Proc. nº 229/2012
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Outubro de 2012
Descritores:
- Usurpação de poderes
- Registo criminal
- Desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
- Acto injusto
- Acto desproporcional
- Protecção à família (Lei 6/94/M)
SUMÁRIO:
I- Não padece do vício de usurpação de poderes judiciais o acto administrativo que não renova a autorização de residência a um cidadão que fora condenado em pena de prisão substituída por multa pela prática de um crime de uso de documento falso sobre algum elemento da sua identidade, mesmo que a respectiva condenação não tenha sido transcrita no certificado de registo criminal.
II- A Administração pode servir-se dos factos provados no processo-crime, independentemente da transcrição da condenação no registo ou até mesmo da reabilitação que tenha tido lugar, pois os fundamentos que serviram à condenação criminal não servem os mesmos objectivos que presidem à decisão administrativa de autorizar, ou não renovar, a residência a um cidadão.
III- A total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários” que serve de fundamento ao recurso contencioso (art. 21º, al. d), do CPAC) é aquela que tem o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. Decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir. Um acto desrazoável é um acto absurdo, por vezes até irracional.
IV- Um acto desproporcional é desregrado, desmedido, é desequilibrado entre o interesse público subjacente e o interesse privado nele envolvido; é um acto que apresenta uma dispositividade com uma dimensão maior do que era expectável ou aconselhável que tivesse.
V- Um acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas. É injusto porque, podendo o seu objecto realizar-se com uma carga menor para o administrado, a este se lhe impõe, apesar disso, um gravame penoso demais.
VI- Administração não viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias.
Proc. nº 229/2012
(Recurso Contencioso)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIR não permanente nº XXXXXXX (X), emitido em 20/10/2009, e C, solteiro, maior, portador do BIR não permanente nº XXXXXXX (X), emitido em 20/10/2009, ambos residentes na Taipa, na Avenida ......, Edif. …… (……), …º andar …, recorrem contenciosamente do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, de 20/01/2012, que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência do segundo recorrente apresentado pelo primeiro junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) com base no reagrupamento familiar.
Ao acto imputam os vícios de usurpação de poder, de forma por falta de fundamentação e de violação de lei por afronta aos princípios da razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, da justiça, proporcionalidade e adequação, além da violação da alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei nº 4/2003 e do erro sobre os pressupostos.
*
Após a contestação da digna entidade recorrida, foi o processo submetido à produção da prova testemunhal, após o que os recorrentes apresentaram alegações facultativas, que concluíram da seguinte maneira:
“I. Na sequência do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 20 de Janeiro de 2012, ex arado na Informação do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) com número 03634/GJFR/2012, de 17 de Fevereiro de 2012, que indeferiu a renovação da autorização de residência do 2º Recorrente, foi apresentado o recurso contencioso de anulação dos presentes autos.
II. As presentes conclusões, nos termos e para os efeitos do artigo 68º do CP AC, também remetem integralmente para a petição de recurso contencioso de anulação dos autos e para as conclusões aí enunciadas, que aqui se consideram integralmente reproduzidas para os legais e devidos efeitos.
III. Cumprindo-se, o previsto no número 4 do artigo 68º do CP AC, o número 4 do artigo 598º do Código de Processo Civil, e, ainda, o previsto na alínea b) do número 1 e do número 4 do artigo 619º do mesmo diploma legal.
IV. O acto administrativo é recorrível, nos termos previstos nos artigos 28º a 32º do CPAC e os ora Recorrentes B, B e C, C, têm legitimidade activa para interpor o presente recurso contencioso de anulação nos termos previstos nos artigos 33º a 40º do mesmo diploma legal.
V. O acto administrativo recorrido padece does) vício(s) de:
- usurpação de poder - alínea a) do número 1 do artigo 21º do CPAC e alínea a) do número 2 do artigo 122º do CPA (no fundo, uma incompetência alargada, em que o decisor administrativo praticou um acto que já foi julgado pelo poder Jurisdicional, o Tribunal Judicial de Base),
- de forma e de falta de fundamentação nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 21º do CPAC e dos artigos 114º (a contrario sensu), 115º (a contrario sensu), e 124º estes, todos do CPA;
- de violação da lei, por uma patente ou manifesta, patente, evidente e total desrazoabilidade da Autoridade Recorrida no uso dos seus poderes discricionários, conforme acima se enunciou, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 21º do CPAC; e,
- de Erro de Direito (quer nos pressupostos, quer na aplicação das normas legais aplicáveis, indevidamente, ao caso concreto decidendo).
VI. Estas nulidades ou anulabilidades do acto administrativo recorrido, tem como consequência a sua revogação (no caso da anulabilidade do acto) e a consequente concessão da renovação da autorização de residência do 2º Recorrente, o que aqui se reitera,
VII. Nos termos, designadamente, do previsto nos artigos 125º, 126º, 127º e 128º, todos do CPA.
VIII. A Autoridade Recorrida cingiu-se a considerar apenas e só a condenação ocorrida em 2010 por factos praticados há 5 (cinco) anos pelo 2º Recorrente, no âmbito do processo judicial que correu termos no 4º Juízo Criminal com o n.º CR4-09-0176-PCC, em que o ora Recorrente foi condenado numa pena de prisão de 6 (seis) meses, convertível numa pena de multa de MOP 18.000,00 (dezoito mil patacas), à taxa diária de MOP 100,00 (cem patacas), quando é certo que da decisão proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base não houve recurso e a decisão condenatória não foi transcrita, por ordem do Douto Colectivo de Juízes com a concordância do Ilustre Magistrado do Ministério Público. Pelo que, o registo criminal do 2º Recorrente sempre esteve e está “limpo”, não constando qualquer prática de um ilícito-típico, o que o acto administrativo recorrido ignorou totalmente.
IX. A decisão jurisdicional e função Judicial de não transcrever a decisão condenatória por factos ocorridos há cinco anos não deve dar lugar a um “novo julgamento” por parte da Administração Pública, impedindo a ressocialização do aqui 2º Recorrente (a qual está completamente preenchida).
X. O ora 2º Recorrente estuda (mestrado em Artes na Universidade de Macau), trabalha (no casino Venetian Macau Limited) e tem o seu agregado familiar em Macau (o seu Pai, ora 1 º Recorrente, a sua Mãe e três irmãs).
XI. O ora 2º Recorrente é cidadão residente de Macau e tem Bilhete de Identidade de Residente de Macau, pelo que não se trata aqui de um pedido originário. O que está em causa é a mera renovação da sua autorização de residência que hoje existe na titularidade daquele.
XII. Para além da usurpação do poder Judicial pelo poder Executivo, o que gera o vício de usurpação de poder,
XID. Afigura-se aos Recorrentes que o acto administrativo recorrido também padece do vício de forma de falta de fundamentação, pois não está demonstrada pela Autoridade Recorrida a alegada “perigosidade” ou o “factor de perigosidade” do 2º Recorrente contra ou “para a RAEM e a sociedade de Macau”, a “sensibilidade fraca para o cumprimento das normas jurídicas”, bem como “tendo afectado a fé pública dos documentos, afectando também a veracidade e a determinação dos dados constantes naquele tipo de documento”, bem como, e finalmente em que é o que o ora 2º Recorrente “afecta assim os interesses de terceiros e da RAEM”. [vide a página 5 do douto Acórdão proferido nos autos do processo apenso].
XIV. Esta falta de fundamentação sobre a alegada perigosidade (como!?) e alegado perigo para a sociedade de Macau e para terceiros é ainda mais patente quando o próprio acto administrativo recorrido sublinha que o 2º Recorrente tem fortes laços com Macau e que o então Interessado e Requerente da renovação da autorização de residência não tenha apresentado documentos falsificados no seu pedido de fixação de residência, nem tão pouco a decisão judicial ter sido transcrita no certificado de registo criminal...
XV. Fica demonstrado que os laços fortes do 2º Recorrente são não apenas familiares, vivendo em Macau com o Pai, a Mãe e 3 (três) irmãs, mas tem laços fortes com Macau também pelo facto de progredir na sua carreira profissional, ter-se licenciado em Macau e estar presentemente, a frequentar um curso de Mestrado na Universidade de Macau.
XVI. Fica, pois, demonstrado, não só o vício formal de falta de fundamentação da decisão recorrida, bem como a prova material de que a vida pessoal, social, profissional e estudantil do aqui 2º Recorrente não demonstra qualquer perigo para outrem, terceiros ou para a sociedade de Macau ou para a RAEM e as suas instituições, bem pelo contrário, tomara a RAEM que muitos dos seus jovens residente seguissem a sua conduta e não se perdessem no vício do jogo, no trabalho fácil do casino, bem como no mundo da droga e prostituição.
XVII. Esta falta de fundamentação do acto administrativo recorrido e a usurpação de poderes da Autoridade Recorrida, em face do determinado e sentenciado pelos Tribunais de Macau, é ainda acompanhado pelo vício da decisão proferida pela Autoridade Recorrida, quando profere um acto que é violador da lei, padecendo do vício de violação de lei pela total e patente desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 21º do CPAC.
XVIII. A violação de lei por parte da Administração e a desrazoabilidade no seu exercício de poderes discricionários viola, no caso concreto decidendo, os princípios da legalidade, da protecção dos direitos e dos interesses dos residentes da RAEM, violando também os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como e ainda, da justiça e da imparcialidade, mostrando-se viciado o acto pela violação dos princípios, designadamente, vertidos nos artigos 3º, 4º, 5º e 7º, todos do CPA.
XIX. De facto, em função da não transcrição por decisão do Tribunal Judicial de Base, do Acórdão proferido por este Tribunal, para efeitos da renovação da autorização de residência - que é aqui o que se trata, tal condenação não existe e não pode ser valorado algo que não existe (é um certificado de registo criminal sem qualquer “mancha” ou condenação nele constante).
XX. A Autoridade errou (o vício de erro de direito), fundando-se em norma(s) inaplicável(is), até porque a decisão judicial não produz mais quaisquer efeitos e os factos estão passados, decorridos que estão cinco anos, pelo que existe má interpretação e errada aplicação da Lei, incorrendo o acto administrativo recorrido no erro de direito,
XXI. Por errada aplicação da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, designadamente, dos artigos 4º [em especial do Parágrafo 2)], 8º e 9º [erro de direito na aplicação do Parágrafo 1) do número 2 e total não consideração ou desconsideração dos Parágrafos 2), 3), 4), 5) e 6)].
XXII. Existe igualmente erro de Direito, na aplicação e interpretação do artigo 4º da Lei n.º 4/2003,de 17 de Março, ao considerar como fundamento para a não renovação da autorização de residência apenas e só o Parágrafo 2) do número 2 do artigo 4º, quando este número 2 não implica uma aplicação automática, imediata e obrigatória de recusa de entrada na RAEM de Não-Residentes.
XXIII. O mencionado preceito apenas regula a hipótese de poder-se ser recusada a entrada de não-residentes em virtude do que vem elencado no mesmo. Ao invés do número 1 do mesmo artigo 4º, que impõe peremptoriamente a recusa da entrada. É uma norma taxativa, sujeita à tipicidade e imperativa, o que não acontece com o referido número 2 do mesmo artigo 4º da referida Lei.
XXIV. Acresce ainda, que a Autoridade Recorrida ao praticar o acto que ora se recorre, violou as normas de Protecção à Família previstas na Lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto (“Lei de bases da política familiar”), desde logo, dos artigos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º e 7º desta Lei. A Administração “fechou os olhos” ao seu dever de “...estreita colaboração com as associações relacionadas com os interesses das famílias, a promoção, a melhoria da qualidade de vida e a realização moral e material das famílias e dos seus membros” (número 2 do artigo 1º da mencionada Lei). Pelo que, não só a Autoridade Recorrida não cumpre com esse seu dever, como viola o artigo 3º da Lei em causa, ao não dar cumprimento ao imperativo legal que preceitua que “A Administração reconhece a função da família enquanto elemento fundamental da sociedade, transmissora de valores e veículo de estreitamento das relações de solidariedade entre as gerações”.
XXV. Cabe, igualmente, aludir e mencionar ao que foi decidido e acordado pelo douto Acórdão apenso aos presente autos, no qual foi reconhecido o efeito gravoso de uma eventual saída, partida e expulsão da RAEM do 2º Recorrente caso não seja decretada a nulidade ou anulabilidade do acto administrativo recorrido e a sua revogação e a consequente renovação da autorização de residência do 2º Recorrente.
XXVI. Foi dado provimento ao pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo aqui em recurso, no douto Acórdão do processo apenso aos autos, devendo seguir-se a Ilustre Doutrina e Decisão enunciada no mesmo aresto, remetendo-se para o que aí foi decidido e escusando respeitosamente os ora Recorrentes de voltar a transcrever o doutamente acordado no aresto n.º 229/2012/A.
XXVII. Tendo em conta a situação social, pessoal, familiar, profissional e estudantil do ora 2º Recorrente, deveria e deve a douta Autoridade Recorrida decidir em sentido oposto e inverso ao que ficou plasmado no acto administrativo recorrido, o que ora aqui se requer ao douto Tribunal de Segunda Instância, declarando e decidindo Vossas Excelências, a nulidade ou, caso não entendam estarmos perante um acto nulo, subsidiariamente, decidindo a anulabilidade do acto administrativo de não renovação da autorização de residência do aqui 2º Recorrente C, C, expurgando assim, os vícios do acto administrativo recorrido.
No mais, fazendo Vossas Excelências do Douto Tribunal de Segunda Instância, a sempre habitual e a costumada Justiça!”.
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A entidade recorrida não alegou.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
De acordo com os elementos dos presentes autos, do processo administrativo instrutor e da prova testemunhal realizada, resulta assente a seguinte factualidade:
1- Ao 1º requerente foi concedida autorização de residência com base em investimento imobiliário em Macau ao abrigo da lei nº 3/2005.
2- Essa autorização foi extensiva ao seu agregado familiar, constituído pela esposa, três filhas e um filho de nome C, ora 2º recorrente.
3- Em 20 de Setembro de 2011 o 1º recorrente formulou o pedido de renovação de autorização de residência para si e para todos os referidos membros do seu agregado.
4- Relativamente a esse pedido, foi exarada a seguinte Informação nº 03634/GJFR/2012 no Instituto de Promoção do Comércio E do Desenvolvimento de Macau (IPIM):
“2. O pedido de fixação de residência apresentado pelo requerente foi autorizado, pela primeira vez, em 15 de Setembro de 2009.
3. Através do ofício da PSP com referência MIG.075010/10/C.I., constata-se que o familiar do Requerente, de nome C, doravante designado por Interessado praticou um crime de uso de documento falso de especial valor, previsto e punível nos termos do disposto no Código Penal, tendo este sido condenado pelo Tribunal Judicial de Base numa pena de 6 meses de prisão, convertida em multa de MOP$18.000,00.
No caso de não pagamento da multa, a pena aplicada será convertida a pena de prisão efectiva (pág. 68 a 72 dos autos).
Através do acórdão proferido no âmbito do processo n.º CR4-09-0176-PCC, do Tribunal Judicial de Base, consta como factos provados o seguinte: O Interessado obteve com sucesso dois salvos condutos da RPC com os números W08XXXXXX e W26XXXXXX em 2004 e 2008, respectivamente, cujo a data de nascimento é de 7 de Abril de 19XX.
O Interessado obteve em 10 de Julho de 2008 o salvo-conduto nº W26XXXXXX, e na altura, tinha conhecimento que a data de nascimento que constava no documento não era verdadeira.
Em 27 de Agosto de 2008, a PSP verificou que o passaporte da RPC que o Interessado utilizava nº G21XXXXXX, tem como data de nascimento o dia 18 de Abril de 19XX, pelo que, essa data de nascimento diverge daquela que consta nos salvo-condutos supracitados.
Em 30 de Julho de 2008, o Interessado veio para Macau mediante o seu salvo conduto nº W26XXXXXX. Em 1 de Dezembro de 2008, o Interessado requereu a autorização especial de permanência junto da Policia de Segurança Pública. Em 17 de Fevereiro de 2009, provou-se que o Interessado era titular dos três documentos acima referidos, e por conseguinte, apurou-se que o mesmo utilizou documento de identificação com dados falsos na forma contínua, pelo que o acto praticado consubstancia a prática de crime de uso de documento falso de especial valor, previsto e punido no Código Penal.
4. Nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 conjugado com o artigo 9º da Lei nº 4/2003, a decisão criminal mencionada prejudicará o pedido de renovação de residência do Interessado, pelo que deve-se proceder a audiência escrita de Interessados. (pág. 74)
5. O advogado do Interessado apresentou a defesa por escrito (págs. 53 a 67, bem como, as págs. 75 a 82 dos autos), invocando principalmente os seguintes fundamentos e pedido:
- Não foi dado como provado pelo Tribunal que o Interessado sabia antecipadamente que a data de nascimento que constava no salvo-conduto não fosse verdadeira.
- A decisão judicial não foi transcrita para o registo criminal do Interessado junto dos Serviços de Identificação de Macau, pelo que o IPIM não deverá ter em consideração a decisão judicial na apreciação do pedido de renovação da autorização de residência temporária, caso contrário, estará a violar o espírito do Decreto Lei nº 27/96/M.
- O Interessado iniciou os seus estudos em Macau no ano 2007 e obteve o grau de Licenciatura na Universidade Tecnológica de Macau, e encontra-se de momento a frequentar o curso de mestrado. Reside em Macau há vários anos e já conquistou um especial afecto a Macau. Tem o seu emprego em Macau e tem uma Ligação estreita com a sociedade de Macau. Declarou exercer as suas funções Laborais na companhia AIA, tendo sido altamente apreciado pela entidade patronal, que o considera uma pessoa eficiente, disposto a ajudar terceiros, bem como, um funcionário trabalhador.
- O Interessado deseja continuar a trabalhar, estudar em Macau e contribuir para o bom desenvolvimento da sociedade de Macau, sendo considerado uma pessoal honesta e trabalhadora, e nada consta no seu certificado de registo criminal, e por conseguinte, pede o deferimento do pedido.
6. Face ao teor exposto, procedemos a seguinte análise:
Através do acórdão supracitado, foi dado como provado que em 29 de Janeiro de 2007, o Interessado obteve um passaporte da RPC com o n.º G21XXXXXX, e naquela altura já sabia que a sua data de nascimento é 18 de Abril de 19XX. Em 10 de Julho de 2008, obteve o salvo-conduto nº W26XXXXX, e naquele momento já sabia que a data de nascimento que constava no documento, 1 7 de Abril de 19XX, não era verdadeira.
O Interessado apresentou junto do IPIM os dados de identificação para o pedido de fixação de residência temporária, tendo utilizado os dados de identificação verdadeiros.
De facto, em 29 de Janeiro de 2007, o Interessado já sabia da sua data de nascimento verdadeira, contudo, mesmo assim, em 30 de Julho de 2008 e 1 de Dezembro de 2009, utilizou os salvo-condutos com datas de nascimento falso para dar entrada em Macau bem como para requerer a extensão da autorização de permanência em Macau junto da Policia de segurança Pública. O acto praticado pelo mesmo afectou a fé pública dos documentos, afectando também a veracidade e a determinação dos dados constantes naquele tipo de documento, prejudicando assim os interesses de terceiros e da RAEM. O Interessado, de forma continuada, praticou o acto proibido por lei, revelando assim que é uma pessoa de sensibilidade fraca para o cumprimento das normas jurídicas, causando desta forma perigo para a sociedade, e apesar de existir uma enorme relação com Macau, todavia, não podemos negar a existência do factor de perigosidade.
Nos termos do nº 1 e alínea 1) do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 4/2003, para efeitos de concessão da autorização de residência na RAEM deve atender-se, nomeadamente a existência de antecedentes criminais, e no caso de se comprovar o incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei, na conclusão dos pedidos de fixação de residência devemos analisar as circunstancias e aplicar os preceitos legais aplicáveis ao caso.
Face ao exposto, mesmo que o interessado não tenha apresentado documentos falsificados no seu pedido de fixação de residência, nem tão pouco a decisão judicial ter sido transcrita no certificado do registo criminal, não podemos esquecer que o interessado realmente praticou actos ilegais e foi condenado criminalmente.
Assim sendo, não podemos emitir uma opinião favorável relativamente ao pedido de fixação de residência em causa.”
(...)
Após a devida análise e tendo em Conta o acórdão, nos termos da artigo 23 do Regulamento Administrativo 3/2005, conjugada com o artigo 9º da Lei 4/2003, sugere-se o cancelamento do autorização de residência do C, com o prazo de validade de 15 de Setembro de 2012.
Face ao exposto, a finalidade ou objecto do pedido de renovação de autorização de residência do Interessado destinava revelam-se impossíveis ou inútil, pelo que, nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 103º do Código de Procedimento Administrativo, sugere-se que o pedido de renovação de autorização de residência de C, familiar do Requerente, datado de 20 de Setembro de 2011, seja considerado extinto.” (fls. 15, 16 do p.a.).
5- O digno recorrido despachou então em 20/01/2012: “Aprovo a sugestão” (fls. 21 do p.a.).
6- O recorrente C foi condenado no Tribunal Judicial de Base, por acórdão de 28/05/2010, pela prática do crime de uso de documento falso na pena de seis meses de prisão substituídos pela pena de Mop $18.000,00 patacas de multa, tendo o mesmo aresto determinado que tal pena não ficasse a constar do certificado do registo criminal do arguido (fls. 95 a 98 do p.a.).
7- Todo o agregado do 1º recorrente vive em Macau.
8- O 2º recorrente licenciou-se em 2011 na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau em Gestão de Empresas (fls. 86 do p.a.) e encontra-se a trabalhar na empresa “XX Assurance Company (XX) Limited” (fls. 87 do p.a.).
9- O 2º recorrente inscreveu-se e encontra-se a frequentar no Curso de Mestrado de Artes - Relações Internacionais e Política junto da Universidade de Macau (fls. 88 e 89 do p.a. e fls. 40).
10- Além do investimento imobiliário (fls. 66 e sgs. do p.a.), o 1º recorrente possui conta poupança bancária em valor superior a HK $500.000,00 (fls. 77 e 78 do p.a.).
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IV- O Direito
1 – Do vício de usurpação de poder
Os recorrentes, partindo do facto de o TJB não ter mandado transcrever a sentença no registo criminal do 2º, aquando da sua condenação pela prática de um crime de uso de documento falso, afirmam que o acto impugnado acaba por fazer uma ingerência nas atribuições do poder judicial, substituindo-se à função jurisdicional e julgando “novamente” o recorrente, “punindo-o com a não renovação da autorização de residência”.
Não tem razão. De natureza orgânica, este é um vício particularmente grave, na medida em que tem por fundamento uma violação do princípio da separação dos poderes que formam os pilares de um verdadeiro estado de direito democrático: legislativo, executivo e judicial.
Estará configurado o vício se a Administração pratica um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial (sobre o assunto: F. Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pag. 385 e sgs; M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pag. 495; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pag. 380/382; M. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, pag. 555).
Ora, de modo nenhum podemos dizer que a actividade administrativa comete ingerência no poder judicial se, no âmbito dos seus poderes, decide não renovar a autorização de residência inicialmente concedida a alguém. Não é por se ter servido da mesma realidade factual que a Administração invade o espaço dos tribunais, sempre que a actividade de ambos ocorra, em plena autonomia e separação de poderes, num quadro normativo próprio, diferenciado e permissivo.
A este respeito, chegou este TSI a afirmar: “O certificado do registo criminal constitui documento único e bastante da prova dos antecedentes criminais do titular da informação (art. 18º, nº1, DL nº 27/96/M). E por provir de autoridade competente para o emitir, tem o valor de documento autêntico (art. 363º do C.C.). Todavia, o seu conteúdo e valor intrínseco que representam podem variar consoante os fins a que se destine (ver arts. 20º e 21º cit. dip.). Neste sentido, pode funcionar como meio de prova, como medida de segurança e como instrumento subsidiário de outras figuras.
Assim é que, no primeiro caso, o acesso ao conteúdo do certificado é reconhecido aos operadores judiciários que têm o encargo de proceder à recolha de elementos sobre o cadastro criminal de certa pessoa com vista a instruir o processo criminal em ordem à futura aplicação das disposições referentes à medida concreta da pena a aplicar ao infractor em processo penal. Serve, nesse caso aos magistrados e agentes policiais propósitos de investigação e de prova. E no que ao tribunal concerne, funcionam como autêntico meio de prova (sujeito aos princípios gerais do direito processual penal), de modo a poder ser relevado o seu conteúdo e apenas ele, o que significa que afastado do poder judiciário ficará tudo o que nele não figure, a ponto de gerar uma autêntica proibição de prova o cancelamento do cadastro. Por isso é que, por exemplo, não podem ser considerados, para qualquer efeito de processo penal, condenações anteriores cujo registo tenha sido objecto de cancelamento, e que não podem ser consideradas na produção da pena condenações anteriores que não constem do CRC, desde que façam presumir ter havido reabilitação de direito. Por outro lado, no segundo caso, o certificado visará a detecção de incapacidades ou interdições profissionais decretadas pelo juiz na sentença ou decorrentes automaticamente da lei. Aqui, o certificado de registo criminal tem uma natureza instrumental (subordinado aos seus requisitos e disciplina), sem qualquer autonomia funcional, tal como também sucede com o acesso para fim estatístico e de investigação científica. Por fim, o acesso ao certificado pode ter por missão acudir a fins particulares ou administrativos. Nesse caso, o acesso ao seu conteúdo funda-se, apenas, “em motivos de prevenção especial «negativa» - ou seja, numa exigência de defesa da sociedade contra o risco de futuras «repetições criminosas» dos ex-condenados, deduzido da verificação de altas taxas de reincidência. Baseando-se, assim, na eventual «perigosidade» dos delinquentes, o acesso dos particulares e da Administração envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios que regem aquelas últimas, i.é, não ao princípio da culpa, que regula a aplicação e medida das penas, mas aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança” (Ac. TSI, de 3/05/2012, Proc. nº 394/2011).
O que ali foi dito serve ao caso presente. Na verdade, nem a reabilitação, nem a falta de transcrição da decisão condenatória no registo criminal do arguido afastam a realidade subjacente à condenação. É por isso que o próprio art. 3º, al. i), do DL 27/96/M, de 3/06 determina que devem ser levadas ao registo das decisões que “determinem a não transcrição em certificados de registo criminal de condenações que tenham aplicado”.
Com efeito, a renovação da autorização de residência depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios (art. 22º, nº2, Regulamento Administrativo nº 5/2003, 14/04/2003). E o art. 9º desta lei (Lei nº 4/2003, de 17/03) fá-la depender de:
“1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território”.
Isto significa que a alínea 1) do nº2 desse artigo 9º se mostra de particular importância: pretende o legislador ali dizer, tal como o tinha já exposto no art. 4º antecedente, que à RAEM não interessa que a ela acedam, para fixação de residência, pessoas indesejáveis, que se não comportem de forma respeitadora da ordem e da lei, que tenham cometido crimes. O legislador quer que os seus residentes sejam pessoas boas, cidadãos honestos e de bom carácter. E o certificado do registo criminal é apenas uma das formas de avaliar o comportamento desviante de cada interessado.
É, pois, em função do que se apurar a respeito dos antecedentes criminais, do incumprimento das leis da RAEM ou de qualquer outra circunstância referida no artigo 4º, que será possível, ou não, alguém obter a pretendida autorização de residência (art. 9º citado). Neste sentido, bem pode a Administração servir-se dos factos provados no processo-crime, independentemente da transcrição da condenação no registo ou até mesmo da reabilitação que posteriormente tenha tido lugar, pois os fundamentos que serviram à condenação criminal não servem os mesmos objectivos que presidem à decisão administrativa de autorizar, ou não renovar, a residência a um cidadão (neste sentido, v.g., Ac. do TUI de 19/06/2011, Proc. nº 13/2011; do TSI de 3/05/2012, Proc. nº 394/2011). Aliás, foi mesmo por isso que o TUI1 disse que “…os requisitos para a concessão de autorização de residência previstos no regime de entrada, permanência e autorização de residência, a Lei n.º 4/2003, têm o seu fundamento diferente que o regime de registo criminal. Naquele relevam mais os interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM, neste preocupa com a ressocialização de delinquentes condenados criminalmente na Região através da reabilitação. São diferentes os interesses que se visam proteger. Por isso, não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de um regime para o outro”2.
Foi, de resto, o mesmo TUI que, para caso idêntico, ajuizou expressamente que “A decisão judicial de não transcrição da sentença condenatória no certificado do registo criminal não tem natureza vinculativa para a Administração na decisão quanto à renovação, ou não, da autorização de residência”3.
Portanto, tendo assim agido a Administração, fê-lo em plena autonomia de poderes administrativos relativamente ao âmbito do exercício do poder judicial condenatório, respeitando assim o princípio da separação de poderes.
Enfim, não podemos sufragar a posição dos recorrentes quanto a este vício.
*
2- Do vício de forma por falta de fundamentação
Sustenta o recorrente que o acto sob censura padece do vício epigrafado em virtude de não ter fundamentado a “perigosidade” do 2º recorrente em relação a Macau.
Ora, o que o acto, por remissão para informação que o antecedeu, disse foi que “Através do acórdão supracitado, foi dado como provado que em 29 de Janeiro de 2007, o Interessado obteve um passaporte da RPC com o n.º G21XXXXXX, e naquela altura já sabia que a sua data de nascimento é 18 de Abril de 19XX. Em 10 de Julho de 2008, obteve o salvo-conduto nº W26XXXXX, e naquele momento já sabia que a data de nascimento que constava no documento, 1 7 de Abril de 19XX, não era verdadeira.
O Interessado apresentou junto do IPIM os dados de identificação para o pedido de fixação de residência temporária, tendo utilizado os dados de identificação verdadeiros.
De facto, em 29 de Janeiro de 2007, o Interessado já sabia da sua data de nascimento verdadeira, contudo, mesmo assim, em 30 de Julho de 2008 e 1 de Dezembro de 2009, utilizou os salvo-condutos com datas de nascimento falso para dar entrada em Macau bem como para requerer a extensão da autorização de permanência em Macau junto da Policia de segurança Pública. O acto praticado pelo mesmo afectou a fé pública dos documentos, afectando também a veracidade e a determinação dos dados constantes naquele tipo de documento, prejudicando assim os interesses de terceiros e da RAEM. O Interessado, de forma continuada, praticou o acto proibido por lei, revelando assim que é uma pessoa de sensibilidade fraca para o cumprimento das normas jurídicas, causando desta forma perigo para a sociedade, e apesar de existir uma enorme relação com Macau, todavia, não podemos negar a existência do factor de perigosidade.
Nos termos do nº 1 e alínea 1) do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 4/2003, para efeitos de concessão da autorização de residência na RAEM deve atender-se, nomeadamente a existência de antecedentes criminais, e no caso de se comprovar o incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei, na conclusão dos pedidos de fixação de residência devemos analisar as circunstancias e aplicar os preceitos legais aplicáveis ao caso.
Face ao exposto, mesmo que o interessado não tenha apresentado documentos falsificados no seu pedido de fixação de residência, nem tão pouco a decisão judicial ter sido transcrita no certificado do registo criminal, não podemos esquecer que o interessado realmente praticou actos ilegais e foi condenado criminalmente”.
Ora, ainda que as expressões “perigo para a sociedade” e “factor de perigosidade” façam parte da fundamentação do acto sem grande desenvolvimento, pensamos que o contexto discursivo é bastante ou suficiente para que qualquer homem de meridiana capacidade de entendimento possa colher o verdadeiro sentido delas. Na verdade, não são afirmações soltas, isoladas ou desligadas do todo justificativo. São antes, digamos, ideias de reforço, que se suportam nos factos objectivos e que levaram à condenação do 2º recorrente. São meras decorrências opinativas do crime de uso de documento de especial valor falsificado, na forma continuada. Neste sentido, a sua existência no seio da fundamentação contextual mostra-se explicada e bem entendível, e assim mesmo a terão entendido os recorrentes, já que o recurso foi desenvolvido sem hiatos ou falhas que pudessem ser imputadas àquela alegada insuficiência.
Note-se que tais expressões, se têm um valor e um significado perfeitamente comuns e, portanto, que não carecem de elaborada interpretação, nem de profunda hermenêutica, têm, por outro lado, aqui um papel até dispensável. Expliquemo-nos: A lei basta-se com os “antecedentes criminais” e com uma realidade de facto que revele “incumprimento das leis da RAEM”, já para não falar de “qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4º da presente lei” (art. 9º, nº2, al. 1), cit. Lei nº 4/2003).
Sendo assim, é a própria lei que não contempla expressamente o perigo ou a perigosidade do indivíduo como factores impeditivos à autorização de residência ou à sua renovação. Para a lei é suficiente a análise dos seus antecedentes criminais, reveladores de um comprovado incumprimento de leis da RAEM. Portanto, se para o legislador basta o comprovado incumprimento de leis de Macau, ao aplicador da lei isso deve bastar também. A Administração não tem, por isso, que fazer apelo àqueles factores, que nem sequer elementos legais típicos são. Por essa razão, atrás dizíamos que eles foram utilizados mais como um sinal explicativo e de reforço de uma ideia, por si só suficiente para a decisão tomada, do que como o factor essencial determinativo dessa decisão.
E se repararmos bem, a fundamentação essencial do acto radicou na circunstância de o recorrente ter praticado acto proibido por lei, revelando assim que é uma pessoa de sensibilidade fraca para o cumprimento das normas jurídicas (sic, com bold nosso) e, mais adiante, no facto de ele ter praticado actos ilegais e ter sido condenado criminalmente.
Estas foram as razões determinantes do acto.
Em suma, não estamos perante nenhum vício de fundamentação que atente contra o disposto nos arts. 114º, 115º, do CPA.
*
3- Da violação de lei
Consideram os recorrentes que o acto afronta os princípios da razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, da justiça, proporcionalidade e adequação, bem como o da igualdade, da protecção dos direitos e interesses dos particulares e da protecção familiar (neste último caso, “ex vi” arts. 1º a 3º da Lei nº 6/94/M, de 1 de Agosto/Lei de Bases da Política Familiar e artigo 9.º da Convenção dos Direitos da Criança).
Vejamos.
O quadro legal em que se move a factualidade aqui relevante, nomeadamente os arts. 4º e 9º da Lei nº 4/2003, é de clara discricionariedade. Como dissemos noutra ocasião, trata-se de um quadro legal que “nem aponta para a negação automática da autorização de residência, nem conduz necessariamente para a sua automática concessão. Implica sempre uma análise casuística dentro dos parâmetros estabelecidos”4.
E como os vícios aqui invocados são iguais aos que ali haviam sido imputados ao acto, deixemos que a fundamentação além exarada possa ser útil ao caso presente. Repare-se no que foi dito naquele aresto:
“Uma “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários” pode servir de fundamento de recurso contencioso (art. 21º, al. d), do CPAC). Trata-se de uma expressão com alguma indeterminação conceptual, mas que se aceita possa comportar o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. A decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir. Um acto desrazoável é um acto absurdo, por vezes até irracional5.
Por outro lado, um acto desproporcional é aquele em que há um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce. O acto desproporcional é inadequado à situação, desnecessário, porque o seu fim pode ser realizável por uma via menos onerosa e mais idónea, sem atentar contra valores específicos de dignidade da pessoa humana, sem lesar alicerces de personalidade do indivíduo. Um acto desproporcional é desregrado, desmedido, é desequilibrado entre o interesse público subjacente e o interesse privado nele envolvido; é um acto que apresenta uma dispositividade com uma dimensão maior do que era expectável ou aconselhável que tivesse.
E um acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas. É injusto porque, podendo o seu objecto realizar-se com uma carga menor para o administrado, a este se lhe impõe, apesar disso, um gravame penoso demais.
Mas, sobre a violação destes princípios, deixemos falar por nós o TUI no segmento de acórdão ali lavrado e que em tudo se assemelha ao nosso caso:
“A segunda questão que importa solucionar consiste em saber se o acto recorrido violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, ao não ter deferido o pedido de renovação de residência, com fundamento em antecedentes criminais do cônjuge do requerente/recorrente.
(…) A tese do recorrente, de que o acto administrativo recorrido violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, assenta nas seguintes considerações:
(…) - A pena de prisão foi suspensa na sua execução, pelo que o Tribunal considerou suficiente esta pena para acautelar os valores jurídicos em causa e para a reintegração do cônjuge do recorrente na sociedade.
O primeiro argumento traduz-se num manifesto equívoco. Se a lei diz que o órgão que aprecia os pedidos de autorização de residência na RAEM deve atender aos antecedentes criminais do interessado, é evidente que, por natureza, têm de ser levadas em conta as condenações criminais e os factos em que estas se basearam, pois sem condenações criminais não existem antecedentes criminais.
Não se percebe bem, pois, a substância do argumento.
Quanto ao segundo argumento, o recorrente esquece que a punição pela prática de um crime, pode não esgotar a totalidade da apreciação que os poderes públicos ou privados podem extrair dessa condenação, desde que com base na lei. A finalidade da condenação criminal em pena de prisão suspensa na sua execução, não se confunde com os objectivos visados pelas normas administrativas.
Por isso, nada obsta, por exemplo, que o mesmo facto possa fazer incorrer o agente numa pena criminal e, se for funcionário público, ao mesmo tempo, numa pena disciplinar.
Deste modo, a condenação criminal do cônjuge do requerente/recorrente pode ser levado em conta para não ser autorizada a sua residência em Macau. Ou até para ser recusada a sua entrada na Região. Nada tem de estranho.
Por outro lado, como se disse, nos termos dos n. os 1 e 2, alínea 1) do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, para efeitos de concessão de autorização de residência na RAEM, deve atender-se, nomeadamente, aos “Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”.
A lei não especifica de que antecedentes criminais se trata, de qual a sua gravidade, qual o número de infracções cometidas.
A propósito da discricionariedade, dissemos o seguinte no Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, momento este recordado no nosso Acórdão de 27 de Outubro de 2010, no Processo n.º 50/2010, em que se apreciou, igualmente, um recurso jurisdicional relacionado com a aplicação dos nºs 1 e 2, alínea 1) do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003:
“(…) .
11. Uma matéria importante no âmbito da discricionariedade, relativamente ao caso em apreciação, é a que se refere aos limites do poder discricionário, por razões que estão ligadas à sindicabilidade judicial do exercício destes poderes.
As limitações do poder discricionário podem classificar-se com utilização de vários critérios.
Quanto ao critério da origem dos limites, costuma distinguir-se entre os limites legais, os que resultam da própria lei, e a auto-vinculação, isto é, de normas elaboradas pela própria Administração para disciplinar o uso de determinado poder discricionário.
Outra classificação distingue entre limites internos e limites externos.
De acordo com J. M. SÉRVULO CORREIA 6 «por limites internos da discricionariedade, entendem-se os factores que condicionam a própria escolha entre as várias atitudes possíveis, fazendo com que algumas deixem de o ser nas circunstâncias concretas».
Os limites externos serão os restantes, os que se referem à orientação dos poderes de livre decisão a priori e ao seu controlo a posteriori.
(…) No que respeita aos limites internos, o primeiro será o da vinculação ao fim, «a necessidade de conformar o exercício da discricionariedade com o interesse público visado pela norma que a concede
O desvio de poder é o vício típico do exercício de poderes discricionários ».
Dispunha o art. 19.º da Lei Orgânica do STA que «o exercício de poderes discricionários só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio de poder», existindo este sempre «que o motivo principalmente determinante da prática do acto recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário» (§ único do referido art. 19.º).
Dispondo a lei (art. 6.º do ETAF) que os recursos contenciosos são de mera legalidade e que o exercício de poderes discricionários só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio de poder, daqui resulta que os tribunais não controlam o mérito da decisão discricionária da Administração.
12. No que toca aos restantes limites internos do poder discricionário, interessa-nos destacar a consagração dos princípios jurídicos por que a Administração deve nortear a sua actividade.
De acordo com os arts. 5.º e 6.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, e vigente à data da prática do acto impugnado, no exercício da sua actividade, a Administração deve observar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
Estes são, pois, limites internos do poder discricionário, factores que condicionam a própria escolha do decisor entre as várias atitudes possíveis11.
Entre tais princípios, os que, à partida, podem estar em causa no nosso caso serão os da proporcionalidade e da justiça. O nosso exame limitar-se-á a estes.
O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu art. 5.º, n.º 2, estabelecendo que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
Como refere VITALINO CANAS o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
«A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito».
O CPA determina no art. 6.º que «no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação».
13. Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
DAVID DUARTE, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção» (o sublinhado é nosso).
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA17 defendendo que «em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justificáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem» (o sublinhado é nosso)”
(…) Uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de ser uma condenação em processo crime.
Entendemos, assim, que o acto recorrido não violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, ao não ter deferido o pedido de renovação de residência6”.
Serve o trecho transcrito para demonstrar o modo como uma questão de alguma maneira semelhante à que aqui nos ocupa foi decidida. E trata-se, a nosso ver, da boa solução, que neste passo de novo acolhemos e fazemos nossa.
Efectivamente, não se mostra desproporcional, nem desrazoável, nem injusto, nem desadequado que a Administração não queira ter na RAEM, ao menos para já, um cidadão que não se mostrou cumpridor das leis de locais, servindo-se de documento que sabia ser falso a respeito da sua verdadeira identidade no que à idade se refere e com o objectivo de, precisamente, contornar os obstáculos legais à sua vinda para Macau. Temos consciência, sejamos honestos, que o 2º recorrente é um jovem que parece estar no bom caminho, pois trabalha, enquanto prossegue os estudos de mestrado na Universidade de Macau. Está a preparar o seu futuro e, pelo modo como o está a fazer, pode até vir a ser um bom elemento para a sociedade de Macau. Mas cometeu um pecado original: o de, para se radicar em Macau, ter feito uso de um documento falso: Isto é, praticou um ilícito do qual agora se pretende servir para obter a renovação da autorização de residência!
Neste sentido, não vemos que aqueles princípios hajam sido violados ou que a decisão de não renovar seja fruto de alguma arbitrariedade ou se funde em erro grosseiro e manifesto na utilização dos poderes discricionários, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei judicialmente sindicável, sendo certo que interesses públicos, como os da prevenção e da garantia da segurança e estabilidade social públicas da RAEM, devem prevalecer sobre os interesses pessoais de cada indivíduo em particular.7 O que significa, igualmente, que nem a legalidade se mostra ofendida, nem os direitos e interesses do recorrente se acham vilipendiados.
No que concerne à alegada violação da igualdade, sem prejuízo de se entender que o vício não se mostra densificado através da respectiva factualidade (esse era um ónus que ao recorrentes competia observar), acresce a circunstância de ele não ter feito parte dos vícios invocados na petição inicial do recurso, sendo certo que nada revela, a partir dos elementos dos autos ou do processo instrutor, que ele só possa ter sido agora suscitado (cfr. art. 68º, nº3, do CPAC). Pelo que a sua improcedência é inevitável.
No que respeita à pretensa violação do princípio da protecção familiar, (arts. 1º, 2º e 3º, da Lei nº 6/94/M) deixemos falar por nós um aresto deste TSI ainda recente:
“É verdade que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38.º da lei Básica, bem como nos artigos 1°, 2° e 3° da lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
Não obstante aquela consagração importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.
A separação familiar é uma contrariedade dos trabalhadores migrantes que se contrapõe às vantagens que decorrem desse estatuto de não residente, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não pode afirmar-se que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem o Direito Interno e Internacional.
Não há, pois, qualquer violação da Lei Básica, v. g. do artigo 38º da LB, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar”8.
Concordamos com a posição que ali este mesmo tribunal manifestou, que aqui fazemos nossa com a devida vénia.
Já no que respeita à extensão que os recorrentes fazem nas alegações aos arts. 5º, 6º e 7º da Lei 6/94 (ver conclusão XXIV), não conheceremos da respectiva matéria, por ela não ter feito parte da causa de pedir exposta na petição inicial (cfr. art. 68º, nº3, do CPAC).
Eis, pois, assim as razões para julgar improcedente este vício em qualquer das vertentes acima estudadas.
*
4- Da violação de lei (Cont.)
Desta vez estariam em causa as disposições dos arts. 4º (em especial do parágrafo 2), 8º e 9º (na aplicação do parágrafo 1) do nº2 e total não consideração dos parágrafos 2) a 6)), da Lei nº 4/2003.
É mais uma vez uma alegação que não corresponde inteiramente ao acervo de disposições legais chamadas à colação na petição inicial (ver arts. 34º e sgs., em especial os arts. 63º e 84º desse articulado). Ora, não está demonstrado que eles não pudessem ter sido logo invocados naquele articulado. Na verdade, a p.i. só deu importância expressa à alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei nº 4/2003. Assim, limitar-nos-emos a conhecer desta alegada violação e não apreciaremos o vício reportado às restantes disposições, face ao disposto no citado art. 68º, nº3, do CPAC.
Está em causa a circunstância de a pena concreta que o 2º recorrente sofreu não ter sido de pena de prisão, uma vez que os seis meses de prisão que lhe foram aplicados foram substituídos pela pena de multa de Mop$ 18.000,00.
Ora, este argumento só teria lógica se a disciplina contida naquela disposição legal tivesse sido utilizada como fundamentação do acto. E não foi. O acto apenas se serviu expressamente da existência dos antecedentes criminais, da prática de um crime, do incumprimento das leis da RAEM. E embora também tenha feito referência genérica às circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei, a verdade é que nenhum especial valor o acto conferiu a essa alusão. Fê-lo, aliás, unicamente como modo de invocação do teor da alínea 1), do nº2, do art. 9º da Lei 4/2003 (ver a transcrição acima efectuada).
Por conseguinte, o que conta é a fundamentação relevante e essa somente atendeu à prática do crime e ao incumprimento das leis de Macau por parte do 2º recorrente. E mesmo que fosse (mas não foi) intenção do autor do acto atribuir relevância a esse argumento retirado da alínea 2), do nº2, do art. 4º citado, nem por isso tal fundamentação haveria de ser decisiva à procedência do recurso, na medida em qualquer das outras razões expostas no conteúdo do acto seriam, por si mesmas, operativas e conducentes à integração dos factos na previsão do art. 9º, nº2, al. 1), da referida Lei.
Assim sendo, temos que julgar improcedente este vício.
*
5- Do erro nos pressupostos
Na petição inicial os recorrentes invocaram o erro nos pressupostos (ver art. 84º, p.i.), sem serem claros sobre se o faziam com referência aos pressupostos de direito, se aos de facto e, sobretudo, sem o incluírem nas conclusões desse articulado. Nas alegações facultativas, e em particular na conclusão V, voltam a tratar o caso pelo prisma do erro de direito, “quer nos pressupostos, quer na aplicação das normas legais aplicáveis”.
Pois bem. Se a intenção é invocar o erro em ambas as perspectivas (facto e direito), a segunda deve considerar-se já tratada. Efectivamente, o erro nos pressupostos de direito, quando verificado, redunda numa errada aplicação da lei e, isso, reconduz-se ao vício de violação de lei. Mas, sobre isso já demos conta da inexistência de nenhuma má aplicação das normas aquando da análise ao vício de violação de lei acima feita.
E quanto à primeira, também somos a concluir pela inexistência do vício. Com efeito, a sua eventual procedência apenas poderia decorrer de uma situação de facto considerada no acto não condizente com a realidade concreta. Ora, nós não podemos aceitar que a situação de facto real não seja a prevista na norma, nem aquela que o acto levou em linha de conta. Não está em causa nenhum juízo de censura sobre a pessoa do 2º recorrente no momento presente; está, sim, verificar se a situação factual que o acto relevou é ou não certa. E sobre isso, não se deve duvidar que o recorrente cometeu um crime, que ele tem um antecedente criminal (mesmo que a condenação não tivesse sido transcrita no Registo criminal) e que não respeitou as leis de Macau em matéria migratória. Ora, tais factos, que são reais, foram considerados pelo acto exactamente com esses contornos e, por isso, não vemos em que medida a decisão administrativa tenha incorrido em erro sobre os respectivos pressupostos de facto.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo-se o acto impugnado.
Custas pelos recorrentes.
TSI, 11 / 10 / 2012
Presente (Relator)
Vítor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan
1 Ainda que versando também sobre uma reabilitação de direito com referência a um indivíduo condenado no exterior da RAEM.
2 Ac. TUI, de 13/12/2007, Proc. nº 36/2006.
3 Ac. TUI de 31/07/2012, Proc. nº 38/2012.
4 Ac. TSI de 7/12/2011, Proc. nº 747/2010.
5 Apud, Agustin Gordillo, in Tratado de Derecho Administrativo, tomo 3, VIII, pag. 22-26.
6 Ac. do TUI de 11 de Maio de 2011, Proc. nº 12/2011
7 Em sentido semelhante, Ac. do TUI, de 31/07/2012, Proc. nº 38/2012; TSI de 23/06/2011, Proc. nº 594/2009.
8 Ac. TSI, de 26/07/2012, Proc. nº 766/2011.
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