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Processo nº 59/2011
Data do Acórdão: 01NOV2012


Assuntos:

Litigância de má-fé
Contrato de aluguer de táxi
Incumprimento do contrato


SUMÁRIO

1. É de condenar por litigância de má-fé os autores que omitiram os factos e alteraram a verdade.

2. A junção do documento pelos Autores na petição inicial não se substitui à alegação de factos, nem tem a função de corrigir o expressamente alegado na petição.

3. Não é de conhecer as considerações e conclusões tecidas pelo recorrente com base naquilo que não ficou provado nem consta da matéria de facto provada na primeira instância.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 59/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV2-08-0063-CAO, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

I – Relatório :
B (B 2XXX 2XXX 1XXX), divorciado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º XXXXXXX(X), emitido a 11 de Janeiro de 2005, pela Direcção dos Serviços de Identificação, motorista de praça, residente no Pátio de ......, n.º …, Edf. ……, …º andar …, em Macau (澳門……圍…號……大廈…樓…座) ,
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
C (C), portador do BIRM n.º XXXXXXX(X), número de telefone: 66XXXXXX, com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial, de fls 24 a 36.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção, e seja condenado o Réu a pagar ao a quantia total de MOP$523.000,00, sendo que MOP$34.000,00 é a quantia devida pela cláusula penal compensatória, MOP$75.000,00 é a quantia devida pelos danos patrimoniais, e MOP$414.000,00 pelos lucros cessantes, a que acrescem os juros vincendos, à taxa legal de 9.75%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
**
O Réu contestou a acção com os fundamentos constantes de fls 41 a 59 dos autos
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor e que este seja condenado nos pedidos reconvencionais por si formulados.
Ademais, pediu a apensação dos autos de acção ordinária nº CV1-08-0063-CAO, nos termos do artigo 219º do CPC.
**
Apreciado este último pedido, foi o mesmo deferido e ordenada a apensação dos autos de acção ordinária nº CV1-08-0063-CAO nos quais:
D (D 7XXX 1XXX), casado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º XXXXXXX(X), emitido a 22 de Novembro de 2004, pela Direcção dos Serviços de Identificação, motorista de praça, residente no Fai Chi Kei, Edif, ……, Torre …, …º andar “…” (澳門筷子基……大廈…座…樓…座)
intentou
Acção Ordinária
contra
C (C), portador do BIRM n.º XXXXXXX(X), número de telefone: 66XXXXXX, com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial, de fls 136 a 146.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção, e seja condenado o Réu a pagar ao a quantia total de MOP$523.000,00, sendo que MOP$34.000,00 é a quantia devida pela cláusula penal compensatória, MOP$75.000,00 é a quantia devida pelos danos patrimoniais, e MOP$414.000,00 pelos lucros cessantes, a que acrescem os juros vincendos, à taxa legal de 9.75%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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O Réu contestou essa acção com os fundamentos constantes de fls 157 a 171 dos presentes autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor e que este seja condenado nos pedidos reconvencionais por si formulados.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
**
Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente de fls 101:
- O R. é o proprietário de um táxi de cor preta, com o número de chapa de matrícula M-XX-XX e locou o mencionado táxi ao A. e ao seu colega D, através da celebração do contrato, em 27 de Outubro de 2006 (alínea A) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula III do referido contrato, era de vinte e três meses a duração do aluguer do respectivo táxi, tendo início a 1 de Novembro de 2006 e termo a 30 de Setembro de 2008 (alínea B) dos factos assentes).
Da Matéria de Facto Assente de fls 259v:
- O R. é o proprietário de um táxi de cor preta, com o número de chapa de matrícula M-XX-XX e locou o mencionado táxi ao A. e seu colega B, através da celebração do contrato, em 27 de Outubro de 2006 que se dá por integralmente reproduzido nos presentes autos (alínea A) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula III do referido contrato, era de vinte e três meses a duração do aluguer do respectivo táxi, tendo início a 1 de Novembro de 2006 e termo a 30 de Setembro de 2008 (alínea B) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória de fls 101 a 103v:
- Os Autores e o R. acordaram que o aluguer mensal seria de MOP$17.000,00 o qual seria entregue adiantadamente até ao dia 3 do mês a que respeitar, mediante depósito a efectuar na conta bancária do Banco XX, com o n.º 900XXXXXXX, de que a parte A. era titular (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Os Autores deveriam depositar o equivalente a dois meses de aluguer, ou seja, MOP$34.000,00 a favor do R., a título de caução a qual não serviria de contrapartida do aluguer e demais encargos (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Conforme a alínea (3) da cláusula IX do contrato, se qualquer das partes quiser fazer cessar o contrato antes do seu termo, deve comunicar ao outro com a antecedência de dois meses, sob pena de ter que reparar todos os prejuízos causados ficando a indemnização estipulada no valor correspondente ao dobro do aluguer (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Conforme a alínea (2) da cláusula IV do contrato, caso o aluguer não seja entregue no prazo de 3 dias após o dia convencionado (isto é o dia 1 de cada mês), o R. pode terminar o contrato e a receber de volta o táxi e, para além disso, pode ficar com o depósito e pedir um a compensação ao A. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- No dia 27 de Outubro de 2006, os Autores entregaram ao R. o valor de MOP$17.000,00, equivalente a um mês de aluguer, bem como a caução de MOP$34.000,00, equivalente a dois meses de aluguer (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- A partir de 31 de Março de 2008, os Autores começaram a depositar a quantia de MOP$15.000,00, a título de aluguer referente ao mês de Abril, na conta bancária do Banco XX com o n.º 900XXXXXXX, de que o R. é titular (resposta ao quesito da 8º da base instrutória):
- Em 29 de Maio de 2008, a viatura velha foi abatida (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Os Autores eram o motorista de praça (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Em circunstâncias não apuradas, os Autores decidiram devolver a viatura velha ao Réu que aceitou dando as partes por terminado o contrato de aluguer (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
- Nessa altura tinham chegado 150 novos táxis a Macau e havia uma notória falta de taxistas para os conduzir (resposta ao quesito da 30º da base instrutória).
- Em finais de Maio, o R. conseguiu encontrar dois novos condutores (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- O A. e D sabem perfeitamente que cada um deles apenas entregou metade do valor da caução de MOP$34.000,00 (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- E que a comparticipação de cada um deles no aluguer acordada foi apenas metade do montante de MOP$17.000,00 (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- O A. e D instauraram duas acções judiciais idênticas nas quais alegaram que tinham entregue, cada um deles, MOP$34.000,00 a título de caução e MOP$17.000,00 a título de aluguer (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
Da Base Instrutória de fls 260 a 261:
- Provado o que consta da resposta ao quesito 8º da base instrutória de fls. 101 a 103v (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Provado o que consta da resposta ao quesito 13º da base instrutória de fls. 101 a 103v (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Provado o que consta da resposta ao quesito 19º da base instrutória de fls. 101 a 103v (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Provado o que consta da resposta ao quesito 6º da base instrutória de fls. 101 a 103v (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
As questões colocadas perante o Tribunal e que interessam para a decisão sobre o mérito da causa dizem respectivamente respeito a:
1. Relação estabelecida entre as partes;
2. Incumprimento;
3. Pedidos das partes e
4. Litigância de má fé;
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Relação estabelecida entre as partes
Flui da exposição introdutória que à presente acção intentada pelo Autor B foi apensada a acção intentada pelo Autor D na qual o Réu dos presentes autos também foi demandado.
Conforme o alegado pelos Autores nas respectivas petições iniciais, o Réu C locou o taxi com a matrícula M-XX-XX de que é proprietário a cada um deles.
Na contestação apresentada pelo Réu em cada uma destas acções, veio este alegar que não estão em causa dois contratos mas tão-só um, pois os Autores alugaram o taxi em conjunto e não separadamente com a celebração de dois contratos.
Conforme os factos assentes, de facto, os Autores locaram juntamente o taxi do Réu e por si referido na presente acção e na acção apensada. Trata-se de um único contrato e não de dois contratos autónomos como aparenta ser pelo facto de existir duas acções distintas em que nenhuma delas faz referência à existência de outro locador e de outra acção.
Assim, estamos em face de uma relação de locação em que os Autores são os locatários e o Réu o locador.
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Incumprimento
Os Autores fundamentam os seus pedidos no facto de alegadamente o Réu ter deixado de lhes facultar o gozo do taxi locado quando o prazo contratual estava ainda a decorrer bem como de ter recusado a facultar-lhes o gozo do mesmo taxi quando tinha já anteriormente celebrado um novo contrato de locação em virtude do programado abate do antigo taxi.
O Réu, além de impugnar esses factos, alega que foram os Autores quem, sem qualquer aviso prévio nem consentimento daquele, pôs termo à relação contratual ainda em curso. Ademais, imputa aos Autores o não pagamento integral do aluguer nos dois últimos meses da relação estabelecida.
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Cessação prematura do contrato
   No que diz respeito à cessação prematura do contrato, ambas as partes acusam a outra de ter feito cessar o contrato antes do termo do prazo e sem consentimento da outra.
   Ora, conforme a alínea (3) da cláusula IX do contrato, se qualquer das partes quiser fazer cessar o contrato antes do seu termo, deve comunicar ao outro com a antecedência de dois meses, sob pena de ter que reparar todos os prejuízos causados ficando a indemnização estipulada no valor correspondente ao dobro do aluguer (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
   Porém, na audiência de discussão e julgamento da matéria de facto, nenhuma das partes logrou provar a versão por si apresentada. Com efeito, depois do julgamento da matéria de facto, deu-se apenas como assente que o taxi foi devolvido ao Réu e as partes deram por terminado o contrato de aluguer. Não se sabem as circunstâncias em que isso aconteceu.
Face ao exposto, não se pode concluir pelo incumprimento da alínea (3) da cláusula IX do contrato por parte de nenhuma das partes.
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Violação do novo contrato de locação
Relativamente ao não cumprimento do novo contrato por parte do Réu que fora alegadamente celebrado antes do abate do taxi velho, constata-se que não ficou provado que as partes tinham celebrado qualquer novo contrato de locação do taxi novo. Assim, não havendo contrato celebrado, também não pode haver incumprimento deste mesmo contrato.
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Não pagamento integral do aluguer
No que concerne à falta de pagamento integral do aluguer, alegam os Autores que, nos últimos dois meses da relação, passaram a depositar na conta bancária do Réu apenas MOP$15.000,00, ou seja, MOP$2.000,00 a menos do que o aluguer inicialmente fixado, porque o Réu assim tinha determinado face ao estado do taxi.
Resulta da matéria provada que, efectivamente dois meses antes da cessação da relação contratual, os Autores começaram a depositar MOP$15.000,00 em vez de MOP$17.000,00. Nada da restante matéria alegada pelos Autores ficou provado.
Ora, estando assente que o aluguer do taxi era de MOP$17.000,00, é manifesto que os Autores violaram a sua obrigação contratual ao depositar apenas MOP$15.000,00. É que, “A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.” – cfr. artigo 753º, nº 1, do CC.
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Pedidos das partes
Uma vez que não se pode imputar culposamente a cessação prematura da relação contratual a qualquer das partes, os pedidos fundadas nessa cessação, tanto dos Autores como os do Réu, têm que improceder.
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O mesmo acontece com o pedido dos Autores fundado no incumprimento do alegado novo contrato de aluguer. É que, por não estar provado que foi celebrado um novo contrato, também não podia haver nem incumprimento deste contrato nem responsabilidade civil pelo seu incumprimento.
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Quanto ao pedido do Réu formulado com base na falta de pagamento integral do aluguer, é de referir que está assente que, conforme a alínea (2) da cláusula IV do contrato, se o aluguer não fosse entregue no prazo de 3 dias após o dia convencionado (isto é o dia 1 de cada mês), o Réu poderia terminar o contrato e a receber de volta o táxi e, para além disso, poderia ficar com o depósito e pedir uma compensação aos Autores (resposta ao quesito da 4º da base instrutória). Além disso, conforme o acima expendido, foram os Autores que incumpriram a sua obrigação de pagar o aluguer.
Assim, assiste ao Réu o direito de ficar com a depósito dos Autores e pedir-lhe uma compensação.
Está assente que o Réu recebera uma caução no valor de MOP$34.000,00 aquando da celebração do contrato. Por força da violação do contrato pelos Autores, aquele pode ficar com essa quantia e não tem que restituí-la aos Autores.
No que concerne à compensação referida no contrato, uma vez que nada ficou provado quanto ao valor desta compensação e à forma da sua determinação, não se pode atribuir outro valor ao Réu com base na falta da pagamento integral do aluguer.
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   Litigância de má fé
Por entender que o Autor B ter faltado à verdade duplicando os montantes pagos no início do contrato a fim de obter mais elevada indemnização, veio o Réu pedir a condenação daquele como litigante de má fé.
Foi referido no início que foram intentadas duas acções separadas em que nenhuma delas faz referência à existência de outro locador e de outra acção facto que criou uma aparência de se estar perante dois contratos autónomos sem qualquer especial ligação à excepção da data, objecto locado, locador e cláusulas que eram iguais.
A relevância da destrinça entre existir um contrato e dois contratos reside no facto de, a serem procedentes os pedidos dos Autores, cada um deles receberá metade da indemnização no primeiro caso e a totalidade da indemnização no segundo caso. Com efeito, a haver um único contrato, os dois Autores partilham em parte iguais os direitos e obrigações do contrato. Havendo dois contratos com termos iguais àquele, cada um deles goza na totalidade os mesmos direitos e suporta também na totalidade as mesmas obrigações.
Ficou assente que havia apenas um contrato de locação em que os Autores eram locatários e o Réu o locador (alínea A) dos factos assentes); ambos os Autores sabiam perfeitamente que cada um deles apenas tinha entregue metade do valor da caução de MOP$34.000,00 (resposta ao quesito da 33º da base instrutória) e que a comparticipação de cada um deles no aluguer acordada era apenas metade do montante de MOP$17.000,00 (resposta ao quesito da 34º da base instrutória) ; e que instauraram duas acções judiciais idênticas nas quais alegaram que tinham entregue, cada um deles, MOP$34.000,00 a título de caução e MOP$17.000,00 a título de aluguer (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
Nos termos do artigo 385º, nº 2, do CPC, b) “Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.”
No que à alteração da verdade dos facto e à omissão de factos relevantes para a decisão da causa se refere, é manifesto que estão verificados tais actos. Com efeito, os Autores omitiram factos ao não fazer referência à existência de outro locatário no mesmo contrato; alteraram a verdade ao alegar ter entregue a totalidade da caução e intentar duas acções criando a aparência de haver dois contratos autónomos, quando o normal das situações é a interposição de uma única acção com coligação de autores.
Conjugando os factos acima elencados e tendo em conta a situação dos presentes autos, é mais que evidente que houve dolo por parte dos Autores ao intentarem, cada um deles, uma acção autónoma na qual omitem qualquer referência à existência de um outro locatário e alegam ter entregue a totalidade da caução, para em cada uma delas pedir a totalidade da indemnização fazendo passar por locatário único do mesmíssimo contrato.
Pelo exposto e por ambos os Autores terem praticados os referidos factos apesar de separadamente e de o Réu ter apenas pedido a condenação do Autor B, é de considerar ambos os Autores como litigante de má fé e condenar cada um deles na multa de 5 UCs – artigo 385º, nº 1, do CPC.
*
Mais pede o Réu que o Autor B seja condenado no pagamento de uma indemnização de MOP$100.000,00 correspondente às despesas efectuadas pelo Réu.
Nos termos do artigo 386º, do CPC, “1. A parte contrária pode pedir a condenação do litigante de má fé no pagamento de uma indemnização. 2. A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência da má fé. 3. O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-se sempre em quantia certa. 4. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte. 5. Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.”
Nada ficou provado quanto ao valor das despesas efectuadas pelo Réu na acção intentada pelo Autor B. Nesta sede, apenas pode dar-se como certo que o Réu contratou a sua mandatária para o patrocinar o que implica necessariamente o pagamento de honorários.
Assim, por não haver elementos concretos quanto ao valor, é de determinar um valor que se afigura razoável desses honorários (artigo 386º, nº 4, do CPC acima transcrito). Tendo em conta a complexidade do caso e os valores dos honorários normalmente indicados noutros casos judiciais, julga-se de fixar os mesmos em MOP$20.000,00 os quais devem ser pagos directamente à mandatária do Réu, Dra. Leonor Peres.
***
IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes as acções e a parcialmente procedente a reconvencção e, em consequência, decide:
1. Absolver o Réu, C, dos pedidos formulados pelos Autores, B e D; e
2. Confirmar que o Réu pode ficar com o depósito no montante de MOP$34.000,00 entregue pelos Autores em 27 de Outubro de 2006;
3. Declarar os Autores litigantes de má fé e condenar cada um dos Autores na multa de 5 UCs;
4. Condenar o Autor B no pagamento de honorários no valor de MOP$20.000,00 à mandatária do Réu, Dra. Leonor Peres; e
5. Absolver os Autores dos restantes pedidos reconvencionais.
Custas pelos Autores e Réu na proporção dos respectivos decaimentos.
    Registe e Notifique.
*
據上論結,本法庭裁定訴訟理由不成立及反訟理由部份成立,裁決如下:
1. 駁回原告B及D的請求,開釋被告C;
2. 確認被告可沒收兩名原告於2006年10月27日交予被告之按金澳門幣 34,000.00 元;
3. 宣告兩名原告為惡意訴訟人並判處兩名原告每人5個計算單位的罰款;
4. 判處原告B向被告訴訟代理人李安娜律師支付澳門幣 20.000,00 元的律師服務費;
5. 駁回被告的其他反訴請求,開釋兩名原告。
訴訟費用由兩名原告及被告按勝負比例分擔。
依法作出通知及登錄本判決。


Não se conformando com o decidido, vieram os Autores B e D recorrer da mesma concluindo que:

I. Dos pressupostos de facto e de direito que determinaram a prolação da Douta Sentença condenatória ora em crise, o Tribunal a quo fez uma subsunção errónea da matéria factual em causa ao direito aplicável.
II. Não são exactas as asserções, proferidas pelo Tribunal a quo, conforme resulta claramente dos documentos que cada um dos AA fez juntar às respectivas petições iniciais, sob a designação de doc. n.º 1 , segundo as quais os mesmos tentaram, culposamente, criar uma aparência de existirem dois contratos de locação autónomos e não tão só um.
III. “O documento junto com a petição inicial deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar” (cfr. v.g., Ac. da R.E., de 25.06.1986, in BMJ, 368.°-632).
IV. “É admissível às partes alegarem factos pela junção de documentos aos respectivos articulados.” (Ac. da R.L., de 24.08.1992, in BMJ, 419.°-804).
V. Em sede de litisconsórcio voluntário, a acção pode ser posta por um só dos sujeitos, devendo o Tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interessado, ainda que o pedido abranja a totalidade (cfr. art.º 60.°, n.º l , do CPC).
VI. Existem nos autos elementos suficientes para uma boa decisão da causa nesta matéria, tendo os mesmos elementos de facto sido para ali carreados pelos AA.
VII. Na audiência de discussão e julgamento, conforme resulta da Decisão ora em crise, ficou provado que os AA devolveram o carro a pedido do R, a fim de proceder ao seu abate, uma vez que o mesmo já não oferecia condições de segurança e de rentabilidade, devido ao estado de deterioração que tinha atingido.
VIII. O Tribunal a quo, sem levar na devida conta estes factos, conclui, contraditoriamente, que as partes deram por terminado o contrato de aluguer em circunstâncias desconhecidas.
IX. Não se alcança como chega o Tribunal a esta conclusão, uma vez que é evidente que os AA não podiam proceder ao abate de um carro que não lhes pertencia.
X. Se os AA ficaram privados do uso da coisa locada, resulta à transparência da própria decisão ora recorrida, deve-se ao facto de o R assim o ter decidido.
XI. Porque o R não providenciou outra viatura aos ora AA, o que resulta claramente dos autos, é nítido e inequívoco que foi o R que incumpriu o contrato em referência e não aqueles.
XII. No tocante à falta de pagamento integral do aluguer, resulta da matéria provada que dois meses antes da cessação da relação contratual os AA passaram a depositar na conta bancária do R MOP$15.000,00 em vez das MOP$17.000,00 inicialmente contratadas.
XIII. Os AA alegaram, justificadamente, sobre esta matéria, que tal redução do valor do aluguer contratado se devia, concertadamente, ao estado degradado do veículo em causa, degradação essa que implicava elevados custos suplementares para os AA com a sua manutenção.
XIV. Portanto, esta alteração destinava-se a repor o equilíbrio contratual das prestações a que ambas as partes se tinham obrigado.
XV. Situação que se impunha segundo os princípios gerais da boa fé, uma vez que o locador, o aqui R, já não podia assegurar aos locatários, ora Recorrentes, o gozo pleno da coisa locada para os fins a que a mesma coisa se destinava (cfr. art.º 977.º, do CC )
XVI. A reconstituição do iter, cognoscitivo e valorativo, que foi percorrido pela Tribunal a quo aquando da prolação da douta Decisão ora em crise, é inalcançável, pois ofende patentemente as regras da experiência comum.
XVII. O que convoca o quadro legal previsto no art.º 571.º, n.º l , al.b), do CPC, pois a douta Decisão não especifica, de forma coerente e credível, os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
VIII. O que a torna nula, como se comina no mesmo preceito legal.
XIX. Tendo em conta o disposto no art.º 108.º, n.º l e n.º 2, do CPC., “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.”.
Termos em que,
Se requer a V. Venerandas Excelências, mui respeitosasmente, seja declarado nulo e de nenhum efeito o Acórdão ora recorrido, pelos apontados e insupríveis vícios, e em seu lugar seja proferida outra decisão, declarando que o Réu incumpriu o contrato de locação em referência e, em conformidade, condenando o mesmo na restituição da caução convencionada em dobro, bem como no pagamento de uma indemnização aos aqui Autores, correspondente ao prejuízo resultante dos lucros cessantes originado pelo rompimento prematuro e ilícito do contrato de locação.
Mais se requer, ao abrigo do art.º 60.°, n.º 1, 450.°, n.º l e 467.°, n.º 2, do CPC, seja declarado que os Autores não litigaram de má fé.
DECIDINDO ASSIM, FARÃO V. EXCELÊNCIAS SÃ E RECTA JUSTIÇA.

Ao recurso respondeu o Réu pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

São as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Da litigância de má fé;

2. Do incumprimento do contrato; e

3. Do pedido reconvencional.

Vejamos.

1. Da litigância de má fé

Conforme se vê na sentença recorrida, o Tribunal condenou os Autores por litigância de má fé por ter considerado que os Autores omitiram os factos ao não fazer referência à existência de outro locatário no mesmo contrato e alteraram a verdade ao alegar ter entregado a totalidade da caução e intentar duas acções criando a aparência de haver dois contratos autónomos, quando o normal das situações é a interposição de uma única acção em coligação de autores.

Para os recorrentes, do documento que juntou cada um deles, à petição da respectiva acção que intentaram, resulta claramente que ambos eles celebraram o contrato de locação com o Réu. E defende que, se apoiando na alegada jurisprudência portuguesa, a junção do documento tem a virtualidade de suprir as lacunas de que a petição inicial possa enfermar e que é admissível às partes alegarem factos pela junção de documentos aos respectivos articulados, conclui que ficaram alegados expressamente os factos demonstrativos da sua qualidade de co-locatários no contrato de locação.

Todavia, é de salientar que é impertinente a citação dessas doutrinas alegadamente afirmadas na jurisprudência portuguesa.

Pois in casu o que está em causa não é a omissão da alegação de factos nem a alegação lacunosa de factos na petição inicial, mas sim a alegação expressa dos factos que comprovadamente não correspondem à verdade.

Tal como vimos no relatório da sentença ora recorrida, ab initio foram intentadas duas acções em separado pelos Autores.

Ambos alegaram na respectiva petição inicial, como sujeito de 3ª pessoa singular, que celebrou o contrato de locação com o Réu e nos termos desse contrato pagou ao Réu o valor de MOP$17.000,00.

E ao longo de toda a petição inicial, a forma verbal utilizada por cada um dos Autores na respectiva petição é também na 3ª pessoa singular, como se fosse apenas um único contraente a celebrar o contrato de locação com o Réu.

Para sustentar a sua pretensão, ambos os Autores juntaram o documento que versa sobre o mesmíssimo contrato de locação.

O que foi detectado pelo Réu, quando citado em ambas as acções.

E com base nisso pelo Réu foi pedida a apensação de ambas as acções, que acabou por ser deferida.

Assim, a junção do documento pelos Autores na respectiva petição não se fez em substituição da alegação de factos, nem tem a função de corrigir o expressamente alegado.

Antes pelo contrário comprova que os Autores procuraram alterar a verdade por forma a obter um objectivo ilegal que é justamente, tal se salientou na sentença recorrida, que a serem procedentes os pedidos dos Autores, cada um dos Autores receberão a totalidade da indemnização quando deveria receber apenas metade.

Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu formulando o juízo de litigância de má-fé sobre a conduta de ambos os Autores.

Assim, improcede o recurso nesta parte.

2. Do incumprimento do contrato

No que diz respeito ao alegado incumprimento, ambas as partes imputaram à outra parte incumprimento do contrato de locação do táxi.

Os Autores alegaram nomeadamente que foi o Réu que lhes deixou de facultar o gozo do táxi locado.

Ao passo que o Réu, além de impugnar o alegado pelos Autores, alegou que os Autores, sem qualquer aviso prévio nem o seu consentimento, puseram termo ao contrato.

Imputaram assim reciprocamente a causa da inexecução do contrato nos últimos dois meses do prazo de validade do contrato.

Só que ambas as partes não lograram provar o que alegaram para imputar à outra parte a responsabilidade de fazer cessar prematuramente o contrato de locação, o Tribunal a quo deu como provado apenas “em circunstâncias não apuradas, os Autores decidiram devolver a viatura velha ao Réu que aceitou dando as partes por terminado o contrato de aluguer”.

Foi justamente com base nesse facto provado que o Tribunal a quo decidiu pela impossibilidade de concluir pelo incumprimento do contrato por parte de nenhuma das partes.

Ignorando todavia o que efectivamente ficou provado na primeira instância, alegaram os recorrentes nos termos seguintes:

……

Os AA fundamentam os seus pedidos alegando que o R impediu ilicitamente o gozo da coisa locada quando o prazo contratual estava ainda em curso.
Na audiência de discussão e julgamento, conforme resulta da Decisão ora em crise, ficou provado que os AA devolveram o carro a pedido do R, a fim de proceder ao seu abate, uma vez que o mesmo já não oferecia condições de segurança e de rentabilidade, devido ao estado de deterioração que tinha atingido.
Sendo ainda dado como provado que o R adquiriu (recebeu), na mesma data, um veículo novo, a fim de substituir o carro abatido.
Ou seja, ficou provado que os AA usaram o carro velho até ao dia da sua entrega para abate.
Mas, contraditoriamente, conclui o Tribunal a quo que as partes deram por terminado o contrato de aluguer em circunstâncias desconhecidas.
Salvo o devido respeito, não se alcança como chega o Tribunal a esta conclusão, uma vez que é evidente que os AA não podiam proceder ao abate de um carro que não lhes pertencia.
Se os AA ficaram privados do uso da coisa locada, resulta à transparência da própria decisão ora recorrida, deve-se ao facto de o R assim o ter decidido.
Assim, não providenciando o mesmo outra viatura aos ora AA, como efectivamente aconteceu e resulta claramente dos autos, é nítido e inequívoco que foi o R que incumpriu o contrato em referência e não aqueles.
Porque motivo o fariam?
Porque motivo os AA, tendo a possibilidade de trocar um carro velho e dispendioso por outro novinho em peça o não fariam?
Afigura-se-nos, pelo exposto, que a reconstituição do iter, cognoscitivo e valorativo, que foi percorrido pela Tribunal a quo aquando da prolação da douta Decisão ora em crise, é inalcançável, pois ofende patentemente as regras da experiência comum.
O que convoca o quadro legal previsto no art.º571.°, n.º1, al.b), do CPC, pois a douta Decisão não especifica, de forma coerente e credível, os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
O que a torna nula, como se comina no mesmo preceito legal.

As partes por nós sublinhadas não integram na matéria de facto provada na primeira instância.

O que os recorrentes estiveram a fazer foi inventar nova matéria de facto para “enriquecer” a matéria de facto assente que, sendo insuficiente, está longe de sustentar os seus pedidos da condenação do Réu.

Procuraram desta forma tornar os seus pedidos viáveis.

O que naturalmente é de repudiar.

Ora, se os recorrentes quisessem alterar a matéria de facto com fundamento no erro de julgamento da questão de facto, deveriam cumprir o ónus de especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, nos termos prescritos no artº 599º do CPC.

Não se mostra cumprido o tal ónus.

Mas sim limitaram-se apenas a tecer as considerações e conclusões com base naquilo que não ficou provado nem consta da matéria de facto provada na primeira instância.

É mais do que evidente que não pode proceder essa parte do recurso.

3. Do pedido reconvencional

A sentença recorrida confirmou que o Réu pode ficar legitimamente com o depósito no valor de MOP$34.000,00, entregue pelos Autores ao Réu como caução do cumprimento do contrato da locação do táxi, com fundamento no não pagamento integral e tempestivo das rendas, isto é, a partir de 31MAR2008, os Autores começaram a pagar mensalmente a quantia de MOP$15.000,00, em vez de MOP$17.000,00, conforme estipulado no contrato.

É verdade que ficou estipulado no contrato que a renda mensal é no valor de MOP$17.000,00 e que se não fosse paga no prazo de 3 dias após o dia 1 de cada mês, o Réu poderia terminar o contrato e receber de volta o táxi e para, além disso, ficar com o depósito e pedir uma compensação aos Autores.

Tendo embora reconhecido o pagamento nesses meses apenas o valor de MOP$15.000,00, e não MOP$17.000,00, os Autores consideram que a tal redução se justifica pelo estado degradado do veículo.

Mais uma vez os recorrentes limitaram-se tecer as suas considerações e conclusões com base naquilo que não ficou provado na primeira instância nem consta da matéria de facto assente, pois não ficaram provados quaisquer factos demonstrativos do alegado estado degradado do veículo.

Portanto, é também manifestamente improcedente essa última parte do recurso.

Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores B e D, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.

RAEM, 01NOV2012


Relator
Lai Kin Hong

Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan

Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira