Processo n.º 50/2012 Data do acórdão: 2012-10-25 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– ofensa simples à integridade física
– lesões corporais recíprocas de idêntico grau
– dispensa da pena
– art.o 137.o, n.o 3, alínea a), do Código Penal
S U M Á R I O
Como in casu houve lesões recíprocas e não se provou qual dos dois arguidos condenados em primeira instância como autores de um crime de ofensa simples à integridade física é que agrediu primeiro, sendo, por outro lado, sensivelmente de idêntico grau as lesões sofridas por cada um deles que lhes demandaram igualmente um dia para convalescença, é de dispensar a pena a ambos os arguidos sob a égide do art.o 137.o, n.o 3, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 50/2012
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 106 a 110v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR1-11-0314-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de ofensa à integridade física, p. e p. pelos art.os 137.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com condição de pagar, dentro de dois meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão, cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, veio o 1.o arguido desse processo chamado B (B), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para expor (na sua motivação apresentada a fls. 118 a 120 dos presentes autos correspondentes) que:
– 1) essa sentença, na parte da sua fundamentação, contém lapsos manifestos de escrita, corrigíveis nos termos pretendidos do art.o 361.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP), quanto à indicação dos dois arguidos do processo, por ter confundido o 1.o arguido com o 2.o arguido;
– 2) o juízo condenatório emitido pela Primeira Instância violou o princípio de in dubio pro reo;
– 3) e mesmo que assim não se entendesse, dever-se-ia julgar que o recorrente agiu em legítima defesa aludida no art.o 31.o do CP.
Com isso, pretendia o recorrente que fosse absolvido do crime por que vinha acusado e condenado em primeira instância.
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 122 a 125) no sentido de improcedência manifesta da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 142 a 143), pugnando pela manutenção da decisão condenatória recorrida, sem deixar de preconizar a necessidade de correcção dos lapsos manifestos de escrita apontados pelo recorrente ao acórdão impugnado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, procedeu-se à audiência neste TSI.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal recorrido deu materialmente como provado o seguinte, na sua essência e na parte que ora interessa à solução do recurso (cfr. o teor, originalmente escrito em chinês, da fundamentação fáctica da sentença recorrida, a fls. 106v a 107 dos autos):
– na manhã do dia 12 de Dezembro de 2009, o 1.o arguido B (B) e o 2.o arguido C (C) travaram entre si altercação por motivo não apurado, na porta do número policial n.o 24 da Rua Um do Bairro de Iao Hon;
– no decurso da altercação, o 2.o arguido utilizou uma corrente de ferro para atacar a maxila inferior do 1.o arguido, com o intuito de ofender o 1.o arguido no corpo e saúde;
– na altura, o 1.o arguido também empregou um telemóvel para agredir a mão do 2.o arguido por algumas vezes, com o intuito de ofender o corpo e saúde deste;
– a agressão feita pelo 1.o arguido ao 2.o arguido causou directa e necessariamente contusão no tecido mole da mão esquerda do 2.o arguido, e segundo o parecer médico-legal de fl. 27, o 2.o arguido sofreu ofensa corporal simples, que demandou um dia para convalescença;
– a agressão feita pelo 2.o arguido ao 1.o arguido causou directa e necessariamente lesão no tecido mole da cara esquerda do 1.o arguido, e segundo o parecer médico-legal de fl. 26, o 1.o arguido sofreu ofensa corporal simples, que demandou um dia para convalescença;
– os dois arguidos agiram voluntária e conscientemente, com o propósito de praticar a conduta acima referida, sabendo ambos claramente que a conduta deles era contrária à lei e sujeita à punição legal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido começou por pedir a correcção de alguns lapsos manifestos de escrita contidos na fundamentação probatória da sentença recorrida. E com razão: de facto, atento o seu contexto, onde se lê “1.o arguido” em chinês (“第一嫌犯”) nas 3.a e 5.a linhas do último parágrafo da página 4 desse texto decisório (a fl. 107v dos autos), se deve ler “2.o arguido” (“第二嫌犯”); e onde se lê “2.o arguido” em chinês (“第二嫌犯”) nas 2.a, 3.a e 4.a linhas do primeiro parágrafo da página 5 do mesmo texto (a fl. 108 dos autos), se deve ler “1.o arguido” (“第一嫌犯”).
E já quanto ao mérito da decisão condenatória, alegou o recorrente, a título principal, que por força do princípio in dubio pro reo, devia ser ele absolvido do crime por que vinha acusado e condenado.
Sobre isto, não lhe assiste a razão, porquanto atentos todos os elementos constantes dos autos e referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra patente ao presente Tribunal de recurso que o Tribunal recorrido tenha violado alguma norma sobre a prova legal, ou alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer legis artis a observar no julgamento da matéria de facto, não podendo, pois, vir o recorrente aproveitar a presente sede de recurso para sindicar gratuitamente da livre convicção a que chegou o Tribunal a quo dentro dos limites permitidos no art.o 114.o do CPP.
Por fim, no tangente à subsidiariamente invocada legítima defesa como causa de exclusão da ilicitude dos factos (cfr. o art.o 30.o, n.os 1 e 2, alínea a), do CP), também há que cair por terra essa tese do recorrente, uma vez que da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida, não consta nenhuma referência a qualquer eventual intuito seu de “afastar a agressão actual” que estava a fazer o 2.o arguido.
Não obstante, julga-se ser de dispensar oficiosamente a pena aos dois arguidos do processo sob a égide do art.o 137.o, n.o 3, alínea a), do CP, precisamente porque in casu houve lesões recíprocas e não se provou qual deles é que agrediu primeiro, por um lado, e, por outro, foram sensivelmente de idêntico grau as lesões sofridas por cada um deles (que lhes demandaram igualmente um dia para convalescença).
IV – DECISÃO
Ante o exposto, acordam em:
– 1) rectificar alguns lapsos manifestos de escrita contidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, no sentido de que onde se lê “1.o arguido” em chinês (“第一嫌犯”) nas 3.a e 5.a linhas do último parágrafo da página 4 desse texto decisório (a fl. 107v dos autos), se deve ler “2.o arguido” (“第二嫌犯”), e de que onde se lê “2.o arguido” em chinês (“第二嫌犯”) nas 2.a, 3.a e 4.a linhas do primeiro parágrafo da página 5 do mesmo texto (a fl. 108 dos autos), se deve ler “1.o arguido” (“第一嫌犯”);
– 2) e julgar improcedente o mérito do recurso do 1.o arguido B;
– 3) e, não obstante, passar a dispensar oficiosamente, ao abrigo do art.o 137.o, n.o 3, alínea a), do Código Penal, a pena então aplicada na sentença recorrida a este arguido recorrente e ao outro arguido não recorrente C, embora cada um deles seja efectivamente autor material de um crime consumado de ofensa à integridade física, previsto pelo art.o 137.o, n.o 1, do mesmo Código.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com oito UC de taxa de justiça e mil e trezentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, montante esse a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
E notifique o presente acórdão ao arguido não recorrente.
Macau, 25 de Outubro de 2012.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 50/2012 Pág. 1/8