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Processo n.° 719/2010 (Recurso Penal)
Recorrente: B
Data: 15 de Novembro de 2012

ASSUNTOS: A suspensão da execução da pena

SUMÁRIO

Os factos dados como provados demonstram que o arguido recorrente violou gravemente os deveres inerentes às suas funções e afectou, com a sua conduta, o prestígio do Ministério Público, até o funcionamento do sistema judicial.
Daí resulta a gravidade e o alto grau de ilicitude dos factos, o dolo intenso do arguido recorrente, tendo em consideração as suas funções que desempenhava.

No presente caso, é muito evidente se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Relator


___________________________
Tam Hio Wa
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

Processo n.° 719/2010 (Recurso Penal)
Recorrente: B
Data: 15 de Novembro de 2012

I – RELATÓRIO
No processo nº CR3-09-0278-PCC do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Base, após julgamento em processo comum e perante tribunal colectivo, foi o recorrente B condenado, pela prática de um crime de peculato, do tipo previsto e punido pelo art° 340º n°1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

Inconforma do, o recorrente interpôs recurso do acórdão, tendo oferecido as seguintes conclusões:
1. O recorrente circunscreve o recurso à questão da suspensão da execução da pena de 1 ano e 6 meses que lhe foi criterioasamente aplicada pelo Ilustre Colectivo em 1.ª Instância.
2. Fundamentou o tribunal a decisão de não suspender a pena no grau de dolo e na violação de deveres funcionais de forma intensa, afectando o prestígio do Ministério Público, mau grado a confissão e a reparação do dano na sua componente patrimonial, do que teria resultado que gravidade das consequências do seu acto.
3. A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal - exigindo-se que a pena de prisão aplicada não exceda 3 anos - outro material - consistindo num juízo de prognose, segundo o qual, o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral.
4. O pressuposto material da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial).
5. A possibilidade legal de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta com o fim de reparar o mal do crime e de facilitar a readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida que, simultaneamente e porque não deixa de ser uma pena, garante suficientemente a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico.
6. A lei dá preferência à pena não privativa da liberdade, sendo entendimento uniforme considerar-se que o Tribunal, colocado perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, não só deve fundamentar especificamente a pena concretamente aplicada como a denegação da suspensão da execução da pena.
7. O Exm°. Colectivo não ofereceu motivos suficientemente compreensíveis para a opção feita no sentido da primeira ao invés de pela segunda.
8. Para apurar se, no caso, estavam, decisivamente, em causa, as exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico que tomariam inadequada a suspensão da execução da pena aplicada ao ora recorrente (prevenção geral), seria necessário avaliar (para que estas exigências mínimas essenciais tenham de prevalecer) se a defesa do ordenamento jurídico, tendo em atenção designadamente a gravidade do crime, por um lado, e o grau de culpa, por outro, faça surgir como insuficiente a suspensão da execução da pena.
9. O Direito Criminal moderno não é, apenas, o direito de aplicar penas mas, sobretudo, um direito de moldar penas do que decorre alguma flexibilidade no uso da faculdade de suspensão da execução da pena.
10. O Tribunal aplicou ao recorrente, para reparar o dano causado na ordem moral da sociedade, uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses - dentro da moldura penal abstracta que é de 1 ano a 8 anos de prisão.
11. Decorre desta medida concreta que a culpa e a ilicitude foram graduadas em níveis não muito elevados, pois a uma infracção praticada com um elevado grau de culpa corresponde uma pena mais gravosa e a uma infracção com consequências menos graves uma pena mais leve.
12. O arguido permaneceu por três anos em exercício de funções após a prática do crime.
13. Se o ora recorrente tivesse sido julgado à revelia um ano depois da prática do ilícito e tivesse sido condenado na mesma pena, a sua pena, prescreveia dentro de um ano, pelo que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada estender-se-ia para além daquele prazo de prescrição que se deixou ficcionado.
14. Conforme decorrerá da avaliação do seu registo Biográfico e Disciplinar, o recorrente é funcionário nos tribunais há cerca de um quarto de século, isto é, há 24 anos, tendo iniciado a sua actividade profissional em 1986, no então TCG e, depois, no MP, em 1989, onde desenvolveu a sua carreira por mais de 20 anos, sempre tendo merecido as mais elevadas classificações de serviço, com uma folha disciplinar limpa.
15. A entidade patronal do arguido ora recorrente, o Ministério Público, não instaurou procedimento disciplinar contra si por ocasião dos factos que determinaram a instauração do processo crime, sendo certo que tais factos assumiam, simultâneamente, dignidade disciplinar e criminal, sendo manifesto que o MP entendeu que não se justificava a suspensão preventiva pois, para fazer accionar esse instituto, teria de instaurar, antes, o respectivo procedimento.
16. A afectação do prestígio do MP não fazia já sentido ser ponderado na decisão criminal, por ser de concluir que essa afectação perdera já todo o sentido no momento da prolacção da decisão criminal.
17. O Ministério Público, entidade patronal do arguido recorrente, nunca requereu, ao longo do processo, a sua suspensão de funções, as quais apenas vieram a ser suspensas por despacho da Meritíssima Juiz titular do processo, em 28/09/2009, num momento em que era já pouco compreensível fazer a invocação de perigo de continuação da actividade criminosa pois, se este perigo existira, deixara já de merecer ponderação, atento o tempo, entretanto, decorrido.
18. A benevolência e compreensão da entidade patronal do arguido recorrente só pode ser interpretada com base no facto de ser o recorrente um funcionário com mais de vinte anos de serviço prestado ao Ministério Público e com uma folha de serviços que justificava essa benevolência e compreensão.
19. A primodelinquência assume particular relevo num indivíduo com 41 anos de idade à data da prática do crime.
20. O cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão representaria para o recorrente um sofrimento profundo.
21. A prevenção geral, tendo em consideração o tempo que mede ou entre o cometimento do crime e o julgamento e a sua consequente condenação, satisfaz-se plenamente com a aplicação de uma pena não detentiva.
22. Há coincidência no bem jurídico que se pretende proteger, no foro criminal e no foro disciplinar: a preservação da capacidade funcional do serviço público em causa; o interesse num exercício funcional das tarefas públicas isento e sem mancha.
23. Há indícios nos autos de que no processo disciplinar não seria aplicada uma pena expulsiva.
24. Após 4 (quatro) anos, no processo penal, foi aplicada ao recorrente uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses, pena que a ser efectiva vai ter um efeito não pretendido pelos Serviços que foram mais directamente atingidos pela conduta censurável do recorrente.
25. A efectiva reintegração social e profissional do recorrente está demonstrada em 4 (quatro) anos sucessivos de comportamento socialmente adequado.
26. A prognose social do recorrente é positiva, pelo que não lhe deveria ter sido negada a concessão do benefício da suspensão da execução da pena.
27. O Ac. recorrido violou o disposto o art.°s 48.° do C. Penal.
NESTES TERMOS e contando com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao recurso e suspensa a execução da pena aplicada ao arguido pelo período de dois anos, subordinando-a ao cumprimento de deveres e regras de conduta julgados adequados ao caso.
Por ser de JUSTIÇA!
Requer, ao abrigo da norma do art.° 616.° do C.P.Civil, subsidiariamente aplicável, se dignem Vossas Excelências autorizar a junção aos autos do documento junto e ainda do Registo Biográfico e Disciplinar do arguido (protestado juntar), por se tratar de junção de documentos que se torna necessária em virtude do julgamento em 1.ª instância e invocando o princípio da verdade material.
Pede deferimento.

A Digna Magistrada do MP apresentou resposta, não repugnando que seja prendido-se com a suspensão, ou não, da execução da pena aplicada ao recorrente, e tendo oferecido as seguintes conclusões:
1. 上訴人僅提出在量刑方面其應可獲暫緩執行徒刑,而原審判決沒有給予暫緩執行,是違反《刑法典》第48條之規定。
2. 對於上訴人的觀點,不能予以認同。
3. 根據《刑法典》第48條及第40條之規定,在給予暫緩執行徒刑上,除考慮行為人之人格、生活狀況、犯罪前後之行為及犯罪之情節外,還需考慮預防犯罪之需要。
4. 在本案,上訴人符合給予暫緩執行徒刑的客觀要件,但是,還需要符合相關規定的實質要件,方可給予暫緩執行徒刑。
5. 值得提出的是,上訴人清楚明白扣押物有別於一般的財物,扣押的金錢既有可能需要原物作為證據,用以支持控訴,亦有可能是苦主遭受侵害的財物,他日需要返還其正當所有人。但是,上訴人卻將之據為己有,完全不理會刑事訴訟的證據有可能因此減弱,甚至出現更差的後果,也不理會犯罪行為的苦主知悉財物一再被侵害的感受。因此,上訴人雖然長時間擔任公職,卻為求滿足一己私利,將扣押物據為己有,對公共利益及他人利益完全置之不理,完全違反公務人員專為公共利益服務的職業義務。
6. 此外,上訴人的犯罪手段同樣值得注意。案中交由上訴人移送銀行存放的扣押物,已經用專用膠袋裝載,再套進專用信封,然後在信封面加蓋印章及以火漆封口,信封正面標明偵查卷宗編號及信封內的金額。從扣押物的包裝,不論是其內裡層層保護,還是其外觀以火漆封口,均顯示該物品的重要性。但是,上訴人仍然是費盡心思,將信封割開,取去裡面的金錢,移花接木替換成為相同尺寸的紙張。由此顯示,上訴人雖為初犯,但是其犯罪行為經過考量及籌備,故意程度相當高。
7. 上訴人擔任公職,有穩定的收入,實不存在經濟困難的情況,因理財不善而出現的短期週轉困難,亦可以有多種途徑解決。但是,上訴人卻選擇犯罪來增加個人收入。在案件揭發後,雖然上訴人已填補相關金額,實際上其完全有能力及應該作出該項賠償,但是,其取去的並不是一般財物,而是扣押物。為實現公正,人們將一系列的權能交託予檢察機關,其中包括對涉及犯罪的私人財物作出扣押,這是對機關的信任。上訴人的行為嚴重損害了機關的威信,因此,即使金錢上已賠償了相關損失,犯罪的惡害仍然是難以修補。
8. 綜上所述,上訴人是初犯及已賠償了相關金額,在量刑時應予以考慮,但是,其犯罪行為情節嚴重,大大損害人們對法律制度的期盼,因此,其刑罰必須足夠反映事實的嚴重性,方能顯示法律對其行為的回應及修補由該不法行為所造成的損害,從而重建人們的信任並警惕可能的行為人打消犯罪的念頭。基此,為著一般預防犯罪的需要,上訴人不符合給予暫緩執行徒刑的實質要件。
9. 正如Jorge Figueiredo Dias教授所闡述,“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - a luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuseram «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»”.
10. 因此,上訴人所述瑕疵,並不存在。
基此,上訴應理由不成立,原審法庭之判決應予維持,請求法官閣下作出公正判決。

Nesta Instância, a Digna Procuradora-Adjunta pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos.
Foi realizada a audiência de julgamento nos termos do art. 414º do Código Processo Penal.
Cumpre agora decidir.

II – FACTOS
O Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
1. Desde 14 de Março de 1989 que o arguido B trabalha nos Serviços do Ministério Público, sendo que, desde o estabelecimento da RAEM, foi nomeado Escrivão Judicial adjunto daqueles Serviços, competindo-lhe vigiar os detidos e transportar documentos entre outras.
2. O arguido estava também encarregado de proceder ao transporte e depósito de dinheiro apreendido nos processos no Banco Nacional Ultramarino.
3. Em 1 de Novembro de 2006, para executar o despacho do procurador no processo de inquérito 8550/2006 da 2.ª Secção para depósito do dinheiro apreendido no Banco Nacional Ultramarino, o funcionário da Secção Central do Ministério Público, C (identificado a fls. 20), contou o dinheiro apreendido no montante de HK$55,400.00 e colocou-o num envelope dos serviços, fechou o envelope, apôs-lhe um carimbo e lacrou-se e escreveu nele: «INQ.8550/2006» e «Numerário em dólares de Hong Kong: 55,400.00).
4. No mesmo dia, 1 de Novembro de 2006, quando o referido C empacotou o referido montante em dinheiro, entregou-o ao arguido para depositar no Banco Nacional Ultramarino, pelo que o arguido, na Secção Central, assinou o «Protocolo para a Entrega de Guias de Depósito» referente ao biénio 2006/2007 o facto de ter recebido o envelope.
5. O arguido não cumpriu o despacho do procurador, não procedeu ao depósito no banco e, na secretaria, quando mais ninguém se encontrava na secretaria, abriu o envelope com um xizato e retirou o dinheiro no montante de HK$55,400.00 e colocou papel de revista cortado com o mesmo tamanho e volume do dinheiro apreendido e colocou-o dentro do envelope, fechando-o.
6. Depois disso, o arguido levou o referido envelope ao BNU e depositou-o no banco sob o nome «dinheiro apreendido no processo de inquérito 8550/2006».
7. Em 22 de Novembro de 2006, o arguido apresentou 2.ª secção do MP um comprovativo do recebimento do envelope pelo banco para ser junto ao processo, o qual foi assunado pelo funcionário daquela secção.
8. Em 9/04/2007, o procurador deduziu acusação no inquérito n.° 8550/2006 e em 8 de Maio de 2007 o processo foiremetido ao Tribunal Judicial de Base, no qual foi registado sob o número CR3-07-0102-PCC do 3.° Juízo criminal.
9. Em 4 de Fevereiro de 2008, o 3.° Juízo Criminal enviou uma carta ao BNU para obter o levantamento e devolução do envelope contendo a importância de HK$55,400.00 para proceder ao pagamento das custas processuais no montante de MOP$6,160.00.
10. Em meados de Fevereiro de 2008, o Escrivão de Direito substituto D (identificado a fls. 91) foi notificado pelo BNU e ordenou ao seu staff para levantar o envelope e manteve-se no seu gabinete em armário próprio.
11. Em 10 de Março de 2008, pelas 19 horas, quando a Escrivã Judicial Adjunta F (identificado a fls. 94) foi buscar a referido envelope ao gabinete da testemunha D, descobriu os factos.
12. Em 11 de Abril de 2008, pelas 19h, depois da polícia ter obtido a autoriozação do arguido, foi efectuada uma busca à sua residência, sita em Macau, Taipa, Rua de ……., Edifício ……, Torre …, …° andar …, e encontraram duas revistas «Post Magazine» editadas em 30 de Março de 2008 e 06 de Abril de 2008 numa gaveta dentro de uma pequena mesa da sala. Depois de examinadas as revistas provou-se que o papel utilizado pelo arguido parta substituir as notas apreendidas no inquérito, foi cortado de uma revista «Post Magazine» de Setembro de 2006.
13. O arguido actuou, na circunstância, livre, voluntária e conscientemente e com intenção de cometer os actos acima referidos.
14. O arguido era Escrivão Adjunto, uma das suas funções consistia no transporte de dinheiro para o BNU e utilizou as suas funções para obter um beneficio ilícito e apropriar-se do dinheiro em questão, sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.
15. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei de Macau.
Foi ainda dado por provado:
1. O arguido confessou os factos livre e voluntariamente.
2. Na fase de investigação, o arguido devolveu o dinheiro de que se havia apropriado.
3. De acordo com o certificado do registo criminal, é delinquente primário.
4. O arguido declarou que era Escrivão Adjunto dos Serviços de Acção Penal do Ministério Público e que auferia um salário correspondente ao índice 365. As suas funções foram suspensas por virtude deste caso. Não aufere qualquer salário e tem a seu cargo mulher e uma filha. Tem o 11.°ano do ensino secundário.
Facto não provado:
  Os restantes factos constantes da acusação que não estejam em conformidade com os factos provados.


III - FUNDAMENTOS

O objecto do presente recurso prende-se com a suspensão da execução da pena de prisão.
Endente o recorrente que se mostravam preenchidos os pressupostos legais para tal suspensão.

Ao determinar a suspensão da execução da pena de prisão, toma-se em consideração o disposto no art.° 48º do Código Penal.
Dispõe o referido artigo o seguinte:
“Artigo 48.º
(Pressupostos e duração)
1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”

No entanto, o instituto da suspensão da execução da pena não é de aplicação automática, sendo de aplicar apenas nos caso em que se verificam, em situação concreta, todos os pressupostos, tanto formais como materiais.

Quanto ao pressuposto formal, fala-se da medida da pena aplicada, que é a pena de prisão não superior a 3 anos, requisito este que está verificado no presente caso concreto, face à pena concreta de 1 ano e 6 meses de prisão, aplicada ao arguido recorrente.

Contudo, o mesmo já não sucedeu com o pressuposto material de aplicação do instituto em causa – que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua por um prognóstico favorável: que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No presente caso, fica provado o seguinte:
“Desde 14 de Março de 1989 que o arguido B trabalha nos Serviços do Ministério Público, sendo que, desde o estabelecimento da RAEM, foi nomeado Escrivão Judicial adjunto daqueles Serviços, competindo-lhe vigiar os detidos e transportar documentos entre outras.
O arguido estava também encarregado de proceder ao transporte e depósito de dinheiro apreendido nos processos no Banco Nacional Ultramarino.
……
O arguido não cumpriu o despacho do procurador, não procedeu ao depósito no banco e, na secretaria, quando mais ninguém se encontrava na secretaria, abriu o envelope com um xizato e retirou o dinheiro no montante de HK$55,400.00 e colocou papel de revista cortado com o mesmo tamanho e volume do dinheiro apreendido e colocou-o dentro do envelope, fechando-o.
Depois disso, o arguido levou o referido envelope ao BNU e depositou-o no banco sob o nome «dinheiro apreendido no processo de inquérito 8550/2006».
Em 22 de Novembro de 2006, o arguido apresentou 2.ª secção do MP um comprovativo do recebimento do envelope pelo banco para ser junto ao processo, o qual foi assunado pelo funcionário daquela secção.
……
O arguido era Escrivão Adjunto, uma das suas funções consistia no transporte de dinheiro para o BNU e utilizou as suas funções para obter um beneficio ilícito e apropriar-se do dinheiro em questão, sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.”

Da referida conduta, verifica-se que o arguido recorrente, enquanto funcionário de justiça do Ministério Público que estava encarregado de proceder ao transporte e depósito de dinheiro apreendido nos processos no banco, se apropriou da quantia do valor elevado, apreendido num determinado processo.
O modo de execução do crime revela, sem dúvida, o dolo intenso do arguido recorrente.

Ora, os factos dados como provados demonstram que o arguido recorrente violou gravemente os deveres inerentes às suas funções e afectou, com a sua conduta, o prestígio do Ministério Público, até o funcionamento do sistema judicial.
Daí resulta a gravidade e o alto grau de ilicitude dos factos, o dolo intenso do arguido recorrente, tendo em consideração as suas funções que desempenhava.

É de salientar que, para concessão da suspensão da execução da pena, deve partir-se de um juízo de prognose favorável ao agente, mas não se fica por aqui, sendo necessário ainda considerar-se as necessidades de reprovação e prevenção geral do crime em causa.

Entende o Prof. Figueiredo Dias que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuseram as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.” (Direito Penal Português, P. 344)

Por outras palavras, mesmo seja favorável o juízo de prognose, atendendo as razões da prevenção especial, deverá, ainda, o tribunal decidir se a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime.
No presente caso, é muito evidente se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo exposto, é de manter a decisão do Tribunal a quo em não suspender a execução da prisão.

IV – DECISÃO
Face ao acima exposto, acordam julgar improcedente o recurso confirmando a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo arguido recorrente com taxa da justiça de 8 UCs.
Comunique, notifique e D.N..
          15 de Novembro de 2012
         
         
          ______________________________
          Tam Hio Wa (Relator)
         
         
          ______________________________
          Chan Kuong Seng
          (Segundo Juiz-Adjunto)
         
         
          ______________________________
          José Maria Dias Azedo
          (Primeiro Juiz-Adjunto)
          (Segue declaração de voto)






Processo nº 719/2010
(Autos de recurso penal)

Declaração de voto


Vencido.

Com o Acórdão que antecede esta declaração confirmou-se a decisão do T.J.B. que condenou o arguido dos autos como autor de 1 crime de “peculato” na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Cremos, porém, que inadequada é tal pena.

Vejamos.

Está (em síntese) provado que o arguido, em 2006, enquanto funcionário judicial, apropriou-se da quantia de HKD$55.400,00 que constituía o “apreendido” dos Autos de Inquérito n.° 8550/2006, a correr termos nos Serviços do Ministério Público.

Ora, tal conduta, para além de constituir o crime pelo qual foi o arguido acusado e condenado, (“peculato”), é, também, (obviamente), “reprovável”, exigindo uma “reacção penal adequada”.

Contudo, no caso, face aos elementos existentes nos autos, afigura-se-nos excessiva a pena decretada e confirmada com o Acórdão pela maioria deste Colectivo prolatado.

Importa não olvidar que o arguido, devolveu, pronta e integralmente, tal quantia (quando os presentes autos estavam na fase de inquérito), confessando, integralmente e sem reserva os factos, demonstrando (assim) arrependimento, que se crê, sincero, e vontade de reparar o mal que causou na medida do que lhe era possível.

Para além disso, mostra-se-nos de se ter também em conta que se trata de um arguido com quase 50 anos de idade, (nascido em 1964), e cerca de 25 anos de serviço prestado, mais concretamente, nos serviços do Ministério Público, constatando-se assim que aí investiu boa parte dos “melhores anos da sua vida”.

Dest’arte, e se a isto se aditar o facto de ser o mesmo arguido “primário”, e que em causa está pouco mais que HKD$50.000,00, razoável nos parece de concluir que excessiva é a pena decretada.

Com efeito, os factos ocorreram há mais de “6 anos”, constituindo uma “ocorrência pontual”, (e tudo o indica, até porque do seu “registo biográfico” nada de negativo consta), num “momento de fraqueza” do arguido, sendo que o mesmo está perfeitamente integrado na sociedade, não nos parecendo assim adequada (ou necessária) a sua privação da liberdade.

Na verdade, a “suspensão da execução da pena” não deixa de ser uma “verdadeira pena”; (cfr., v.g., A. Rodrigues in “Critério de Escolha das Penas de Substituição” in Estudos em Homenagem ao Prof. E. Correia, B.F.D. (número especial), Coimbra, 1984, pág. 33; F. Dias in, “Dto Penal Português Parte Geral. As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 90, e ainda, sobre a questão e sua evolução, o Ac. da Rel. Évora de 26.11.2009, Proc. n.° 54/99).

E, não sendo de olvidar que (uma actual visão das coisas aconselha o entendimento segundo o qual) a “prevenção geral” não significa “pura intimidação”, mas intimidação limitada ou conforme ao sentimento jurídico comunitário que confere à pena uma função também socialmente estabilizadora ou integradora, é de concluir que, se o exige o caso concreto, a suspensão da execução da pena condicionada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta - art°s 49° e 50° do C.P.M. – como forma de reparar o mal do crime (encarado, unicamente, na sua dimensão social) restabelece a confiança geral na validade da norma violada e, nessa medida, assegura tal necessidade (de prevenção geral).

De facto, a “suspensão condicionada” não deixa de ser um meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade, permitindo potenciar as virtualidades do instituto de suspensão da execução da pena, que não se limita a confiar na ideia da (mera) ameaça da pena e do seu efeito intimidativo, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam, tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime; (cfr., F. Dias, ob. cit., 2005, reimpressão, pág. 339).

Nesta conformidade, ponderando tudo o que se tentou deixar explicitado, julgava procedente o recurso, concedendo a peticionada suspensão da execução da pena, (admitindo que o fosse) pelo período (máximo) de 5 anos, e impondo-se, ao arguido, nos termos do art. 49°, n.° 1, al. c) do C.P.M., o dever de pagar uma indemnização a uma instituição de solidariedade social local, e as “regras de conduta” previstas nas alíneas a) e g) do n.° 2. do art. 50° do mesmo Código.

Macau, aos 15 de Novembro de 2012

José Maria Dias Azedo
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