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Processo n.º 785/2011
(Recurso contencioso)

Data : 25/Outubro/2012

ASSUNTOS:
- Errada aplicação e notificação desse regime ao interessado
- Princípio da confiança
- Alteração da situação jurídica relevante condicionante da residência provisória na RAEM


SUMÁRIO:
    1. Não obstante sobrevir a alteração para menos do salário mensal de um administrador executivo de uma dada sociedade, continuando ele nas mesmas funções e passando até a ser o sócio único da empresa, afigura-se que a alteração do salário não integra o requisito previsto no artigo 18º do RA n.º 3/2005 de forma a verificar-se uma alteração da situação jurídica relevante que determinou a concessão da sua residência temporária.
    
    2. Uma errada aplicação, por parte da Administração, do regime legal regulador da situação da residência temporária do interessado e comunicação da aplicabilidade desse regime, que não impunha uma dada obrigação que entretanto se veio a impor à luz do regime posterior, pode condicionar a sua postura quanto ao cumprimento dos deveres e obrigações que a nova lei lhe impunha.

                Relator,
  


(João Gil de Oliveira)














Processo n.º 785/2011
(Recurso Contencioso)

Data : 25 de Outubro de 2012

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, inconformado como o despacho que lhe negou o pedido de renovação de autorização de residência temporária na RAEM, veio interpor recurso contencioso, alegando em síntese conclusiva:
A) Em 19 de Abril de 2005, o Recorrente apresentou um pedido de autorização de residência temporária na RAEM, com o fundamento de ser quadro dirigente (como Administrador Executivo) da Sociedade auferindo o salário mensal de MOP40,000.00, pedido esse que foi deferido pelo IPIM a 25 de Setembro de 2005, com validade até 15 de Agosto de 2008, nos termos do n.º 2 do artigo 2° do D.L. n.º 14/95/M, de 27 de Março;
    B) Durante o período de validade da autorização de residência, o Recorrente passou a ser o único sócio da Sociedade, tendo necessidade de reduzir o seu salário como quadro dirigente para MOP10,000.00, para diminuir as despesas da Sociedade, facto que permitiu a esta ver a sua situação financeira melhorar e que foi reconhecido pelo IPIM que manifestou a sua satisfação com o resultado e desempenho da Sociedade enquanto Sociedade Offshore de Macau;
    C) No passado dia 7 de Julho de 2008, o ora Recorrente apresentou o pedido de renovação da sua autorização de residência temporária enquanto quadro gerente, tendo apenas sido contactado pelo IPIM no dia 17 de Março de 2011, requerendo a apresentação complementar do Contrato de Trabalho e outros documentos complementares que foram prontamente submetidos;
    D) Finalmente no dia 19 de Outubro de 2011, o IPIM notificou o Recorrente, através do ofício n.º 16108/GJFR/2011, do despacho do Secretário para a Economia e Finanças que decidiu a não renovação do pedido de autorização por falta da comunicação ao IPIM da alteração de salário nos termos da alínea n.º 3 do artigo 18º do RA. N.º 3/2005;
    E) De acordo com disposições transitórias estabelecimentos no n.º 2 do Artigo 22.º da RA. N.° 3/2005, "Consideram-se também como já apresentados, para efeitos da alínea 3) do número anterior, os pedidos ainda não formalmente aceites mas que se encontrem em lista de espera para serem apresentados, como tal registados nas bases de dados do Instituto para a Promoção do Investimento e Comércio de Macau" pelo que o disposto na alínea 1) do n.º 1 do Art. n.º 22 do Decreto-Lei n.º 14/95/M; de 27 de Março, continua a ser aplicável ao pedido do Recorrente (incluindo o pedido de renovação) até à conclusão do acto administrativo;
    F) Não obstante, o Secretário de Economia decidiu não autorizar a renovação nos termos do art. n.º 18 do RA. n.º 3/2005, não considerando as disposições transitórias do n.° 2 do Artigo 22.º do mesmo regulamento, o que não se compreende uma vez que o IPIM aquando da notificação ao Recorrente da autorização inicial de Residência Temporária - por via do ofício n.º 14072/GJFR/P0771/2005 - fez a seguinte observação:
    "依據3月27日第14/95/M號法令第7條第3款之規定,茲通知閣下如與現職公司之工作合同已失效,請於失效後30天內,以書面通知本局和提供從事新行業活動的證明文件,否則閣下臨時居留申請之批准會被取消。"
    Donde se conclui que o IPIM também considerou, e bem, que ao caso em análise aplicar-se-á o disposto no DL 14/95/M de 27 de Março;
    G) Pelo que, ao não aplicar agora a disposição transitória do R.A. 3/2005 mas as disposições materiais deste para avaliar o pedido de renovação, o IPIM violou claramente a lei, pelo que o acto administrativo de não renovação, que está enfermado de ilegalidade, é anulável nos termos do artigo 124° do CPA;
    H) Desde a primeira autorização de residência até hoje que o Recorrente desempenha o cargo de Administrador Executivo (em Inglês: Chief Executive Officer), sendo actualmente o único sócio da Sociedade e apesar de ter reduzido o seu salário mensal, nunca o seu contrato foi resolvido e o próprio IPIM já reconheceu que a Sociedade Offshore está a conduzir a sua actividade de forma positiva, o que resulta dos esforços constantes do Recorrente enquanto Administrador Executivo da Sociedade, o que lhe permite renovar sucessivamente a licença comercial offshore;
    I) Pelo que se conclui que não há perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, nos termos de Art. n.º 7° do D.L. 14/95/M;
    J) Por outro lado, de acordo com alínea c) do art. n.º 1 do D.L. 14/95/M, o pressuposto material para a autorização de residência temporária é o desempenho de um quadro dirigente, não se especificando que o salário ou qualquer benefício do quadro dirigente faz parte da situação juridicamente relevante que fundamente a referida autorização de residência;
    L) Torna-se essencial lembrar que o Recorrente não é um simples empregado mas sim um quadro dirigente da Sociedade - qualidade que fundamentou (e fundamenta) a autorização de residência - sendo actualmente o seu único sócio, participando nos lucros desta, nunca se tendo demitido, ou resolvido o seu contrato, pelo que a alteração do salário do Recorrente não se pode considerar suficiente para constituir uma alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência (como dirigente) tal como resulta do supracitado Ofício n.º 14072/GJFR/P0771/2005.
    M) E mantendo-se a situação jurídica de quadro dirigente, mantém-se os pressupostos legais referidos no artigo n.º 1, alínea c) do DL 14/95/M que fundamentaram a concessão da autorização pelo que o acto administrativo de não renovação da autorização de residência está em clara violação à lei, sendo anulável nos termos do artigo 124° do CPA;
    N) Um dos princípios gerais da legislação administrativa de Macau é o Princípio da Participação (artigo 10° do CPA) segundo o qual se promove a participação dos administrados no processo de decisão que lhes disserem respeito, designadamente através da audiência de interessados prevista no artigo 93° do mesmo diploma que, no entanto, no caso sub judice, não se realizou apesar de nenhum dos motivos para a inexistência ou a dispensa da mesma ter ocorrido;
    O) E a realização de tal audiência revestia ainda maior importância uma vez que a decisão de não renovação da autorização tem cariz sancionatório para o Recorrente a Administração tinha de convocar e realizar a audiência de interessados por forma a permitir ao Recorrente exercer o seu direito de ser ouvido antes de ser proferida a decisão final;
    P) Estamos pois perante a violação de um princípio geral da actividade administrativa, pelo que o presente acto administrativo enferma de nulidade, nos termos do art. 122°, n.º 2, alínea f) do CPA uma vez que é um acto que carece em absoluto de forma legal.
    Q) Na notificação inicial da decisão administrativa (ofício n.º 14072/GJFR/P0771/2005), o IPIM apenas notificou o Recorrente da necessidade de notificar por escrito este órgão no caso do seu contrato ser resolvido, devendo fornecer provas do desempenho de nova actividade, não informando o Recorrente de qualquer outro dever, nomeadamente de comunicar ao IPIM qualquer alteração ao contrato existente;
    R) Tal actuação do IPIM está em total desacordo com o previsto na alínea b) do artigo n.º 68 do CPA que estabelece que devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que imponham deveres, sujeições ou sanções ou lhes causem prejuízos;
    S) Ficou claro que o IPIM não notificou ao Recorrente de que tinha o dever de comunicar ao IPIM qualquer alteração ao contrato no prazo de 30 dias, nomeadamente a alteração do salário, por isso, não se podia esperar que o Recorrente, que desconhecia tal dever, tivesse comunicado por escrito a redução do seu salário ao IPIM, que aliás, não lhe é aplicável neste caso, não podendo a Administração recusar a renovação da autorização de residência temporária em Macau por violação de uma obrigação que sobre ele não existia.
    Nestes termos, defende, deve o presente recurso ser apreciado e em conformidade ser declarada a nulidade do acto administrativo nos termos do artigo 122°, n.º 2, alínea f) do CPA, por violação dos artigos 10° e 93° do CPA ou, caso assim não se entenda, ser o mesmo acto administrativo anulado nos termos do disposto no artigo 124° do CPA.
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, veio apresentar a sua CONTESTAÇÃO, alegando, em suma:
    A) O recorrente inscreveu-se no IPIM, para efeitos de apresentação do seu pedido de autorização temporária de residência, já após a entrada em vigor do RA 3/2005, pelo que lhe não são aplicáveis as disposições transitórias do respectivo art. 22º.
    B) A remuneração de um quadro dirigente é elemento essencial do respectivo contrato, que não pode ser ignorado pela Administração na apreciação dos pedidos de autorização temporária de residência;
    C) Resulta do processo administrativo instrutor que ao interessado foi concedida audiência antes da tomada de decisão;
    D) A Administração não tem de notificar os interessados das obrigações que para eles resultem directamente da lei, como é o caso da obrigação prevista no art. 18º, nº 3, do RA 3/2005.
    Nestes termos, entende dever ser negado provimento ao recurso.
    A, em sede de alegações facultativas reafirma, no essencial:
    A. Não existe qualquer fundamento atendível à não renovação da autorização de residência ao ora Recorrente.
    B. E muito menos se entende o alcance da errada aplicação da Lei.
    C. Se por um lado, a Entidade Recorrida deferiu o pedido inicial com base no D.L. 14/95/M, em 2005, quando este já não estava em vigor, já em 2010, decidiu não aplicar as disposições transitórias previstas no art. 22º do R.A 3/2005, que para ele remetiam.
    D. Fundamenta a Entidade Recorrida a sua decisão num motivo isolado, isto é, na falta de comunicação ao IPIM de alteração do salário, nos termos da alínea n.º 3 do artigo 18 do Regulamento supra citado.
    E. Pois bem, o Recorrente sempre pautou a sua actuação pela diligência e cumpriu tudo aquilo que lhe foi pedido pelo IPIM e, jamais poderia conceber que uma alteração salarial poderia constituir fundamento para o indeferimento do seu pedido.
    F. Até porque, não era dever do Recorrente saber que teria que comunicar tal alteração salarial ao IPIM, e nos termos do Decreto-Lei 14/95/M, com base nos quais aliás foi notificado, tal não era exigível.
    G. Acresce que, estamos perante uma sociedade que se apresenta de "boa saúde" e com perspectivas de desenvolvimento, aliás, facto esse atestado pelo IPIM em Janeiro de 2010, nada fazendo prever este desfecho.
    H. Salvo melhor opinião, parece pouco razoável que se negue ao administrador, sócio único e ora Recorrente, a hipótese de continuar a sua actividade em Macau dificultando assim o desenvolvimento da mesma, só pelo simples facto não se renovar a autorização de residência ao Recorrente, com base numa redução salarial, questão que já foi devidamente explicada e, seguramente, deveria ser uma questão a ultrapassar.
    Nestes termos, sustenta, deve o presente recurso ser julgado procedente e em conformidade deve o acto recorrido ser declarado nulo por ilegal, porque ofende o disposto nos artigos 10° e 93° do CPA.
    Caso assim não se entenda, deve ser o mesmo acto administrativo anulado nos termos do disposto no artigo 124° do CPA.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, veio apresentar as suas alegações facultativas, concluindo da seguinte forma:
    1. O requerimento inicial de autorização de residência apresentado pelo recorrente foi, e só podia ter sido, apreciado ao abrigo do RA 3/2005;
    2. Um lapso da Administração cometido na redacção de uma notificação, ou de outra correspondência, não a exime da aplicação da lei que seja aplicável a cada caso;
    3. Não existe discricionariedade administrativa na escolha da lei aplicável;
    4. Não foi praticado qualquer acto administrativo que tenha imposto ao recorrente ónus, sujeição ou sanção;
    5. O recorrente estava legalmente obrigado a comunicar à Administração qualquer alteração relevante na situação de facto que fundamentara a autorização concedida, não podendo escusar-se com a ignorância da lei;
    6. O salário do recorrente foi um dos pressupostos de facto do despacho de autorização de residência.
    Por estas razões, pugna pela improcedência do presente recurso.

O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    É certo que, como entende a entidade recorrida, nos circunstancialismos, designadamente temporais, documentalmente relatados e confirmados nos autos e respectivo instrutor, o requerimento inicial de autorização de residência apresentado pelo recorrente só poderia ser apreciado ao abrigo do RA 3/2005, não existindo, no caso, discricionariedade administrativa na escolha da lei aplicável, sendo também certo que, à luz de tal diploma, mais concretamente do n° 3 do seu art° 18°, teria o interessado o dever de comunicar ao IPIM a extinção ou alteração dos respectivos fundamentos no prazo de 30 dias a contar da mesma.
    Independentemente da consideração sobre se o constatado sobre a nova posição profissional do recorrente seria ou não passível de configurar a efectiva alteração de "situação juridicamente relevante" que fundamentou a concessão da primitiva autorização (matéria em que, como já sustentámos em sede de suspensão de eficácia, se nos afigura alguma "miopia" por parte da Administração), é, no entanto, certo que na notificação que lhe foi efectuada sobre aquela autorização (cfr. fls. 24), lhe foi expressamente referido que a mesma lhe era concedida ao abrigo do Dec Lei 14/95, fazendo-se, inc1usivé, menção de dispositivos legais respectivos, atinentes a obrigações a observar.
    Ora, sendo verdade que esse lapso da Administração na notificação, porque exterior ao acto, não será passível de condicionar a validade do mesmo (quando muito, a eficácia respectiva), não eximindo a aplicação dos termos legais correctos para o caso, não é menos certo que, com tal lapso, os serviços administrativos induziram em erro o destinatário quanto àqueles termos e, consequentemente, quanto às obrigações específicas decorrentes dos mesmos.
    Para todos os efeitos, a quem tivesse sido concedida a autorização de residência temporária ao abrigo do Dec.- Lei 14/95/M, continuaria a aplicar-se a disciplina respectiva, de acordo com o previsto na al. l ) do n.º 1 do art° 22°, RA 3/2005, sendo que dessa disciplina não decorre a obrigatoriedade da comunicação a que se reporta o n.º 3 do art. 18° deste último diploma, cuja inobservância constituiu, precisamente, o fundamento, a motivação do acto sob escrutínio.
    Queremos com isto salientar que, não se pondo em questão que, no caso específico do recorrente, o regime a aplicar deveria ser, e foi, o do RA 3/2005, se nos afigura, contudo, que, face ao erro, ao engano que ela própria provocou com o tipo de notificação empreendida, o acto sob escrutínio, de âmbito discricionário, se apresenta com foros de afronta da "confiança suscitada na contra parte pela actuação em causa" (al. a) do nº 2 do art. 8°, CPA).
    Donde, sermos a entender que, por atropelo da boa-fé, haver que proceder o recurso.
Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    Consta dos autos a seguinte comunicação do interessado referente ao seu vencimento:

“Para: Departamento dos Serviços Offshore - Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Data: 17 de Março, 2011

Acerca de retribuição auferida por sócio

Desde Dezembro de 2004, quando esta empresa foi fundada em Macau, conseguiram-se muitos desenvolvimentos nos negócios. No entanto, em 10 de Julho de 2007, a empresa deixou de contar com dois clientes principais, nomeadamente a C Asia Limited e a C Diffusion France, que juntas tinham tomado 90% das suas vendas. A isso juntando as dificuldades de descida abrupta das vendas e de falta de clientela nova, devidas à crise financeira global que surgiu em 2008, para atravessar o transe em solidariedade com a empresa, bem como atender às necessidades dos futuros desenvolvimentos, o sócio A diminuiu a sua retribuição, por sua própria iniciativa, a HKD 10.000,00 por mês, com efeitos a partir de Fevereiro de 2008.

Desde então até ao presente, registaram-se avanços contínuos e robustos, logo, decide-se que a retribuição do sócio desde então até ao presente passe a aumentar a HKD 20.000,00 por mês a partir de 1 de Março de 2011.

D (Comercial Offshore de Macau) Limitada
       For and on behalf of
       D (Macao Commercial Offshore) Limited

(Ass.: Vide o original)
       Authorized Signatures
A”

É do seguinte teor a notificação do indeferimento objecto do presente recurso e parecer que lhe serviu de suporte:

“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Vossa referência n.º:
Data de emissão:
Nossa referência n.º: 16108/GJFR/2011
Data:17/10/2011
Exmº. Sr.º A
XXXXXX
Nape, Macau

Assunto: requerimento da renovação da autorização de residência temporária - notificação de indeferimento (P0771/2005/01R)
Exmº. Sr.º:

  Ao abrigo do art.º 68.º al. a) do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se, por este meio, que o Chefe do Executivo da RAEM conferiu a competência ao Secretário para a Economia e Finanças a proferir o despacho em 30 de Setembro de 2011, no qual, foi indeferido o requerimento da renovação da autorização de residência temporária apresentado pelo seguinte indivíduo. O despacho é proferido com base no teor das três folhas do parecer constante dos autos da V. Ex.ª. Anexa-se a cópia, especificando os motivos de indeferimento.
  
n.º
Nome
Documento de identificação e número
1
A
Bilhete da Identidade de Residente Permanente da RAEHK:G800878 (6)

  Nos termos do Código do Procedimento Administrativo, se o Sr.º discorde da decisão acima referida, poderá, no prazo de 15 dias (a contar desde da data de notificação / mesmo abaixo), apresentar a reclamação ao Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças, ou interpor o recurso contencioso ao Tribunal da Segunda Instância no prazo de 30 dias conforme as leis.

  Com os melhores cumprimentos.

Presente do
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
XXX
Ass.: vide. o original”

*
“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

   Informação n.º 0771/Residência/2005/01R quadro dirigente-inovação
   Requerente - A aplicável ao Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
Ass.: vide o original
30/09/09
    
Parecer da Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau

Exm.º Sr.º Secretário para a Economia e Finanças:
  Por análise, a situação de retribuição do requerente não é idêntica à condição autorizada originalmente, e o requerente não cumpriu a obrigação de comunicação de alteração de situação nos termos legais, nos termos do art.º 18.º do Regulamentos Administrativo n.º 3/2005, emiti o parecer desfavorável à autorização de residência temporária do seguinte interessado, propondo que seja indeferido o respectivo requerimento.
  
n.º
Nome
relação
1
A
requerente
Solicita-se a decisão do Exm.º Sr.º.
Ass.: vide o original
XXX/Presidente
30/08/2011

Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
Concordo com a proposta.
Ass.: vide o original
XXX
Director-Adjunto Substituto
26/08/2011


*
INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

   Informação n.º 0771/Residência/2005/01R quadro dirigente-inovação
   Requerente - A aplicável ao Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Assunto: Revisão do requerimento da residência temporária

Comissão Executiva:

1. A identificação do interessado e a validade de residência temporária autorizada proposta:
    Nn.º
Nome
Relação
Documentos/n.º
Válidade
Validade da residência temporária
Validade da residência provisória autorizada proposta
    1
A
Requerente
Bilhete da Identidade de Residente Permanente da RAEHK:XXXX
    
15/09/2008
    
2. Foi autorizado pela primeira vez o requerimento da residência temporária do requerente, com os seguintes fundamentos:
Empregador: C (Comercial Offshore de Macau) Limitada (posteriormente conhecido por E (Comercial Offshore de Macau) Limitada)
Cargo: Chief Executivo Officer
Salário mensal: MOP$ 40.000,00
Prazo de contratação: entrada em vigor após uma semana da autorização de residência temporária.
3. Para o efeito de inovação, o requerente apresentou o seguinte documento de emprego:
Empregador: E (Comercial Offshore de Macau) Limitada
Cargo: Chief Executive Officer
Salário mensal: MOP$ 20.000,00 (a retribuição no período compreendido entre 12/07/2006 e 01/03/2011 é apenas de MOP$ 10.000,00)
Prazo de contratação: não especifique.
4. De acordo com o parecer do Departamento dos Serviços Offshore do presente Instituto, indica-se que a C (Comercial Offshore de Macau) Limitada já alterou o nome comercial como a E (Comercial Offshore de Macau) Limitada em Outubro de 2006, cujo principal serviço é vender óculos. Esta Companhia já arrendou uma propriedade com área cerca de 910 pés quadrados como estabelecimento comercial da Companhia e contratou quatro trabalhadores para tratar o negócio (segundo os registos, actualmente há dois indivíduos nesta Companhia que já requereram a autorização de residência temporária e já obtiveram a autorização), o montante de investimento desta Companhia em Macau desde licenciamento até hoje já superou de longe a expectativa de plano de investimento. De acordo com os registos do presente Departamento, a Companhia, além da apresentação do Relatório de Auditoria do ano 2008 fora do prazo estipulado deste ano, não tem outro indício de deixar de funcionamento ou registo de violar a legislação offshore, e mesma foi classificada como positiva no andamento de investimento em Macau. (vide fls. 47 do documento).
5. Contudo, após a verificação, inicialmente foi concedido ao requerente a autorização de residência temporária por ser empregado pela C (Comercial Offshore de Macau) Limitada como “Chief Executive Officer”, com salário mensal de MOP$ 40.000,00; conforme o documento apresentado pelo requerente, foi verificado que as condições de contratação do requerente já foram alteradas desde 12 de Julho de 2006 e o salário mensal reduziu para MOP$ 10.000,00 (vide fls. 13 a 18 do documento).
6. Nos termos do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente deve manter, durante todo o período de requerimento e após a autorização do requerimento, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. O requerente deve comunicar, por escrita, ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração. O não cumprimento da obrigação de comunicação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
7. Quanto à situação supracitada, os funcionários da presente Divisão (sic.) telefonaram respectivamente ao requerente e aos seus colegas em 17 de Março de 2011 para exigir-lhes a apresentação da declaração de serviço e dos respectivos documentos da Companhia para explicar a questão de alteração de retribuição.
8. O requerente apresentou a contestação por escrita e os respectivos documentos da Companhia em 25 de Março de 2011. Por documentos, foi provado que o requerente adquiriu 100% das acções desta Companhia desde 22 de Junho de 2006 na qualidade de administrador de não sócio, tornando-se no sócio individual desta Companhia. (vide fls. 23 a 28)
9. Além disso, por documentos, foi verificado que desde 12 de Julho de 2006, a retribuição mensal do requerente diminuiu para HKD$ 10.000,00 (sic.). Face à situação em apreço, o requerente explicou que fez alteração devido ao decréscimo súbito de volume de venda da Companhia e à dificuldade sem fonte nova de clientes. Desde 1 de Março de 2011, a retribuição mensal do requerente foi reajustada novamente para HKD$ 20.000,00 (sic.) (vide fls. 9).
10. Conforme a situação supracitada, a retribuição do requerente é apenas de MOP$ 10.000,00 no período de 12 de Julho de 2006 e 1 de Março de 2011, ficando com MOP$ 30.000,00 a menos em comparação com o salário mensal declarado no momento da concessão da autorização de residência temporária - “MOP$ 40.000,00”, existindo realmente a alteração da situação jurídica, contudo, o requerente não comunicou, por escrita, ao presente Instituto a alteração da situação jurídica no prazo de 30 dias, pelo que a situação do requerente não se enquadra manifestamente ao disposto do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Nestes termos, a autorização de residência temporária do requerente deve ser cancelada nos termos legais, não se pode dar consideração positiva para este requerimento de renovação.
11. Pelos expostos, com base nos factos e nas disposições legais supracitadas, propõe-se seja indeferido este requerimento de renovação do requerente A.
Solicita-se a autorização do superior.
Técnico auxiliar
Ass.: vide o original
2011 (data ilegível)”
    IV - FUNDAMENTOS
    1. São as seguintes questões que importa apreciar, tal como colocadas pelo recorrente:
    a) A Administração errou ao aplicar-lhe o RA n.º 3/2005 em vez do DL 14/95/M;
    b) A Administração errou ainda ao considerar ter ocorrido uma alteração das circunstâncias juridicamente relevantes;
    c) A Administração violou o seu direito a ser ouvido antes da tomada de decisão;
    d) E, finalmente, terá havido “falta de notificação” (sic).
    
    2. Da lei aplicável
    2.1. Para fundamentar o acto administrativo do qual se recorre, o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças socorreu-se do disposto no art. 18º do R.A. n.º 3/2005.
    Importa saber se descurou, assim, as disposições transitórias do n.º 2 do artigo 22° daquele Regulamento e o regime legal em que se baseou a notificação da autorização de residência.
    Foi com base no referido preceito
    "O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização",
    que foi indeferido o pedido do recorrente, discordando ele da aplicação dessa norma constante de um diploma não aplicável ao caso.
    
    2.2. Diz o recorrente que não parece razoável exigir-lhe que tenha conhecimento do dever de comunicação ao IPIM de qualquer alteração ao contrato, nomeadamente a alteração do salário, pois que, aquando da autorização inicial, foi ele notificado nos termos do Decreto-Lei 14/95/M de 27 de Março, nada fazendo prever que a renovação da residência temporária se tramitasse de outra forma.
    Para mais, prevendo o art. 68º do CPA,
    "Devem ser notificados a todos os interessados os actos administrativos que imponham deveres, sujeições ou sanções que lhes causem prejuízos".
    Estaria ferido de nulidade tal acto por violação do disposto no art. 122°, alínea f) do CPA.
    Não obstante o pedido do recorrente ter dado entrada a 13 de Abril de 2005, o despacho que defere o pedido de autorização de residência temporária é elaborado com base nos termos do n.º 2 do artigo 2° do DL 14/95/M, de 27 de Março.
    A decisão de não renovação de autorização de residência tomada pela entidade recorrida consubstanciaria, assim, uma aplicação errada da lei porque, ao não aplicar a disposição transitória do R.A. 3/2005, atendeu em concreto aos requisitos materiais deste, não aceitando o recorrente que seja aplicado o diploma mais recente para a fundamentação impondo um dever de comunicação que não existia ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M, com base no qual foi notificada a decisão e o qual foi materialmente por ele observado.
    2.3. Importa assim observar qual o regime aplicável.
    Atentemos nas disposições transitórias constantes do art. 22º, n.º 1, al. 3, e n.º 2, do RA n.º 3/2005, de 4/Abril, entrado em vigor no dia da sua publicação (conforme estabelece o art.25º):

Artigo 22.º
Disposições transitórias
    1. O disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, com a redacção dada pelos Decretos-Leis n.º 22/96/M, de 22 de Abril, e n.º 22/97/M, de 11 de Junho, continua a aplicar-se:
    1) Às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M e à respectiva renovação;
    2) Aos pedidos de extensão da autorização de residência temporária para os membros do agregado familiar apresentados pelos interessados aos quais tenha sido concedida a autorização de residência temporária ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M;
    3) Aos pedidos já apresentados nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau à data de entrada em vigor do presente diploma.
    2. Consideram-se também como já apresentados, para efeitos da alínea 3) do número anterior, os pedidos ainda não formalmente aceites mas que se encontrem em lista de espera para serem apresentados, como tal registados nas bases de dados do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau.
    2.4. Só em 13 de Abril desse ano se inscreveu o recorrente no Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) com o objectivo de apresentar o seu pedido de autorização de residência, tendo-lhe nesse mesmo dia sido dada uma senha, marcando o dia 19 de Abril para o efeito (doc. 1 anexo), e vindo ele a entregar o dito requerimento nesse dia, 19 de Abril (doc. 2 anexo).
    Não há pois dúvida de que o caso do recorrente já cai plenamente sob o quadro normativo constante do RA n.º 3/2005 e o facto de ter sido notificado com referência a um diploma que já fora revogado não pode determinar o regime aplicável, pois que a lei rege por si, não estando a sua aplicação dependente de uma errada interpretação ou de uma errada aplicação, não podendo aplicar-se por uma determinada notificação fazer referência a uma legislação já revogada.
    Na verdade, esse lapso da Administração na notificação, porque exterior ao acto, não será passível de condicionar a validade do mesmo, não eximindo a aplicação dos termos legais correctos para o caso
    Se, com tal lapso, a Administração induziu em erro o destinatário quanto àqueles termos e, consequentemente, quanto às obrigações específicas decorrentes dos mesmos, na medida em que a quem tivesse sido concedida a autorização de residência temporária ao abrigo do Dec Lei 14/95/M se continuaria a aplicar a disciplina respectiva, de acordo com o disposto na supra-citada al. 1) do n.° 1 do art° 22°do RA n.º 3/2005 - sendo que da disciplina daquele diploma não decorre a obrigatoriedade da comunicação a que se reporta o n.º 3 do art. 18° deste último, cuja inobservância constituiu, precisamente, o fundamento, a motivação do acto sob escrutínio -, essa é outra questão que mais adiante se apreciará.
3. Da falta de notificação
3.1. Relacionada com a questão precedente está o vício referente a uma pretensa falta de notificação. Já que na primeira notificação da decisão administrativa (ofício n.º14072/GJFR/P0771/2005 - DOC.3), o IPIM só notificou o Recorrente nos seguintes termos:
    "依據3月27日第14/95/M號法令第7條第3款之規定,茲通知閣下如與現職公司之工作合同已失效,請於失效後30天內,以書面通知本局和提供從事新行業活動的證明文件,否則閣下臨時居留申請之批准會被取消。 "
    Em causa estaria o vício da incorrecta aplicação da Lei, nomeadamente por se aplicar o D.L. n.º 14/95/M de 27 de Março e não o RA n.º 3/2005, não existindo nenhum dever de comunicar ao IPIM qualquer alteração ao contrato existente.
    Sustenta ainda o recorrente que, tendo ficado claro que o IPIM não notificou o recorrente de que tinha o dever de comunicar ao IPIM qualquer alteração ao contrato no prazo de 30 dias, nomeadamente a alteração do salário, por isso mesmo não se podia esperar que o recorrente, que desconhecia tal dever, tivesse comunicado por escrito a redução do seu salário ao IPIM.
3.2. O ponto está em saber se a lei, que deve reger directamente, e não já porque determinada entidade diz ser aplicável e qual a aplicável, se impõe ou não por si e, portanto, se a obrigação decorre directamente da lei, como tal devendo ser acatada pelos destinatários.
O ponto reconduz-se ainda aqui a extrair as consequências de uma errada indicação quanto ao regime aplicável.
Adiante veremos.
    4. Da audiência prévia
    4.1. Invoca o recorrente o vício decorrente da falta de audiência prévia antes da tomada de decisão.
    4.2. Mas não tem razão.
    Como consta do processo instrutor e como nos dá conta o parecer em que se fundamentou o acto administrativo impugnado, o interessado foi contactado pelo IPIM a fim de justificar a referida alteração contratual e apresentou resposta, acompanhada de vários documentos.
    Não se observa, pois, a preterição dessa formalidade essencial decorrente, nomeadamente do disposto nos artigos 10º e 93º do CPA.
    5. Da "situação juridicamente relevante"
    5.1. Foi por o interessado não manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que viu denegada a sua pretensão de renovação de residência.
    Defende o recorrente, basicamente, que não houve alteração da situação juridicamente relevante.
    5.2. O recorrente foi autorizado a residir temporariamente em Macau ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 2º do DL n.º 14/95/M, de 27 de Março, alterado pelo DL n.º 22/96/M, de 22 de Abril e pelo DL n.º 22/97/M, de 11/Junho - e não ao abrigo do art. 1º, nº 3, do RA 3/2005, como pretende a entidade recorrida - como quadro dirigente, com base na sua contratação como administrador de uma empresa comercial local.
    Resulta do parecer que o despacho ora sob escrutínio absorveu, ter sido entendido que a remuneração auferida pelo mesmo era, certamente, um elemento essencial desse contrato, o que, realisticamente, como frisa, não pode ser ignorado na apreciação dos pedidos.
    Tendo ocorrido uma redução brutal desse montante (o interessado recebe agora apenas 25% do valor inicial), entende o órgão recorrido ter havido uma alteração da situação juridicamente relevante, com base na qual foi a autorização concedida.
    E porque tal alteração deve ser comunicada pelo particular ao IPIM no prazo de 30 dias, sob pena de revogação da autorização (art. 18º nº 4), foi-lhe negada a renovação da residência.
    
    5.3. O que dizer?
    O Digno Magistrado do MP refere-se à situação, ainda que não tenha sido essa a via escolhida para se pronunciar favoravelmente à anulação do acto, no seu douto parecer, em termos de miopia de apreciação.
    Somos, de facto, sensíveis a uma incorrecta avaliação dos pressupostos de facto que terão motivado a tomada de decisão.
    Desde logo, fica-se sem saber, ou melhor, tudo aponta para que o elemento decisivo na decisão proferida tenha sido o da diminuição da remuneração do interessado já que o seu vencimento passou de MOP$40.000,00 para MOP$10.000,00.
     O que se terá ficado a dever ao facto de o interessado ter deixado de ser trabalhador por conta de outrem para passar ele próprio a ser o detentor e accionista único da empresa.
    Ora, aquilo que impressionaria mais, à primeira vista, em termos de situação jurídica relevante, seria exactamente o papel, o cargo e as funções do recorrente e já não o seu vencimento, pois o facto de ganhar menos pode exactamente significar um investimento e capitalização da empresa apostada no desenvolvimento da venda de óculos, esse sim o know how a preservar para o empreendedorismo e para a diversificação económica da RAEM, na certeza de que a medida poria em causa a continuação daquela actividade económica e, eventualmente, de alguns postos de trabalho.
    Isto, como está bem de ver, sem que o Tribunal se pretenda imiscuir na acção governativa, cabendo à Administração dizer o que é bom ou não nesse domínio para o desenvolvimento e preservação dos interesses económicos da RAEM. Na certeza, porém, de que cabe a este Tribunal e aos cidadãos compreender as decisões e delas aferir os critérios da legalidade e seus pressupostos.
    É neste sentido que se estranha a valoração dada a um critério, o remuneratório, em detrimento da situação ou alteração jurídica do cargo de administrador executivo para o de proprietário e único sócio, não se deixando de observar, ainda neste âmbito, que em termos jurídicos a nova situação não deixa de abarcar a anterior.
    É por esta razão que nos inclinamos a considerar que não se observa o invocado fundamento para a denegação da prorrogação de residência, na medida em que o facto invocado não integra uma alteração de uma situação juridicamente relevante.
    5.4. Tanto mais que essa diferença remuneratória resulta de uma mudança funcional no cargo ou na posição societária, alteração esta desconsiderada na fundamentação da decisão proferida.
    Tanto mais que essa diferença, em si, nada significará, se o valor que se deixa de pagar resulta de uma diferença de conjuntura económica e jurídica, esta sim, não expressamente atendida.
Na verdade, não houve perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, pois, desde a primeira autorização de residência até hoje, o recorrente mantém-se como o Administrador, sócio único e administrador da Sociedade, cargo que desempenhou desde o início das operações em 15 de Novembro de 2004.
    Apesar de ter sido reduzido o seu salário mensal, o recorrente nunca se demitiu ou foi exonerado do cargo de Administrador Executivo da Sociedade.
    Em conformidade com o parecer do IPIM, a sociedade offshore em causa está a ser conduzida de uma forma positiva, tal como resulta de parecer junto aos autos. (Cfr. doc. 8).
5.5. Nesta conformidade, entende-se que a redução de salário não integra uma situação juridicamente relevante que fundamente a alteração dos pressupostos que se consideraram existentes anteriormente, sendo que podem fixar residência na RAEM, de acordo com alínea c) do art. n.º 1 do D.L. 14/95/M "Os quadros dirigentes e técnicos especializados por virtude da sua formação académica, qualificação e experiência profissional, consideradas de particular interesse para o Território"
    Os pressupostos a atender devem radicar ali, devendo a situação jurídica relevante dever ser analisada à luz dos valores prosseguidos por tal norma.
    Assim, embora o IPIM possa considerar que o salário mensal é um factor importante para o cargo de empregado, importa reter que o recorrente é sim um quadro dirigente da sociedade, qualidade que fundamenta a autorização de residência, sendo também actualmente o seu único sócio.
    Se o contrato com o recorrente como Administrador Executivo tivesse sido resolvido, haveria aí, sim, uma alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização (como dirigente), tal como resulta do supracitado ofício n.º 14072/GJFR/P0771/2005 (DOC.3). Mas não sobreveio tal alteração no exercício do cargo, que se mantém, apenas tendo havido alteração do salário do recorrente, o que se afigura não se poder considerar suficiente para constituir uma alteração da situação juridicamente fundamental, que serviu de base à concessão da autorização.
    Pelo que o acto administrativo de não renovação de autorização de renovação da residência com base na qualidade de quadro dirigente está em clara violação dos pressupostos estabelecidos por lei, sendo anulável nos termos do artigo 124° do CPA.
    
    6. Não obstante este entendimento relativamente à inexistência dos pressupostos invocados, voltamos agora às questões que ficaram em aberto, cumprindo responder se se deverá relevar a errada indicação do regime aplicável à situação do recorrente no que concerne ao seu pedido de renovação de residência.
    Dissemos acima que a lei rege, impõe-se por si, e não cabe à Administração escolher qual o regime aplicável. Só que, neste caso, há um pormenor que resulta da redacção do n.º 1, 1) do art. 22º do RA n.º 3//2005 que fala em autorizações concedidas ao abrigo do Dec.-lei n.º 14/95/M, de 27/ Março, - “autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M”.
    E foi esse o caso. Não se trata aqui de uma errada indicação, mas sim, tudo inculca nesse sentido, de uma aplicação errada de um regime, o que não deixará de condicionar a informação e actuação do particular interessado. Bem podia a Administração, face a tal erro, ter revogado o acto, fazendo a correcta integração jurídica da situação autorizada. O certo é que o não fez e dessa forma terá eventualmente provocado algum condicionamento.
    Saliente-se, não obstante, que se o pedido em 2005 terá sido formulado e deferido ao abrigo do regime do diploma de 1995, já no pedido de renovação formulado pelo interessado, em 2008, se invoca o RA n.º 3/2005.
    De qualquer modo, aproximamo-nos aqui do entendimento vertido pelo MP no seu douto parecer, enquanto diz que “não se pondo em questão que, no caso específico do recorrente, o regime a aplicar deveria ser, e foi, o do RA 3/2005, se nos afigura, contudo, que, face ao erro, ao engano que ela própria provocou com o tipo de notificação empreendida, o acto sob escrutínio, de âmbito discricionário, se apresenta com foros de afronta da "confiança suscitada na contra parte pela actuação em causa" (al. a) do n.° 2 do art. 8°, CPA).”
    E assim se dá resposta às questões que acima ficaram em aberto e se prendem com as consequências da aplicação ao caso de um regime que não impunha essa comunicação e por isso mesmo apelaria à necessidade da notificação para cumprimento desse dever.
    7. Uma outra via se poderia ensaiar.
    A legalidade do acto administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo o princípio tempus regit actum.
    Assim, se na data em que foi deferido o pedido de autorização de residência a Administração lhe aplicou um regime já revogado, teríamos de concluir pela anulabilidade do acto primitivo, o que inquinaria subsequentemente todo o procedimento posterior. Anulabilidade que não foi activada, fosse pelo particular, fosse pela Administração em termos de um acto revogatório.
    Só que essa questão não foi colocada nestes exactos termos, pelo que nos abstemos de a aprofundar, de forma a indagar das consequências do primeiro vício, ainda que não oportunamente invocado, no acto subsequente.
    8. De qualquer forma, por tudo quanto acima se disse, e, em particular, por inverificação do preenchimento fáctico do pressuposto invocado e que serviu de fundamento à denegação do pedido de prorrogação da residência, somos a decidir.
    Decidindo, pelas apontadas razões, no sentido da anulação do acto, ao abrigo do artigo 124º do CPA e não já da apontada nulidade, tal como vinha peticionado.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso e, em consequência, em anular o acto recorrido.
    Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrida.
               
Macau, 25 de Outubro de 2012
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vítor Coelho José Cândido de Pinho
785/2011 1/34