打印全文
Processo n.º 614/2011 Data do acórdão: 2012-7-26
  Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Não padece a sentença recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, quando não é patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal a quo tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 614/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 55v a 57v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR2-10-0152-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de três meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, ao montante diário de cem patacas, ou seja, em nove mil patacas de multa ao total, veio o arguido, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, através da sua motivação apresentada a fls. 60 a 66 dos presentes autos correspondentes, a sua absolvição do crime por que vinha condenado, ou, pelo menos, o reenvio do processo para novo julgamento, por entender haver erro notório na apreciação da prova.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 77 a 81 no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 107 a 108v, pugnando materialmente pela manutenção do julgado.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
< RELATÓRIO.-------------------------------------------------------------------------------------------- Para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, foi acusado o arguido, A, melhor id. nos autos, sendo-lhe imputado a prática, em autoria material, de um crime de emprego ilegal, p. e p. pelo artigo 16º., nº. 1 da Lei 6/2004, de 2 de Agosto.----------------------------------------------------------------------------------
*****
--- O arguido não apresentou contestação escrita.---------------------------------------------------
*****
--- Procedeu-se a julgamento, tendo a audiência decorrido com observância do legal formalismo. -----------------------------------------------------------------------------------------------
--- A instância mantém-se válida e regular, tal como decidido no despacho que recebeu a acusação, nada obstando ao conhecimento do mérito. ----------------------------------------------
*****
---2. Factos: ----------------------------------------------------------------------------------------------
--- 2.1 Factos Provados: --------------------------------------------------------------------------------
--- Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:---------
  No dia 26 de Maio de 2009, o arguido A foi contratado por B para o ajudar a transportar o seu mobiliário para o bloco 3 do edifício “XXX” da Avenida Olímpica da Taipa.-------------------------------------------------------------------------------------------------------
  Para concluir o trabalho, o arguido contratou C, cujo trabalho consistia em o ajudar no transporte do mobiliário em causa, sendo que não se encontrava estipulado o salário.---------
  Ao contratar o C, o arguido bem sabia que o mesmo era residente do continente da República Popular da China e que não possuía quaisquer documentos que o permitisse trabalhar legalmente em Macau, apesar disso contratou-o. ----------------------------------------
  Em 29 de Maio de 2009, aquando C trabalhava para o arguido, ou seja, quando se encontrava a ajudar o arguido no transporte dos móveis de B, na entrada do bloco 3 do edifício “XXX” da Avenida Olímpica da Taipa, foi detectado e interceptado por três agentes da Plícia de Segurança Pública de Macau, que se encontravam a efectuar policiamento nessa localidade.------------------------------------------------------------------------------------------
  O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao estabelecer relação laboral com indivíduo que não possuía documento exigido por lei para trabalhar em Macau.---------
  O mesmo sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. ---------------------------
  O arguido é motorista de mercadorias, auferindo cerca de nove mil patacas mensais.---
  Tem como habilitações literárias o ensino primário.------------------------------------------
  É casado e vive em casa própria, com a sua mulher que é doméstica e três filhos maiores, sendo que um deles é estudante universitário, estando a seu cargo. ------------------
  Dá-se aqui por reproduzido o teor do CRC para os legais e devidos efeitos. --------------
*****
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Nada assinalar
*****
3. FUNDAMENTAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL.
--- A convicção do Tribunal para a decisão que tomou sobre a matéria de facto assentou na análise e ponderação conjuntas e críticas da prova produzida, ponderada segundo as regras da lógica e da experiência. Nomeadamente, contribuíram para formar a convicção do Tribunal a análise que fez dos documentos juntos aos autos e as declarações da testemunha D.-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Atendeu-se ainda as declarações do arguido quanto à sua situação pessoal e patrimonial e ao antecedente criminal assente. ---------------------------------------------------------------------
--- Relevou-se ainda o CRC junto aos autos.---------------------------------------------------------
*****
C. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL.
1. A factualidade provada fez incorrer indubitavelmente o arguido na prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de emprego ilegal, previsto pelo artigo 16º., nº. 1 da Lei 6/2004, de 2 de Agosto, e punível com pena de prisão até dois (2) anos. ---------
--- Quanto à medida concreta da pena, há a ponderar os critérios estabelecidos pelo artº. 65º. do Código Penal. Assim, esta determinação terá que ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Deverão ainda ter-se em conta as demais circunstâncias referidas no n.º 2 do mesmo artigo (grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, grau de violação de deveres impostos, intensidade do dolo, sentimentos manifestados, fins ou motivos, condições pessoais do agente e sua situação económica, conduta anterior e posterior ao crime e falta de preparação para a manutenção de conduta lícita).--------------------------------------------------------------------------------------------------------- Afiguram-se consideráveis as necessidades de prevenção geral e especial. ------------------ Na concretização deste propósito achamos equilibrado fixar a pena concreta em três (3) meses de prisão, substituídos por igual tempo por multa, à taxa diária de cem patacas (MOP$100,00), o que perfaz a multa total de nove mil patacas (MOP$9.000,00).-------------
*****
III. DECISÃO
--- Nos termos e fundamentos expostos, o Tribunal julga acusação procedente por provada e, em consequência, condeno o arguido A, já identificado nos presentes autos, como autor material de um crime de emprego ilegal, previsto e punido pelo artigo 16º., nº. 1 da Lei 6/2004, na pena de três (3) meses de prisão, substituídos por igual tempo por multa, à taxa diária de cem patacas (MOP$100,00), o que perfaz a multa total de nove mil patacas (MOP$9.000,00).-----------------------------------------------------------------------------------------
*****
--- Mais condeno o arguido em 2 (duas) UC's de taxa de justiça, nas custas do processo, em MOP$800,00 (oitocentas patacas) de honorários ao defensor oficioso.---------------------------- Condeno ainda o arguido a pagar uma quantia de quinhentas patacas (MOP$500,00) como contribuição pecuniária a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado, por força do artº 24º, nº 2 da Lei nº 6/98/M, de 17/08/98 (lei de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos).---------------------------------------------------------------------------------------------------- Boletim do registo criminal ao S.I.M..-------------------------------------------------------------
--- Notifique.----------------------------------------------------------------------------------------------
[...]>> (cfr. o teor literal de fls. 55v a 57v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido ora recorrente limita-se a atacar o Tribunal recorrido com o alegado vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP).
Entretanto, entende o presente Tribunal ad quem, após examinados crítica e globalmente todos os elementos probatórios constantes dos autos e referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, que não é patente que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal a quo tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou alguma norma atinente à prova legal, ou quaisquer legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, sendo, pois, razoável a convicção formada pelo Tribunal recorrido, pelo que o arguido não pode aproveitar o mecanismo de recurso ordinário da sentença em causa para pretender sindicar gratuitamente, ao arrepio do princípio plasmado no art.o 114.o do CPP, a livre apreciação da prova então feita pelo Tribunal a quo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, com três UC de taxa de justiça, e duas mil patacas de honorários ao seu Exm.o Defensor Oficioso, ora a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 26 de Julho de 2012.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 614/2011 Pág. 1/8