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Processo nº 228/2012 Data: 18.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Erro notório na apreciação da prova.
Responsabilidade pelo risco.
Danos não patrimoniais.
Execução da sentença.


SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

Não bastam meras “dúvidas”, “probabilidades” ou “possibilidades” para se concluir que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova” pois que este é um vício “notório”, “ostensivo”, “que entra pelos olhos dentro”.

2. Provada não estando a culpa do arguido e do ofendido adequada é a decisão com base na responsabilidade pelo risco.

3. Atenta a natureza e tipo dos veículos envolvidos no acidente, um automóvel e um motociclo, censura não merece a decisão que fixa a proporção de risco de 80% para o primeiro e 20% para o segundo.

4. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.

5. Provado estando que o ofendido sofreu prejuízos materiais, e não havendo elementos para se fixar a indemnização pelos mesmos, deve-se condenar no que se vier a liquidar em sede de execução da sentença.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 228/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar a (2ª) demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS DA CHINA LDA” a pagar ao demandante A, o montante de MOP$625.726,40 e juros; (cfr., fls. 702-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o demandante recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1- O acórdão recorrido deu por provado o seguinte:
“Quando o referido automóvel conduzido pelo B, o ora 1° demandado cível, circulava na Avenida Dr. Sun Yat-Sem, em direcção da Torre Panorâmica para o Porto Exterior do Terminal Marítimo, ao chegar ao cruzamento entre a referida Avenida e a Alameda de Dr. Carlos Assumpção, por motivos não apurados, embateu no motociclo (de matrícula XM-XXX), conduzido pelo demandante cível A (trazendo C como passageira) que na altura circulava no mesmo sentido do arguido”.
……………
Do acidente não deixou rastos de travagem.”
2- Ora, tendo em conta, e devida conta, que o local do acidente é um cruzamento, para onde desembocam duas vias rectas, e que o automóvel parou a uma distância de 14 metros para além do ponto de embate, e o 1° demandado cível não pôde travar atempadamente por forma a evitar o embate com o motociclo que ia à sua frente a evitar o embate com o motociclo que ia à sua frente ou lateralmente em espaço visível, lícito é de concluir que o automóvel ia animado com uma velocidade excessiva, porquanto desadequada às circunstâncias concretas.
3- O conceito de velocidade adequada ou excessiva não é um conceito fixo, fixado num valor exacto. É, antes um conceito relativo.
4- É difícil aceitar a conclusão, porquanto desrazoável e sem base nas regras de experiência da vida, de que se o automóvel parou a uma distância de 14 metros do ponto de embate não se possa ainda afirmar que o veículo automóvel ia a velocidade excessiva.
5- Os factos provados permitem sustentar a conclusão de que o 1° demandado cível agiu com culpa, por ter conduzido em velocidade excessiva porquanto desadequada, com o que violou as normas constantes do Código da Estrada então em vigor que regulam a velocidade excessiva e a conclusão com prudência.
6- Pelo que, o acórdão recorrido, nessa parte, está inquinado do vício de erro notório na apreciação da prova, consagrado no artigo 400°, n.° 2, alínea c), do CPPM.
7- O Tribunal “a quo” em sua decisão recorrida decidiu enredar-se pela via da responsabilidade objectiva ou pelo risco. No entanto, a decisão recorrida não explicita o seu iter de raciocínio. Afirma que a fixação da proporção pelo risco em 80/20% teve em atenção o tipo de viaturas envolvidas. No entanto tal critério peca pela generalidade. Considerando o motociclo em causa, que é de diminuta cilindragem, e que, no momento do acidente transportava uma passageira, logo difícil de estar animado com alta velocidade, seria da maior equidade atribuir ao automóvel a proporção de 90% na assunção do risco.
8- Assim, o acórdão recorrido, nesta parte, encontra-se eivada do vício de erro notório na apreciação da prova e nulidade da sentença por falta de fundamentação, vícios esses enunciados no artigo 400°, n.° 2, alínea c), e artigo 360°, ambos do CPPM.
Por outro lado,
9- Considerando as terríveis dores que o recorrente terá que suportar para o resto da sua vida, o sofrimento e desgosto por uma vivência como um incapaz permanente ao nível de 40%, o valor correcto a atribuir a título de danos morais sofridos deveria ser de MOP$750.000,00.
10- No pedido de indemnização civil ampliado, o recorrente peticionou a condenação dos réus para pagarem a título de danos patrimoniais a quantia de MOP$742.658,00.
11- Desta quantia, uma parcela de MOP$600.000,00 dizia respeito a danos patrimoniais sofridos a título de perda de vencimento. Tal parte do pedido de indemnização foi completamente olvidado nem conhecido. Ou, se o foi, não foi minimamente explicitado as razões do seu decaimento.
12- E, se tivermos ainda em conta o que o Tribunal “a quo” deu por provado a essa parte diz respeito, tal ausência é absolutamente inexplicável.
13- Com efeito, provou, o seguinte:
“Em Maio de 2006, o Autor (demandante civel) recebeu notificação da PSP. Na notificação é comunicado que a PSP tem aceitado a parecer da Junta Médica dos Funcionários Públicos, em virtude dos ferimentos não permitiria a continuação da sua função policial, pelo que é obrigatória a aposentação do Autor (demandante civel).
A decisão na aludida notificação retroage até Julho de 2004.
Pelo que, o vencimento mensal do Autor (demandante civel) reduz à pensão de aposentação.
O Autor (demandante civel) é obrigado de reformar-se na força da idade”.
Enquanto idade normal de reforma é 55 anos.
Pelo que, o Autor (demandante civel) além de perder oportunidade de trabalhar mais 20 anos, também perde oportunidade de promoção normal.
Por virtude do acidente dos presentes autos, o demandante cível sofre de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 40% (conforme o último exame da Junta Médica realizada a 20/07/2011, de cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido)”.
14- Ficou, ainda, comprovado, que o vencimento que auferia que era de MOP$16.000,00, ficou reduzido a metade, para MOP$8.000,00, agora a auferir a título de pensão de aposentação. Assim, por mês, o autor sofreu, e ainda sofre, uma redução ou perda de 50% da sua remuneração.
15- Ficou, ainda, comprovado, que, por imposição da reforma, o recorrente ficou prejudicado na sua oportunidade de promoção na carreira.
16- Tais são danos patrimoniais que estão comprovados. Provou-se o vencimento que auferia, provou-se a perda parcial do vencimento, provou-se que o recorrente foi obrigado a reformar-se antecipadamente por 20 anos por motivo das lesões sofridas e causadas pelo acidente. Estes danos patrimoniais deviam ter sido atendidos, computados e fixados no quantum indemnizatório atribuído.
17- Decidindo incorrectamente, o acórdão recorrido, nesta parte, etá eivada do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 400°, n.° 2m alínea c), do CPPM, bem como do vício de violação de lei, das normas constantes respectivamente dos artigos 489° e 477° do Código Civil de Macau.
18- Os réus devem os réus condenados a pagarem solidariamente ao recorrente uma indemnização na quantia global de MOP$1.492.658,00, sendo MOP$742.658,00 devidos pelos danos patrimoniais sofridos, e a quantia de MOP$750.000,00 pelos danos morais sofridos”; (cfr., fls. 725 a 739).

*

Respondeu o (1°) demandado B, dizendo em síntese, o que segue:

“a) O 2.° Demandado Cível, B, condutor do veículo acidentado, transferiu a sua responsabilidade civil para a 1.a Demandada Cível, Companhia de Seguros da China Taiping (Macau), S.A. (anteriormente denominada “Companhia de Seguros da China, S.A.”), por contrato de seguro titulado pela Apólice n.° PVT-00-410797-2, conforme fls. 28 dos autos;
b) O referido seguro tem o limite contratual de MOP$1.500.000 (vide fls. 28 dos autos) e o montante peticionado no presente recurso (MOP$1.492.658,00) corresponde ao montante máximo dos danos cujo pagamento o Demandante Cível pode obter nos presentes autos;
c) Nos termos do Decreto-Lei 57/94/M, que aprovou o regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, cabe à seguradora, 1.a Demandada Cível, no âmbito da transferência de responsabilidade operada, e não ao 2.° Demandado Cível, o pagamento da indemnização que vier a ser arbitrada pelo Tribunal, uma vez que o montante se encontra de entre o montante segurado, não sendo possível a condenação solidária dos Demandados Cíveis, como pretende o Demandante;
d) A culpabilidade do 2.° Demandado Cível no acidente em causa está totalmente afastada, desde logo porque o douto acórdão não considerou provados factos que permitiam determinar qualquer culpa do 2.° Demandado Cível no acidente de viação em causa;
e) Contra o trabalho exaustivo do Tribunal que fundamentou a sua decisão de forma assertiva e cuidadosa, o Demandante Cível não encontrou um único argumento válido ou relevante para contestar o facto de que não se provou que o 2.° Demandado Cível circulava em excesso de velocidade;
f) A fundamentação apresentada para a distribuição do risco = a natureza dos veículos envolvidos – acompanha a justificação apresentada em toda a jurisprudência que se pronuncia sobre a distribuição do risco (a título de exemplo o Proc. 724/2011, do TSI, que cita jurisprudência do direito comparado na qual a fundamentação tem a mesma base);
g) Não ocorre nenhum dos pressupostos necessários para que se considere haver erro notório na apreciação da prova ou falta de fundamentação;
h) O 2.° Demandado Cível oferece o merecimento dos autos quanto ao quantum dos danos partrimoniais e não patrimoniais atribuídos pelo douto acórdão, em virtude do que acima ficou explanado quanto à transferência de responsabilidade”; (cfr., fls. 743 a 750-v).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação
Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“No dia 12 de Maio de 2001, cerca das 15h10, o 1° Demandado Cível conduzia o veículo com a matrícula MH-46-XX de que é proprietário, e cuja responsabilidade civil se encontra transferida para a 2a Demandada Cível através do apólice n° PTV-00-410797-2.
Quando o referido automóvel conduzido pelo B, o ora 1° Demandado Cível, circulava na Avenida Dr. Sun Yat-Sen, em direcção da Torre Panorâmica para o Porto Exterior do Terminal Marítimo, ao chegar ao cruzamento entre a referida Avenida e a Alameda de Dr. Carlos d’Assumpção, por motivos não apurados, embateu no motociclo (de matrícula n° CM-XXX), conduzido pelo Demandante Cível A, (trazendo C como passageira) que na altura circulava no mesmo sentido do arguido.
Do embate acima referido, resultaram directa e necessariamente danificações para o ciclomotor e lesões para o seu condutor e passageiro, nomeadamente o Demandante Cível A que sofreu fracturas nos 4° e 7° processos espinhosos posteriores, acompanhadas de contusões na medula espinal de C4, que se encontra, em concurso, de paralisia incompleta de quatro membros; C sofreu graves lacerações contusões nos tecidos moles da perna esquerda, que necessitou da cirurgia de implantação da pele e 48 dias para se recuperar.
Do acidente não deixou rastos de travagem.
Na altura do acidente, o tempo estava bom, o pavimento encontrava-se seco, tinha iluminação suficiente e a densidade do tráfego era fraca.
Este embate causou directamente graves lesões na coluna vertebral do Demandante Cível.
O ciclomotor era conduzido pelo Demandante Cível que após o embate foi imediatamente conduzido ao Hospital Conde S. Januário.
O Demandante Cível, sofreu graves lesões no C4 (quarta vértebra cervical), provocando um quadro neuromotor de tetraplegia incompleta.
As lesões do Demandante Cível estão descritas nos relatórios médicos juntos aos autos, nomeadamente a fls.24, 74, 85 e 110 a 112 (que aqui se dão por integralmente reproduzidos), lesões que causaram ao Demandante Cível A directa e necessariamente 38 meses de impossibilidade para o trabalho.
Posteriormente, e de acordo com o auto de exame de sanidade, efectuado pelo perito médico nomeado e constantes dos autos, verificou-se que o Demandante Cível adquiriu como resultado directo do acidente, o sindroma medular central.
Todos os ferimentos acima descritos, provocaram ao Demandante Cível grande sofrimento físico e moral e foram causados directamente pelo acidente de que foi vítima.
Com o internamento no Centro Hospitalar Conde S. Januário, as do Demandante Cível totalizam a quantia de MOP$39,688.00 trinta e nove mil seiscentas e oitenta e oito patacas).
Houve ainda outras despesas médicas e medicamentosas, totalizando m montante de MOP$1,620,00 (mil e seiscentas e vinte patacas).
Dispendeu com a reparação do ciclomotor a quantia de MOP$4,600.00 quatro mil seiscentas patacas).
O Demandante Cível exercia as funções de polícia da P.S.P. e, por virtude deste acidente, deixou de auferir o montante de MOP$86,250.00 (oitenta e seis mil duzentas e cinquenta patacas) em salário.
Além do transtorno e desgosto que causou ao Demandante Cível por não poder conduzir nunca mais o ciclomotor por falta de equilíbrio também não poderá voltar mais a exercer as funções de patrulhamento na rua estando reduzido à prática de funções administrativas.
O Demandante Cível para além das lesões com carácter permanente descritas nos relatórios do exame directo, continua a sofrer dores nas regiões do seu corpo atingidas no acidente, nomeadamente formigueiro, dores de cabeça, falta de força nos membros superiores em especial no braço direito, o que lhe provoca grande sofrimento e angústia.
Em Maio de 2006, o Autor (Demandante Cível) recebeu a notificação da PSP. Na notificação é comunicado que a PSP tem aceitado o parecer da Junta Médica dos Funcionários Públicos, em virtude que os ferimentos não permitiria a continuação da sua função policial, pelo que, é obrigatória aposentação do Autor (Demandante Cível).
A decisão na aludida notificação retroage até Julho de 2004.
Pelo que, o vencimento - mensal do Autor (Demandante Cível) reduz à pensão de aposentação.
O Autor (Demandante Cível) é obrigado de reformar-se na força idade.
Enquanto a idade normal de reforma é 55 anos.
Pelo que, o Autor (Demandante Cível) além de perder oportunidade de trabalhar mais que 20 anos, também perde oportunidade de promoção normal.
Por virtude do acidente dos presentes autos, o Demandante Cível sofre de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 40% (conforme o último exame da Junta Médica realizada a 20/07/2011, de cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido)”; (cfr., fls. 698-v a 700).

Do direito

3. Vem o demandante recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que – conhecendo apenas do pedido civil enxertado nos autos, dado que a “decisão crime” anteriormente proferida já tinha transitado em julgado – decidiu condenar a (2ª) demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS DA CHINA LDA” a pagar ao demandante A, o montante de MOP$625.726,400 e juros.

Como questões, coloca as seguintes:

- erro notório na apreciação da prova quanto à culpa do arguido,
- percentagem de culpa/risco;
- montantes indemnizatórios.

Vejamos se tem razão.

Na decisão ora recorrida, e procedendo ao enquadramento legal da factualidade provada, assim ponderou o Colectivo a quo:

“III - Questões a resolver
Basicamente, importa saber em que circunstâncias ocorreu o acidente de viação em causa, nomeadamente se o mesmo se deveu ou não ao excesso de velocidade do veículo conduzido pelo 1° Demandado Cível e daí concluir quem foi o culpado deste acidente e quais as suas consequências legais, mormente para a 2a Demandada Cível.
IV - O Direito
Desde logo, perante a matéria de facto provada em audiência, não foi possível apurar quem foi o causador do acidente de viação, mormente, que a causa do acidente se deveu ao excesso de velocidade do veículo conduzido pelo 1° Demandado Cível, isto porque, por um lado, não foi possível apurar, com rigor, o verdadeiro ponto do embate entre os dois veículos (um automóvel e um motociclo) e, por outro lado, de acordo com a «Tabela das distâncias de paragem» extraída do Código da Estrada de Portugal, de Oliveira Matos, (e retirada da obra de Marguerite Mercier, Les accidents de la circulation, pág. 30), e tendo como referência o croqui elaborado pelo agente de trânsito, a distância entre o ponto do embate e a posição do veículo automóvel conduzido pelo 1° Demandado Cível após o embate, que é de cerca de 14 metros, não revela que o veículo automóvel conduzido por este estava a circular para além dos limites permitidos por lei.
Para referência, segue-se a aludida tabela que é a seguinte:
Velocidade
Paragem
 10 20 30 40 50 60 70 80
90
20km/H
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
6m
10m
16m
22m
30m
39m
48m
59m
70m
82m
96m
4m 2m
6m 4m d= ─ V=√2gnd
8m 8m
 10m 12m V=Vel. Em m/seg.
  12m 18m d=distância de tra-
  15m 24m vagem
  17m 31m g=aceleração 9,81
  19m 40m n=coeficiente de ade-
  21m 49m rência em estrada
  23m 59m seca=0,8
  25m 71m

Embora assim sendo, inegável é que, efectivamente, se registou um acidente de viação em que intervieram o veículo automóvel conduzido pelo 1° Demandado Cível B e o motociclo conduzido pelo Demandante Cível A.
No domínio da responsabilidade civil extracontratual, a formação da obrigação de indemnizar pressupõe, em princípio, a existência de um facto voluntário ilícito - isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal, e um direito ou interesse, de outrem, legalmente protegido -, censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico - ou seja, que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa -, de um dano ou prejuízo reparável, e, ainda, de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto (art°477°, n°l, 480°, n°2, 556°, 557°,558°, n°1, do CC).
Embora predomine a responsabilidade subjectiva, ou baseada na culpa, sancionam-se também situações excepcionais de responsabilidade objectiva ou pelo risco, isto é, situações independentes de qualquer dolo ou culpa da pessoa obrigada à reparação, entre as quais se situa a responsabilidade pelos danos causados por veículos de circulação terrestre (art°477°, n°2, 496° a 501° do CC).
São pressupostos desta modalidade de responsabilidade civil: a prática pelo agente de um facto; a existência de um dano reparável na esfera jurídica de um terceiro e o nexo da causalidade adequada entre o referido facto e o dano (art°492°, 557° e 558°, n°1, do CC). Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que se não encontre em circulação (art°496°, n°l, do CC).
Tais danos, que a pessoa responsável é obrigada a indemnizar, são os que tiverem como causa jurídica o acidente provocado pelo veículo, ou seja, compreende-se no risco tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento.
Sendo que, se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. (art°499°, n°1 do CC).
No caso, atendendo o tipo das viaturas em causa, um veículo automóvel e um motociclo, a nosso ver, entendendo-se conforme ê equidade fixar a indemnização na proporção de 80% ao 1° Demandado Cível e 20% ao Demandante Cível, a título de risco.
E, por força do contrato de seguro, a responsabilidade civil do condutor do veículo automóvel deve ser transferida para a 2a Demandada «Companhia de Seguros da China (Macau), S.A.» até ao montante de MOP$1.500.000,00 (art°496° e 500° do CC e fls. 28 dos autos).
Dos danos peticionados.
Ora, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art°556° do CC).
Teremos em linha de conta a orientação jurisprudencial que assenta ideia de que merecem tutela jurídica aqueles danos que «espelhem uma dor angústia, desgosto ou sofrimento».
E, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os excessivamente onerosa para o devedor (art°560° do CC).
Na fixação da indemnização deve atender-se patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art°489° do CC).
Aos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandado, tendo em consideração as dores sofridas que foram bastante intensas, as perturbações psíquicas e demais ansiedade e angústia, mostra-se ajustada a atribuição de seiscentas e cinquenta mil patacas (MOP$650.000,00) a título de danos não, patrimoniais (art°487° e 489° do CC).
No que toca aos danos patrimoniais, o seu ressarcimento corresponderá despesas médicas no total de MOP$41.308,00 (quarenta e um mil trezentas e oito patacas), correspondente a MOP$39,688.00 (trinta e nove seiscentas e oitenta e oito patacas) em despesas efectuadas pelo mandante Cível com o seu internamento no Centro Hospitalar Conde S. Januário e em outras despesas médicas e medicamentosas no montante de MOP$l,620,00 (mil e seiscentas e vinte patacas).
Dispendeu com a reparação do ciclomotor a quantia de MOP$4,600.00 quatro mil e seiscentas patacas).
E ainda pelo vencimento que deixou de auferir enquanto guarda da PSP, que se computa em MOP$86,250.00 (oitenta e seis mil duzentas e cinquenta patacas).
Tudo, a totalizar em MOP$132,158.00 (em danos patrimoniais).
Assim, em função da proporção do risco em que houver contribuído para os danos, deve ala Demandada, «Companhia de Seguros da China Macau), S.A.» indemnizar o demandante cível o montante total de MOP$625.726,40 (782.158,00(650.000,00+ 132.158,00 ) x 80% ).
III. Dispositivo
Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e bem assim dos de direito invocados, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e provada e, em consequência, condena-se a 2ª Demandada Cível Companhia de Seguros da China Lda. A pagar ao Demandante Cível A, o montante de MOP$625.726,40, acrescido de juros legais contados a partir da data do trânsito em julgado do acórdão até integral e efectivo pagamento.
(…)”; (cfr., fls. 700 a 702-v).

Aqui chegados, vejamos.

–– Quanto à “culpa do arguido”.

Diz o ora recorrente que:

“Os factos provados permitem sustentar a conclusão de que o 1° demandado cível agiu com culpa, por ter conduzido em velocidade excessiva porquanto desadequada, com o que violou as normas constantes do Código da Estrada então em vigor que regulam a velocidade excessiva e a conclusão com prudência; e que,
“Pelo que, o acórdão recorrido, nessa parte, está inquinado do vício de erro notório na apreciação da prova, consagrado no artigo 400°, n.° 2, alínea c), do CPPM”.

Não nos parece.

Vejamos.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012 do ora relator).

Também temos considerado que não bastam meras “dúvidas”, “probabilidades” ou “possibilidades” para se concluir que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova” pois que este é um vício “notório”, “ostensivo”, “que entra pelos olhos dentro”; (cfr., v.g., o recente Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 413/2012).

In casu, a decisão, (na parte recorrida), apresenta-se-nos lógica e adequada, não nos parecendo desrespeitadora de nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis, não sendo de se dar assim como verificado o vício em questão.

De facto, ainda que seja de considerar que “o automóvel conduzido pelo arguido só parou a uma distância de 14 metros do ponto de embate”, (cfr., concl. 4°), há que não esquecer que provado está que o “acidente não deixou rastos de travagem” e que razoável parece o critério pelo Tribunal a quo adoptado em tal matéria.

–– Quanto à “percentagem do risco”.

Provada não estando a culpa do arguido (ou do ofendido), decidiu o Colectivo a quo que era caso para fazer intervir o instituto da responsabilidade pelo risco, fixando a percentagem do risco em 80% para o arguido e 20% para o demandante.

Pois bem, também aqui correcta se nos mostra a decisão.

Na verdade, a mesma apresenta-se em sintonia com o estatuído no art. 499° do C.C.M., onde se preceitua que:

“1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.

Nesta conformidade, e ociosas nos parecendo mais alongadas considerações sobre a questão, tendo presente o estatuído no n.° 1 do transcrito comando legal, e atenta a “natureza” e “tipos” de veículos em causa, um automóvel e um motociclo, adequado se nos apresenta a proporção de risco pelo Tribunal a quo fixada; (sobre idêntica questão, cfr., v.g. o Ac. deste T.S.I. de 07.12.2011, Proc. n.° 724/2011).

–– Quanto aos “danos e montantes indemnizatórios”.

Como se viu, a título de indemnização, fixou o Colectivo a quo o quantum total de MOP$625.726,40.

Tal quantum é o resultado da soma de MOP$650.000,00, fixadas a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pelo ora recorrente sofridos, MOP$41.308,00 a título de indemnização das despesas médicas e medicamentosas, MOP$4.600,00 como indemnização das despesas de reparação do motociclo, e MOP$86.250,00 pelo vencimento que deixou de auferir enquanto guarda da P.S.P., reduzida, posteriormente, à percentagem do risco atrás referida; (MOP$625.726,40 = MOP$650.000,00 + MOP$41.308,00 + MOP$4.600,00 + MOP$86.250,00 × 80%).

No que tange aos “danos não patrimoniais”, entende o ora recorrente que o montante em questão, de MOP$650.000,00 é reduzido e que deve passar para o de MOP$750.000,00.

Ora, no que troca a danos não patrimoniais tem este Tribunal entendido que:

“A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.06.2011, Proc. n.°393/2012).

Atentas as lesões pelo demandante ora recorrente sofridas, nomeadamente, padecendo de uma incapacidade permanente parcial de 40%, o natural desgosto que tal situação provoca em qualquer ser humano, mas não se olvidando também que em causa está uma “responsabilidade pelo risco”, crê-se que adequado é o montante de MOP$700.000,00.

Quanto aos “danos patrimoniais”, pede o ora recorrente o quantum (total) de MOP$742.658,00.

E, como se viu, neste capítulo, fixou o Colectivo a quo o montante (total) de MOP$132.158,00, (MOP$41.308,00 + MOP$4.600,00 + MOP$86.250,00 × 80%)

Atenta a fundamentação exposta no âmbito da decisão ora em causa, constata-se que o Colectivo a quo atendeu à quase totalidade do pedido pelo ora recorrente (inicialmente) apresentado, a fls. 149 a 153-v, julgando apenas improcedente o pedido aí feito a título de “despesas de transporte”, contabilizadas em MOP$8.000,00.

Porém, o certo é que a fls. 344 a 347, requereu o ora recorrente a ampliação do seu pedido, que foi oportunamente admitido na parte que diz respeito aos danos patrimoniais; (cfr., fls. 386 a 388).

Certo sendo que tal decisão transitou em julgado, constituía tal pedido de ampliação objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo.

Todavia, assim não sucedeu, tendo-se, desta forma, incorrido em nulidade por omissão de pronúncia, vício este previsto no art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M., aqui aplicável.

E, vindo pelo recorrente colocada a questão, há que apreciar.

Pois bem, como alega o ora recorrente, em causa está agora o quantum de MOP$600.000,00, a título de indemnização a título de “perda de rendimento”; (cfr., concl. 11°).

E, cremos que inviável é a este Tribunal emitir pronúncia sobre tal pedido.

Com efeito, com relevo para a decisão de tal pedido, provado está, apenas, que “em Maio de 2006, o Autor (Demandante Cível) recebeu a notificação da PSP. Na notificação é comunicado que a PSP tem aceitado o parecer da Junta Médica dos Funcionários Públicos, em virtude que os ferimentos não permitiria a continuação da sua função policial, pelo que, é obrigatória aposentação do Autor (Demandante Cível).
A decisão na aludida notificação retroage até Julho de 2004.
Pelo que, o vencimento - mensal do Autor (Demandante Cível) reduz à pensão de aposentação”.

E, nos termos do art. 564°, n.° 2 do C.P.C.M.:

“Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Perante situação próxima, e em recente Acórdão deste T.S.I. decidiu-se que: “estando provado que a ofendida tinha ocupação profissional remunerada, e que em virtude das lesões sofridas com o acidente de viação esteve impossibilitada de trabalhar, mas não havendo outros elementos para se poder fixar a indemnização a título de perda de vencimentos, deve-se então condenar no que se vier a liquidar em sede de execução de sentença”; (cfr., Ac. de 19.04.2012, Proc. n.° 135/2012).

E como se consignou no Ac. deste T.S.I. de 16.02.2012, Proc. n.° 68/2011, (citando-se outra jurisprudência): “na verdade, o recurso à equidade só deve valer para aquelas situações em que, provado embora o dano inquantificado, os elementos dos autos possam auxiliar o julgador na determinação de um valor que muito se não afaste da verosimilhança ou probabilidade e que reflicta a ponderação de critérios de justiça relativa. Ou seja, não se incentiva o uso de juízos arbitrários, nem discricionários, mas antes se exorta o juiz a levar em linha de conta os dados já recolhidos que o conduzam a um exercício mais ou menos tranquilo, sensato e prudente de aproximação à realidade aparente, sem quebra do respeito pelos princípios da prova. Por tal motivo, apenas na posse de elementos coadjuvantes deve o juiz enveredar pela via da equidade.
Quando não disponha de dados suficientes que lhe permitam concretizar a justiça do caso, a equidade se mostra-se desadequada se for de prevêr que eles possam vir a obter-se na liquidação posterior. Nessa hipótese, resta a solução do art. 564º, nº2, do CPC: a condenação do que vier a ser liquidado em execução de sentença, sendo certo, por outro lado, que já em sede executiva, em caso de impossibilidade de obtenção de melhores elementos, ainda continua a ser possível a condenação da indemnização pelo método da equidade”.

Assim, adequada é então, (quanto à “indemnização por perda de rendimento” agora em causa), a decisão de condenação no que se vier a liquidar em execução da sentença.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Custas pelo recorrente e recorridos na proporção dos seus decaimentos.

Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 18 de Outubro de 2012

José Maria Dias Azedo
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 228/2012 Pág. 36

Proc. 228/2012 Pág. 1