Processo nº 834/2012 Data: 08.11.2012
Assuntos : Decisão que determina a execução da pena de prisão (por inobservância do dever imposto como condição para a sua suspensão).
Audição do arguido.
Impossibilidade.
SUMÁRIO
1. A decisão de revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão deve ser precedida da audição do arguido.
2. Porém, não podendo o Tribunal obrigar o arguido a pronunciar-se, e constatando-se dos autos que teve o mesmo diversas oportunidades para se pronunciar não o fazendo, e que protelou injustificadamente o pagamento de uma indemnização decretada como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta e que devia ser paga em 30 dias, nenhuma censura merece a decisão que determinou a sua execução.
O relator,
___________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 834/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão de 15.02.2008, decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor de 2 crimes de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada, e, em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, na condição de no prazo de 30 dias, pagar a indemnização de MOP$5.000,00 à ofendida B; (cfr., fls. 150 a 151-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Em 11.06.2012, constatando-se que o arguido não tinha pago a referida indemnização nem apresentado qualquer justificação para tal, foi a decretada suspensão da execução da pena revogada; (cfr., fls. 239 a 239-v).
*
Inconformado, vem o arguido recorrer, afirmando, em síntese, que a decisão recorrida viola o art. 50°, n.° 1, al. b) e art. 476°, n.° 3 do C.P.P.M., dado que não foi ouvido antes da sua prolação; (cfr., fls. 248 a 254).
*
Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 270 a 272).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Encontramo-nos inteiramente de acordo com as doutas considerações expendidas pelo Exmo colega junto do tribunal “a quo”, o qual, além do mais, dá perfeita conta das exaustivas e infrutíferas diligências empreendidas por aquele Tribunal no sentido de se ouvir ou, sequer, notificar o recorrente para os efeitos da tomada da medida aqui controvertida.
O direito processual do arguido a ser ouvido pelo juiz sempre que este deva tomar decisão que pessoalmente o afecte (al b) do n° 1 do art° 50°, CPP) não pode ser encarado de modo absoluto, designadamente em situações, como a presente, em que o próprio condenado se coloca, voluntariamente, em posição de tornar impossível o respectivo exercício, tentando usar o mecanismo como forma de evasão à sanção legal, não se descortinando, pois, que, no caso, se tenha atropelado o conteúdo do n° 3 do art° 476° CPP, com pretensa ocorrência da nulidade prevista na al b) do n° 2 do art° 107° do mesmo diploma.
Tudo razões por que se entende haver que improceder o recurso, mantendo-se o decidido”; (cfr., fls. 290).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Vem A recorrer da decisão que lhe revogou a suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão que lhe foi decretada nos presentes autos.
Afirma que a decisão objecto do seu recurso viola o art. 50°, n.° 1, al. b) e art. 476°, n.° 3 do C.P.P.M., dado que não foi ouvido antes da sua prolação.
Cremos, porém, que o recurso não merece provimento.
Eis o que sobre a questão colocada se nos oferece dizer.
Nos termos invocado do art. 50° do C.P.P.M.:
“1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;
c) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar;
d) Escolher defensor ou solicitar ao juiz que lhe nomeie um;
e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;
f) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias;
g) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;
h) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
2. A comunicação em privado referida na alínea e) do número anterior ocorre à vista quando assim o impuserem razões de segurança, mas em condições de não ser ouvida pelo encarregado da vigilância.
3. Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:
a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado;
b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais;
c) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente”.
E, estatui o art. 476° do mesmo Código que:
“1. Qualquer autoridade ou serviço ao qual for pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos comunica ao juiz a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres ou regras de conduta.
2. A condenação pela prática de qualquer crime cometido durante o período de suspensão é imediatamente comunicada ao juiz competente para a execução, sendo-lhe remetida cópia da decisão condenatória.
3. O juiz decide por despacho quais as consequências do incumprimento ou da condenação referidos nos números anteriores, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do assistente e do condenado”.
Ora, como sem esforço se colhe do preceituado nos transcritos preceitos legais, nomeadamente, do n.° 1, al. b) do art. 50° e n.° 3 do art. 476°, os mesmos consagram um “direito do arguido em processo penal”, e que é o de ser ouvido antes da prolação de qualquer decisão que o possa afectar.
Todavia, e ainda que se nos mostre de considerar o dito direito um “direito fundamental”, há que admitir que o mesmo não é “absoluto”, e “invocável em toda e qualquer circunstância”.
De facto, se é o próprio arguido que, de forma consciente e deliberada, com a sua inércia ou dolo, deixa de exercer o seu direito a ser ouvido, não comparecendo após devidamente notificado nas datas designadas para o efeito, ou inviabilizando a sua notificação nos locais referenciados como as suas moradas no processo, então, e como parece evidente, impõe o bom senso que o processo não fique (eternamente) à espera que o arguido mude de opinião…
No caso, foi o que sucedeu.
O arguido ora recorrente, ciente da condição que lhe havia sido imposta e das responsabilidades e consequências que lhe advinham da mesma, mostrou uma indiferença absoluta, demitindo-se dos mais elementares cuidados, e nunca se dignou a esclarecer os motivos do não pagamento da indemnização, não obstante, por várias e repetidas vezes (regularmente) notificado para o fazer.
Remeteu-se ao silêncio, estratégia que entendeu adoptar.
Assim, não parece que agora possa vir dizer que não teve “oportunidade” para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da execução da pena que lhe tinha sido decretada, ainda por cima, sem sequer explicitar dos motivos em não o ter feito antes, quando tinha sido, especialmente, convidado a o fazer.
Com efeito, e como perante análoga questão, já decidiu este T.S.I.:
A decisão de revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão deve ser precedida da audição do arguido.
Porém, não podendo o Tribunal obrigar o arguido a pronunciar-se, e constatando-se dos autos que teve o mesmo diversas oportunidades para se pronunciar não o fazendo, e que protelou injustificadamente o pagamento de uma indemnização decretada como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, nenhuma censura merece a decisão que determinou a sua execução; (cfr., Ac. de 25.11.2004, Proc. n.° 295/2004, do ora relator).
Dest’arte, e legal se nos apresentando a decisão recorrida, isto, tanto na sua vertente processual (adjectiva), como material (substantiva), já que a conduta do ora recorrente não deixa de constituir uma “violação grosseira” dos deveres que lhe foram impostos como condição de suspensão da execução da pena de prisão decretada, impõe-se, pois, a improcedência do recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Macau, aos 08 de Novembro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 834/2012 Pág. 12
Proc. 834/2012 Pág. 1