fiscal, que não se aplica ao procedimento em que se inseriu o requerimento no qual se formulou pedido de publicação do Contrato em Boletim Oficial, consubstancia vício de violação de lei, por ofensa ao dever estabelecido no artigo 68.º do CPA.
14. Os elementos enunciados no artigo 70.º do CPA são essenciais, devendo ser notificados aos interessados integral e correctamente.
15. A ausência ou a falsa indicação de elementos essenciais da notificação viola o conteúdo do dever da legal e correcta notificação dos actos administrativos aos interessados, estabelecido no artigo 68.° do CPA.
16. A violação do dever da legal e correcta notificação dos actos administrativos constitui uma ofensa ao princípio da boa-fé, protegido pelo artigo 8.º do CPA, sem embargo de outro tipo de responsabilidade que daí possa advir e do princípio da responsabilidade da Administração, autonomamente protegido pelo Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
17. A forma como a entidade recorrida afronta o dever da legal e correcta notificação dos actos administrativos - indicando de legislação totalmente estranha ao procedimento em que se inseriu o acto ora recorrido - é notoriamente evidente não decorrendo de um qualquer erro de escrita, lapso, engano ou equívoco, comprometendo a confiança nela depositada, pela ora Recorrente, atendendo ao princípio da legalidade previsto no artigo 3.° do CPA.
18. A incorrecta indicação dos meios e dos prazos de impugnação do acto notificado, fazendo crer que a ora Recorrente beneficiava de uma dilação do prazo de interposição do recurso hierárquico necessário, consubstancia uma actuação susceptível de lhe causar um prejuízo desproporcionado, traduzindose este comportamento na violação do princípio da boa fé, na sua dupla dimensão de protecção da confiança dos particulares e de parte integrante do bloco de legalidade, revestindo efeitos invalidantes do acto administrativo praticado.
19. A Directora dos Serviços de Finanças não detém competência para decidir em matéria de actos e contratos que devem ser lavrados naquela Direcção dos Serviços.
20. O notário privativo da DSF é um órgão especial da função notarial sujeito aos dispositivos do Código do Notariado.
21. O notário privativo da DSF não se encontra numa relação de dependência hierárquica do Director dos Serviços de Finanças.
22. Compete ao notário privativo da DSF decidir sobre o pedido formulado pela Recorrente, no sentido de conferir publicidade ao instrumento notarial em causa.
23. O indeferimento do pedido de publicação em Boletim Oficial do Contrato celebrado com o Governo da Região, fundamentou-se no pressuposto desse contrato ser um contrato de aquisição de serviços de transporte e não um contrato de concessão de serviços públicos, sendo por isso inaplicável a exigência da alínea c) do artigo 24.º da Lei n.º 3/90/M.
24. O DL n.º 64/84/M define a prestação de serviçoS de transporte como um serviço público com interesse para a Região, destinado à satisfação de uma necessidade colectiva básica, conferindo ao Senhor Chefe do Executivo a competência para a concessão deste serviço público.
25. As bases gerais do regime das concessões de serviços públicos constam da Lei n.º 3/90/M, que define o contrato de concessão como a transferência para outrem do poder de explorar, em exclusivo, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade pública individualmente sentida.
26. As bases gerais do sistema de transportes terrestres constam do DL n.° 50/88/M, que define os objectivos, funções e princípios da política de transporte e confere ao Senhor Chefe do Executivo a competência para a outorga das concessões deste serviço público.
27. Da conjugação dos artigos 2.º alínea b) da Lei n.º 3/90/M, 1.º n.º 2 do DL n.º 64/84/M e 1.º, 8.º alínea 8) e 11.º, todos do DL n.º 50/88/M, resulta que, no ordenamento jurídico da Região, é proibída a celebração de contratos relativos ao serviço público de transportes terrestres por outra via que não seja a da concessão de serviço público.
28. O Contrato celebrado em 4/01/2011 entre a ora Recorrente e o Governo da Região é um Contrato de Concessão de Serviço Público de Transporte de Passageiros, sujeito a publicação no Boletim Oficial da Região, por força do disposto na alínea c) do artigo 24.° da Lei n.º 3/90/M.
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  Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 145 a 213 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela rejeição do presente recurso contencioso, a saber:
“Em 13/06/2011, a ora recorrente apresentou, na DSF, um requerimento (vide. a fotocópia de fls.67 dos autos), no qual pediu a publicação no Boletim Oficial da RAEM, nos termos da alí. c) do art.24.º da Lei n.º3/90/M, do contrato para a “Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivo Rodoviários de Passageiro”, celebrado entre si e o Governo da RAEM em 04/01/2011.
O ofício n.º72/DIR/NOT/MGS/2011 refere que tal requerimento foi indeferido pela Exma. Sra. Directora da DSF, mediante o seu despacho de 05/07/2011 (doc. de fls.33 dos autos). Desse despacho a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário junto do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (vide. a fotocópia de fls.35 a 44 dos autos).
Eis o berço do acto em causa – o dito indeferimento tácito.
Ponderando a petição inicial, temos por indiscutível que o presente recurso contencioso não se consubstancia na acção popular.
Tudo isto conduz-nos a que se verifique in casu a ilegitimidade activa da recorrente.
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Nos termos do preceituado na alínea a) do art.33º do CPAC, têm na todas as pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tiverem sido lesados pelo acto recorrido, ou aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.
No caso sub specie, a petição inicial revela que a recorrente não mostra de quê modo e em quê medida é que o seu direito subjectivo ou interesse legalmente protegido tenha sido lesado pelo acto recorrido, que traduz em tacitamente negar a requerida publicação do aludido contrato.
Aquela peça também revela que a recorrente não alegou nenhum interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso destinado à anulação do indeferimento tácito, ora impugnado, da publicação por si já solicitada do mencionado contrato.
O que é bem compreensível, pois, não parece sério nem provável que a não publicação no BO daquele contrato tenha lesado ou possa lesar direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do recorrente como contraente particular.
À luz do disposto no art.20º do CPAC, divisamos que o recurso contencioso é, de todo em todo lado, meio inepto e incapaz de alcançar ao efeito subjacente da recorrente, efeito que, no fundo, consiste em lhe vir a ser reconhecido o estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros.
Nestes termos, somos forçados a concluir na ilegitimidade da ora recorrente e, em consequência disso, a rejeição do presente recurso (art.46 n.º2-d) do CPAC).
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Por todo o expendido, propendemos pela rejeição do recurso contencioso em apreço.”
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Devidamente notificada, vem a recorrente dizer o seguinte:
   “.. A ora Recorrente mantém o que oportunamente articulou, no sentido de que o acto silente que se traduz no indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças constitui um acto administrativo efectivamente lesivo dos seus direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, pelo que, nesta medida, detém um interesse directo pessoal e legítimo na causa.
   Permite-se a ora Recorrente, pois, discordar da tese defendida pelo douto Parecer do Ministério Público, pelos motivos que se passam a expor:
   Pese embora o encadeamento procedimental descrito no Parecer se encontrar correcto, na exacta medida em que o indeferimento tácito resulta da omissão de decisão por parte do Senhor Secretário para a Economia e Finanças sobre o recurso hierárquico necessário apresentado pela ora Recorrente, esta não subscreve as conclusões que o Parecer veicula como determinantes da ilegitimidade activa que lhe é imputada.
   Tudo porque o acto silente que se impugna não pode deixar de absorver os mesmos contornos de ilegalidade imputáveis ao despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, que indeferiu o requerimento onde se peticionou a publicação em Boletim Oficial do Contrato de que é outorgante a ora Recorrente, designado "Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros".
   Com efeito, atentando no teor da petição de recurso, torna-se evidente que os vícios imputados ao acto tácito que, sucintamente, se traduziram na decisão de indeferimento da aludida publicação ao abrigo de competências em matéria fiscal (Lei n.º 12/2003 e Decreto-Lei n.º 16/84/M), quando estava antes em causa a promoção notarial da Lei n.º 30/90/M, a que se acrescenta a incompetência da Senhora Directora dos Serviços de Finanças para decidir sobre matéria constante do Regulamento Administrativo n.º 23/2000, conjugado com o Código do Notariado, tornam bem visível que o que está em causa nos presentes autos é uma série de graves erros de facto e de direito, determinantes de ilegalidade(s) de que o acto (tácito) ora em crise passou a partilhar.
   Ora, ditando o artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante "CPAC") que o recurso contencioso é de mera legalidade e tendo sido devidamente identificados na petição inicial os múltiplos vícios que afectem o acto recorrido, não pode, salvo melhor opinião, optar-se por outra via jurisdicional que não aquela a que oportunamente lançou mão a ora Recorrente.
   Até porque, note-se, a questão ou a ratio do presente recurso está longe de ser aquela que o douto Parecer do Ministério Público avança como sendo o reconhecimento à Recorrente do "...estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros.".
   O que se pretende vai bem para além disso: pretende-se, outrossim, expurgar a ordem jurídica de um acto administrativo aberrante pelos contornos de ilegalidade com que se formou e que, ao atingir plena eficácia externa perante terceiros através da notificação, ofendeu direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos da ora Recorrente, lesando-a de tal forma que lhe conferiu um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.
   A esse propósito, não pode deixar a ora Recorrente de salientar que:
   - o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30 de Junho, determina que a prestação de serviços de transporte é um serviço público com interesse para a Região, sujeita ao regime de concessão, atribuindo o n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 50/88/M, de 20 de Junho - que define as bases gerais do sistema de transportes terrestres - ao Chefe do Executivo, competência para outorga das concessões de serviços públicos de transporte;
   - a Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, que estabelece as bases gerais do regime de concessões de obras públicas e serviços públicos, sujeita tais concessões a concurso (artigo 5.°, n.º 1) e impõe que as mesmas sejam atribuídas por contrato titulado por escritura pública (artigo 6.°), obrigatoriamente publicados no Boletim Oficial (alínea c) do artigo 24.°);
   mas, no entanto, o que se sindica nestes autos, relembre-se, é (apenas e tão só) uma decisão administrativa concreta, dirigida à ora Recorrente e que produziu efeitos na sua esfera jurídica, apesar de praticada com invocação de fundamentos de direito que lhe não são aplicáveis, por entidade incompetente para o efeito: a Senhora Directora dos Serviços de Finanças, e não, como deveria ter acontecido, o notário.
   Aliás, em caso de indeferimento da pretensão, tivesse a decisão sido proferida pelo notário e ao abrigo de normas que não as de natureza fiscal, outra teria sido a via impugnatória: cumprir-se-ia com o artigo 186.º do Código do Notariado, reclamando administrativamente para o Senhor Director dos Serviços de Justiça e, caso fosse necessário o acesso à via judicial, tudo se processaria de acordo com os artigos 197.º e seguintes do mesmo diploma.
   Por isso, com o devido respeito que merece opinião de sinal contrário, não se verifica ilegitimidade activa da ora Recorrente, devendo os presentes autos prosseguir os seus termos até final...”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. A Recorrente requereu, junto da DSF, a publicação no Boletim Oficial da Região do Contrato outorgado em 04/01/2011 com o Governo da RAEM designado "Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros", mediante escritura exarada a fls. 91 a 100 do Livro n.º 21A da Divisão de Notariado da DSF, pedido sustentado na alínea c) do artigo 24.º da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio.
2. Por despacho de 05/07/2011, exarado na Informação n.º 089/NAJ/SM/2011, a Directora da DSF indeferiu o pedido, com fundamento na natureza do contrato celebrado, que qualificou como uma prestação de serviços, sustentando-se na análise vertida na informação n.º 044/DCP/2011.
3. Da decisão da Directora da DSF foi interposto, em 12/08/2011, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, ao abrigo do artigo 153.º do CPA.
4. Este recurso hierárquico não foi objecto de decisão nos prazos previstos nos números 1 e 2 do artigo 162.º do CPA.
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III – Fundamentos
Cumpre agora apreciar as excepções de ilegitimidade activa e de erro na forma do processo suscitadas pelo Mº Pº.
Dispõe o artº 33º do CPAC que têm legitimidade para interpor recurso contencioso:
a) As pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;
b) Os titulares do direito de acção popular;
c) O Ministério Público;
d) As pessoas colectivas, ainda em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpra defender;
e) Os municípios, também em relação aos actos que afectem o âmbito da sua autonomia.
A recorrente entende que a não publicação do contrato celebrado entre ela e a RAEM é ilegal, “lesando-a de tal forma que lhe conferiu um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso” .
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que lhe assista razão.
Em primeiro lugar, a recorrente não é titular do direito de acção popular, nem é alguma das entidades previstas nas al. c), d) e e) do citado artº 33º do CPAC.
Assim, a sua legitimidade para interpor o presente recurso tem de se fundar na al. a) do artº 33º do CPAC.
No caso em apreço, pergunta-se então qual é o direito subjectivo ou interesse legalmente protegido da recorrente em que foi lesado pelo acto recorrido? Qual é o interesse directo, pessoal e legítimo da recorrente no provimento do recurso?
A recorrente disse que era para a defesa da legalidade, para além da defesa do seu estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros.
Porém, a primeira não é um interesse directo e pessoal, mas sim um interesse público em geral e a entidade com legitimidade para o efeito é o Mº Pº e não a recorrente.
Quanto à defesa do seu eventual estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros, bem notou o Dignº. Procurador Ajdunto do Mº Pº que “o recurso contencioso é, de todo em todo lado, meio inepto e incapaz de alcançar ao efeito subjacente da recorrente, efeito que, no fundo, consiste em lhe vir a ser reconhecido o estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros”.
Pois, como é sabido, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica – artº 20º do CPAC – e não visa reconhecer qualquer direito ou interesse legalmente protegido.
Verifica-se aqui portanto também um erro na forma do processo para a pretensão real da recorrente; o meio processual idóneo seria uma acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. artº 100º e ss. do CPAC).
Além disso, cumpre dizer que não é pela publicação ou não do contrato em causa no BO que se vai determinar a existência ou não daquele estatuto, o mesmo só pode resultar-se da análise do próprio contrato.
Ou seja, a recusa da publicação nunca pode lesar o verdadeiro estatuto jurídico da recorrente a que tem direito.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedentes as excepções suscitadas pelo Mº Pº e consequentemente rejeitar o recurso contencioso interposto.
*
Custas pela recorrente com 6UC taxa de justiça
Notifique e registe.
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RAEM, aos 25 de Outubro de 2012.

Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vitor Coelho
Lai Kin Hong

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